SUMÁRIO:
I- A parte do lucro, tributável em IRC, oriunda de uma atividade empresarial realizada no estrangeiro através de um estabelecimento estável ou similar, não está sujeita ao pagamento da derrama municipal por falta de legitimidade de um qualquer município português para a tributar.
II- Nos demais casos (vg. rendimentos passivos oriundos do estrangeiro), a tributação em derrama municipal deve ter lugar por, dada a ausência de uma estrutura empresarial no estrangeiro, tais rendimentos serem, legalmente, localizados no município da sede do sujeito passivo
DECISÃO ARBITRAL
A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Lisboa, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I – RELATÓRIO
O Pedido
A Requerente pede:
- anulação parcial da autoliquidação do IRC relativa ao exercício de 2021, na parte respeitante à derrama municipal, com as consequências legais, nomeadamente, a devolução do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
- consequente revogação da decisão da reclamação graciosa, na parte objeto de indeferimento.
- condenação da AT no pagamento das custas de arbitragem.
O litígio
Como melhor resultará do constante em “Factos Provados”, a Requerente obteve rendimentos de capitais oriundos do estrangeiro, os quais foram incluídos no seu lucro tributável em IRC e, assim, sujeitos à incidência da derrama municipal.
A Requerente entende que tal fração do seu lucro não está sujeito a derrama municipal. Apresenta para tal diferentes argumentos, quais sejam, em síntese:
- a derrama municipal foi criada com vista a financiar os municípios pelos custos que têm de assumir face à presença, nos respetivos municípios, de sociedades comerciais (que beneficiam de infraestruturas públicas, respetiva manutenção, prestação de serviços públicos, etc.).
- a derrama municipal constitui, entre outras, uma figura no âmbito dos denominados “impostos municipais”, que assentam, sobretudo, no princípio do benefício
- assim (no entendimento da Requerente), resulta claro da letra da Lei que o âmbito de sujeição da derrama municipal se encontra limitado ao lucro tributável que seja imputável a rendimentos gerados em cada um dos municípios existentes em território nacional e nos quais o sujeito passivo tenha presença/exerça a sua atividade.
- impondo, por maioria de razão, a conclusão que sobre os rendimentos gerados fora da circunscrição geográfica de Portugal não deverá incidir qualquer derrama municipal.
Por seu lado a Requerida entende que a derrama municipal deve incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, recaindo, assim, também, sobre rendimentos provenientes de fonte estrangeira, pois a legislação em vigor que disciplina a figura da derrama municipal não prevê qualquer norma em sentido contrário.
C) Tramitação processual
O pedido foi aceite em 17/12/2024.
Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.
O tribunal arbitral ficou constituído em 25/02/2025.
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.
A solicitação da Requerente, foi concedida às partes a possibilidade de apresentarem alegações, das quais, antes, o tribunal havia prescindido.
A Requerente, reafirmando o essencial do constante do pedido de pronúncia no relativo à questão de direito (não sujeição a derrama municipal dos rendimentos em causa), procedeu à análise da jurisprudência arbitral entretanto surgida (que, em casos de inexistência de estabelecimento estável no estrangeiro, ou realidade económica equivalente, ao qual a produção deste tipo de rendimentos deva ser imputada, conclui pela improcedência dos pedido) manifestando as razões da sua discordância,
A Requerida apresentou também alegações, reafirmando igualmente o essencial do já constante da sua resposta.
D) Saneamento
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades. Não foram alegadas nem detetadas questões suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito
II – PROVA
II.1 - Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é residente para efeitos fiscais em Portugal, tendo por objeto social o exercício de atividades de seguro e resseguro do ramo Vida.
b) Na declaração modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2021, a Requerente apurou um resultado fiscal positivo de € 27.131.343,37 e, em consequência, uma derrama municipal no montante de € 406.970,15.
c) A referida declaração deu lugar à nota de liquidação de IRC n.º 2022 ..., no valor de € 1.121.515,73.
d) Segundo a contabilidade da Requerente (rúbrica #74), os rendimentos de investimentos ascenderam ao montante total de € 35.353.747,06.
e) Valor no qual se incluem rendimentos obtidos no estrangeiro, conforme segue:
• Rendimentos de obrigações, designadamente juros, pagos por sociedades estrangeiras, no montante total de € 19.682.347,95;
• Rendimento de ações, nomeadamente dividendos, pagos por sociedades estrangeiras, no montante total de € 288.521,251;
• Rendimentos decorrentes de unidades de participação, pagos por fundos de investimento sedeados no estrangeiro, no montante total de € 3.120.862,70;
Num total de € 23.091.731,90.
f) Tais rendimentos obtidos no estrangeiro deram origem à incidência de derrama municipal no valor de € 346.375,98.
g) A Requerente liquidou derrama municipal sobre a totalidade do lucro tributável, não podendo apurar este tributo de forma distinta atentas as limitações inerentes ao sistema informático da Autoridade Tributária.
h) Em tal autoliquidação da derrama municipal não foi tida em conta uma isenção concedida pelo Município de Lisboa.
i) A Requerente pagou o montante total de imposto autoliquidado
j) A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IRC em causa, no relativo ao cálculo da derrama municipal, tendo sido deferida a sua pretensão quanto à consideração da isenção e indeferida no tocante aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
Estes factos resultam da documentação junta aos autos, nomeadamente do PPA, não tendo suscitado qualquer divergência entre as partes.
II.2 – Factos não provados
Não existem factos dados como “não provados” relevantes para a decisão da causa.
III- O DIREITO
1 - Este tribunal arbitral entende sufragar a posição constante, entre outras, da decisão arbitral 950/2024, sendo que – como se dirá – tal posição surgiu, entretanto, reforçada pela jurisprudência do STA.
Por simplicidade, transcreve-se o essencial de tal decisão:
1- A causa de pedir
A Requerente funda o seu pedido na invocação da ilegitimidade de um qualquer município português para exigir o pagamento da parte da liquidação da derrama que impugna por “falta de conexão territorial”, uma vez que estão em causa rendimentos oriundos do estrangeiro. Ou seja, a Requerente põe em causa o direito à tributação do município onde se situa a sua sede (e a de qualquer outro município português) relativamente aos rendimentos oriundos do estrangeiro.
A posição da AT louva-se nas normas de incidência real da derrama municipal, as quais remetem para as normas de incidência do IRC, as quais, por sua vez, estabelecem um âmbito mundial dessa tributação (worlwide income) relativamente aos sujeitos passivos residentes em Portugal.
É bom de ver que a aplicação das regras de incidência está condicionada à existência de legitimidade para tributar. Não existindo tal legitimidade, ainda que apenas parcialmente – relativamente a rendimentos oriundos do estrangeiro – fica, sem mais, excluída a aplicação das regras de incidência, seja elas quais forem. Portanto, a validade da posição sustentada pela AT– a qual, em abstrato, se nos afigura correta – depende, in casu, de um pressuposto, o da improcedência da causa de pedir invocada pela Requerente.
2-- A jurisprudência
Desde sempre foi pacífica a ideia de que, coincidindo a incidência real da derrama municipal com a do IRC, os rendimentos obtidos fora do território português estariam sujeitos, também, a tributação pelo primeiro dos referidos impostos. A dissonância surge, ao que cremos pela primeira vez ao nível do STA, no processo n.º 03652/15.3BESNT 0924/17, de 13 de janeiro de 2021. Pela sua importância, transcrevemos o respetivo sumário:
I - O reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à “proporção”, à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar que o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.
II - As derramas municipais têm, para legitimação, de se ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo…
III - Em situações de isoláveis parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo.
IV - O lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos.
Importará salientar o seguinte:
O que estava em causa nesse aresto era (citamos): Do resultado do GRUPO A…………….., no valor total de € 65.181.876,87, resultou provado que € 52.079.027,80 resultam de rendimentos gerados exclusivamente pelas Sucursais e Estabelecimento Estável da Sociedade ora RECORRENTE (individualmente considerada), constituídos em Angola, Moçambique e Argélia.
Portanto, mesmo perfilhando a posição de princípio assumida em tal acórdão, há que saber se a conclusão por ele sufragada é transponível para uma situação factual diferente, que é a dos presentes autos – a de rendimentos oriundos do estrangeiro obtidos sem intermediação de um estabelecimento estável ou realidade económica equivalente sita noutro país. E, adiantamos desde já, a conclusão pode ser diferente sem qualquer contradição com o decidido pelo STA, dada evidente falta de identidade factual.
Mais: pensamos que parte da jurisprudência arbitral citada pela Requerente se limitou a louvar-se no sumário de tal acórdão do STA, sem cuidar da relevância da realidade factual sub judice em cada um desses casos.
(…)
6- A legitimidade para tributar
Em concreto, a questão coloca-se relativamente a rendimentos oriundos do estrangeiro obtidos por uma entidade sediada em Portugal (necessariamente, num município português).
A pergunta que se coloca é saber se tal município tem ou não legitimidade para os tributar. A questão não se coloca, nos mesmos termos, relativamente a rendimentos gerados em Portugal: neste caso, a tributação em derrama municipal é legítima, por existência do elemento de conexão relevante. O tema será então o da repartição do lucro que serve de base à incidência deste imposto quando a atividade empresarial do sujeito passivo se reparta por vários municípios.
Como vimos, resulta da “lógica” da derrama municipal, tendo expressão literal no nº 1 do art.º 18.º da Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais), que a legitimidade da tributação se refere aos rendimentos gerados na área do município. O que bem se compreende, porquanto só relativamente a empresas presentes no espaço municipal é que se pode falar da prestação de serviços e outros bens pelo ente públicos, geradores do benefício que, materialmente, legitima esta tributação local[1].
É também o grau de presença em cada município que legitima a intervenção autónoma da respetiva assembleia municipal, o exercício dos poderes de autotributação atrás referidos
Importará clarificar o significado de rendimentos gerados. Está em causa – cremos que incontestavelmente - a localização da fonte económica do rendimento, o lugar onde efetivamente é levada a cabo a atividade dele geradora. Não está em causa, portanto, a fonte financeira de tais rendimentos, o local onde são pagos, onde se situa a entidade devedora ou a pagadora. O mesmo é dizer que, no nosso entendimento, não basta o facto de o a entidade devedora estar situada no estrangeiro, aí exercer a sua atividade, (de se tratar de rendimentos oriundos do estrangeiro) para os excluir da tributação em derrama municipal. Para tal tributação não ter lugar, tais rendimentos têm de provir de uma atividade empresarial realizada no estrangeiro pelo sujeito passivo, ser gerados fora de Portugal.
O mesmo é dizer que entendemos que apenas nos casos em que seja possível localizar no estrangeiro a atividade geradora do rendimento é que este ficará excluído de tributação em Derrama Municipal. Um rendimento, integrando o lucro tributável e IRC, será imputável à atividade no estrangeiro de um residente em Portugal quando decorrer da atividade de um estabelecimento estável situado no estrangeiro. Existindo no estrangeiro um estabelecimento estável, uma qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, nenhuma dúvida existirá quanto à localização da fonte económica dos rendimentos assim obtidos. E nenhuma dúvida existirá, também, quanto à não existência de um qualquer benefício (disponibilização de infraestruturas, prestação de serviços, etc.) resultante da atividade do município português que se arroga do direito à tributação.
Esta linha de pensamento, que pensamos estar em consonância com o citado acórdão do STA, foi sustentada, ao que cremos pela primeira vez, por José Carlos Abreu na sua monografia A Tributação dos Estabelecimentos Estáveis[2], a qual continua a ser referência principal sobre o tema:
Defendemos assim que, para efeitos de derrama, ao lucro tributável total apurado pela empresa deve ser expurgado o lucro obtido através do estabelecimento estável localizado no estrangeiro. Relativamente a rendimentos obtidos no estrangeiro (melhor, oriundos do estrangeiro) sem intermediação de um estabelecimento estável há que concluir que, por falta de suficiente elemento de conexão, os mesmos se consideram como tendo sido obtidos no município onde se localiza a sede do sujeito passivo, em obediência ao que dispõe (presunção legal) o nº 13 do art.º 18º da Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais.
O que corresponderá, em geral, à realidade: os rendimentos obtidos sem intermediação de um estabelecimento estável corresponderão, por regra, a rendimentos passivos nomeadamente rendimentos de capitais.
Tais rendimentos resultarão, as mais das vezes, de uma atividade, ainda que mínima, realizada em Portugal, onde se situa a sede da sociedade. Serão aí que serão tomadas as decisões de investimento, feita a gestão da carteira de títulos, a emissão da documentação relativa aos montantes recebidos, etc. Será aí que serão suportados os custos inerentes.
7- Decidindo:
Transpondo as considerações anteriores para o caso concreto temos que não foi, sequer, alegada a existência de uma sucursal, de um estabelecimento estável ou de uma qualquer outra estrutura economicamente equivalente situado no estrangeiro, à qual deva ser imputada a obtenção dos rendimentos (mais valias) em causa nos presentes autos.
Mais ainda, não foi alegado e/ou demonstrado que a fonte económica das mais-valias (segundo o alegado pela Requerente, estão em causa participações em fundos detentores de ativos hoteleiros) esteja situada fora do território português. Estamos perante rendimentos passivos, a qual, como é normal, não terá implicado a existência de uma qualquer estrutura diretamente afeta à sua obtenção. É assim de aplicar (diretamente ou por evidente identidade de razões) o disposto no nº 13 do art.º 18º da Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais: Nos casos não abrangidos pelo n.º 24 , considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 125.º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade. Em suma, os rendimentos em causa, porque não imputáveis a estabelecimentos estáveis ou similares e localizados no estrangeiro, têm-se por localizados no município onde se situa a sede da Requerente, o qual, por tal razão, tem legitimidade para os tributar em derrama municipal.
2- Duas notas mais:
Primeira, para acentuar que também no caso ora em apreço estão em causa rendimentos passivos. Como a Requerente expressamente confessa, os rendimentos por ela obtidos oriundos do estrangeiro são rendimentos de obrigações, designadamente juros, rendimentos de ações, nomeadamente dividendos e rendimentos decorrentes de unidades de participação em fundos de investimento.
Segunda para dar o devido releva ao facto de, muito recentemente, ter sido proferido pelo STA um acórdão (em 02-04-2025, no proc. 0560/22) versando a mesma questão no mesmo contexto factual, o qual – salvo melhor opinião – veio confirmar o entendimento que vínhamos subscrito,
Citamos de tal acórdão:
Com efeito, em relação aos rendimentos obtidos nos estrangeiro, como se viu, o artigo 18º nº 13 da Lei n.º 73/2013, de 03-09 é claro ao determinar que “[n]os casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo […]”.
Pois bem, a regra estabelecida apenas cede nos casos em que “os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município” e só nestes últimos casos haverá repartição de derrama pelos restantes municípios, ou seja, “a repartição da derrama pressupõe a não coincidência (em rigor, a segregação) entre o município da sede/direcção efectiva da empresa e o(s) município(s) do(s) estabelecimento(s) estável(is) … . No caso de não existir um município onde se encontre localizado um estabelecimento estável, não há elemento de conexão relevante e, por consequência, a derrama é entregue por inteiro ao Município da sede/direcção efectiva. …” – Saldanha Sanches, A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios, Fiscalidade, nº 38, 2009, pág. 146.
Na situação dos autos, em nenhum momento se fala em estabelecimentos estáveis ou representações que poderiam implicar uma outra leitura da realidade em apreço (sublinhado nosso).
Além disso, a lei não aponta qualquer elemento no sentido de se poder dizer que o rendimento se considera gerado no local da sede ou direcção efectiva da entidade que paga ou coloca à disposição os rendimentos.
Temos, pois, duas decisões do STA de sentido diferente.
No nosso entender, não porque exista contradição, mas sim porque se referem a situações factuais distintas: numa (acórdão de 2021, acima referido) estavam em causa rendimentos oriundos do estrangeiro aí obtidos através de estabelecimento estável; noutra (acórdão de 2024, ora referido) rendimentos oriundos do estrangeiro obtidos sem intermediação de estabelecimento estável. Precisamente a distinção que entendemos ser de fazer.
Isto sem prejuízo de se conhecerem decisões arbitrais que concluíram diferentemente, o que abrirá a possibilidade de recurso para uniformização de jurisprudência
IV- DECISÃO ARBITRAL
Pelo exposto, conclui-se pela improcedência do pedido principal e, consequentemente, dos demais, porque daquele dependentes, sem prejuízo do decidido em sede de reclamação no relativo à isenção de derrama municipal concedida pelo município de Lisboa.
Valor: € 346.375,98
Custas arbitrais, no montante de € 5.814,00, a cargo da Requerente por ter sido total o seu decaimento.
23 de junho de 2025
Os árbitros,
Rui Duarte Morais (relator)
Clotilde Celorico Palma
Gonçalo Marquês de Menezes Estanque
(com declaração de voto de vencido)
Declaração de voto de vencido
Teria julgado procedente o pedido arbitral com fundamento no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 13/01/2017, processo n.º 03652/15.3BESNT 0924/17.
Com o devido respeito, na minha opinião, parece existir uma contradição entre os referidos Acórdãos do STA (i.e. entre o Acórdão, por mim, supra referido e o Acórdão de 02/04/2025, no proc. n.º 0560/22). Não me parece que exista, para efeitos de sujeição ou não a derrama municipal, uma diferença entre rendimentos obtidos fora de Portugal através de um estabelecimento estável e entre rendimentos passivos de fonte estrangeira (e.g. juros, dividendos, etc.). Afinal, em ambas as situações estamos perante rendimentos de fonte estrangeira.
Ora, o artigo 18.º, n.º 1 do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais determina que a derrama municipal incide sobre a “proporção do rendimento gerado na sua área geográfica”e não sobre a totalidade do lucro tributável. Aliás, conforme se refere no Acórdão do STA proferido no processo n.º 03652/15.3BESNT 0924/17: “(...) no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecia a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à “proporção”, à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.
Além de esta se nos apresentar como a interpretação que melhor respeita a letra da lei, julgamos, também, ser a que melhor respeita os, mais lógicos, objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais (...)”.
Termos em que teria julgado procedente o pedido formulado pela Requerente.
[1] Uma lógica algo semelhante à das modernas contribuições financeiras.
[2] José Carlos Abreu, A Tributação dos Estabelecimentos Estáveis, Vida Económica, 2012, pág. 148.