SUMÁRIO:
1. A existência de um estabelecimento estável não implica automaticamente a existência de um sujeito passivo autónomo de IVA. Para tal, exige-se que a sucursal atue de forma independente, com autonomia económica e funcional, conforme decorre do artigo 9.º da Diretiva IVA e da jurisprudência do TJUE, designadamente do Acórdão FCE Bank (C‑210/04).
2. Quando a sucursal atua como mera extensão operacional da casa-mãe, sem autonomia decisória nem assunção do risco económico, as operações internas entre ambas não configuram prestações de serviços tributáveis, por não existir relação jurídica onerosa entre sujeitos distintos.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Prof.º Doutor Victor Calvete, Dr.ª Cristina Coisinha e Dr.º Luís Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., com o NIPC... e sede na Rua ... n.º ... a ..., ...-... Lisboa, (doravante simplesmente designada por “Requerente”), vem, ao abrigo do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 10º e ss. do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa referente ao processo n.º ...2023... e, bem assim das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e Juros Compensatórios (“J.COMP.”) de 2019, a seguir identificadas, relativas aos períodos de:
- janeiro de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 5.154,04; liquidação de J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 859,66;
- fevereiro de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 3.259,22; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 532,90;
- março de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 2.922,04; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 468,16;
- abril de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 6.845,37; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 1.072,75;
- maio de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 19.539,11; e J. COMP. n.º 20230..., no valor de € 2.999,92;
- junho de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 40.160,70; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 6.020,70;
- julho de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 28.028,18; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 4.265,98;
- setembro de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 7.567,74; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 1.055,75;
- outubro de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 7.373,48; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 1.003,60;
- novembro de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 344,59; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 240,94;
- dezembro de 2019: liquidação de IVA n.º 2023..., no valor de € 12.205,85; e J. COMP. n.º 2023..., no valor de € 1.577,70;
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral submetido em 28 de agosto de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação em 07 de agosto de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 28 de agosto de 2024.
Tendo sido devidamente notificada para, querendo, apresentar Resposta, veio a Requerida a fazê-lo, em 07 de outubro de 2024.
Em 17 de fevereiro de 2025, a fim de se poder pronunciar sobre a pertinência da reunião arbitral a que se refere o artigo 18º do RJAT, foi proferido despacho fixando prazo de 10 dias para suprir a omissão da Requerente em indicar os concretos pontos da matéria de facto que justificariam a inquirição das testemunhas arroladas, tendo igualmente o prazo para prolação de decisão sido prorrogado nos termos do n.º 2 do artigo 21º do RJAT.
A Requerente veio a indicar a factualidade a que pretendia que as testemunhas deveriam ser inquiridas, tendo sido em 24.03.2025 proferido despacho agendando para o dia 8 de abril de 2025 a inquirição das testemunhas identificadas no PPA, data em que foi igualmente junto o processo administrativo instrutor (“PA”).
Em virtude da tramitação processual definida, foi na ata exarada em 08.04.2025 – aquando da reunião arbitral – prorrogado por dois meses o prazo para prolação da decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 21º do RJAT e inquirida a testemunha arrolada, a qual compareceu nas instalações do CAAD de Lisboa.
Ficaram as partes igualmente notificadas para proceder a alegações simultâneas, no prazo de 20 dias, tendo Requerente e Requerida vindo a submeter aos autos alegações escritas, nas quais e em suma, reforçaram o posicionamento de procedência e de improcedência inicialmente aduzidas, respetivamente.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
A cumulação de pedidos é admissível, por respeitar a imposto de idêntica natureza e ter por base a mesma fundamentação de facto e de direito, estando assim verificado o preenchimento dos requisitos constantes do n.º 1 do artigo 3º do RJAT.
III. MATÉRIA DE FACTO
1 – Factos Provados:
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) O B... (“B...”) é uma fundação constituída em 7 de outubro de 1940, no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, sendo a Requerente a sua Representação Permanente em Portugal.
b) A Requerente encontra-se registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas com o n.º ....
c) A Requerente é representada em Portugal por um procurador – C...– cfr. págs. 7 e 8 do relatório de inspeção tributária (doravante designado por “RIT”) constante do PA.
d) O B... é um organismo de direito público britânico com fins educativos e culturais, financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, sendo uma entidade não residente em território nacional.
e) A atividade da Requerente é exercida sob a égide da Convenção Cultural de 1954 entre Portugal e o Reino Unido.
f) A Requerente foi reconhecida como pessoa coletiva de utilidade pública, através do Despacho n.º .../2016, cfr. Doc. 3 do PPA.
g) A principal atividade da Requerente é o ensino da língua inglesa (CAE 8559 – Escolas de Línguas), desenvolvendo também atividades culturais (CAE 94991 – Associações culturais e recreativas).
h) A atividade letiva, em 2019, foi desenvolvida através de cinco estabelecimentos – sitos em Parede, Coimbra, Lisboa, Miraflores e Porto, com autorização da Direção-Geral da Educação, integrando-se no Sistema Nacional de Educação (SNE).
i) A Requerente encontrava-se, em 2019, enquadrada para efeitos de IVA, como praticando operações isentas ao abrigo do n.º 9 do artigo 9º do CIVA, as quais abrangiam atividades de ensino e conexas.
j) Por referência a 2019, a Requerente encontrava-se registada em sede de IVA, para efeitos de aquisição intracomunitária de bens e para efeitos de aquisição de prestação de serviços intracomunitários.
k) A Requerente, no âmbito das operações que desenvolve em Portugal, utiliza exames reconhecidos internacionalmente – International English Testing System (IELTS) - que consistem num teste padronizado internacional de proficiência em língua inglesa, desenvolvido e detido em copropriedade pelo B..., pelo IDP (organização comercial australiana) e pela ... English Assessment, sendo estas entidades que são conjuntamente responsáveis pelo desenvolvimento e administração central da metodologia dos testes.
l) Também em 2019, a Requerente foi beneficiária de outros serviços relacionados com testes de avaliação da língua inglesa, designadamente provenientes da Universidade de..., com as nomenclaturas A2 Key (KET/KETfS), B1 Preliminary (PET/PETfS), B2 First (FCE/FCEfS), C1 Advanced (CAE), C2 Proficiency (CPE), Young Learners, Business English e Teaching Qualifications - Teaching Knowledge Test (TKT), a qual fatura tais serviços ao B... .
m) A contabilização relativa à aquisição dos serviços pela Requerente ao B... relacionados com testes de avaliação da língua inglesa, designadamente oriundos da Universidade de..., é efetuada na conta GL #662200 – Exam Board Fees – a qual corresponde à conta SNC #6221220, encontrando-se os custos relativos aos testes IELTS’s lançados na conta #692000.
n) Toda a operação tangente desde a conceção até à respetiva correção e notação dos exames de língua inglesa a que se referem as alíneas k) e l) é gerida e assegurada pelo B..., de forma a assegurar uma aplicação global e uniforme dos serviços de aprendizagem linguística a toda a rede internacional da operação do B... .
o) O custo dos testes a que se referem as alíneas k) e l) é suportado pela casa-mãe – B... - a qual centraliza todos os contratos e relações comerciais e contratuais com as diversas entidades referidas nas alíneas vindas de identificar, nomeadamente junto da Universidade de ... .
p) O B... procede depois ao redébito às suas representações no estrangeiro, incluindo à Requerente, a parcela dos custos, por referência ao número de exames levados a efeito em cada uma destas representações localizadas fora do Reino Unido, imputando assim, também no caso da Requerente, o custo relativo aos exames por esta realizados em território nacional.
q) A Requerente, por sua vez, faz repercutir esse mesmo custo a esta redebitado pelo B..., aos alunos (candidatos aos testes).
r) Tal imputação de custos dos testes à Requerente pelo B... reflete apenas os encargos tidos por este e não qualquer valor de mercado, sendo tal redébito às representações fora do Reino Unido objeto de auditoria periódica.
s) Esta metodologia de imputação dos custos por redébito da casa-mãe -B...– às representações desta fora do Reino Unido reflete uma realidade em que a Requerente – no que tange a todo o processo de avaliação da aprendizagem da língua inglesa desenvolvida em Portugal – atua como mera executora dos conteúdos e metodologias avaliativas concebidas e disponibilizados pela B... .
t) A Requerente não mantém qualquer relação económico-comercial direta com as entidades parceiras do B... no desenvolvimento da atividade de ensino da língua inglesa, a saber: IDP, Universidade de ... e ... English Assessment.
u) Sobre os encargos debitados à Requerente pelo B... relativos a "exam board fees", registadas na conta #6221220 e as "ico board fees" na conta #692200, melhor vindas de supra descrever, no valor global de € 576.716,75, não foi liquidado qualquer IVA em território nacional.
v) A Requerente foi objeto de ação inspetiva, a qual teve lugar ao abrigo da OI 2021..., de âmbito interno, com extensão parcial - IVA relativo ao ano de 2019 e o IRC de 01.04.2019 a 31.03.2020, da qual resultou o RIT constante de Doc. 5 junto com o PPA e constante do Processo Administrativo instrutor.
w) No que à matéria do IVA diz respeito, entendeu a AT, no supra identificado RIT, entre o mais, o seguinte:






x) Em face de tal posicionamento pelos serviços de inspeção da AT, veio o Chefe divisão da Inspeção Tributária – Departamento B – Equipa 46 – da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, em 19 de maio de 2023, a exarar despacho, no sentido de se proceder às correções aritméticas, no que ao IVA de janeiro a dezembro de 2019 diz respeito, no valor de € 136.299,59 - conforme Doc. 5 junto com o PPA e processo administrativo instrutor.
y) Sendo € 4.761,65 referentes a correções fundadas em discrepância injustificada sobre a liquidação de IVA – cfr. Capítulo III.2.IVA Aquisições Intracomunitárias do RIT – as quais não são objeto deste processo e € 132.644,86 decorrentes da invocada ilegal omissão de liquidação de IVA sobre os encargos com as aquisições intracomunitárias de testes de língua inglesa – cfr. Capítulo III.3.IVA – Aquisições Intracomunitárias – Testes de Certificação de Língua Inglesa– correção essa, que constitui objeto do dissenso nos presentes autos.
z) Na sequência de tal decisão, veio a AT a emitir e a proceder à notificação da Requerente relativamente às liquidações de IVA no valor total identificado na alínea v) e ainda a emitir liquidações de juros compensatórios, no montante total de € 20.287,42, - cfr. Doc. 2 junto com o PPA cujo teor aqui se reproduz – e aqui se melhor sintetiza na tabela infra:

aa) Inconformada com as liquidações supra melhor identificadas, veio a Requerente a deduzir – em 21.11.2023 (cfr. processo administrativo instrutor) – reclamação graciosa, à qual coube o n.º ...202... .
bb) A AT, no âmbito deste meio gracioso de defesa, veio a notificar a Requerente nos termos e para os efeitos do artigo 60º da LGT, por via postal – através de ofício datado de 19.06.2024 - do projeto de indeferimento da pretensão anulatória aduzida, conforme despacho que parcialmente se cita: “Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente informação e respetivos pareceres considero que o pedido em apreço é de indeferir nos termos propostos infra.
Notifique-se para o exercício do direito de audição prévia nos termos alínea b) do n.º 1 e n.º 5 do art.º 60.º da LGT.” – cfr. despacho do Diretor Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por delegação, de 14.06.2024.
cc) As liquidações supra identificadas não vieram a ser pagas, tendo sido, no âmbito da cobrança coerciva das mesmas –em data não concretamente apurada – apresentada garantia bancária que deu lugar à suspensão da cobrança no âmbito do respetivo processo executivo fiscal instaurado;
dd) À garantia prestada a que se reporta a alínea anterior, couberam os n.ºs ... e... – cfr. informação prestada na informação de projeto de indeferimento da reclamação graciosa, constante de PA instrutor, cujo teor se dá por reproduzido.
ee) Não tendo a reclamação graciosa em apreço sido objeto de decisão, veio a Requerente, em 19.06.2024, a apresentar o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que originou os presentes autos.
2 – Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham considerado provados.
3– Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o tribunal arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Os factos dados como provados resultam da prova produzida nos autos e, ou, do acordo, expresso ou implícito (por não impugnação especificada), de Requerente e Requerida, livremente apreciados (nos termos do n.º 7 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) à luz das regras de racionalidade, lógica e experiência comum, segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
No âmbito da apreciação da prova produzida em sede de reunião arbitral, importa analisar e fundamentar a credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha D..., considerando a sua relevância para a formação da convicção do tribunal.
A testemunha supra identificada – contabilista da Requerente - apresentou o seu depoimento de forma clara, objetiva e coerente, mantendo uma narrativa que se mostrou constante ao longo da inquirição, sem contradições ou oscilações significativas que permitam colocar em causa a credibilidade do seu depoimento.
A testemunha demonstrou conhecimento direto sobre os factos em discussão, designadamente no âmbito do circuito financeiro e contabilístico entre a Requerente e o B..., conforme ficou demonstrado quanto ao modus operandi em matéria de testes de conhecimento da língua inglesa, tendo-se mostrado assertiva quanto a quem debitava à Requerente os encargos relativos aos testes em causa – a casa-mãe: B...– não obstante não desconhecer a existência de outras entidades que possam estar envolvidas no processo de conceção e/ou correção dos testes em causa, como referiu relativamente à Universidade de ..., por exemplo.
Não se apurou qualquer interesse pessoal da testemunha no desfecho da causa, nem se identificou qualquer motivo para que a mesma prestasse depoimento em desfavor de uma das partes. Esta imparcialidade reforça a sua credibilidade.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
1 – Objeto do processo e questões decidendas:
Discute-se no presente processo a legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentada contra os atos de liquidação adicionais de IVA de 2019 supra melhor identificadas, no que respeita à correção levada a efeito no Capítulo III.3.IVA – Aquisições Intracomunitárias – Testes de Certificação de Língua Inglesa – no montante de € 132.644,86 – e bem assim quanto aos juros compensatórios liquidados sobre tal montante, por alegada omissão de liquidação de IVA por parte da Requerente.
Em concreto, cumpre determinar se os encargos contabilizados pela Requerente com as aquisições intracomunitárias relativas a testes de certificação de língua inglesa, no âmbito da atividade por esta prosseguida, se enquadram (ou não) na regra geral da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA, sendo, aqui localizados para efeitos fiscais e, em consequência, sujeitos a IVA no território nacional, à taxa normal de 23 %, de acordo com os artigos 4.º e 18.º do Código do IVA, conforme defende a AT.
Porém, antes de se analisar esta central questão, cumpre dar a conhecer a posição das partes.
2 – Posição das Partes:
Na fundamentação do pedido de pronúncia arbitral invocou a Requerente, em síntese, os seguintes argumentos, em ordem à procedência do pedido:
a) Da insusceptibilidade dos serviços fornecidos pelo B... serem operações tributáveis em sede de IVA:
- A Requerente é uma sucursal do B..., fundação estrangeira, com sede no Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte (adiante denominada “BB...”), sem personalidade jurídica autónoma, não constituindo sujeito passivo distinto (art. 1.º, n.º 1 e art. 4.º, n.º 1 do CIVA).
- Segundo jurisprudência consolidada do TJUE e tribunais portugueses (ex.: Ac. TCA Sul, 13.10.2016, proc. 09658/16), não existe uma relação jurídica independente entre sucursal e casa-mãe que configure prestação de serviços tributável.
- A imputação de custos pela sede à sucursal não constitui prestação de serviços com contrapartida onerosa, logo, não é tributável em IVA.
b) Da não sujeição a IVA dos serviços de “Exam Board Costs” ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, alínea e) do CIVA:
- Os serviços em causa (exames, certificações, etc.) são prestados fora do território nacional e dizem respeito a manifestações de ensino e culturais.
- A alínea e) do n.º 7 do art. 6.º do CIVA exclui da sujeição a IVA em Portugal os serviços relativos ao acesso a manifestações culturais, científicas, educativas, etc., quando prestados fora do território nacional.
- Conclui-se que tais serviços não se encontram sujeitos a IVA português por expressa previsão legal.
c) Da isenção dos serviços de ensino – artigo 9.º, n.º 9 do CIVA:
- Ainda que se admitisse a sujeição a IVA, os serviços estariam isentos ao abrigo do art. 9.º, n.º 9 do CIVA, que transpõe o art. 132.º, n.º 1, alínea i) da Diretiva 2006/112/CE.
- Esta norma isenta as prestações de ensino e serviços conexos efetuados por organismos reconhecidos como prosseguindo fins educativos, como é o caso da Requerente.
- O TJUE reconhece esta isenção quando os serviços são estreitamente conexos com o ensino, como a conceção e correção de exames (ex.: Ac. Horizon College, C-434/05).
- Também se invoca o princípio da neutralidade fiscal: serviços semelhantes devem ter tratamento fiscal idêntico (Ac. Rank Group, C-259/10).
d) Da inaplicabilidade do regime de autoliquidação
- Mesmo que se entendesse haver prestação de serviços tributável, não caberia à Requerente a obrigação de autoliquidação do IVA.
- O art. 2.º, n.º 1, alínea g) e art. 19.º, n.º 2 do CIVA preveem que só existe obrigação de autoliquidação quando o prestador é um sujeito passivo distinto.
- Dado que a casa-mãe e a sucursal não são entidades distintas, não se preenche o pressuposto legal necessário à aplicação do mecanismo de autoliquidação.
e) Do pedido de Reenvio Prejudicial:
- O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) é a entidade competente para assegurar a interpretação uniforme do Direito da União Europeia (UE). Sempre que um órgão jurisdicional de última instância nacional (sem possibilidade de recurso) enfrente uma questão nova ou relevante sobre a interpretação ou validade do direito da UE, está obrigado a submeter essa questão ao TJUE, nos termos do art. 267.º, n.º 3 do TFUE.
- Apesar da Requerente considerar que as normas e princípios de IVA aplicáveis conduzem claramente à ilegalidade das liquidações impugnadas, entende que, se subsistirem dúvidas de interpretação com relevância europeia, o Tribunal nacional deverá recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial ao TJUE (v. Acórdão Foggia, C-126/10), inclusive em contextos ditos "internos", sempre que esteja em causa a aplicação ou compatibilidade com o direito da União;
- A Requerente sugere que o Tribunal considere submeter ao TJUE três questões prejudiciais relacionadas com a isenção do IVA prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA), questionando, em particular:
+ Se essa norma se opõe à tributação de serviços estreitamente conexos com o ensino, prestados por organismos de direito público ou com fins análogos;
+ Se a isenção depende de reconhecimento do Estado onde os serviços são localizados;
+ E se essa interpretação se altera quando os serviços são subcontratados no contexto do ensino.
- Conclui peticionando pela declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IVA e J.COMP supra identificadas, tudo com as devidas consequências legais, incluindo a restituição dos encargos incorridos e em que se venha a incorrer com a garantia prestada;
Na Resposta, a Requerida defendeu a improcedência da pronúncia arbitral, com base nos seguintes argumentos que aqui se deixam sintetizados:
- O TJUE entende que o conceito de "estabelecimento estável" em IVA difere do conceito usado em IRC – o relevante é se há autonomia funcional e risco económico próprio (Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, arts. 10.º a 22.º);
- A AT reconhece que nem todas as sucursais são sujeitos passivos para efeitos de IVA, conforme o Ofício-Circulado n.º 30.114/2009 e o Pedido de Informação Vinculativa n.º 3340/2012, no entanto, distingue os casos: se a casa-mãe presta efetivamente serviços (e não apenas distribui custos), há lugar a prestação tributável;
- A AT entende que os serviços pagos pela Requerente correspondem a aquisições de serviços de entidades terceiras (IELTS, ...), usados localmente, os quais configuram prestações de serviços localizadas em Portugal (art. 6.º, n.º 6, alínea a) e art. 4.º, n.º 1 do CIVA);
- As liquidações adicionais de IVA foram emitidas por não ter sido aplicada a autoliquidação (inversão do sujeito passivo – art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CIVA);
- A AT sustenta que não se aplica a exclusão do art. 6.º, n.º 7, alínea e) relativa a manifestações culturais ou de ensino no estrangeiro, pois os serviços são consumidos em Portugal, concluindo que os serviços foram corretamente tributados em Portugal e as liquidações são legais, à luz das regras de localização e jurisprudência aplicável;
- A Requerida rejeita a aplicação da isenção prevista no art. 9.º, n.º 9 do CIVA aos serviços em causa, a qual exige dois requisitos cumulativos, a saber, que o objeto do serviço configure ensino ou serviços conexos e que, por outro lado, o prestador seja um estabelecimento integrado no SNE ou reconhecido como tendo fins análogos.
- A Requerida considera que a Requerente, embora isenta nas suas prestações ativas, não pode estender essa isenção às aquisições intracomunitárias que estão a montante da atividade de ensino e não diretamente prestadas a alunos, pelo que conclui que não existe enquadramento na isenção, conforme sustentado também no Ofício-Circulado n.º 30172/2015, tratando-se assim de operações sujeitas a imposto, sem possibilidade de isenção.
- Concluindo assim que não podem os pedidos deixar de improceder, dada a inexistência de qualquer ilegalidade nas liquidações objeto mediato destes autos;
Em sede de alegações, vieram, Requerente e Requerida, no essencial, a reiterar o posicionamento e a argumentação já anteriormente expendida nas suas respetivas peças processuais precedentes.
Cumpre apreciar e decidir.
3 - Da qualificação das operações, em matéria de IVA, relativas a aquisições intracomunitárias pela Requerente junto do B...- (testes de língua inglesa):
Entende a Requerente que os serviços debitados pelo B... à Requerente não constituem operações tributáveis em sede de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1º e no n.º 1 do artigo 4º do CIVA, dado a Requerente constituir uma sucursal do B... .
Vejamos,
A base do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) na ordem jurídica da União Europeia assenta na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA.
Esta diretiva consolida e codifica as normas anteriores e estabelece os princípios fundamentais aplicáveis ao regime harmonizado do IVA nos Estados-Membros, assegurando a neutralidade fiscal e a tributação das operações no Estado onde ocorrem o consumo ou utilização efetiva dos bens e serviços.
Nos termos da referida Diretiva, o IVA constitui um imposto geral sobre o consumo, aplicado às entregas de bens e prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo como tal, bem como às importações e aquisições intracomunitárias. A harmonização operada visa garantir o funcionamento do mercado interno, evitando distorções de concorrência e obstáculos às trocas comerciais entre os Estados-Membros, mediante a definição uniforme das operações tributáveis, do sujeito passivo, da base tributável, das isenções e do direito à dedução.
A interpretação e aplicação da Diretiva 2006/112/CE é complementada pelos regulamentos de execução, nomeadamente o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, de 15 de março, que esclarece conceitos-chave como o lugar das operações, o estabelecimento estável, o momento da exigibilidade do imposto e a prestação de serviços eletrónicos, entre outros, tendo natureza diretamente aplicável nos Estados-Membros.
Por força do princípio do primado do direito da União, as disposições nacionais relativas ao IVA devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com as normas e objetivos estabelecidos na legislação europeia, natureza vinculativa e primacial esta, igualmente extensível às decisões emanadas do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
Acresce igualmente atentar no facto de a Requerente, enquanto «representação permanente» (equiparável a uma sucursal) de uma entidade de direito estrangeiro, como é o caso do B..., não obstante poder exercer atividade em Portugal, não adquire personalidade jurídica, tal como decorre, para o escopo societário, do disposto no artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais.
A sucursal constitui uma forma de representação permanente de uma entidade com sede no estrangeiro, destinada a exercer atividade em Portugal, sem, contudo, adquirir personalidade jurídica própria, isto é, a inscrição de uma sucursal no registo comercial português não confere personalidade jurídica autónoma, funcionando a mesma como mero prolongamento jurídico e operacional da entidade principal.
Ora, como decorre do acordado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 04.04.2024[1]A ausência de personalidade jurídica não significa, no entanto, per se, que qualquer entidade da mesma desprovida não tenha personalidade tributária, sendo que, no presente caso, há que ter em conta o contexto normativo específico do direito tributário, nem sempre coincidente com o de outros ramos do direito.
Com efeito, nos termos do art.º 15.º da Lei Geral Tributária (LGT), “[a] personalidade tributária consiste na suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias”.
Por seu turno, dispõe o n.º 2 do art.º 16.º da LGT que, “salvo disposição legal em contrário, tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária”.
São vários os exemplos no nosso ordenamento em que está consagrada a existência de personalidade tributária a quem seja desprovido de personalidade jurídica, nomeadamente sucursais.”
Tendo presente o enquadramento supra, importa, antes de mais, dilucidar se a Requerente preenche o conceito de “estabelecimento estável” para efeitos de IVA.
Assim, o conceito de estabelecimento estável para efeitos de IVA não se encontra explicitamente definido na Diretiva 2006/112/CE, antes decorrendo da interpretação e aplicação do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, de 15 de março, particularmente nos seus artigos 11.º a 13.º.
Preceitua o artigo 11º do versado regulamento, o seguinte:
Artigo 11.º
1. Para a aplicação do artigo 44.º da Directiva 2006/112/CE, entende-se por «estabelecimento estável» qualquer estabelecimento, diferente da sede da actividade económica a que se refere o artigo 10.º do presente regulamento, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento.
2. Para a aplicação dos artigos a seguir indicados, entende-se por «estabelecimento estável» qualquer estabelecimento, diferente da sede da actividade económica a que se refere o artigo 10.º do presente regulamento, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permita efectuar as prestações de serviços que fornece:
a) Artigo 45.º da Directiva 2006/112/CE;
b) A partir de 1 de Janeiro de 2013, segundo parágrafo do n.º 2 do artigo 56.º da Directiva 2006/112/CE;
c) Até 31 de Dezembro de 2014, artigo 58.º da Directiva 2006/112/CE;
d) Artigo 192.º-A da Directiva 2006/112/CE.
3. O facto de dispor de um número de identificação IVA não é em si mesmo suficiente para se considerar que o sujeito passivo dispõe de um estabelecimento estável
Conforme flui do teor do normativo vindo de citar, entende-se por estabelecimento estável qualquer estrutura, distinta da sede da atividade económica do sujeito passivo, que apresente um grau suficiente de permanência e uma organização adequada, em termos de meios humanos e técnicos, que lhe permitam receber ou prestar serviços para os fins das operações em que intervém.
Esta definição reflete uma conceção funcional e material do estabelecimento, exigindo que este disponha de autonomia operativa suficiente para participar ativamente nas operações que originam o imposto.
O n.º 2 do referido artigo esclarece que o simples facto de dispor de um número de identificação para efeitos de IVA num Estado-Membro não é, por si só, suficiente para considerar que ali existe um estabelecimento estável. Esta norma visa evitar que o registo meramente formal, não acompanhado de estrutura material efetiva, seja interpretado como prova da existência de um centro de atividade tributável, exigindo-se, assim, uma avaliação substancial da presença do sujeito passivo no território.
Já o n.º 3 especifica que a mera presença de um endereço postal ou de uma instalação sem meios técnicos e humanos próprios também não configura um estabelecimento estável. Isto significa que apenas existe estabelecimento estável quando a entidade tenha uma presença ativa, com recursos permanentes adequados à prestação de serviços, afastando-se expressamente qualquer entendimento que fundamente tal qualificação em presenças formais ou artificiais.
O conceito de estabelecimento estável, embora não expressamente definido na Diretiva 2006/112/CE, foi sendo objeto de apreciação e densificação pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a qual tem entendido que tal estabelecimento exige a presença de uma estrutura mínima de caráter estável, dotada de meios humanos e técnicos próprios, através dos quais sejam efetuadas operações tributáveis. No acórdão Berkholz (C-168/84)[2], o Tribunal salientou que um estabelecimento estável requer uma presença duradoura e adequada, em termos de recursos, para permitir a prestação dos serviços em causa.
Posteriormente, no acórdão DFDS (C-260/95)[3], reafirmou-se que, para se considerar existir um estabelecimento estável, é necessário que este “tenha uma estrutura adequada, em termos de instalações e de pessoal, para prestar os serviços em questão de forma independente”, visando assim evitar que simples representações formais ou locais de receção de correspondência sejam tratados como estabelecimentos estáveis.
Acresce que, segundo o TJUE, o simples facto de uma entidade dispor de instalações num Estado-Membro não é suficiente para configurar um estabelecimento estável se não tiver nelas os meios materiais e humanos necessários para exercer a atividade de forma efetiva. Assim, a noção implica sempre uma presença efetiva e operacional no território.
Aqui chegados e ante o acervo probatório supra enunciado – Factos Provados - e à luz do artigo 11.º do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 e da interpretação que vem dimanando das decisões do TJUE, é possível concluir que a Requerente preenche os requisitos para ser qualificada como estabelecimento estável (EE) do B... para efeitos de IVA, relativamente às operações pela Requerente desenvolvidas em território nacional.
Desde logo, a Requerente dispõe de meios humanos e logísticos permanentes em Portugal, o que satisfaz o critério de “estrutura com um grau suficiente de permanência e uma organização adequada”, exigido pelo n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento.
Efetivamente, a Requerente exerce a sua atividade educativa e cultural de forma continuada – em 2019 - através de cinco centros de ensino — localizados em Coimbra, Parede, Lisboa, Miraflores e Porto — com autorização da Direção-Geral da Educação e integrados no Sistema Nacional de Educação.
Estes centros evidenciam uma presença funcional estável, apta a assegurar a prestação de serviços localmente, ainda que e sempre dependente da gestão e da disponibilização de conteúdos essenciais por parte B... para tal exercício de atividade, como adiante se densificará.
A Requerente desenvolveu, no ano de 2019, uma atividade significativa na realização de testes internacionais de avaliação da língua inglesa, como os IELTS e os diversos testes da Universidade de ..., no seguimento dos cursos de língua inglesa que ministra.
Com efeito, a Requerente suportou um custo global de €576.716,75 com os serviços associados à realização destes testes, valor que evidencia, de forma clara, a dimensão e regularidade da atividade desenvolvida, sendo indiciador da realização de um substancial número de provas e de um volume operacional significativo.
A própria natureza dessa atividade implica uma capacidade logística e organizativa estável, com recurso a pessoal qualificado, instalações apropriadas e meios técnicos, o que reforça o preenchimento dos requisitos de um estabelecimento estável.
Ainda que os custos associados à organização dos testes sejam assumidos e centralizados pelo B..., a Requerente executa localmente as operações materiais, nomeadamente os procedimentos de inscrição de alunos, a execução dos cursos, a vigilância e acompanhamento dos testes, o que configura uma atuação concreta e relevante na cadeia de prestação dos serviços.
Por fim, também o n.º 3 do artigo 11.º exclui do conceito de estabelecimento estável as meras instalações sem meios técnicos ou humanos. Ora, a Requerente é dotada precisamente desses meios, sendo responsável por assegurar toda a logística e execução das atividades pedagógicas com vista à certificação linguística em território nacional, ainda que se tenha de reconhecer, como à saciedade a prova produzida deixa demonstrada, a imprescindibilidade da disponibilização pelo B... dos testes, da correção dos mesmos e da posterior certificação de aprendizagem em língua inglesa, materializando a Requerente, todavia, no plano interno, a atividade desenvolvida sob a égide do B... .
Em face do exposto, deve considerar-se que, não obstante a dependência do B... ao nível da gestão e de toda a área de avaliação e de disponibilização de conteúdos, a estrutura existente em Portugal pela Requerente, enquanto Representação Permanente do B..., reveste as caraterísticas logísticas e de recursos humanos necessários para que se considerem preenchidos os critérios legais e regulamentares enquanto estabelecimento estável, para efeitos de IVA, nos termos conjugados da Diretiva 2006/112/CE e do Regulamento de Execução n.º 282/2011, de 15 de março de 2011.
Aqui chegados, isto é, resultando isento de dúvida que a Requerente configura um estabelecimento estável do B..., tal facto não permite concluir de per se que o estabelecimento estável configura um sujeito passivo para efeitos de IVA.
A este respeito, atente-se nas palavras de Afonso Arnaldo[4], a propósito do decidido no acórdão FCE BANK do TJUE (que analisaremos infra): “Não estando em causa a existência do estabelecimento estável do FCE Bank plc em Itália (que todas as partes e o Tribunal admitiram como existente), este caso deve, ainda assim, ser referido, no âmbito do tema que aqui nos trás, por dois motivos.
O primeiro reside no facto de o Tribunal estabelecer uma distinção entre estabelecimentos estáveis que realizam uma actividade económica independente da casa mãe daqueles que o não
fazem. Não detalhando como poderá ocorrer, na prática, uma situação que se enquadre na primeira hipótese, o Tribunal determinou que a sucursal italiana do FCE Bank plc não desempenha a sua actividade de forma independente, uma vez que o risco do negócio recai integralmente sobre a casa-mãe no Reino Unido.”.
Não determinando, a circunstância de se estar perante estabelecimento estável para efeitos de IVA, a imprescindível qualificação desse mesmo estabelecimento enquanto sujeito passivo do imposto, importa, em ordem a dilucidar sobre se as aquisições intracomunitárias em apreço, efetuadas pela Requerente junto do B... configuram ou não operações tributáveis em sede de IVA, o que passa in casu e em primeira linha, por perscrutar se a Requerente deve ou não ser considerada como sujeito passivo do imposto.
Em ordem a tal desiderato, importa atermo-nos ao disposto no artigo 9º da Diretiva 2006/112/CE e naquela que é a interpretação dimanante da jurisprudência sobre a presente temática, não só ao nível interno, como também e com especial relevo para aquela que é a interpretação do TJUE sobre esta matéria.
Assim, para aferir da (in)existência de sujeição a IVA das operações realizadas entre a Requerente e o B..., impõe-se, desde logo, ponderar a relevância central do artigo 9.º da Diretiva 2006/112/CE, norma basilar na delimitação do conceito de sujeito passivo para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado.
Dispõe o artigo 9.º da referida Diretiva, sob a epígrafe "Sujeito passivo":
1. Entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.
Entende-se por «atividade económica» qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.
2. Para além das pessoas referidas no n.º 1, é considerada sujeito passivo qualquer pessoa que proceda a título ocasional à entrega de um meio de transporte novo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território de um Estado-Membro mas no território da Comunidade.
A interpretação deste preceito, firmada de modo constante pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, exige que o sujeito passivo atue com autonomia funcional e económica, no exercício de uma atividade prestada a título oneroso, assumindo o risco inerente à operação. Este critério é material e substancial: não basta a existência de uma estrutura local ou de faturação; é necessário que exista uma atividade autónoma e economicamente distinta da sede, em que aquela assume o risco económico de tal atividade decorrente.
Neste âmbito, entendeu o TJUE, no âmbito do acórdão FCE BANK, processo n.º C‑210/04[5], o seguinte:
“Por outro lado, o artigo 4.° da Sexta Directiva define «sujeitos passivos». Têm esta qualidade as pessoas que exerçam «de modo independente» uma actividade económica. O n.° 4 de mesmo artigo precisa que a expressão «de modo independente» exclui da tributação as pessoas vinculadas à sua entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que crie vínculos de subordinação no que diz respeito, designadamente, às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal (v. acórdão de 6 de Novembro de 2003, Karageorgou e o., C‑78/02 a C‑80/02, Colect., p. I‑13295, n.° 35).
34 A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica em cuja vigência são trocadas prestações recíprocas (v. acórdãos de 3 de Março de 1994, Tolsma, C‑16/93, Colect., p. I‑743, n.° 14, e de 21 de Março de 2002, Kennemer Golf, C‑174/00, Colect., p. I‑3293, n.° 39).
35 Para determinar se existe uma tal relação jurídica entre uma sociedade não residente e uma das suas sucursais a fim de sujeitar a IVA as prestações fornecidas, há que verificar se o FCE IT realiza uma actividade económica independente. A este propósito, há que determinar se uma sucursal como o FCE IT pode ser considerada autónoma enquanto banco, designadamente por suportar o risco económico que decorre da sua actividade.
36 Ora, como realçou o advogado‑geral no n.° 46 das suas conclusões, a sucursal não suporta ela mesma os riscos inerentes ao exercício da actividade da instituição de crédito, como, por exemplo, a falta de reembolso de um empréstimo por um cliente. É o banco, na qualidade de pessoa colectiva, que suporta esse risco e é por isso que a sua solidez financeira e a sua solvabilidade são objecto de controlo no seu Estado‑Membro de origem.
37 Com efeito, enquanto sucursal, o FCE IT não dispõe de capital próprio. Por conseguinte, o risco ligado à actividade económica recai integralmente no FCE Bank. Consequentemente, o FCE IT depende deste último com o qual constitui um sujeito passivo único.
38 Esta consideração não é posta em causa pelo artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Esta disposição destina‑se a determinar o sujeito passivo no que toca às transacções entre uma sucursal e terceiros. Não se aplica num caso como este, que se refere a transacções entre uma sociedade residente num Estado‑Membro e uma das suas sucursais estabelecidas noutro Estado‑Membro.”
Face à clareza que decorre do entendimento jurisprudencial do TJUE sobre esta temática, não poderemos deixar de proceder à aferição in casu sobre a existência ou não da prossecução pela Requerente de uma atividade económica independente face ao B... .
Com base na factualidade apurada e na jurisprudência europeia aplicável, importa reiterar que, não obstante a Requerente exercer localmente, em território nacional, atividades de ensino da língua inglesa e de aplicação de exames de avaliação linguística, tal realidade não basta para configurar um sujeito passivo autónomo para efeitos de IVA.
Assim, com base nos “Factos Provados”, a Requerente constitui uma Representação Permanente em Portugal do B... UK (“B...”), fundação de direito público britânica, criada em 1940 e financiada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido. Está sujeita à Convenção Cultural de 1954 entre Portugal e o Reino Unido, e foi reconhecida como pessoa coletiva de utilidade pública por despacho publicado em 2016.
A atividade local levada a efeito pela Requerente é exercida exclusivamente no âmbito das finalidades institucionais do B..., sem autonomia contratual ou estratégica, estando toda a vertente atinente à conceção, elaboração de testes, respetivas metodologias e bitolas educativas a adotar e bem assim a correção dos mesmos e ulterior certificação, absolutamente dependente do B... .
Destarte, não é possível concluir da matéria de facto dada por provada que a Requerente possa agir com autonomia funcional ou económica face à casa-mãe, visto e desde logo a sua atividade no âmbito educativo, quanto à aprendizagem e acreditação da língua inglesa, se encontrar prejudicada nos seus objetivos sem a gestão e o aporte dos conteúdos, metodologia e credenciação pelo B... disponibilizado, conforme supra vindo de referenciar.
A esta falta de autonomia ou sequer independência funcional da Requerente face à casa-mãe (B...), importa aferir da existência ou não de um outro fator relevante – existência ou não de uma relação jurídica recíproca entre as partes.
Ora, a resposta a esta questão não poderá deixar de ser negativa, não só pela dependência de conteúdos e certificação supra, mas igualmente face à inexistência de qualquer indício, muito menos qualquer factualidade, que permita dar por demonstrada essa mesma independência económica da Requerente face ao B... .
Se por um lado a Requerente, enquanto extensão de uma fundação constituída ao abrigo do ordenamento jurídico britânico, não disporá de capital social capital próprio (tal como sucedia no citado caso objeto de decisão pelo TJUE), o que se deve à natureza não societária pelo B... revestida.
Ao contrário do que sucede com as sociedades comerciais, as fundações não dispõem de capital social, mas sim e por princípio, de um património afeto à prossecução das finalidades que levaram à sua constituição.
Ora, no caso que ora nos atém, ante a natureza da entidade em causa – fundação – não se vislumbra como exequível qualquer linha de entendimento no sentido de tal património afeto à prossecução da atividade em território nacional tenha sido ab inito proveniente da Requerente e não da casa-mãe.
De resto, nada foi aportado, quer em sede de RIT, quer na presente instância, que permita concluir que a Requerente, destituída de personalidade jurídica autónoma, tenha assumido o risco económico (muito menos patrimonial) decorrente de toda a operação que prossegue em território nacional e que legitime qualquer entendimento de independência económica da Requerente face ao B... .
Cumprindo assinalar que, em caso de omissão de liquidação de IVA, o ónus da prova sobre tal omissão recai sobre quem a invoca, nos termos do artigo 74º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".
Assim, no caso específico da omissão de liquidação de IVA, a administração tributária deve demonstrar que houve, de facto, uma operação tributável e que a mesma não foi devidamente liquidada.
Tendo presente este enquadramento em termos de ónus probatório, avance-se, desde já, que não fluem dos elementos probatórios dos autos constantes qualquer evidenciação que permita sequer inferir que o risco económico da atividade prosseguida em território nacional pela Requerente seja por ela autónoma ou independentemente suportado, antes a factualidade coligida aponta para o exercício de uma atividade configurável a uma mera extensão operacional da sede britânica, sem qualquer autonomia técnica e muito menos financeira ou patrimonial.
Para esta conclusão, concorre a circunstância de a Requerente não ter autonomia decisória nas metodologias e bitolas de avaliação (e por consequência na abordagem a adotar na aprendizagem a montante), não contratar com os titulares quer dos conteúdos (testes), quer da respetiva certificação da aprendizagem de língua inglesa, atuando, pois, sem autonomia de gestão e sem capacidade para alterar os termos económicos da atividade que localmente desenvolve, estando tal âmbito de atuação vindo de enunciar confinado, em termos de decisão, aos ditames do B... .
Como salientado pelo TJUE no âmbito do acórdão FCE Bank plc (C-210/04), um estabelecimento estável que não possui autonomia económica nem funcional e ao qual são apenas imputados custos pela sede não pode ser qualificado como sujeito passivo de IVA:
“Um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado‑Membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações.” (n.º 41)
Tais considerações são para os presentes autos inteiramente transponíveis, porquanto da prova carreada se conclui que a Requerente não exerce uma atividade económica própria e independente nos termos do artigo 9.º da Diretiva IVA, nem assume o risco comercial ou económico da sua operação em território nacional, não podendo, por isso, ser tratada como sujeito passivo autónomo.
A jurisprudência do FCE Bank aplica-se mutatis mutandis ao caso da Requerente, que, apesar de dispor de uma estrutura física e de recursos humanos em Portugal, não se autonomiza como operador económico independente, na medida em que não determina os termos essenciais dessa mesma prestação de serviços, nem assumindo, de forma autónoma, o risco das operações que aqui leva a efeito.
Também a doutrina nacional corrobora este entendimento. Como Afonso Arnaldo[6], para quem o conceito de estabelecimento estável em IVA é funcional e autónomo face ao direito societário ou ao IRC, exigindo-se sempre que o mesmo exerça atividade própria e autónoma no plano económico. Nas palavras do autor:
“O conceito de estabelecimento estável em sede de IVA é autónomo e distinto do que existe no IRC. Desde a entrada em vigor do VAT Package (2010), importa clarificar critérios como ‘sede da atividade económica’ e ‘estrutura mínima’, mas também a natureza da atuação local: uma estrutura que executa ordens e não assume riscos não configura sujeito passivo autónomo.”
Ora, os termos do desenvolvimento de cursos de inglês, bem como a aplicação de testes IELTS e ... English Qualifications, são assegurados centralmente pelo B..., o qual toma as decisões que se repercutirão em toda a rede de representações no exterior e assegura a contratualização com os parceiros internacionais (Universidade de ..., IDP e ... Assessment), suportando este os inerentes custos dos exames, procedendo posteriormente ao redébito interno desses encargos às suas representações, incluindo à Requerente, com base no número de testes realizados localmente, ao seu preço de custo.
Sendo que, por sua vez, a Requerente se limita a repercutir tal custo dos testes pelos alunos candidatos à realização de tais testes.
Esta mera imputação de custos nos moldes constantes da matéria de facto dada por provada — efetuada sem margem comercial ou formação de preço autónomo — não é suscetível de configurar uma operação onerosa entre sujeitos passivos distintos, mas antes um fluxo interno dentro da mesma entidade.
Por conseguinte, ante a prova produzida – mera imputação de custos à Requerente pelo B..., domínio gestionário e decisório deste ao nível do desenvolvimento dos elementos essenciais da atividade da Requerente e inexistência de risco próprio daquela pela operação desenvolvida em território nacional e à luz do artigo 9.º da Diretiva IVA, da jurisprudência do TJUE e da doutrina vinda de citar, impõe-se concluir que a Requerente não configura um sujeito passivo autónomo para efeitos de IVA.
As operações realizadas entre o B... e a sua Representação Permanente em Portugal – a Requerente – constituem fluxos internos não sujeitos a imposto, por não envolverem prestação de serviços a título oneroso entre sujeitos passivos distintos, dado não revestir a Requerente as caraterísticas que a possam qualificar enquanto tal.
Deste modo, os montantes imputados pelo B... à Requerente em 2019, no valor global de €576.716,75, respeitantes a “exam board fees” e “ico board fees”, não consubstanciam operações tributáveis em sede de IVA em território nacional, pelo que as liquidações de imposto e respetivos juros sobre tal montante configuram uma violação do artigo 9º da Diretiva 2006/112/CE, não tendo assim amparo legal a fundamentação do RIT constante; interpretação esta que se mostra plenamente alinhada com aquela que vem sendo a jurisprudência do TJUE sobre a matéria.
Em face do vindo de decidir, está prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário de reenvio prejudicial, cabendo, no entanto evidenciar que, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia visa assegurar a interpretação uniforme do direito da União.
No presente caso, a questão atinente à sujeição ou não a IVA das operações internas entre uma casa-mãe e o seu estabelecimento estável (sucursal) em diferentes Estados-Membros encontra-se já densamente tratada na jurisprudência do TJUE, em particular no Acórdão de 23 de março de 2006, FCE Bank plc, processo C‑210/04.
Em tal aresto foi claramente afirmado que, quando a sucursal (estabelecimento estável) não possui autonomia jurídica nem económica e os riscos inerentes à sua atividade são integralmente assumidos pela casa-mãe, as operações entre ambas não constituem prestações de serviços na aceção do artigo 2.º da Diretiva IVA, não estando, por isso, sujeitas a imposto.
Esta jurisprudência foi reiterada em decisões posteriores, como os acórdãos Skandia (C‑7/13) e Danske Bank (C‑812/19), sem, contudo, afastar o princípio estruturante afirmado em FCE Bank, antes o delimitando em contextos muito específicos — nomeadamente em situações de integração em agrupamentos de IVA (VAT group). Tais circunstâncias não se verificam no caso em apreço.
Nestes termos, não se justifica o reenvio prejudicial ao TJUE, porquanto a interpretação da Diretiva IVA, no que respeita à qualificação jurídica das relações entre a casa-mãe e a sua sucursal, está suficientemente esclarecida pela jurisprudência existente, inexistindo dúvida relevante ou lacuna normativa que o justifique. O quadro normativo e jurisprudencial aplicável é claro e permite uma decisão jurisdicional segura e conforme ao direito da União, tal como e de resto, entendemos fluir dos termos supra decididos.
4 - Da indemnização por prestação de garantia indevida:
A Requerente pede ainda a condenação da Requerida na indemnização pelos custos relativos à prestação de garantia bancária indevida.
O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objeto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Autoridade Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por referência ao referido artigo 53º da LGT, foi proferido o seguinte no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de novembro de 2007, no âmbito do processo n.º 0633/07: “o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar”.
Destarte, sendo demonstrada a existência de erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal resultante do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada por aquele ato tributário, assiste ao contribuinte o direito a ser ressarcido dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia.
Retomando à apreciação destes autos arbitrais, a declaração de ilegalidade das liquidações controvertidas assentam em vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre tais liquidações de IVA e J.COMP, concretamente por violação do disposto no artigo 9º da Diretiva IVA, pelo que se mostra comprovado o erro imputável aos serviços.
Acresce que os aludidos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios foram da exclusiva iniciativa da AT, não tendo a Requerente contribuído em nada para que tais atos fossem praticados.
No entanto, considerando que não há elementos que permitam determinar o montante exato da indemnização, a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em sede de execução da presente sentença arbitral, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Isto é, resultou provado que a Requerente prestou garantia bancária (a própria AT assim o admite em sede de Projeto do decisão de reclamação Graciosa) para suspender o processo executivo instaurado na sequência das liquidações de imposto arbitralmente impugnadas, no entanto, inexistem elementos que permitam determinar o montante exato da indemnização, visto a Requerente não ter evidenciado qualquer custo atinente à sua emissão e manutenção, pelo que a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em sede de execução da presente sentença arbitral, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5 - Questões de conhecimento prejudicado:
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações objeto do presente processo, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, desnecessário se torna conhecer dos demais, porquanto, solução contrário esvaziaria de relevância a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos atos tributários.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes aos períodos mensais de 2019 já supra identificadas, determinando-se a anulação destes atos tributários, na concreta medida em que ilegalmente apuraram imposto e juros compensatórios (respetivamente) nos termos do capítulo III.3.IVA - Aquisições Intracomunitárias – Testes de Certificação de Língua Inglesa - e bem assim se determinando a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023... .
b) Condenar a Requerida em indemnização por prestação indevida de garantia em montante a liquidar em execução de sentença;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, em função do decaimento que pelo presente obtém.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 156.587,01 (cento e cinquenta e seis mil, quinhentos e oitenta e sete euros e um cêntimo).
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.672,00, a suportar pela Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de junho de 2025
O Árbitro Presidente,
Victor Calvete
A Árbitra Adjunta,
Cristina Coisinha
O Árbitro Adjunto,
Luís Sequeira
[4] https://www.isg.pt in O conceito de “estabelecimento estável” em sede de IVA, em particular nas regras gerais de localização de serviços, e o Regulamento de Execução n.º 282/2011 do Conselho
[6] https://www.isg.pt, in O conceito de “estabelecimento estável” em sede de IVA, em particular
nas regras gerais de localização de serviços, e o Regulamento de
Execução n.º 282/2011 do Conselho