SUMÁRIO:
I-_Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a cumprir as obrigações estabelecidas na lei reguladora dos mesmos, sob pena de os benefícios ficarem sem efeito, nos termos do art. 14º, nº 2, da Lei Geral Tributária.
II-Não tendo sido cumprida a obrigação prevista no nº 10º, do art. 16º, do CIRS, o benefício fiscal em causa ficou sem efeito, sem prejuízo de, à luz de jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão do STA de 5-01-2025, processo n.º 1750/22.6BEPRT e de 29-05-2024, processo n.º 842/23.9BESNT) o regime poder ser aplicado após o pedido de inscrição prevista na referida norma, sendo que, no caso dos autos, não tendo sido cumprida a obrigação em causa antes da ocorrência do facto tributário, o regime é inaplicável.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 18.12.2024, os Requerentes, A..., com o número de identificação fiscal ... e B..., com o número de identificação fiscal ..., casados, residentes na ..., nº ... ..., Sintra, requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e do ato de liquidação de IRS nº 2022..., objeto daquele procedimento, da qual resultou valor a pagar de 73.987,31 € (setenta e três mil novecentos e oitenta e sete euros e trinta e um cêntimos) e, bem assim, à condenação da Requerida a reembolsar o imposto que alegam ter pagado indevidamente, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal.
Os Requerentes peticionam, ainda, a emissão, em consequência da anulação, de novo ato tributário de liquidação de IRS, com aplicação da taxa especial de 20% sobre os rendimentos obtidos pelos Requerentes.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como Árbitro-Presidente, e a Senhora Dra. Sónia Fernandes Martins e o Senhor Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, como Árbitros-Adjuntos.
Os árbitros nomeados comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 25.02.2025.
3. Os fundamentos apresentados pelos Requerentes, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese e no essencial, os seguintes:
a. Os pressupostos materiais do regime de RNH resumem-se à inscrição do respetivo sujeito como residente fiscal em Portugal e não ter sido residente fiscal em Portugal em qualquer dos 5 anos anteriores.
b. A natureza automática do regime de RNH resulta não só da letra e da ratio do disposto no referido n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, mas também, de forma clara e expressa, da própria letra e ratio do n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, e da evolução legislativa que o regime sofreu a este respeito.
c. É absolutamente relevante a eliminação pelo legislador, em 2012, da norma que determinava que o sujeito passivo só adquiria o direito a ser tributado como residente não habitual com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes.
d. O direito a ser tributado como RNH deixou de depender da inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes e passou a depender, apenas, de acordo com a redação atual da lei, da inscrição como residente em território português.
e. A aplicação do regime de RNH já não carece de prévio reconhecimento por parte da AT, que teria efeito meramente declarativo, e não constitutivo.
f. A natureza automática deste benefício fiscal resulta do n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, que determina que o sujeito passivo tem o ónus de solicitar a sua inscrição como RNH, mas não o dever de requerer qualquer reconhecimento desse benefício.
g. A solicitação da inscrição como RNH no cadastro constitui um dever acessório dos contribuintes que serve a boa execução da administração dos impostos, assumindo apenas natureza meramente instrumental no âmbito do regime especial de tributação.
h. Face à natureza automática do regime de RNH, é fácil concluir que, do atraso pelos Requerentes na solicitação da inscrição no cadastro da AT, não poderá, em caso algum, sob pena de manifesta ilegalidade, decorrer a negação do benefício fiscal em causa, desde o ano em que os Requerentes se tornaram residentes fiscais em Portugal, designadamente, a partir de 15 de novembro de 2019.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
Por exceção,
Inidoneidade do meio processual e consequente caducidade do direito de
ação/intempestividade da prática do ato processual
a. Cabia aos Requerentes invocar e demonstrar a existência de erro imputável à Requerida, para garantir a aplicação dos requisitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, mas não se vislumbra que a Requerida tenha incorrido em alguma ilegalidade ou deixado de corrigir algum erro ou ilegalidade que sobre si impendesse, tanto mais que a liquidação resultou da declaração entregue pelos contribuintes, na qualidade de residentes em Portugal, de acordo com as informações prestadas pelos mesmos, e limitou-se a fazer estrita aplicação da lei.
b. Não se verificando os pressupostos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, o pedido é intempestivo e o meio utilizado inidóneo, sendo que o indeferimento tácito ora impugnado se presume indeferido precisamente nos precisos termos do pedido de revisão formulado e respetiva causa de pedir.
c. Daí decorre, inexoravelmente, a inidoneidade do meio processual utilizado (revisão
oficiosa para além do prazo da reclamação) e a extemporaneidade do pedido (caducidade do direito de ação/ intempestividade da prática do ato processual), que configuram exceções dilatórias, que desde já se suscitam, o que determina a absolvição da instância, nos termos do estabelecido no n.º 4 e na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Incompetência do CAAD para conhecer dos vícios suscitados e/ou reconhecer
o estatuto de residente não habitual (RNH)
d. O que os Requerentes efetivamente pretendem com a presente lide é que lhes seja aplicado o estatuto de residente não habitual para efeitos de liquidação de imposto em 2021, do qual alegam beneficiar, pois é consabido que só depois de ser reconhecido/aplicado o estatuto de RNH é que a liquidação impugnada poderia ser anulada e emitida nova liquidação de onde resultasse uma tributação de 20% sobre os rendimentos decorrentes do trabalho dependente, aplicando-se o regime/benefício fiscal pretendido.
e. Porém, nos termos da lei, o reconhecimento pretendido está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral (artigo 2.º do RJAT), não podendo, assim, este conhecer, e/ou pronunciar-se sobre o mesmo.
f. A incompetência material configura uma exceção dilatória, que desde já se suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Caso Julgado/Inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso
decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)
g. Caso o tribunal assim não entenda, sempre se terá por verificada, a inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido, uma vez que os Requerentes não reagiram contenciosamente contra o indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual considerando que o sujeito passivo pode, em geral, impugnar a liquidação de imposto perante o Tribunal arbitral, no exercício dessa competência, o Tribunal arbitral está vinculado a não acolher, como fundamentos de anulação, vícios imputados a atos antecedentes que, por não terem sido objeto oportunamente dos competentes meios de reação autónoma, se consolidaram em definitivo na ordem jurídica, como se verifica.
h. Daí decorre, inexoravelmente, a inimpugnabilidade do ato de liquidação, que configura uma exceção dilatória, que desde já se suscita, o que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Impropriedade do meio processual
i. o reconhecimento do regime jurídico do residente não habitual só pode ser peticionado junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, pelo que, como se viu, é inquestionável que o P.P.A. apresentado pelos Requerentes não é o meio próprio para fazerem valer a sua pretensão.
j. Sendo que a verificação do erro se afere em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão, in casu, a aplicação do estatuto de residente não habitual.
k. A impropriedade do meio consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT
Por impugnação,
l. A inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal, conforme estabelece o n.º 10 artigo 16.º do CIRS.
m. O artigo 16.º do CIRS consagra um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais necessários para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito deste regime, nomeadamente, que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e, que a pessoa em causa não foi residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
n. Igualmente se afigura necessário que, em todos os anos em que se obtenham rendimentos elegíveis para o regime em causa, o Residente Não Habitual opte expressamente na modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance.
o. O pedido de inscrição, é obrigatório, sob pena de esvaziar o conteúdo da norma legal onde tal obrigatoriedade vem prevista e tornar um regime opcional (facultativo) num regime imperativo, o que não foi, de todo, intenção do legislador.
p. Ainda que assim não fosse, como é, e que a posição defendida pelos Requerentes tivesse
acolhimento legal, o que já vimos não se verificar, resulta claro que não preenchem os
pressupostos para poderem ser tributados em 2021 como residentes não habituais.
q. Pois para tal era imprescindível que os Requerentes não tivessem sido residentes em Portugal nos cinco anos anteriores a 2021, tal como estabelece o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS.
r. O que efetivamente não sucede nos presentes autos pois, como os próprios reconhecem no P.P.A, residem em Portugal desde 2019.
s. Nesta conformidade, sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo sido requerido e/ou concedido, aliado ao facto de os Requerentes não preencherem o pressuposto consagrado no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, vigente até 31/12/2023, forçoso é concluir que não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação reclamada que sustente o peticionado.
t. Caso o tribunal arbitral assim não entenda, o que só por cautela se admite, sempre terá o tribunal de aferir, igualmente da qualificação da atividade profissional dos Requerentes, no ano em causa – como invocado pelos Requerentes: Diretor da Escola e Diretora de Gestão de Matrículas & Marketing, C..., nos termos e para os efeitos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, na redação dada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.
u. No que respeita aos rendimentos em causa, os Requerentes apresentam os documentos intitulados “Contrato de trabalho em regime de comissão de serviço” mas analisados tais documentos, verifica-se que não logram provar que os rendimentos auferidos provenham do exercício de atividade de elevado valor acrescentado, ónus que lhes compete, na medida em que tal demonstração é necessária ao exercício do direito de que se arrogam.
v. O contrato do Requerente não especifica se o mesmo detém qualquer poder de vinculação da empresa, ou se está autorizado a assumir ou gerar qualquer obrigação ou responsabilidade, expressa ou implícita, a favor ou em nome da empresa ou que vincule a empresa de qualquer forma, especificação que poderia indiciar o enquadramento da atividade nas AEVA (“Atividades de elevado valor acrescentado”).
w. O mesmo se conclui depois de analisado o contrato da Requerente B..., sendo que neste caso em particular o Anexo I do Contrato, onde supostamente viriam descritas as funções da Requerente, não foi junto aos autos, pelo que se desconhecem, totalmente, quais as funções exercidas pela Requerente, e se correspondem, ou não, ao exercício de uma AEVA.
x. Os Requerentes deveriam demonstrar que a atividade se enquadra nos códigos indicados, provando que os rendimentos em causa se referem ao exercício de atividades correspondentes a “Diretor” da C..., comprovando o exercício de poderes de direção (subordinação jurídica, a que estariam votados os trabalhadores ou um grupo determinado de funcionários, à posição ocupada pelo sujeito passivo) e detenção de poderes de vinculação, o que não logram fazer.
y. Recaindo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova sobre os Requerentes, e não tendo estes logrado provar a bondade da posição que sufragam, não resta outra solução que não a de concluir pela improcedência do alegado.
5. Por despacho do Senhor Árbitro-Presidente com a concordância dos co-árbitros, de 28.03.2025, foi determinada a notificação dos Requerentes para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
6. Os Requerentes responderam à matéria de exceção, em síntese, nos termos que se seguem.
Exceção de inidoneidade do meio processual e consequente caducidade do direito de ação/intempestividade da prática de ato processual
a. Não assiste razão à Requerida, uma vez que está-se, sim, perante uma situação de erro imputável aos serviços, não se verificando qualquer exceção de caducidade do direito de ação pois que tem decidido, de forma clara, o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no Acórdão proferido em 19 de Novembro de 2014, no âmbito do processo n.º 0886/14 onde refere que “(…)qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imutabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro”
b. Assim, deve o pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelos Requerentes ser considerado tempestivo, improcedendo, assim, a invocada exceção de inidoneidade do meio processual e consequente caducidade do direito de ação/intempestividade da prática do ato processual invocada pela Administração tributária, considerando-se, consequentemente, também tempestivo o pedido de pronúncia arbitral (subsequente ao indeferimento tácito) daquele pedido de revisão, em observância do disposto nos artigos 57.º, n.º 1 da LGT e 10.º do RJAT.
Da invocada exceção de incompetência do CAAD para reconhecer o estatuto de residente não habitual (RNH)
c. Entende a Requerida estarmos perante uma situação de incompetência do CAAD para reconhecer o estatuto de residente não habitual mas uma coisa é a (i)legalidade da liquidação cuja anulação se peticiona, aqui em causa, outra é o próprio estatuto de Residente Não Habitual e a sua atribuição, que não se encontra em discussão nesta sede.
d. A imposição, da inscrição no registo dos contribuintes como residentes não habituais, não consagra, para além da imposição de um dever acessório, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados.
e. Tal entendimento está, aliás, respaldado na Circular n.º 4/2019, segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais “(…) consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
f. Ou seja, é a própria Administração Tributária que reconhece, de forma expressa, que os benefícios fiscais inerentes ao regime dos RNH decorrem automaticamente da lei e que não estão sujeitos a qualquer tipo de reconhecimento constitutivo.
g. Não podendo restar quaisquer dúvidas de que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes tem por objeto, única e exclusivamente, o ato de liquidação de IRS de 2021 e não o pedido de reconhecimento de qualquer estatuto, devendo, portanto, improceder a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral invocada pela Administração Tributária.
Da invocada exceção de caso julgado/inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)
h. A exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, se essa repetição se verifica depois de a primeira ter sido decidida, por decisão que não admita recurso ordinário (cfr. artigo 581.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
i. A decisão sobre o pedido de inscrição como residente não habitual não constitui objeto dos presentes autos pelo que, mesmo que se verificasse uma situação de caso julgado, o que não sucede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, a mesma não revelaria para a apreciação da liquidação de IRS cuja anulação ora se peticiona.
j. O que está em causa no presente processo é, assim, determinar se a liquidação de IRS de 2021 se encontra eivada de ilegalidade, e não qualquer apreciação de outra qualquer decisão como a Requerida pretende fazer valer, portanto, não existe qualquer coincidência do objeto entre um e outro caso.
k. Em face do que vem sendo dito, deverá, também, a exceção dilatória de caso julgado ser considerada improcedente.
Da invocada exceção de impropriedade do meio processual
l. Os Requerentes pretendem a anulação do ato de liquidação de IRS de 2021com fundamento na sua ilegalidade, não estando em causa conhecer qualquer decisão da Administração Tributária, designadamente, de carácter administrativo, relacionada com o ato de indeferimento da inscrição como residente não habitual.
m. Pelo que, também aqui, deve improceder a exceção de impropriedade do meio processual invocada pela Administração Tributária.
7. Por despacho de 20.05.2025 foi determinada a notificação das partes para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, querendo, sobre a eventual aplicação do artigo 14º, nº 2, da LGT, à situação que é objeto do processo.
Os Requerentes apresentaram em 6.06.2025 requerimento no qual, em suma, solicitaram e alegaram o seguinte:
a. Ter dúvidas “quanto ao sentido e alcance do despacho, nomeadamente por não ser claro o fundamento que justifica a consideração da aplicação do nº 2 do artigo 14º da LGT, bem como o seu potencial impacto no caso em apreço” solicitando esclarecimento sobre o “sentido e alcance do despacho arbitral proferido, nomeadamente quanto à invocação da aplicação do nº 2 do artigo 14º da LGT”
b. “ainda que se pudesse considerar aplicar o mencionado artigo ao caso em apreço, entendem os Requerentes que sempre revelaram e autorizaram a revelação, à administração tributária, de todos os pressupostos de facto e de direito necessários à concessão do regime fiscal, conforme comprovado nos autos, bem como sempre cumpriram todas as suas obrigações”.
Entende o Tribunal que não tem fundamento o pedido de esclarecimento em causa.
Por um lado, porquanto do teor do despacho, da norma do art. 14º, nº 2 da LGT e da matéria em discussão nos autos e não controvertida (incumprimento da obrigação prevista no art. 16º, nº 10 do CIRS vigente à data dos factos relevantes) resulta com clareza as razões da eventual aplicação da mesma ao caso dos autos e da sua consequência. Por outro, porque os Requerentes acabaram por se pronunciar no ponto 4 do seu requerimento, revelando, também, ter apreendido as razões da eventual aplicação da norma, ao referir que “sempre revelaram e autorizaram a revelação, à administração tributária, de todos os pressupostos de facto e de direito necessários à concessão do regime fiscal, conforme comprovado nos autos, sempre cumpriram todas as suas obrigações” o que, a ter ocorrido, implicaria a não aplicação da norma.
Assim, indefere-se o pedido de esclarecimento em causa.
-II-SANEAMENTO
8. Questão da incompetência do CAAD para conhecer dos vícios suscitados e/ou reconhecer o estatuto de residente não habitual (RNH)
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência deste Tribunal Arbitral e uma vez que a questão de incompetência é de conhecimento prioritário, começar-se-á pela apreciação da mesma.[1]
É impugnada uma liquidação o que se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, nos termos do art. 2.º do RJAT.
Na impugnação judicial, como no pedido de pronúncia arbitral, pode ser invocada qualquer ilegalidade (art. 99.º do CPPT)
A questão colocada é a de saber se é ilegal a liquidação por não ter aplicado aos Requerentes o estatuto do residente não habitual.
Independentemente dos fundamentos de anulação invocados, está-se perante um pedido de apreciação da legalidade de uma liquidação emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que o pedido de insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Improcede, pois, a exceção em causa.
9. Questão da Inidoneidade do meio processual e consequente caducidade do direito de ação/intempestividade da prática do ato processual
A tese da Requerida é a de que era necessário demonstrar a existência de erro imputável à Requerida, para ser utilizado o prazo de 4 anos do art. 78.º, n.º 1 da LGT.
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 21-05-2024, relativamente a uma liquidação relativa ao ano de 2021.
O prazo da reclamação graciosa nos casos de erro na declaração de rendimentos, é de 2 anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração (art. 140.º, n.º 2, do CIRS).
O prazo parta entrega da declaração terminou em 30-06-2022 (art. 60.º do CIRS) pelo que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado no prazo da reclamação graciosa, pelo que aquele se enquadra na 1.ª parte do n.º 1 do art., 78.º da LGT, não sendo sequer necessário aferir da eventual ocorrência de erro imputável aos serviços.
Aliás, a própria AT convolou o pedido de revisão oficiosa em reclamação graciosa (documento n.º 17 do pedido de pronúncia arbitral), pelo que aceitou que o regime é o da reclamação graciosa.
Improcede, também, esta exceção.
10. Questão do Caso Julgado / Inimpugnabilidade da liquidação face à verificação de caso decidido ou caso resolvido (caso julgado administrativo)
É manifesto que não há caso julgado, pois não houve nenhuma decisão judicial.
Quanto à inimpugnabilidade derivada de caso decidido ou resolvido não existe qualquer decisão administrativa sobre a legalidade da liquidação impugnada.
Assim, improcede, também, esta exceção.
11. Exceção de impropriedade do meio processual
Os Requerentes formularam pedido de anulação do ato de liquidação de IRS de 2021, com fundamento na sua ilegalidade.
Decorre, designadamente, do art. 10º, nº 1, al. a) e nº 2, al. c) e do 2º, nº 1, al. a), do RJAT, que o pedido de pronúncia arbitral é meio próprio para apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.
Assim, tendo sido formulado pedido de anulação de liquidação de imposto, improcede também, manifestamente, a exceção em causa.
12.. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
13. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Ilegalidade da liquidação objeto do processo.
2) Direito dos Requerentes à restituição do imposto.
3) Direito dos Requerentes a juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante
14. Consideram-se provados os seguintes factos:
14.1. Os Requerentes encontram-se registados, junto da Autoridade Tributária, como residentes
fiscais em Portugal, com efeitos a partir de 15 de novembro de 2019.
14.2. Os Requerentes não foram residentes em Portugal nos cinco anos anteriores à data de 15 de novembro de 2019.
14.3. Em 17.02.2022, por correio postal registado, os Requerentes procederam à apresentação de requerimentos junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, através dos quais, ambos requereram a respetiva inscrição como residente não habitual, tendo os pedidos de inscrição sido indeferidos em 13.03.2023 com fundamento na não verificação de requisitos formais, nomeadamente a entrega dos pedidos de inscrição por via eletrónica no Portal das Finanças até 31 de março de 2020 e na falta de comprovação da impossibilidade de efetuar o registo de acordo com os requisitos formais e temporais prescritos pela Requerida.
14.4. O Requerente assinou em 25 de Setembro de 2019 contrato de trabalho com a empresa C..., S.A., válido por tempo indeterminado, com início em 15 de Novembro de 2019.
14.5.A Requerente assinou em 25 de Setembro de 2019 contrato de trabalho com a empresa C..., S.A., válido por tempo indeterminado, com início em 15 de Novembro de 2019 ou, se posterior na data em que à Requerente fosse concedida a autorização de residência necessária ao exercício de atividade profissional subordinada em território português.
14.6.Nos termos do contrato de trabalho, o Requerente desempenha, desde novembro de 2019,
as funções de “Diretor” (“Headmaster”) de estabelecimento de ensino.
14.7. O Requerente é “responsável pela gestão da empresa C..., S.A. e “Diretor executivo (Chief Executive Officer) da mesma”, com funções de “execução, implementação e desenvolvimento das políticas administrativas e académicas”, reportando “directamente ao Presidente do Conselho de Administração da empregadora.
14.8. O conteúdo funcional do cargo de “Diretor” do estabelecimento de ensino em causa inclui, além do mais, a preparação e concretização de planos, a preparação de orçamentos anuais, a supervisão das atividades académicas, o acompanhamento de docentes, discentes e relação com comunidade, conforme anexo do contrato de trabalho.
14.9. Nos termos do respetivo contrato de trabalho, as funções a desempenhar pela Requerente são as de “Diretora de Gestão de Matrículas & Marketing” (“Diretor of Enrollment Management & Marketing”) do estabelecimento de ensino e também as funções de “Diretora-Geral de Estratégia de Matrículas” (“Diretor of Enrollment Strategy”) no contexto do grupo empresarial C..., conforme clausulado do contrato de trabalho.
14.10. No exercício das suas funções, a Requerida reporta diretamente ao Diretor (“Headmaster”), conforme clausulado do contrato de trabalho.
14.11. Os Requerentes exercem as suas atividades laborais, no campus do colégio da empresa C..., S.A. em Sintra, em regime de comissão de serviço e sujeitos a isenção de horário de trabalho.
14.12. Os rendimentos de trabalho dependente auferidos pelos Requerentes, no ano de 2021, foram pagos pela empresa C..., S.A. Portugal, nos âmbitos dos contratos de trabalho acima referidos.
14.13. As liquidações de IRS dos Requerentes desde 2019 não têm vindo a refletir o estatuto de residentes não habituais.
14.14.Tal verificou-se, também, no que respeita à liquidação nº ..., respeitante ao ano de 2021, objeto do presente processo.
14.15. Os Requerentes após procederem à entrega da respetiva declaração de IRS de 2021, na qual juntaram, o Anexo L e fizeram menção ao exercício de atividades de elevado valor acrescentado, enquanto Diretores, com o código “802 -quadro superior de empresas”, foram notificados pela Administração tributária a dar nota de erros no preenchimento da mencionada declaração.
14.16. Nesta sequência, os Requerentes procederam à correção da declaração de IRS retirando o anexo L, o que implicou a sujeição dos seus rendimentos do trabalho dependente à tributação de acordo com as taxas gerais e progressivas, aplicáveis aos residentes fiscais em Portugal, o que se traduziu na liquidação objeto do presente processo.
14.17. Em 18.12..2022, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto apurado.
14.18. Os Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa contra a liquidação em 20.05.2024, que não foi decidido no prazo legalmente fixado para o efeito.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto resulta dos documentos constantes do processo que não foram impugnados por nenhuma das partes, bem como no acordo das partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados, sendo ainda de salientar que dos articulados apresentados emerge concordância das partes relativamente à matéria de facto dada como provada e relevante para decisão da causa.
-III- O Direito aplicável
À data dos factos relevantes, os nºs 8, 9º e 10º, do art. 16º do CIRS, tinham a seguinte redação:
“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. ”
Por outro lado, a redação do art. 14º, nº 2, da Lei Geral Tributária, é a seguinte:
“2 - Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito.”
Face aos nºs 9º e 10º do art. 16 do CIRS e ao nº 14º, nº 2, da LGT, que não podem deixar de ser aplicados conjugadamente, afigura-se que o benefício fiscal em fiscal em causa tem carácter automático, como decorre do nº 9, do art. 16º, do CIRS, mas fica subordinado à conditio juris[2] do cumprimento do dever de solicitar a inscrição como residente não habitual. Na verdade, Resulta do art. 14º, nº 2, da LGT, que que os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a cumprir as obrigações previstas na lei, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito.[3]
Face ao teor da norma em causa, relativamente à qual não se vislumbra qualquer fundamento de não aplicação, tanto mais que a mesma se reporta a “benefícios fiscais de qualquer natureza”, carece de sustentação a tese de que a obrigação consignada no art. 16º, nº 10, do CIRS, pode ser incumprida sem que tal tenha consequência relativamente ao benefício fiscal em causa.
Nesta Linha, escreve Lima Guerreiro em anotação ao nº 4 do art. 14º da LGT na redação (originária) do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro (correspondente no essencial ao atual nº 2) que “Caso o contribuinte não siga a conduta prevista no número 4 do presente artigo, aplicam-se as regras gerais de tributação. É o que resulta de o seu conteúdo ser o de um verdadeiro ónus legal.”[4]
Em idêntico sentido vão Diogo Leite de Campos-Benjamim Silva Rodrigues-Jorge Lopes de Sousa que sustentam, em comentário à mesma norma que “O nº 4 deste art. 14º na redacção inicial, a que corresponde o nº 2 na redação da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro , tem força vinculativa.”[5]
Acresce que, nem será pertinente imputar severidade ao regime pois que, como é consabido, os benefícios fiscais são, eles próprios, derrogações ao princípio da igualdade fiscal e ao princípio da capacidade contributiva, que o legislador, em determinado contexto histórico, considera justificados por interesses extra-fiscais relevantes. Porém, é compreensível que faça depender tais derrogações ao cumprimento das obrigações previstas na lei, o que o nº 2, do art. 14º, da LGT, estabelece com carácter genérico, relativamente a “benefícios fiscais de qualquer natureza”.
A esta luz, se compreende também o teor do nº 1 do art. 7º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que estabelece: “Todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios”
Não é irrelevante a eliminação pelo legislador, em 2012, da norma que determinava que o sujeito passivo só adquiria o direito a ser tributado como residente não habitual com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes. Com a alteração, o direito passou a ser adquirido, nos termos do nº 9, a partir do momento em que o sujeito passivo seja considerado residente não habitual, independentemente do registo. Simplesmente, caso a obrigação estabelecida no nº 10 não seja cumprida (o que resulta incontroverso dos elementos constantes dos autos e da versão apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral), a consequência será ficar o benefício fiscal em causa ficar sem efeito, de acordo com o artigo 14º, nº 2, da LGT, nos termos referidos. Para além de ser esta a consequência normal de incumprimento de obrigações inerentes à fruição de benefício fiscal, é ainda significativo que a norma que impõe a obrigação da inscrição (nº 10º do art. 16) se siga imediatamente à que estabelece a aquisição do benefício, ficando bem clara a correspetiva ligação regulatória, não se afigurando necessário que o legislador estabelecesse neste número o que já se encontrava estabelecido, com carácter geral, para todos os benefícios fiscais, no art. 14º, nº 2, da LGT.
Verifica-se, assim, harmonia e completude regulatória resultante da aplicação conjugada dos números 9º e 10º do art. 16º do CIRS e do nº 2 do art. 14º da LGT, de que emerge o entendimento supra exposto.
Nesta medida, não tendo sido observado pelos sujeitos passivos o disposto no referido nº 10º, do art. 16º do CIRS, o benefício fiscal em causa ficou sem efeito, sem prejuízo, de acordo com jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, o regime poder ser aplicado após a inscrição prevista na mencionada norma.
Com efeito, conforme se refere no acórdão do STA de 5-01-2025, processo n.º 1750/22.6BEPRT “a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº.10, do preceito, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual”. E, na mesma linha, no acórdão do mesmo tribunal de 29-05-2024, processo n.º 842/23.9BESNT, expressamente invocado pela AT na Resposta, “a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual”.
Ora, não tendo sido solicitada a inscrição em causa antes da ocorrência do facto tributário, face a esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o regime é inaplicável.
Termos em que, improcede a pretensão anulatória o que implica a improcedência dos demais pedidos formulados.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se a liquidação impugnada na ordem jurídica.
Valor da ação: 73.987,31 € (setenta e três mil, novecentos e oitenta e sete euros e trinta e um cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pelos Requerentes no valor de 2 448.00 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 11-06-2025
Os Árbitros
Jorge Lopes de Sousa
Marcolino Pisão Pedreiro
(Relator)
Sónia Fernandes Martins
(com declaração de voto em anexo)
Declaração de voto de vencido
(processo n.º 1380/2024-T)
Voto vencido relativamente à solução jurídica perfilhada pelo Tribunal Arbitral quanto à questão decidenda objeto dos presentes autos [(i)legalidade da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (“IRS”) do ano de 2021, face ao regime do residente não habitual previsto nos então artigos 16.º e 72.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”)], nos termos que passo a expor:
1. O artigo 16.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos que relevam no âmbito dos presentes autos, dispõe:
«Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores» [n.º 8];
«O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português» [n.º 9];
«O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território» [n.º 10];
«O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano» [n.º 11];
«O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português» [n.º 12].
2. Do regime exposto resulta que o direito à tributação como residente não habitual nasce na esfera do sujeito passivo no momento da sua inscrição como residente em território português[6] (cfr. n.º 9 supra), exigindo, a priori, o preenchimento das seguintes condições cumulativas:
¾ Ser o sujeito passivo residente fiscal em território português na aceção do n.º 1 ou 2 do artigo 16.º do CIRS (cfr. n.os 8, 11 e 12 supra);
¾ Não o ter sido nos cinco anos anteriores (cfr. n.º 8 supra).
3. Este direito demanda assim a verificação de três requisitos.
¾ Dois de caráter material: (i) ser o sujeito passivo residente fiscal em território português na aceção do n.º 1 ou 2 do artigo 16.º do CIRS e (ii) não o ter sido nos cinco anos anteriores.
¾ Um de caráter formal: (iii) ter o sujeito passivo procedido à sua inscrição como residente em território nacional.
4. Como se extrai do referido, o nascimento deste direito à tributação não está dependente de pedido de inscrição como residente não habitual, nos termos do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS – i.e., não está condicionado a impulso procedimental do sujeito passivo em conformidade nem, por maioria de razão, à inerente pronúncia [de (in)deferimento] da Entidade Requerida[7].
5. Deste modo, a apresentação deste pedido e a sua resposta não concorrem para a formação do direito em apreço, não compondo o leque dos seus requisitos enformadores.
6. A tal pedido deve antes ser atribuída uma outra função – a função de coadjuvação da Entidade Requerida no cumprimento dos seus poderes de fiscalização decorrentes do artigo 7.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), nos termos do qual «[t]odas as pessoas […] a quem sejam concedidos benefícios fiscais […] ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios», conforme impõe o regime ínsito no artigo 31.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (“LGT”).
7. Em sentido consonante pronuncia-se a jurisprudência arbitral:
«O pedido de inscrição como residente não habitual imposto pelo n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT) que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual. Assim, como dever acessório, o seu incumprimento […] não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do residente não habitual […] e não pressupõe, como requisito formal autónomo, a inscrição cadastral como tal» – cfr., a título de exemplo, decisão arbitral de 30 de julho de 2023, proferida no âmbito do processo arbitral n.º 705/2022-T.
8. Por outro lado, a terminologia semântica empregue pelo legislador – designadamente, no n.º 9: «O sujeito passivo […] adquire o direito a ser tributado como [residente não habitual] […] a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português»; e no n.º 11, ambos do artigo 16.º do CIRS: «O direito a ser tributado como residente não habitual […] depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português […]» [sublinhados meus] – não “consente” a adoção de posição distinta.
9. Este entendimento emana igualmente do confronto da redação vigente – i.e., em vigor no ano de 2021 – com a redação anterior do artigo 16.º do CIRS, conferida pelo artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro.
10. Nos termos deste último preceito legal, o então n.º 7 do artigo 16.º do CIRS preceituava:
«O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade [de residente não habitual] no registo de contribuintes da Direção-geral dos Impostos» [sublinhados meus].
11. Com efeito, na versão pretérita do regime, a inscrição como residente não habitual constituía requisito necessário à aquisição do direito à tributação. Diferentemente na versão aplicável nos presentes autos, em que o legislador, a par dos requisitos materiais oportunamente elencados, tão-somente exige a inscrição do sujeito passivo como residente – e já não como residente não habitual – em território nacional (cfr. n.º 9 do artigo 16.º do CIRS).
12. Assim, o direito à tributação como residente não habitual nasce na esfera do sujeito passivo com o preenchimento dos requisitos oportunamente enunciados nos pontos 2. e 3. supra.
13. Pelo que, não pressupõe a prática de qualquer ato administrativo em matéria tributária por parte da Entidade Requerida [nem, por maioria de razão, do antecedente impulso procedimental (pedido) do sujeito passivo], não sendo, por isso, um benefício fiscal dependente de reconhecimento na aceção do artigo 7.º, n.os 1, in fine, e 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”).
14. Deste modo, nem a ausência ou extemporaneidade do impulso procedimental previsto no artigo 16.º, n.º 10, do EBF nem uma eventual pronúncia negativa por parte da Entidade Requerida são suscetíveis de bulir com o nascimento do direito à tributação.
15. Por outro lado, a produção de efeitos deste direito – i.e., a sua efetiva repercussão na esfera do sujeito passivo – também não depende de tais pedido e pronúncia.
16. Em meu entender, a produção de efeitos do regime ocorrerá com a notificação ao sujeito passivo das respetivas liquidações de imposto, a primeira das quais em momento posterior à submissão da correspetiva declaração de rendimentos e, por conseguinte, em data subsequente «a 31 de março […] do ano seguinte àquele em que [o sujeito passivo] se torn[ou] residente [em] território [nacional]», conforme se infere da aplicação conjugada dos artigos 60.º, 75.º e 77.º do CIRS.
17. Fazer depender a aplicação do regime do residente não habitual dos pedido e pronúncia ínsitos no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS afigura-se incompatível com (e, concomitantemente, desconforme ao) disposto nos n.os 8, 9 e 11, de tal preceito, tornando, na prática e de modo inadmissível, o benefício dependente de reconhecimento por parte da Entidade Requerida.
18. Aqui chegados, entendo não ser possível subsumir quaisquer situações de incumprimento do artigo 16.º, n.º 10, do CIRS ao regime do artigo 14.º, n.º 2, da LGT, de cujo conteúdo (para o que ora releva) resulta que «[o]s titulares de benefícios fiscais […] são sempre obrigados […] a cumprir outras obrigações previstas na lei […], sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito» [sublinhado meu].
19. Dito de outro modo, o dever que dimana do artigo 16.º, n.º 10, do CIRS – de inscrição como residente não habitual até 31 de março do ano seguinte àquele em que o sujeito passivo se tornou residente em território nacional – não é subsumível a uma das «obrigações previstas na lei» na aceção do artigo 14.º, n.º 2, da LGT, uma vez que a aplicação deste preceito pressupõe que o benefício já tenha nascido e iniciado a sua produção de efeitos, os quais, por força de motivo (superveniente) atendível, têm de cessar. Assim o infiro da expressão «sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito» [sublinhado meu].
20. Ora, a 31 de março do ano seguinte (data-limite para o cumprimento da suposta «obrigação prevista na lei» nos termos do artigo 14.º, n.º 2, da LGT), o regime ainda não tinha iniciado a sua produção de efeitos na esfera dos Requerentes[8].
21. Não podendo ficar sem efeito, o que (ainda) não chegou a produzi-lo, a aplicação de ambos os regimes – i.e., do artigo 16.º, n.º 10, do CIRS e do artigo 14.º, n.º 2, da LGT – é, na minha ótica, inconciliável[9].
22. Paralelamente não ignoro os recentes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de janeiro de 2025 e 29 de maio de 2024, respetivamente proferidos no âmbito dos processos n.os 01750/22.6BEPRT e 0842/23.9BESNT, dos quais resulta:
«[O] transcrito preceito legal [i.e., o artigo 16.º, n.º 10, do CIRS] apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redação inicial da norma, que dispunha “7 – O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direção-geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4.º do D.L. n.º 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).
Deste modo, temos que o ato de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respetivo regime fiscal, sendo através desse ato que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respetivos benefícios fiscais. No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal – residente não habitual – dependa de ato de reconhecimento por parte da AT (art. 5.º do EBF), pelo que o ato de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa […].
Com este pano de fundo, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.
Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (n.º 7 do artigo 16.º do CIRS, na redação inicial […]) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (n.º 12 do artigo 16.º do CIRS). Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no n.º 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual. Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018 […]» [sublinhados meus].
23. Porém, não concordo com – não podendo, por isso, aderir ao – sentido decisório perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nestes arestos pela seguinte ordem de motivos:
¾ Conforme expus acima, entendo não constituir o ato de inscrição como residente não habitual condição de aplicação do regime. O direito à tributação nasce na esfera do sujeito passivo com o preenchimento dos requisitos elencados nos pontos 2. e 3. supra. O regime previsto nos n.os 9 («O sujeito passivo […] adquire o direito […] a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português») e 11 («O direito a ser tributado como residente não habitual […] depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português […]») do artigo 16.º do CIRS assim o pressupõe, bem como a redação vigente do n.º 10 («O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual […] até 31 de março […]») do mesmo preceito (vis-à-vis a redação pretérita do então n.º 7 – «O sujeito passivo […]adquire o direito […] com a inscrição dessa qualidade [de residente não habitual] […]»);
¾ Encerra uma contradição defender que «o ato de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa» e, simultaneamente, que «a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no n.º 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro» (i.e., ex nunc). Com efeito, a natureza declarativa da inscrição deveria pressupor a aplicação ex tunc do regime – i.e., contemporânea à verificação dos seus requisitos enformadores (elencados nos pontos 2. e 3. supra). Ademais, a mencionada produção de efeitos ex nuncnão encontra respaldo na lei, advindo de uma inovadora e questionável construção jurisprudencial, face ao disposto no artigo 12.º do EBF, nos termos do qual «O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal […], salvo quando a lei dispuser de outro modo»[10] [sublinhado meu];
¾ É igualmente contraditório defender que o benefício não está dependente de reconhecimento e, concomitantemente, condicionar a produção de efeitos do regime à prática pela Entidade Requerida de um ato administrativo em matéria tributária (o ato de deferimento do pedido de inscrição como residente não habitual). Neste contexto, conforme aludido na nota de rodapé 2, importa não perder de vista que o impulso procedimental – materializado no pedido de inscrição – pertence ao sujeito passivo (cfr. n.º 10 do artigo 16.º do CIRS: «O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças […]»). Porém, não se esgota aí, pressupondo (lógica e necessariamente) uma pronúncia por parte da Entidade Requerida – materializada no deferimento, indeferimento ou rejeição do pedido de inscrição formulado.
24. Adicionalmente, considero como não decisivo o sentido decisório perfilhado nos referidos acórdãos, na medida em que:
¾ A sua prolação teve lugar na sequência da propositura de ações administrativas de decisões de indeferimento de pedidos de inscrição como residente não habitual (e não na sequência da propositura de impugnações judiciais de liquidações de imposto);
¾ Tais arestos são apenas dois e não foram proferidos pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, pelo que não constituem jurisprudência uniforme;
¾ Desconhece-se a posição da maioria dos juízes em exercício de funções na Secção de Contencioso Tributário quanto à matéria em apreço.
25. Deste modo, em meu entender, face ao cumprimento pelos Requerentes do regime ínsito no artigo 16.º, n.os 8, 9 e 11, do CIRS, prefigurar-se-iam razões suficientemente atendíveis para fundar um juízo de ilegalidade sobre a liquidação de IRS do ano de 2021 e, por via disso, para sustentar a procedência da ação arbitral.
26. Em sentido similar ao ora defendido pronuncia-se a jurisprudência arbitral. A título de exemplo, as recentes decisões arbitrais de 14 de abril, 30 de março e 3 de janeiro de 2025, respetivamente proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.os 960/2024-T, 933/2024-T e 926/2024-T.
***
Lisboa, 18 de junho de 2025
A Árbitra Adjunta,
Sónia Fernandes Martins
[1] Artigos 16º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT.
[2] Sobre as condições legais como “requisitos ou pressupostos legais de um certo efeito jurídico” e não como verdadeiras condições cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 2012, 6ª ed. pp 606-606.
[3] O benefício fiscal fica ainda dependente duma segunda conditio júris: a obtenção pelo contribuinte em algum ano, dos 10 anos de direito ao regime, de rendimentos da categoria A e/ou B de atividades que estejam elencadas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.
[4] LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA, Rei dos Livros, 2001, pag. 104.
Na lição de João de Castro Mendes, “Chama-se ónus à necessidade de certa conduta para conseguir certo resultado, que a lei não impõe, somente faculta, se obtenha” (Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1978, de harmonia com as lições dadas ao 1º ano jurídico da Universidade Católica Portuguesa, vol. II, pag. 159.
[5] LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA, Encontros da Escrita, 4ª Ed., 2012, pag. 159.
[6] Retroagindo, porém, os seus efeitos ao início desse ano (cfr. n.º 9, in fine, supra).
[7] Diferentemente do que sucede com a inscrição como residente em território português, a qual basta-se com o ato de inscrição levado a cabo pelo sujeito passivo, a inscrição como residente não habitual pressupõe a apresentação de um pedido de inscrição e, por inerência, uma pronúncia por parte da Entidade Requerida. Neste contexto, atentem-se às distintas expressões utilizadas pelo legislador nos n.os 9, no que concerne à inscrição como residente («[…] a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente […]»), e 10, no que respeita à inscrição como residente não habitual («[…] deve solicitar a inscrição como residente não habitual […]»), do artigo 16.º do CIRS.
[8] Na perspetiva do Tribunal Arbitral, por o pedido de inscrição ter sido apresentado extemporaneamente (i.e., em momento subsequente a 31 de março). Na minha perspetiva, por o regime só produzir efeitos no momento da notificação das respetivas liquidações de imposto (cfr. ponto 16. supra).
[9] Se, na perspetiva do Tribunal Arbitral, o regime do residente não habitual não é aplicável no ano de 2021, atenta a preterição do artigo 16.º, n.º 10, do CIRS, como pode tal regime ter ficado sem efeito nesse mesmo ano, por força da aplicação do artigo 14.º, n.º 2, da LGT, se, em tal período de tributação, não chegou sequer a produzir efeitos? A resposta parece-me linear: não pode. Não é possível eliminar o efeito de algo que ainda não o produziu.
[10] Em sentido consonante, atente-se ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de maio de 2003, proferido no âmbito do processo n.º 01091/98, «nos termos do art. 11.º do EBF [atual artigo 12.º do EBF], o momento em que se adquiriu o direito ao benefício coincide com o momento da verificação dos respetivos pressupostos; porque assim, o reconhecimento feito pela Administração não é um ato constitutivo mas um simples ato declarativo […]. Com efeito, não sendo o reconhecimento um ato constitutivo de direitos (art. 11.º, n.º 1, do EBF), mas um mero ato declarativo do direito pré-existente, a sua eficácia, como ato administrativo, é, em regra, retroativa, reservando-se o efeito diferido para os atos constitutivos. O benefício fiscal nasce no momento em que se verificam os respetivos pressupostos e os efeitos do ato de reconhecimento reportam-se à mesma data, por isso não sendo possível a eventual atribuição de eficácia diferida» [sublinhado meu].