SUMÁRIO:
1-Nos termos do nº 1 do art. 3º do RJAT, a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, é admissível quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, não dependendo de os tributos controvertidos serem da mesma natureza.
2- Verifica-se essa identidade de circunstâncias de facto e princípios e regras de direito quando o fundamento comum às correções efetuadas em IRS e IVA resultantes da mesma ação de inspeção consista na inexistência de indícios objetivos da intenção de o sujeito passivo desenvolver qualquer atividade económica.
3- Havendo cumulação de pedidos, nos termos do nº 2 do art. 259º do CPC, o valor da causa corresponde à soma de todos eles .
4-Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT , o valor da causa , do qual depende a competência do árbitro singular, nos termos da alínea a) do nº 2 do art. 5º do RJAT, corresponde ao valor contestado do ato de fixação da matéria tributável e não ao valor que o contribuinte poderá deixar de pagar no futuro a título de imposto, caso obtenha ganho de causa.
5- A afetação , após o final da sua construção, de imóvel objeto de despesas de investimento , por contrato de comodato, a uso pessoal para habitação de sócio gerente de uma sociedade comercial, é ,para efeitos da dedução do IVA suportado com essa construção, uma operação tributável, só sendo equiparada a locação isenta nos termos do 30º do art. 9º do CIVA, quando tiver por contrapartida o pagamento de uma renda e resultar de acordo entre essa sociedade e o seu sócio gerente, que fixe a sua duração e exclua a possibilidade de bem ser utilizado por outras pessoas.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1.Identificação das partes.
1.1 Requerente
A... LDA, contribuinte fiscal n.º..., rua ..., ..., Coimbra, ...-... Coimbra.
1.2. Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2- Tramitação do processo.
2.1-O pedido de pronúncia arbitral (PPA) deu entrada a 4/12/2024, tendo sido nessa data encaminhado automaticamente para a Requerida.
2.2. A 9/12/2024, a Requerida seria notificada do pedido.
2.3. A 14/1/2025,despacho do Diretor de Serviços de Consultadoria Jurídica e do Contencioso da AT designaria representantes processuais da Requerida as juristas ... e ....
2.4 A 23/1/2025, o presidente do CAAD designaria árbitro singular o jurista António Lima Guerreiro , que aceitara o encargo a 23/12/2024.
2.5 A 11/2/2025, despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.
2.6. A 13/2/2025, o presidente do Tribunal Arbitral, nos termos do art. 17º do RJAT, notificaria a diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para , no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, se entender necessário, requerer prova adicional e , dentro desse prazo, juntar o Processo Administrativo(PA).
2.7. A 19/3/2025,a Requerida juntaria a Resposta, em que sustentaria a inexistência dos vícios das liquidações impugnadas invocados pela Requerente e a ilegalidade da cumulação de pedidos pretendida..
2.8 A 21/3/2025, a Requerente responderia à exceção suscitada pela Requerida.
2.9 A 24/4/2025, o Tribunal Arbitral daria o seguinte despacho:
“Havendo cumulação de pedidos, o valor da causa, determinado nos termos do art. 97º - A do CPPT, é a soma do valor de todos eles.
Acontece que, na PI, a Requerente não indicou o valor da causa, nem o valor de cada um dos pedidos que pretende cumular( nº 2 do art. 108º do CPPT, aplicável "ex vi" da alínea b) do nº 2 do art. 29º do RJAT), devendo assim , completar a PI, individualizando cada um desses pedidos.
Por outro lado, o valor com base no qual a Requerente autoliquidou a taxa de arbitragem inicial( € 8.473,26) é manifestamente inferior ao valor contestado da matéria coletável contestada de IRC de € 67.884,39, nos termos da alínea b) do nº 1 daquele art, 97º- A, o que põe em causa diretamente a competência do árbitro singular para o conhecimento desta parte do pedido, por ultrapassado o valor referido no nº 2 do art. 5º do RJAT.
Determino, assim, a audição de Requerente e Requerida para se pronunciarem no prazo de 10 dias, em que a Requerente, se assim, entender, pode corrigir a PI”.
2.10 A 30/4/2025, a Requerente pronunciar-se-ia sobre o teor desse Despacho Arbitral do seguinte modo : “A Requerente impugnou a liquidação que levando em consideração o valor das correções à matéria coletável (no montante de 67.884.39€), não apurou qualquer montante de imposto a pagar a tal respeito, e por consequência, o valor da causa, corresponde ao que foi indicado no formulário inicial. Assim, com o pedido de pronúncia arbitral, a requerente pretende a anulação da liquidação de IRC do exercício de 2022, n.º 2024... com o valor de 894.93€ e, bem assim, a anulação da liquidação de IVA referente ao período 22/12T, n.º 106278604, no valor de 7.578.23 € “ .
2.11 A 9/5/2025, a Requerida pronunciar-se-ia sobre o teor desse Despacho Arbitral do seguinte modo: “O valor dado pela Requerente na sua Resposta/Aperfeiçoamento está conforme às disposições legais acima citadas, pelo que a Requerida nada tem a opor ao mesmo. Consequentemente, em face do valor agora indicado, não tendo a Requerente designado Árbitro, será competente para julgar a causa o Tribunal Arbitral Singular. Notificada para o efeito, a Requerente não se pronunciou quanto ao valor das custas que auto-liquidou. Na perspetiva da Requerida, sendo o valor da taxa de justiça balizado pelo pedido e pelo valor indicado na PI, tendo a Requerente aperfeiçoado este articulado indicando o valor que anteriormente omitira (€ 8.473,16), deverá este ser atendido, para todos os efeitos legais”.
2.12 A 22/5/2025, o Tribunal Arbitral despacharia assim: “Por estar em causa apenas matéria de direito , não ter sido requerida prova testemunhal e as partes já tiveram amplamente oportunidade de se pronunciar sobre as questões discutidas no processo, dispenso a reunião prevista no art. 18º do RJAT. A decisão será tomada na data prevista”.
2.13 A 13/5/2025,a Requerente chamaria a atenção para que , ao contrário do que diz o Despacho Arbitral referido a 2.12, indicou como testemunhas B..., residente na rua..., ..., ...-... ..., e C..., rua ..., ...- ...-... Coimbra, solicitando informação sobre se essas testemunhas vão ou não ser ouvidas.
2.14 A 4/6/2025, o Tribunal Arbitral consideraria não haver interesse para o processo a audição das testemunhas indicadas, interesse que caberia sempre á Requerente justificar. Com efeito, esta não indica os factos concretos e não de natureza geral sobre os quais essas testemunhas devam depor e se estas, em virtude da atividade exercida, que a Requerente também não identifica, estão em condições de depor sobre esses factos. Manteria, assim, a data fixada para a decisão.
3 Pressupostos relativos ao tribunal e às Partes.
3.1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
3.3. Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do art. 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1, do art. 102.º, do CPPT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário, que ocorreu a 31/8/2024.O PPA deu entrada a 9/10/2024, pelo que deve ser considerado tempestivo.
4- Objeto
São impugnadas uma correção para menos ao resultado tributável da Requerente apurado na declaração modelo 22 de IRC de 2022 no montante de € 67.884,39, que reduziu os prejuízos reportáveis de € 81.068,42 para £ 13.184,03 , a qual deu origem à nota de cobrança nula n.º 2024..., com o consequente acerto de contas n.º 2024... .relativamente a gastos contabilizados que a AT considera não passíveis de serem deduzidos fiscalmente, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC e uma liquidação adicional de IVA n.º ... no montante global de € 7.578,23 , por correção ao excesso a reportar, apurada no final do exercício de 2022.
5. Posição da Requerente
A administração fiscal , segundo a Requerente, entendeu erradamente que os encargos com as despesas de investimento referidas nos autos não eram fiscalmente dedutíveis nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC, porque não comprovada a sua indispensabilidade e não visarem a prossecução de fins empresariais mas dos interesses particulares da sócia -gerente da empresa.
Tal não corresponderia à verdade, pois como teria sido explicado pela Requerente em sede inspetiva, a sociedade começou por adquirir um conjunto de bens imóveis de natureza rústica, fazendo terraplanagens, outros trabalhos de nivelamento, mormente com recurso a mão-de-obra, tendo em vista o desenvolvimento de um projeto rural com implementação de um olival com posterior instalação conexa de um “Turismo Rural”, com várias valências, complementares e inovadoras ao estabelecimento hoteleiro “D...”, situado nas imediações, como sejam, demonstrações culinárias em torno do processo da apanha da azeitona, comercialização e venda de azeite, eventos familiares de saúde e bem estar, como v.g. ioga e pilates, o que indiciaria a pretensão do exercício futuro de uma atividade económica.
Esse investimento apenas teria sido transitoriamente interrompido porque , no ano de conclusões das obras (2021), o país e o mundo ainda sofriam as consequências da pandemia Covid-19, a que acresceu a necessidade da legal representante da sociedade, por motivos familiares e profissionais do marido, o ter acompanhado, na Polónia, no Brasil e em Itália, entre 2021 e 2023, não tendo tido oportunidade de se dedicar com o tempo necessário a este negócio, o que só conseguiu posteriormente.
Por outro lado, o proprietário do estabelecimento hoteleiro “D...”, com o qual a Requerente projetava uma parceria, também por força das dificuldades motivadas pela pandemia, colocou à venda o seu empreendimento em 2023 e desinteressou-se da parceria.
Tal facto determinou alguma inflexão no desenvolvimento do projeto que passou a ser somente de turismo no espaço rural e hospedagem, que servindo de hospedagem aos donos, satisfaçam os requisitos para fins turísticos com carácter familiar, motivando adaptações e alterações no espaço, por forma a que já no fim de ano de 2024, pudesse receber e acolher os seus clientes
O requisito de indispensabilidade do “custo” (gasto) do art. 23.º do CIRC tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão nem dependendo de qualquer juízo sobre a oportunidade ou conveniência dos atos do sujeito passivo.
Não abrange apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que só mediatamente visam esse fim.
Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade. Este requisito legal de indispensabilidade associa-se ao facto de um custo ser necessário, desde que se apresente como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a IRC.
O contrato de comodato gratuito em que a Requerente cedeu temporariamente à sócia- gerente o uso de duas moradias não foi celebrado com fins alheios à atividade exercida pela Requerente , pois visou dar respaldo documental à fixação do domicílio voluntário e também fiscal no território português da sua sócia gerente , pelo que tempo que entendesse necessário para concretizar o projeto supra definido.
Nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 4.º do CIVA , por outro lado, por , no presente caso , o comodante ser sujeito passivo do IVA, tal comodato, ainda que gratuito , está sujeito a IVA, por essa norma abranger as prestações de serviços a título gratuito efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma.
A base tributável, nos termos da alínea c) do nº 2 do art. 16º do CIVA , é então o valor normal do bem ou serviço
Por aplicação do disposto da al. b) do n.º 2 do art.º 4.º do CIVA , sempre que o comodante seja sujeito passivo de IVA, é considerado , para determinação da base de incidência, o valor normal do bem ou do serviço, nos termos da alínea c) do nº 2 do art. 16º desse Código, que é , segundo a alínea a) do nº 4, o preço aumentado dos elementos referidos no n.º 5, medida em que nele não estejam incluídos, que um adquirente ou destinatário, no estádio de comercialização em que é efetuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor ou prestador independente, no tempo e lugar em que é efetuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o bem ou o serviço ou um bem ou serviço similar.
Assim, a fundamentação da AT carece de aptidão para justificar a recusa da dedução: apenas assim não seria se não fosse sujeito passivo do IVA.
Como se refere no Acórdão do TJUE nos procs. 110/98 a a 147/98, citado pela Requerente:
“45. Como o Tribunal de Justiça já afirmou nos acórdãos Rompelmann (…) (n.° 23), e de 29 de Fevereiro de 1996, INZO (C-110/94, Colect., p. I-857, n.° 16), o princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal suportada pela empresa impõe que as primeiras despesas de investimento efetuadas tendo em vista a formação de uma empresa sejam consideradas atividades económicas, e seria contrário a esse princípio que as referidas atividades só tivessem início no momento em que a empresa é efetivamente explorada, quer dizer, no momento em que surge o rendimento tributável.
Qualquer outra interpretação do artigo 4.° da Sexta Diretiva oneraria o operador económico com a despesa do IVA no âmbito da sua atividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir, nos termos do art. 17.°, e faria uma distinção arbitrária entre as despesas de investimento efetuadas antes da exploração efetiva de uma empresa e as efetuadas no decurso da referida exploração.
O art. 4.° da Sexta Diretiva não se opõe, no entanto, a que a administração fiscal exija que a intenção declarada de iniciar as atividades económicas que dão origem a operações tributáveis seja confirmada por elementos objetivos.
Neste contexto, há que sublinhar que a qualidade de sujeito passivo só é definitivamente adquirida se a declaração de intenção de iniciar as atividades económicas projetadas foi feita de boa fé pelo interessado.
Em situações fraudulentas ou abusivas, em que, por exemplo, o interessado simulou desenvolver uma atividade económica especial mas procurou, na realidade, fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objeto de dedução, a administração fiscal pode pedir, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações.
……”.
Daqui resultaria , sintetizando essa jurisprudência , que quem tem a intenção, confirmada por elementos objetivos, de iniciar de modo independente uma atividade económica na aceção do art. 4.° da Sexta Diretiva e para esse fim efetua as primeiras despesas de investimento deve ser considerado um sujeito passivo.
Atuando como tal, essa pessoa tem portanto, de acordo com os arts. 17.º e segs. da Sexta Diretiva, o direito de deduzir imediatamente o IVA devido ou pago sobre as despesas de investimento efetuadas para os fins das operações projetadas que concedem o direito à dedução, sem ter de esperar o início da exploração efetiva da sua empresa.
O TJUE tem declarado reiteradamente, a partir do acórdão no proc. C-672/2016, que o direito a dedução se mantém, em princípio, adquirido, nomeadamente, mesmo que, posteriormente, em razão de circunstâncias alheias à sua vontade, o sujeito passivo não faça uso dos referidos bens e serviços que deram lugar a dedução no âmbito de operações tributadas
Não cabe à Administração Fiscal apreciar o mérito dos motivos que levaram um sujeito passivo a renunciar à atividade económica inicialmente prevista, uma vez que o sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados destas, desde que as referidas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA .
6.Posição da Requerida
Ao contrário do que parece supor a Requerente, o facto de os pedidos resultarem da mesma ação inspetiva não implica necessariamente a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no nº 1 do art. 3º do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes atos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e a sua apreciação não depender da aplicação dos mesos princípios ou regras de direito.
A este propósito, transcreve a Requerida parte do despacho de 21/10/2014, proferido nos autos de processo arbitral nº 411/2014-T, o qual julgou procedente idêntica exceção: “Efetivamente, e desde logo, a circunstância de estar em causa o mesmo relatório de inspeção tributária não implica, de forma necessária, como a Requerente parece entender, que os factos concretos em que tal relatório assenta sejam os mesmos para as diversas liquidações que impugna. E mesmo que assim não fosse, é manifesto, julga-se, que as regras de direito em que a Requerente funda o seu pedido são distintas, para as liquidações de IVA e para as liquidações de IRS, conforme resulta, desde logo, do pedido formulado, onde transparece logo que a pretensão de anulação das primeiras assenta em normas próprias do CIVA, enquanto que a pretensão de anulação das segundas assenta em normas próprias do CIRS.”
Circunstância semelhante acontece nos presentes autos, onde a cumulação dos pedidos anulatórios viola o disposto no nº 1 do art. 3º do RJAT, não podendo, por isso, ser admitida.
Esta solução normativa vem no seguimento do disposto no art. 104º do CPPT, o qual dispõe que “Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.”
Ou seja, de acordo com o disposto no citado preceito, só é admissível cumulação de pedidos quando estes se reportem a tributos idênticos, porquanto, a pretensão de anulação de um determinado tributo assenta em normas próprias desse mesmo tributo, enquanto que a pretensão de anulação de outro imposto, assenta em diferentes normas, próprias desse outro imposto.
No caso em apreço ocorre cumulação ilegal de pedidos, na medida em que, no mesmo pedido de pronúncia arbitral são deduzidos pedidos de anulação de dois tributos diferentes, IVA e IRC, sendo que cada uma das pretensões de anulação assenta em diferentes regras e princípios de direito, umas com sede no CIVA, e outras no CIRC.
Neste mesmo sentido se pronuncia a jurisprudência, entre outros, no Acórdão n.º 01549/06, de 29/05/2007, do Tribunal Central Administrativo Sul: “De acordo com o disposto no artº 104º do CPPT, só é admissível cumulação de pedidos, em impugnação judicial, quando estes se reportem a tributos idênticos e se discutam as mesmas questões de facto e de direito. Neste sentido, se pronunciaram também os acórdãos do mesmo Tribunal e Secção de 10/3/2002 – Recurso nº. 26 752 e de 26.03.2003- Recurso nº 131/03-30 e do TCA, de 11/03/03 – Recurso nº 7382/02.” .
Em idêntico sentido, se pronunciou também o CAAD, no âmbito do processo n.º 233/2015-T, em que foi proferida decisão interlocutória no sentido da cumulação ilegal de pedidos de IVA e de IRC.
Nos termos dos artigos 186º, nº 2, alínea c), 187º, 576º, nº 2 e 577.º, alínea b), todos do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, alínea e) do nº 1 do RJAT, a cumulação ilegal de pedidos constitui exceção dilatória determinante da absolvição da instância.
Assim, nos termos supra expostos, deverá ser julgada procedente a exceção da cumulação ilegal de pedidos, absolvendo-se a Requerida da instância quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, relativamente ao pedido que não prosseguir para apreciação .
Os gastos da Requerente não se presumem , pelo que tem aplicação a regra geral do nº 1 do artigo 74.º da LGT. que estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nesse sentido, a Decisão Arbitral nº 604/2020- T).
O contribuinte que pretenda deduzir o encargo deve provar que o suportou, ou seja, a efetividade da despesa. O direito á dedução, quer em IRC , quer em IVA, não depende, no entanto, apenas desse elemento, mas da finalidade do gasto.
É entendimento generalizado, que apenas são dedutíveis os gastos e perdas contraídos no âmbito da atividade da empresa, isto é, os necessários ao processo produtivo, contribuindo para desenvolver a atividade a que se propôs e consequentemente atingir o fim a que a mesma se destina, o lucro.
A relevância fiscal de um gasto depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, ou seja, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, dúvida essa que , a não ser eliminada na impugnação do ato, reverte contra o contribuinte.
É o que resulta do nº 1 do art.º 23.º do CIRC , que diz que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
É inerente á noção de gasto uma conexão objetiva entre a atividade da empresa e as despesas que implica .Os gastos não relacionados com a atividade da empresa, ainda quando contabilizados pelo contribuinte, não são fiscalmente reconhecidos.
No exercício de 2022, não foram contabilizados nem declarados pela Requerente quaisquer rendimentos provenientes de vendas ou prestações de serviços, sujeitas ou isentas de IVA, relativas às atividades para as quais se encontrava coletada nem de quaisquer outras atividades que constassem do pacto social, tendo, no entanto, a Requerente deduzido a totalidade do IVA suportado.
Ainda que se trate de um sujeito passivo misto, com afetação real, não teve quaisquer operações sujeitas que lhe proporcionassem a dedução de todo o IVA, como fez.
A Requerente não exerceu , com efeito, as atividades de “Apartamentos Turísticos” ou “Exploração Turística em Espaço Rural”, nem “Produção ou Comercialização de Produtos Agrícolas”, nem no exercício de 2022, nem desde a data de início da atividade, em15/1072015/10/15 até à presente data.
É certo que alegou em termo de declarações, no âmbito do procedimento inspetivo, que foi para o concelho de ... onde agora habita para implementar um projeto de produção de azeite mas, devido à dificuldade de mão de obra e a uma parceria que, entretanto, ficou pelo caminho, aliada à pandemia Covid-19, ter-se-á frustrado o projeto inicial.
Mais alegou que o contrato de comodato celebrado entre a requerente e a sua sócia-gerente que proporcionou a esta o direito de utilização de duas moradias. foi celebrado com a intenção de se afastar dos grandes centros urbanos, durante a pandemia , devendo-se também ao facto de a sua filha ter regressado a Portugal, tendo ficado a habitar em conjunto com a mãe o local em questão. Em sede arbitral, veio acrescentar, nos art.º 9 a 12.º do pedido de pronúncia arbitral que: adquiriu também um conjunto de imóveis de natureza rústica fazendo terraplanagens, trabalhos de nivelamento, com vista ao desenvolvimento de um projeto rural que não concretizou.
Importa, no entanto, o acórdão do TCA Sul no âmbito do proc. n.º 08165/14: “os atos preparatórios efetuados por um sujeito passivo que antecedem a fase operativa da mesma atividade deverão ser qualificados como conferindo direito à dedução, logo, também eles qualificados como atividade económica. No entanto, esta dedutibilidade está condicionada à existência de uma intenção de exercer a visada atividade económica, determinada por elementos objetivos e assente num procedimento de boa fé por parte do sujeito passivo (cfr.ac.do TJCE de 29/2/1996, Proc.C-110/94, Caso INZO; ac.do TJCE de 15/1/1998, Proc.C-37/95, Caso Ghent Coal).”.
Cabendo à Requerente a prova dos factos constitutivos do direito que alega, incluindo os indícios objetivos da intenção de desenvolver uma atividade económica, os gastos suportados para outros fins não são dedutíveis em IRC ou IVA.
6- Fundamentação
6.1. Factos Provados
6.1.1.A Requerente, constituída a 1/10/2015, tem como objeto as atividades de investimentos imobiliários, administração de imóveis e prestação de serviços conexos, consultoria e elaboração de projetos e compra e venda de imóveis, exploração turística no espaço rural e comercialização de produtos alimentares, vinícolas e lacticínios entre outros.
6.1.2 Como atividades secundárias, a sua inscrição no cadastro dos Contribuintes , com base da declaração de início de atividade, refere ainda: CAE 68100- Compra e venda de bens imobiliários, CAE 68200- Arrendamento de Bens Imobiliários, CAE 70220- Outras Atividades de Consultadoria para os Negócios e a Gestão e CAE 74900- Outra Atividade Consultoria, Científicas, Técnicas e Simil. N.E. 19. Não refere a Produção Agrícola, nem a Comercialização de Produtos Agrícolas.
6.1.3 A empresa apresentou prejuízos fiscais acumulados, respeitantes aos exercícios de 2015 a 2021, no valor global de € 337.568,93. 20.
6.1.4 No período de 2022, submeteu a declaração de rendimentos Mod. 22 em 24/05/2023, a qual ficou registada com o n.º...2023..., que originaria liquidação de IRC n.º 2023..., de 10/7/2023,em que declarou, mais uma vez, um prejuízo fiscal de 81.068,42€. 21, contra € 89.555,31 no ano anterior.
6.1.5 Contudo, em junho de 2024 foi, pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra iniciada a ação inspetiva externa, de âmbito geral, credenciada pela ordem de serviço n.º OI2024..., que incidiu sobre o período tributário de 2022.
.
6.1.6 A ação inspetiva teve origem numa seleção central de controlo dos SP com reporte de IVA e sem pedido de reembolso, registando a Requerente a quando do início da ação inspetiva um crédito de imposto de € 58.402,73 .
6.1.7 Foram analisados no âmbito dessa ação pelo Serviço de Inspeção Tributária os ficheiros SAF-T da contabilidade e faturação, assim como a contabilidade e documentos de suporte, tendo havido também várias verificações e observação dos procedimentos da empresa bem como validações e cruzamentos com informação disponível no sistema informático da AT.
6.1.8 No período de 2022, a Requerente não declarou quaisquer rendimentos provenientes de vendas ou prestações de serviços referentes à atividade para as quais a Requerente se encontra coletada, nem quaisquer outras constantes do pacto social.
6.1.9 Os gastos incorridos ao longo do ano, foram financiados com recurso a suprimentos e capitais da gerência.
6.1.10 A Requerente realizou, desde o início de atividade, a 15/10/2015 até ao termo do exercício de 2022, os seguintes investimentos em móveis e móveis, pertencentes ao seu ativo imobilizado:
i. Bens de investimento em imóveis: •
- Construção de duas moradias , uma Moradia Principal, com Piscina, de artigo matricial nº..., de outra Moradia de Arrecadações e Arrumos”, artigo matricial provisório nº P... .
- Construção de um Armazém Agrícola de artigo matricial nº... .
Todos esses prédios urbanos contíguos e circundados por muros altos e três portões, todos, estão situados na localidade de Cotas, freguesia de ..., em ... – e o total do investimento feito foi de €1.097.811,23.
-10 terrenos agrícolas situados em ..., ... adquiridos entre 2016 a 2019 no valor global de €123.527,00. de cultivo de Oliveiras – inscritos na matriz rústica pelos artigos matriciais nº (s) ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º, ...º e ...º, todos da freguesia de ..., ascendendo o investimento feito ao valor global de € 123.527,00.
ii. Investimento em bens moveis: •
- Viaturas ligeiras e mistas, (matrículas ... e...) trator e reboque agrícolas e equipamento agrícola.
6.1.11 A construção de Moradia Principal terminou a 15/11/2015, data de apresentação da declaração modelo 11 para efeitos de IMI.
6.1.12 Essa Moradia Principal não foi, no entanto, até hoje colocada na atividade turística.
6.1.13 Não foi provada qualquer diligência concreta para afetar esse imóvel á atividade turística, em especial nos termos do Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos , DL nº 48/2008, de 7/3, e do Regime Jurídico do Alojamento Local , DL nº 128/2014, de 9/8.
6.1.14 Em lugar disso, a Requerente cedeu á sócia- gerente E..., por comodato gratuito de 30/9/2021 o prédio de art. matricial n.º ... (que deu origem aos arts. matriciais n.ºs ... e..., respetivamente, “Morada Principal” e “Armazém Agrícola”), para que dele exclusivamente se servisse pelo prazo de 3 anos a contar da data da assinatura do contrato , não sendo esses três anos, em caso algum, prorrogáveis.
6.1.15. Nos termos da Cláusula 2º desse contrato de comodato, o imóvel é cedido exclusivamente para que o comodatário faça dele habitação.
6.1.16 Segundo a Cláusula 5º do mesmo contrato, o comodante pode fazer cessar a utilização do bem, antecipando o termo do prazo fixado, quando as circunstâncias do negócio o exigirem.
6.1.17 Perante a afetação da Moradia Principal a um destino diferente (habitação da sócia gerente) do inicialmente declarado , quando, durante a sua construção ,os registos contabilísticos da Requerente pressupunham a afetação à atividade prestadora de serviços para a qual esta estava coletada de Apartamentos Turísticos sem Restaurante, no âmbito da ação inspetiva externa ao ano de 2021 com esse fundamento, o Serviço de Inspeção Tributária da Direção de finanças do distrito da Coimbra procedeu a diligências no sentido de lhes ser facultada a visita às suas instalações a fim de confirmar a pretensa afetação da propriedade imobiliária a uma atividade comercial ou agrícola, com consequente dedutibilidade do IVA dos investimentos imobiliários realizados pela ora Requerente.
6.1.16 Contudo, a sócia gerente opôs-se à concretização dessa diligência com base no facto de o imóvel em causa constituir a sua habitação exclusiva, nos termos do mencionado contrato de comodato, não tendo a administração fiscal, nos termos do nº 5 do art. 63º da LGT, solicitado , em pedido fundamentado dirigido ao tribunal de comarca competente, ordem para a realização dessa diligência.
6.1.17 Segundo o Serviço de Inspeção Tributária , a partir de uma observação externa, os bens em causa integram uma propriedade de uso privado, com obras recentes e de elevada qualidade, com muros altos e três portões encerrados.
6.1.18 Inexistem, no entanto, quaisquer indícios objetivos de que aí esteja a ser desenvolvia a atividade de “Exploração Turística em Espaço Rural“,ou, ainda, que a propriedade esteja ou estivesse a ser preparada para a exploração de “Apartamentos Turísticos” ou de “Atividade Agrícola2.
6.1.19 A única evidência é a de uma casa unifamiliar com obras recentes, de elevada qualidade, mas presumidamente de uso particular e em imóvel urbano atualmente ocupada pela sócia- gerente da Requerente..
6.1.20 Ouvida a sócia gerente em Auto de Declarações, referiu que: a) Veio para ... implementar um projeto de produção de azeite, tendo adquirido um conjunto de bens de natureza rústica terrenos, equipamentos agrícolas entre outros, tendo em vista o desenvolvimento de um projeto rural com implementação de um olival com posterior instalação conexa de um “Turismo Rural”; b) Os projetos foram sempre adiados, ora por motivos pessoais, por se encontrar fora do país em virtude de acompanhar o seu marido, ora por motivos externos, por se ter gorado a expetativa de parceria com o empreendimento turístico “D...” e pela pandemia do Covid-19, tendo vindo a desenvolver contactos, inclusivamente com a Câmara Municipal de Soure, no sentido de conferir outras possibilidades de exploração dos imoveis em causa, aguardando resposta; c) A celebração do contrato de comodato, numa altura ainda da vigência da pandemia Covid-19, resultou da sua intenção de estar mais afastada dos grandes centros urbanos quando estivesse em Portugal bem como do facto da sua filha, que na altura estudava na China, ter necessitado de regressar a Portugal por obrigação do governo chinês, tendo em conjunto com a sua mãe ficado a habitar no local em questão”.
6.1.21 Assim, o Serviço de Inspeção Tributária efetuou uma correção ao resultado tributável de IRC no montante de € 67.884,39, relativamente a gastos contabilizados, não passíveis de ser deduzidos fiscalmente, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC abrangendo : bens e serviços contabilizados e declarados em subcontas da Conta 62 Fornecimento e Serviços Externos – ex: serviços de lavandaria, eletricidade, água, ferramentas e equipamentos agrícolas, gasóleo, entre outros, no valor de €22.612,61, despesas com pessoal contabilizadas e declaradas em subcontas da Conta 63- Gastos com o Pessoal- ordenados e salários, seguros e outras despesas com 4 trabalhadores, no valor de €43.024,88, gastos com depreciações e amortizações contabilizadas e declaradas em subcontas da Conta 64- Gastos de Depreciações e Amortizações -viatura ligeira de mercadorias ... e equipamentos agrícolas, no valor de €1.858,22 e outros gastos e perdas contabilizados e declarados em subcontas da Conta 68- Outros Gastos e Perdas – IUC´s da viatura de matrícula ..., ligeira de mercadorias e viatura ... ligeira de passageiros.
6.1.22 A Requerente foi notificada, na pessoa do seu mandatário, para exercer o direito de audição, através de carta enviada com registo e aviso de receção - Ofício nº 2024..., de 2024/10/07, com Registo nº RL ...PT. 31.
6.1.23 O aviso de receção, foi recebido e assinado na data de 09/10/2024.
6.1.24 A Requerente não exerceu o direito de audição.
6.1.25 Nessa sequência foi preenchido o documento único de correção com o n.º ...2024..., de 29/10/2024, reduzindo o prejuízo fiscal declarado para o montante de 13.184,03€ que , por sua vez, deu origem à liquidação n.º 2024... de 18/11/2024, aqui contestada.
6.1.26 O total das correções ao IVA deduzido em 20222 ascende ao montante global de € 7.678, 23 (€ 1.230,44 em 2022 03T; € 704, 69 em 2022 06T; € 1.699,86 em 2022 09T e € 3.949, 24 em 2022 12T), por incumprimento do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 20º do CIVA.
6.1.2.Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
.6.1. 3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada e a convicção ficou formada pelo Tribunal Arbitral com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos , tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes. As informações do relatório de inspeção tributária foram consideradas nos termos do nº 1 do art. 76º da LGT, quando fundamentadas por critérios objetivos
6.2 Fundamentação de direito
6.2.1 Legalidade da cumulação de pedidos
Antes da entrada em vigor do CPP, por força da aplicação subsidiária da regra do nº 1 do art. 38.º da LPTA, que corresponde ao atual nº 1 do art. 4º do CPTA, bastava, para a cumulação de impugnações, os pedidos estarem entre si numa relação de dependência e de conexão.
Na redação inicial do art. 124º do CPPT, na impugnação judicial, nos termos legais, podiam cumular-se pedidos e coligar-se autores em caso de identidade da natureza dos tributos, serem idênticos os fundamentos de facto e de direito e o mesmo o tribunal competente para a decisão.
De acordo com a jurisprudência inicial do STA(acórdãos de 13/3/02, proc. nº 26.752, de 26/3/03, proc. nº 131/03, de 10/3/04, proc. nº 1911/03, e de 10/3/2005, proc. nº 01022/04), o art. 104º do CPPT teria afastado a aplicação desse norma da LPTA e posteriormente do nº 1 do art. 4º do CPTA. A admissibilidade da cumulação de pedidos deixaria de depender da dependência ou conexão da causa de pedir, sendo necessário os tributos serem os mesmos, estando, por isso, sujeitos a idêntica regulamentação jurídica.
Segundo essa jurisprudência , que seguiria Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado, 4ª ed., págs. 469 e 470, situações que estariam abrangidas por aquela norma do art. 38. da LPTA mas não se enquadram na previsão deste art. seriam aquelas em que há uma mesma materialidade que é subjacente à liquidação de tributos distintos, como, por hipótese uma liquidação adicional de IVA, baseada numa correção à matéria tributável fundamentada em correção de escrita e uma liquidação adicional de IRC fundada na mesma correção. Existiria uma conexão entre as duas liquidações, por serem os mesmos os factos que estão na origem a ambas as liquidações, pelo que a cumulação de pedidos de anulação seria viável à face daquela regra do n.º 1 do art. 38.º da LPTA, mas não será possível a cumulação de impugnações judiciais dos referidos atos por serem diferentes os tributos.
Essa jurisprudência seria alterada pelo acórdão do STA de 16/1/2011, proc. nº 0608/11, de acordo com o qual , não havendo fundamentos comuns a todos os atos tributários não podem estes ser impugnados cumulativamente, mas não obsta à cumulação a invocação, a par dos fundamentos comuns, de algum ou alguns fundamentos que respeitem apenas a alguns dos actos impugnados, pois que o art . 104.º do CPPT não exige uma identidade plena ou total dos fundamentos invocados, nem a coexistência, a par dos fundamentos comuns, de um fundamento específico de anulação de alguns dos atos impugnados frusta a ratio da admissibilidade legal da cumulação de impugnações (economia de meios e uniformidade de decisões).
A propósito da redação do art. 104º do CPPT , diria também esse Acórdão: “ Resulta claro do transcrito preceito legal que sem fundamentos de facto e de direito comuns a todas as liquidações não podem estas ser impugnadas cumulativamente, o que bem se compreende pois que de outro modo não se justificaria a respetiva cumulação, motivada essencialmente por razões de economia de meios e que contribui para a uniformidade de decisões (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 180 – nota 2 ao art. 104.º do CPPT).
Obstará, contudo, o art. 104.º do CPPT a que, sendo invocados fundamentos de facto e de direito comuns a todas as liquidações impugnadas, se invoque em relação a algumas delas algum fundamento específico, no caso dos autos a caducidade do direito à liquidação?
Não nos parece.
A invocação de fundamentos de anulação específicos de alguma das liquidações impugnadas, a par de fundamentos comuns a todas elas, não obsta a que haja identidade de fundamentos de facto e de direito invocados e que se realizem os fins tidos em vista com a admissibilidade da cumulação de impugnações de atos tributários diversos – razões de economia de meios e de uniformidade de decisões, como se disse já. É certo que tal identidade não será uma identidade plena, total, pois há um fundamento apenas parcialmente comum, mas nem o art. 104.º exige a plena e total identidade de fundamentos de facto e de direito invocados nem a coexistência, a par dos fundamentos comuns, de um fundamento específico de anulação de algumas das liquidações impugnadas frusta a ratio da admissibilidade legal da cumulação de impugnações.
Ao invés, impor ao impugnante que deduza impugnações separadas relativamente aos anos de 2000 a 2003, por um lado, na qual invoque para além dos demais fundamentos a caducidade do direito à liquidação, e aos anos de 2004 e 2005, por outro, na qual invoque apenas os fundamentos comuns a todas as liquidações de IRS, parece solução irrazoável, tanto pelo desperdício de meios que propicia, como pelo risco de contradição de julgados que encerra, razão pela qual deve tal solução se ter como não querida pelo legislador, que se presume que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º n.º 3 do Código Civil).Entendemos, pois, o requisito da identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados do qual o artigo 104.º do CPPT faz depender a admissibilidade da cumulação de impugnações como exigindo que entre todas as impugnações cumuladas se verifiquem fundamentos comuns, mas também como não obstando a que a par dos fundamentos comuns seja invocado algum ou alguns específicos de alguma ou algumas das impugnações”.
No mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão do STA de 22/3/2017, proc. 036/17.
O art. 3º da Lei nº 118/2019, de 17/9, alteraria o art. 104º do CPPT, em ordem a que este refletisse essa jurisprudência, que passaria a ter a seguinte redação:
“1- Na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, e a coligação de autores, desde que, cumulativamente:
a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e
b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.
2 - Não obsta à cumulação ou à coligação referida no número anterior a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária.
3 - Quando forem cumulados pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, o autor pode escolher qualquer deles para a propositura da ação, mas se a cumulação disser respeito a pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou de subsidiariedade, a ação deve ser proposta no tribunal competente para apreciar o pedido principal.
4 - Ao processo impugnatório é igualmente aplicável o disposto no artigo 57.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Ainda anteriormente a essa jurisprudência, o nº 1 do art. º do RJAT já dispunha que a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores serem admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. Complementando esse nº 1, o nº 1 acrescentava ser possível deduzir pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente a um mesmo ato tributário, desde que os respetivos factos e fundamentos fossem diversos.
A identidade dos tributos verificava-se, quando as circunstâncias de facto e os princípios ou regras de direito a aplicar fossem os mesmos , mas não que a regulamentação dos tributos deva ser necessariamente igual.
No presente processo arbitral está em causa o enquadramento em IRC e IVA das mesmas circunstâncias de fato fixadas no mesmo relatório de inspeção tributária: despesas de investimento em IRC, incluindo a sua qualificação como custos de exercício e a dedução do IVA que recaiu sobre elas, pelo que a exceção dilatória deduzida pela Requerida não pode proceder.
6.2.2 Incompetência do Tribunal Arbitral
Havendo cumulação de pedidos, nos termos do nº 2 do art. 259º do CPC, o valor da causa deve corresponder à soma de todos eles e é em função do montante de cada um dos pedidos, individualizadamente, que deve ser aferida a competência do Tribunal Arbitral.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT , o valor da causa , do qual depende a competência do árbitro singular, nos termos da alínea a) do nº 2 do art. 5º do RJAT, corresponde ao valor contestado do ato de fixação da matéria tributável e não ao valor que o contribuinte poderá deixar de pagar no futuro a título de imposto, caso obtenha ganho de causa.
Segundo o art. 5º do RJAT:
1-Os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular ou com intervenção do colectivo de três árbitros.
2 - Os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando:
a) O valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo; e
b) O sujeito passivo opte por não designar árbitro.
3 - Os tribunais arbitrais funcionam com intervenção do coletivo de três árbitros quando:
a) O valor do pedido de pronúncia ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo; ou
b) O sujeito passivo opte por designar árbitro, independentemente do valor do pedido de pronúncia.
Nos termos do nº 4 do art. 6º da Lei nº 13/2002, de 9/2(ETAF), a alçada dos tribunais centrais administrativos é a alçada do Tribunal da Relação que, nos termos do nº 1 do art. 44º da Lei nº 62/2013, de 26/8, são € 30.000,00. O total das correções de IRC impugnadas, € 67.884,39, excede o dobro da alçada da Relação de € 60.000,00, nos termos do nº 1 do art. 44º da Lei nº 62/2013, de 26/8.
Como evoca o acórdão do TCA Sul de 17/172019, proc. 62/18.4BALSB, a competência
dos tribunais arbitrais está limitada às matérias indicadas no n.º 1 do art. 2.° do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, ex vi art. 4.° do RJAT, pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição.
Por outro lado, nos termos do art. 3° do Regulamento das Custas em Matéria Tributária, o valor da causa é determinado nos termos do art. 97.°-A do CPPT.
Dispõe o nº 1 dessa norma , os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
e) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
f) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;
g) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
h) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
Acresce o nº3 dizendo que, quando haja apensação de impugnações ou execuções, o valor é o correspondente à soma dos das impugnações ou execuções. No presente caso, está em causa, não qualquer apensação de impugnações, mas a cumulação de pedidos na mesma impugnação.
No caso em que as correções á matéria coletável se limitam á redução dos prejuízos reportáveis , não originando qualquer liquidação do imposto, tal acórdão do TCA Sul consideraria a utilidade económica do pedido consistir na anulação dessas correções e consequente reconhecimento do direito ao reporte da totalidade dos prejuízos fiscais a que pretende ter direito.
Em sentido semelhante, ainda que com fundamentos não totalmente coincidentes, por estar em causa a competência do Tribunal Coletivo e não do árbitro singular, num caso no resto semelhante ao que esteve em apreciação em sede do presente processo arbitral, foi deliberado na Decisão Arbitral no proc. 151/2013- T que: "Neste contexto, a determinação da utilidade económica do pedido aplicando uma imaginária taxa de 25% ao valor dos prejuízos, sem demonstrada sintonia com a tributação real conexionada com os prejuízos referidos, não pode ser considerada mais do que um palpite sobre a hipotética utilidade económica do pedido, se, eventualmente, puder vir a ser efetuado o reporte de prejuízos.
Isto significa que a dimensão da relevância dos prejuízos a nível dos tributos cuja liquidação poderão influenciar é indeterminável, apesar de ser seguro que, por as taxas dos tributos serem inferiores a 100% da matéria tributável, a utilidade económica dos pedidos de declaração de ilegalidade de atos que fixam prejuízos, se vier a concretizar-se através de reporte, será sempre inferior ao montante desses prejuízos.
(…)
Assim, não contendo o RJAT qualquer critério de determinação do valor dos litígios aplicável aos casos de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável e sendo inviável determinar a utilidade económica desses pedidos, é de pressupor que aquela referencia ao valor dos litígios que é feita no artigo 3.°, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 teve em mente o valor dos litígios tal como resulta do CPPT, que é a legislação subsidiaria em relação ao RJAT em que se encontram, no artigo 97.°-A, regras expressas para a determinação do valor da causa, potencialmente aplicáveis a todas as situações referidas no artigo 2.°, n.º 1, do RJAT.
(…)
Ora, este artigo 97.°-A do CPPT estabelece expressamente na alínea b) do seu n.º 1 que o valor atendível quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável e o valor contestado, e não a utilidade económica do pedido que, como se referiu, é indeterminável.
Por isso, é de concluir que é a litígios em que o valor do lucro tributável contestado não seja superior a € 10.000.000,00 que se reporta aquele artigo 3.°, n.º 1, quando esta em causa a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável que não deram origem a liquidação.".
No mesmo sentido se pronunciariam as Decisões Arbitrais nºs 197/2021- T e 923/2024- T, não se conhecendo qualquer outra em sentido divergente.
Assim, por se tratar da ausência de um pressuposto processual , do conhecimento oficioso do Tribunal Arbitral, verifica-se a exceção dilatória de absolvição da instância, não cabendo a Tribunal Arbitral, independentemente de qualquer iniciativa da Requerente, suprir por sua iniciativa o erro manifesto na forma de processo que lhe é imputável.
Para esse efeito, segundo o nº 7 do art. 4º do CPTA, aplicável “ex vi” da alínea c) do nº 1 do art. 29º do RJAT, no caso de absolvição da instância por cumulação ilegal de pedidos, podem ser apresentadas novas petições no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, considerando-se estas apresentadas na data de entrada da primeira, para efeitos de tempestividade da sua apresentação.
6.2.3 IVA suportado em atos preparatórios
Ao contrário do que a Requerente sustenta, o fundamento da liquidação impugnada não consiste no não exercício por esta de uma atividade sujeita a IVA, mas na ausência de prova de qualquer conexão entre as despesas de investimento que originaram a dedução do imposto e as operações tributáveis compreendidas no seu âmbito de incidência.
A Requerente não teria exercido as atividades, para as quais está cadastrada na administração fiscal de “Apartamentos Turísticos” ou “Exploração Turística em Espaço Rural”, nem “Produção ou Comercialização de Produtos Agrícolas”, nem no exercício de 2022, nem desde a data de início da atividade, em15/1072015/10/15 até à presente data.
Não teria sido também concretamente documentado quaisquer atos preparatórios do futuro exercício de tais atividades.
Assim, a quando da realização dessas despesas de investimento, a Requerente não teria atuado com o estatuto de sujeito passivo do IVA, mas como mero particular, circunstância excludente do direito à dedução.
A inscrição no cadastro dos contribuintes da atividade por esses exercidas não é , no entanto, condição necessária e suficiente do seu reconhecimento como sujeitos passivos do IVA.
Segundo o acórdão do STA de 3/9/2017 , proc. 019237/13, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 19.º do CIVA, a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços, requisito essencial do direito à dedução, não é definida em função de um estatuto formal que se adquira com a declaração de início de atividade, nos termos do art. 31.º do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de atividade ao abrigo do subsequente art. 33.º, com a consequente inscrição no cadastro dos elementos comunicados à administração fiscal.
A condição de sujeito passivo é, ao contrário, é a que resulta cada ato tributável, sendo apurada operação a operação, motivo pelo qual o adquirente de serviços tem sempre direito à dedução do montante do IVA mencionado na respetiva fatura.
O facto de após a conclusão do imóvel este ter sido afeto a habitação da sócia gerente, ao contrário do que a Requerida sustenta, não põe em causa o direito á dedução, já que os pressupostos desta se reportam ao momento em que se realizou.
O facto de, apos a conclusão do imóvel, este ter sido afeto, em parte, a uso pessoal da sócia gerente, por razões de vida particular do seu agregado familiar que ao Tribunal Arbitral não cabe apreciar, não é motivo bastante para a recusa da
Apenas assim seria se a utilização parcial de um bem imóvel afeto à empresa para fins privados do sujeito passivo pudesse ser considerada uma locação ou uma locação de bens imóveis isenta, na aceção da alínea b) do art. 13.°- B da Sexta Diretiva, e da alínea l) do nº 2 do art. 135º da Diretiva 2006/112/CE, de 22/11/2006 (Diretiva IVA ), bem como do 30º do art. 9º do CIVA, com a consequente impossibilidade da subtração do imposto suportado nos “inputs” relacionados com a construção desse imóvel.
Tal não é, no entanto, o presente caso.
Essa utilização é regulada pelo contrato de comodato junto, que não preenche as características de uma locação isenta.
Segundo o acórdão do TJUE no proc. C-415/98, o sujeito passivo tem a possibilidade de escolher, para efeitos da aplicação da Sexta Diretiva e agora Diretiva IVA , integrar ou não na sua empresa a parte do imóvel afeta ao seu uso privado
Também para o TJUE, segundo o acórdão no proc. C-97/90, o sujeito passivo tem a possibilidade de escolher tratar como bens da empresa os bens de investimento utilizados ao mesmo tempo para fins profissionais e para fins privados. Nesse caso, o IVA pago a montante sobre a aquisição desses bens é, em princípio, integral e imediatamente dedutível .
Resulta da alínea a) , primeiro parágrafo, do nº 2 do art. 6º e da alínea c) do nº 1 do art. 11º da Sexta Diretiva e do nº 1 do art. 26º da Diretiva IVA da que, quando um bem afeto à empresa confira direito a uma dedução total ou parcial do IVA pago a montante, a sua utilização para fins privados do sujeito passivo ou do seu pessoal ou para fins estranhos à sua empresa é equiparada a uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e tributada com base no montante das despesas efetuadas para a execução da prestação de serviços, que podem ser reais ou presumidas.
Assim, um sujeito passivo que escolhe afetar a totalidade de um edifício à sua empresa e que utiliza, de seguida, uma parte desse edifício para fins privados tem, por um lado, o direito de deduzir o IVA pago a montante sobre a totalidade das despesas de construção do referido edifício e, por outro, a obrigação correspondente de pagar o IVA sobre o montante das despesas suportadas na execução da referida utilização, independentemente do seu montante e da percentagem nas despesas gerais da empresa.
Os Estados membros da EU podem, assim, isentar de imposto, ainda que sem a possibilidade de renúncia à isenção, a utilização de um imóvel para habitação própria, integrado no conjunto dos edifícios afetos à empresa, equiparada a uma prestação de serviços efetuada a título oneroso prestado pelo sujeito passivo a si mesmo. A utilização de um bem afeto à empresa, para fins estranhos à própria empresa, é, portanto, tributável, quando o bem em causa tenha conferido o direito a uma dedução total ou parcial do IVA pago a montante.
Essa regime pretende assegurar a igualdade de tratamento entre o sujeito passivo e o consumidor final, no que respeita à utilização para fins estranhos à empresa.
Equipara, portanto, a um particular que adquiriu bens sem direito à dedução o sujeito passivo que usa para fins privados bens afetos à empresa, apenas no caso de ter deduzido o IVA que recaiu sobre a sua aquisição/construção.
Refira-se, a este respeito, que o art. 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva, bem como a alínea l do nº 1 do art. 135º da Diretiva IVA não contêm qualquer esclarecimento sobre o alcance do termo «locação de bens imóveis», que viria a ser desenvolvido pela jurisprudência do TJUE( acórdãos nos procs. C-409/98,n 108/99 e 269/00), bem como pelo direito dos Estados membros.
Essa jurisprudência sustenta a locação de bens imóveis consistir , no essencial, em o proprietário de um imóvel ceder ao locatário, contra uma renda e por um prazo convencionado, o direito de ocupar o seu bem e de dele excluir outras pessoas
Diferencia- se da mera prestação de serviços de alojamento no âmbito da atividade hoteleira ou similar, como o alojamento local, e de outras operações em que o imóvel é explorado de uma forma mais ativa, ou intensa, como é o caso do alojamento local.
A utilização, para fins privados do sujeito passivo, de uma habitação num edifício que o mesmo afetou, na totalidade, à sua empresa não preenche , no caso concreto, as condições de que depende a sua qualificação como operação isenta, faltando-lhe desde logo a obrigaçãp do pagamento de uma renda ou outro tipo de contraprestação.
A comodatária ocupa-o enquanto a comodante dele não necessitar, para efeitos do desenvolvimento do seu negócio, antecipando de modo unilateral o termo do contrato, motivo pelo qual entendemos não haver qualquer garantia de cumprimento do prazo fixado.
O Estado português usou da faculdade de integrar na incidência do IVA a utilização para fins privados dos bens da empresa.
A alínea a) do nº 2 do art. 4º do CIVA, com efeito, considera prestações de serviços a título oneroso, ressalvado o disposto no n.º 1 do artigo 26.º, que regula a regularização das deduções relativas a imóveis não utilizados em fins da empresa, a utilização de bens da empresa para uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral para fins alheios à mesma e ainda em sectores de atividade isentos quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
Ficou provado que o imposto foi deduzido pela Requerente, dedução , segundo a Requerida, indevida, o que é a causa presente litígio, motivo pelo qual a execução desse contrato, como os respetivos atos preparatórios, não pode deixar de estar abrangida pela incidência do IVA.
Se a Requerente posteriormente ao contrato de comodato liquidou e entregou o IVA é objeto do pedido de pronúncia arbitral, motivo pelo qual ao Tribunal Arbitral não cabe pronunciar-se sobre essa questão.
Tal liquidação e entrega são obrigatórias, mas já não é a repercussão, nos termos do nº 3 do art. 36º do CIVA
Do mesmo modo, não cabe ao Tribunal Arbitral apreciar se, após o comodato, procedeu ou não às regularizações previstas no art. 25º do CIVA..
Tais regularizações impõem-se apenas quando o imóvel não seja afeto após o termo da sua construção a uma atividade tributada, o que não aconteceu. Mesmo que assim fosse, teriam apenas efeitos “ex nunc” e não retroativos.
Assim, consideremos inexistir fundamento legal para a recusa da dedução, o que não quer dizer que esta não possa ser corrigida dentro do prazo previsto nesse art. 25º, mas a partir apenas do início da afetação a uma atividade não tributada-
8- Decisão
O Tribunal Arbitral decide.
a)Declarar-se incompetente em função do valor da causa, nos termos da alínea a) do nº 2 do art. 5º do RJAT para conhecer a legalidade da correção para menos ao resultado tributável da Requerente apurado na declaração modelo 22 de IRC de 2022 no montante de € 67.884,39,
b) Anular a liquidação adicional de IVA n.º ... no montante global de € 7.578,23 , por correção ao excesso a reportar, apurad0 no final do exercício de 2022.
9. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 75.884,33, provenientes da soma da correção do resultado negativo de IRC no montante de 67.884,39 e da liquidação adicional de IVA no montante de € 7.578,23, nos termos das alínea a) e b) do nº 1 do 97.º-A, n.º 1,do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária . O Tribunal Arbitral não está vinculado a fixar o valor do processo com base no valor que serviu de base à autoliquidação das custas efetuada pela Requerente, ainda que a Requerida tenha manifestado a sua concordância com esse valor.
10. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00 termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar por Requerente e Requerida, na proporção de 11 e 89% , uma vez, nos termos do nº 2 do art. 12.º, n.º 2, e do nº 4 do 22.º ambos do RJAT, o pedido ter sido declarado em parte procedente e noutra parte improcedente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 9 de Junho de 2025
O Árbitro Singular
(António de Barros Lima Guerreiro)