Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1048/2024-T
Data da decisão: 2025-05-26  IMI  
Valor do pedido: € 15.459,36
Tema: IMI – Valor Patrimonial Tributário - Avaliação
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SUMÁRIO: 

Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar este Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de novembro de 2024, acorda no seguinte:

 

 

I – Relatório

 

A..., SA., pessoa coletiva com sede na Rua..., .... ...-...,  Lisboa, titular do NIF  ...vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciação da legalidade do acto de Liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis, (“IMI”), com o nº..., datado de 11 de novembro de 2023, relativo ao ano de 2020, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária na indemnização por prestação indevida de garantia bancária.

 

Fundamenta, a Requerente, o pedido nos seguintes termos. 

 

A Requerente recebeu, datada de 13 de junho de 2024, através de Carta Registada no domicílio profissional do seu mandatário, a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que apresentou face ao acto de liquidação de IMI acima referido. 

 

Considerando-se, assim, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, notificada no 3.º dia posterior ao do registo de disponibilização, ou seja, em 17 de abril de 2024. Por conseguinte, começou a correr em 18 de junho de 2024 (cf. artigo 279.º, alínea b), do Código Civil, ex vi artigo 20.º do CPPT), o prazo de 90 dias para pedido de constituição do tribunal arbitral, o qual terminou a 16 de setembro de 2024, sendo, assim, tempestivo o presente pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral.

 

A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objecto a compra e venda de terrenos e imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, gestão hoteleira e animação turística, administração e arrendamento de imóveis e propriedades, gestão de condomínios, prestação de serviços de consultoria e estudos de mercado. E, é a Requerente proprietária plena de um conjunto de prédios, conforme ponto 6º da petição inicial.

 

Conforme resulta das cadernetas prediais urbanas juntas pela Requerente ao Procedimento administrativo, os imóveis em causa integram uma das espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º do Código do IMI, concretamente “terreno para construção”, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Código IMI. 

 

Ora, a Requerente considera que os fundamentos - método utilizado e prazo para revogação do VPT - invocados pela Autoridade Tributária para o novo cálculo do valor patrimonial tributário (“VPT”) dos prédios são ilegais, levando a que o acto tributário subsequente, acima elencado, resulte inquinado de ilegalidade.

 

A Requerente começa por realçar a ausência de ponderação dos argumentos aduzidos quer na PI da Reclamação Graciosa, quer em audição prévia e, consequentemente, do teor do referido Despacho, por considerar que enferma de diversos vícios insuscetíveis de permitir a sua manutenção na Ordem Jurídica.

 

Entende que o n.º 7 do art 60.º da LGT é taxativo quanto à obrigação da AT de apreciar, entenda-se, analisar, contradizer os elementos novos de facto ou de direito - carreados em sede de direito de Audição – embora que não a aceitá-los, mas que, todavia, a AT fez tábua rasa, quanto ao aduzido, naquela sede, que se transcreve:  

“4.º A fundamentação subjacente à rejeição do Pedido em apreço resulta – única e exclusivamente de se entender que “(...) não é possível a anulação do ato tributário sindicado porquanto se encontra esgotado o prazo legal para a anulação do ato de avaliação que lhe subjaz (a avaliação foi realizada em 05/01/2017 pelo que se encontra esgotado o prazo de cinco anos) …”. 

 

Entende a Requerente que não está correcta a afirmação de que se encontra esgotado o referido prazo, dado que o IMI em crise se refere ao ano de 2020. É por demais evidente, entende a Requerente, que o Despacho padece de vício de falta de fundamentação porquanto o destinatário não almeja sequer alcançar o «iter cognoscitivo» da referida decisão que constitui exigência (mínima) para que o a.t. se considere fundamentado. 

 

Quanto ao tema do VPT dos terrenos de construção, refere a Requerente que a doutrina e os Tribunais Superiores têm apontado diversas inconsistências ao seu método de apuramento pela AT, pois tende a calculá-lo com recurso a elementos destinados à avaliação de prédios urbanos (já edificados) para habitação, comércio, indústria e serviços, em detrimento do estabelecido no artigo 45.º do Código do IMI -, insurgindo-se, concretamente, quanto à: 

i        determinação dos coeficientes de afetação, localização, e coeficiente de qualidade e conforto - detalhados nos artigos 41.º a 43.º do Código do IMI, em valor superior a ”1”; e, 

ii      majoração de 25% do valor base dos prédios edificados, constante do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI. 

 

         Para o apuramento do VPT de terrenos para construção, o artigo 45.º do Código do IMI, determina que: 

1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. 

2 – O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. 

3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º. 

4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do no 4 do artigo 40.º.” 

 

Neste âmbito, infere-se do artigo 45.º do Código do IMI que a determinação do VPT dos terrenos para construção atende, para efeitos de cálculo, apenas, (i) ao valor da área de implantação do edifício a construir e, bem assim (ii) ao valor do terreno adjacente sendo, unanimemente, aceite pela doutrina e pelos tribunais superiores, a adoção da seguinte fórmula: 

Vt = Vc x A 

Ou 

Vt Vc Ca Cl Cq Cv (sendo que “Ca”, “Cl”, “Cq” e “Cv” não podem ser superiores a “1”) 

 

Assim, da estrita interpretação literal da norma em análise, e no entendimento da Requerente, resulta que na determinação do “VPT” dos terrenos para construção, não há lugar à consideração dos coeficientes supra identificados que são aplicáveis a terrenos urbanos para habitação, comércio, indústria ou serviços, quer sejam de localização (Cl); de afetação (Ca); ou de qualidade e conforto (Cq). 

 

Não obstante, continua a Requerente, a Autoridade Tributária apurou o VPT do terreno para construção em crise (em 2017) mediante a aplicação de uma fórmula de cálculo que considera os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI.

 

Procedimento que não tem qualquer suporte legal porquanto, ao não se encontrarem previstos no artigo 45.º do Código do IMI, os coeficientes multiplicadores previstos no artigo 38.º do mesmo diploma, não devem ser aplicados para efeitos do cálculo do VPT dos terrenos para construção. 

 

Deve concluir-se, segundo a Requerente, que não é aplicável também, na fórmula de avaliação dos terrenos para construção, o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo artigo.42º, do C.I.M.I. O que significa que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artigo 38º, do mesmo diploma.

 

Segue esta mesma orientação, diz a Requerente, a Jurisprudência consolidada sobre a matéria ora em discussão quando, inequivocamente, considera que na determinação do VPT dos terrenos para construção deve observar-se o disposto no artigo 45º do CIMI, uma vez que é esta que constitui a norma específica que regula tal matéria, não havendo que considerar os coeficientes de afetação, localização, qualidade e conforto a que alude o artigo 38º do CIMI, coeficientes que, aliás, caso fossem aplicados analogicamente, potenciariam a alteração da base tributável interferindo assim, de forma inadmissível, na incidência do imposto. 

 

Assim, conclui a Requerente dizendo que estava legalmente vedada a aplicação da fórmula geral estabelecida no artigo 38.º do Código do IMI e, em concreto, não poderia ter considerado o coeficiente de localização, nem o coeficiente de afetação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI por ausência total de base legal para esse efeito. 

 

A este respeito, no que se refere à aplicação da fórmula de cálculo prevista no artigo 38.º do Código do IMI ao caso concreto, a Requerente diz que se verifica que a aplicação do coeficiente de qualidade e conforto não produz qualquer efeito prático de valorização no VPT do terreno para construção em causa, uma vez que foi definido com coeficiente de “1”. 

 

Porém, que se verifica no caso concreto a errónea aplicação do coeficiente de localização e de afectação na matriz. Ora, a adoção do coeficiente de localização e afetação nestes termos traduz-se numa dupla consideração da localização dos imóveis, resultando na sobrevalorização do seu VPT - facto que teve um impacto imediato nas liquidações de IMI referente a 2020, (e que por contrária à lei não pode persistir). 

 

Por fim, refere a Requerente que apresentou Reclamação da Matriz (com base na sua errónea quantificação, ou seja, contestou o VPT decorridos 3 anos), nos termos previstos no artigo 130.º do CIMI, no dia 29/12/2020, conforme documento nº 3.

 

Nesta conformidade, entende a Requerente que na Liquidação de 2020 devia atender-se ao VPT (ainda que fixado em 2022 ou noutra data qualquer) no ano em o requerimento foi apresentado (2020), produzindo os seus efeitos o VPT resultante dessa avaliação – precisamente – a partir do ano de 2020.

 

A Requerida, por sua vez, defende a sua posição como segue.

 

Alega a Requerente que a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa padece de falta de fundamentação e que não foram ponderados os argumentos apresentados pela própria em sede de direito de audição prévia, devendo a mesma, no seu entender dever ser considerada ilegal. 

 

Contudo, tal raciocínio está eivado de erro, segundo a Requerida, pois os pretensos vícios são vícios de segundo grau, ou seja, estão relacionados com o próprio procedimento de Reclamação Graciosa. Não são, pois, vícios de primeiro grau, concernentes com a liquidação de IMI. 

 

A competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no artigo 2.º/1 do RJAT, a saber: 

“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; (sublinhado nosso) 

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”

 

Pois bem, à luz do supra transcrito artigo, resulta claramente, segunda a Requerida, que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes a vícios próprios de atos de segundo grau (como é o caso da Reclamação Graciosa sub judice) ou de terceiro grau (v.g., Recurso Hierárquico) sob pena de violação da lei. 

 

Neste sentido, veja-se o entendimento perfilhado por de CARLA TRINDADE e SERENA CABRITA NETO:

«De facto, os actos de indeferimento de uma reclamação graciosa, que constituem actos de segundo grau poderão ser sempre arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa.  No âmbito da arbitragem tributária, faz-se então uma ressalva: não são arbitráveis os “vícios próprios” do acto de indeferimento de uma reclamação graciosa, na medida em que escapam ao âmbito material da arbitragem tributária, de acordo com o disposto no artigo 2.º do RJA1T.»

 

A acrescer à citada Doutrina, atente-se ainda à jurisprudência firmada no próprio CAAD: 

“Como se viu já, a falta de fundamentação invocada pela Requerente redunda num vício próprio do ato de indeferimento objeto da Reclamação Graciosa, e não num vício dos atos de primeiro grau - in casu, as autoliquidações de 2008 e 2009. Ora, a apreciação dos vícios próprios dos atos de indeferimento da reclamação graciosa estão subtraídas à competência do Tribunal Arbitral. 

(…) 

A questão suscitada prende-se com o objeto do processo arbitral tributário quando previamente tiver sido intentado pelo contribuinte um meio gracioso administrativo (reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa). 

Assinala-se que já em sede de impugnação judicial, foi tal matéria discutida no sentido de saber se o objeto real da impugnação era o acto de liquidação ou o acto que decidiu a reclamação, tendo o STA pacificado tal matéria ao decidir que era o primeiro desses actos esse objecto pelo que seriam os vícios próprios da liquidação e não os do despacho que decidiu a reclamação, que deveriam ser judicialmente sindicados (Cfr Ac. do STA, de 18-5-2011 / Proc nº 0156/11). 

Ora, transpondo para o processo arbitral esta Jurisprudência, e considerando ainda o disposto no artigo 2º, do RJAT, resulta evidenciado que o objeto do processo arbitral é o ato de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, estando excluída a arbitrabilidade dos atos de indeferimento de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, sendo certo que do disposto no artigo 10º, do RJAT, apenas resulta, única e exclusivamente, o dies a quodo prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. 

Admite-se, no entanto, a arbitrabilidade daqueles atos administrativos tributários (os denominados actos de segundo e terceiro graus) na medida em que comportem eles próprios (e só nessa medida) a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa. 

Na base deste entendimento está uma interpretação teleológica, designadamente do disposto no artigo 10º-1/a), do RJAT quando refere expressamente “decisão do recurso hierárquico”, ou seja, esses actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” à jurisdição arbitral, “(...)na condição estrita de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente quer impugnar pela via arbitral (...)”. 

Sobre tal matéria e no sentido ora apontado, se pronunciou, entre outros, o acórdão arbitral proferido no processo nº 272/2014-T. 

Descendo ao caso dos autos. 

Trata-se aqui de apreciar a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa com base no vício de falta de fundamentação. Ora é manifesto que o vício imputado a esse ato não comporta, em si próprio, a ilegalidade dos atos de autoliquidação sub juditio. Assim é que, na procedência da exceção, o Tribunal se declara materialmente incompetente para apreciar a questão de (i)legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa por falta de fundamentação.» “

 

Continua a Requerida dizendo que, em 29/12/2016, entregou a Requerente, nos termos e para os efeitos da alínea a) do nº 3 do art. 130º CIMI 17 modelos de IMI com motivo: 

“6 – Pedido de avaliação – VPT desatualizado, respeitantes aos artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... da União das Freguesias de ... e ..., do concelho de Albufeira e do distrito de Faro.”, o que deu lugar à atribuição de valores patrimoniais, decorrentes de avaliações efetuadas em 05/01/2017. 

 

Do resultado das avaliações foi a reclamante notificada via ctt em 11/01/2017 (relativamente aos artigos ... a...) e 01/02/2017 (quanto aos artigos ... a ...), não tendo a Requerente requerido a 2ª avaliação, conforme disposto no art. 76º CIMI. 

 

Em 2019, continua a Requerida, nos termos do disposto no art. 138 do CIMI, os VPT dos prédios foram atualizados, os quais estiveram na base da liquidação objeto de reclamação por parte da Requerente (na altura reclamante).

 

Em 11/04/2022, foram os VPT dos prédios em causa corrigidos oficiosamente, de acordo com as regras do art. 45º CIMI, na sequência de um procedimento contencioso tributário apresentado pelo sujeito relativamente ao ano de 2019, tendo essa correção abrangido os anos de 2019, 2020, 2021 e 2022. 

 

Posteriormente, no seguimento de instruções emanadas pela AT, foi entendido reverter a atualização dos valores patrimoniais tributários para os anos de 2020, 2021 e 2022, o que ocorreu em 18/05/2023, sendo que os valores corrigidos oficiosamente apenas produziram efeitos relativamente ao processo de contencioso referente ao ano de 2019. 

 

Em 30-11-2023, foi a Requerente notificada do ato de liquidação de IMI nº ..., respeitante a liquidação normal – correção (adicional), com referência ao ano de 2020, o que originou a nota de cobrança nº 2020..., no valor de €15.459,36, datada de 2023-11-11. 

 

Continua a Requerida dizendo que, em 2024/02/02, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Albufeira, reclamação graciosa referente à liquidação de IMI de 2020, com referência aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... da União das Freguesias de ... e ..., do concelho de Albufeira e do distrito de Faro. 

 

Os imóveis em causa são terrenos para construção, nos termos do nº3 do art. 6º do CIMI, considerando a Requerente, em sede de reclamação graciosa e na qualidade de reclamante, que o cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios resultou num apuramento de quantitativo ilegal.

 

Em 08/05/2024, foi a Requerente notificada para o exercício do direito de audição prévia. Em 23/05/2024, foi exercido o direito de audição por parte da Requerente (reclamante), alegando em resumo que a determinação do VPT dos prédios está inquinada quanto ao seu cálculo, como ainda por se reconduzir a uma avaliação notificada em 11/01/2017, questionando a contagem do prazo de 5 anos. 

 

Em 13/06/2024, recaiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, tendo sido notificada através de carta registada da mesma data. No seguimento, vem a Requerente apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, tendo sido, entretanto, instaurado processo de execução fiscal nº ...2024... para cobrança coerciva do montante respeitante à liquidação de IMI nº ... do ano 2020, no montante de € 15.459,36, o qual se encontra suspenso.

 

Face ao exposto, defende-se a Requerida dizendo que a Requerente fundamenta a anulação do acto de liquidação ora impugnado com fundamento em vícios, não do acto de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT).

 

Acontece que, segundo entende a Requerida, os vícios do acto que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. Na verdade, a presente ação não é fundamentada em qualquer vício do acto de liquidação em si. Ao acto impugnado não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento. O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é o acto destacável de fixação do VPT e não o acto de liquidação.

 

Acontece que, continua a Requerida, os vícios do acto que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são susceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo. 

 

É certo, continua, que a jurisprudência tem entendido que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que a aplicação dos referidos coeficientes avaliativos acarreta a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais.

 

Neste sentido, por Despacho da Subdiretora Geral de 10.11.202 proferida no processo n.º ...2020... foi ratificado o entendimento jurisprudencial e o entendimento da AT foi alterado nos seguintes termos: 

“O entendimento preconizado pelos tribunais superiores, e que deve ser acolhido em sede do contencioso pendente, é o de que, na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não podem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.» 

O IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados

no território português e o AIMI incide sobre a soma desses valores quando respeitem a prédios habitacionais ou a terrenos para construção. 

O n.º 1 do art.º 113.º do Código do IMI dispõe quanto ao IMI: 

“O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.” 

 

Sublinha a Requerente que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto. Donde, verifica-se ausência de litígio quanto à forma de cálculo aplicável para determinar o VPT dos terrenos para construção. 

 

Como de seguida se passa a demonstrar, não assiste qualquer razão à Requerente porquanto o acto de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade.

 

Acresce que, reforça a Requerida, nos termos da mais recente jurisprudência consolidada do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

A Requerente, contudo, pretende a anulação do acto impugnado com fundamento em vícios, não do acto de liquidação, mas sim dos actos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), os quais constituem actos finais do procedimento de avaliação. O que a Requerente contesta é o acto de fixação do VPT que é um acto autónomo e individualizado, com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação. 

 

Como refere José CASALTA NABAIS, in “Direito Fiscal”, Almedina, p.253: “Traduzindo-se a liquidação stricto sensu na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável constitui um acto administrativo distinto de todos os que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação do valor patrimonial.” 

Esta é uma das situações em que o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT). 

 

Sobre esta matéria, continua a Requerida, veio o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 102/22.2BALSB em 23.02.2023, uniformizar a jurisprudência no seguinte sentido: 

[…] 

“Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do acto de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é susceptível nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o acto de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT). 

No que respeita em particular aos actos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7). 

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação. 

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código. 

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em 

conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão.” 

 

Continua a Requerida dizendo que, esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade. 

 

Tendo em conta o que fica dito, a Requerida entende que duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do acto de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação, no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável, admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio. 

 

E uma terceira conclusão se impõe, de acordo com a Requerida: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do acto de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação. Na verdade, o acto que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de imposto sobre o património (cf.acórdão do Supremo TribunalAdministrativo de14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável emwww.dgsi.pt).

 

No caso, como refere a requerida, o acto final do procedimento de avaliação é o acto que fixa o valor patrimonial. De qualquer forma, quer o acto de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que, com base no valor resultante da avaliação, vier a ser efetuada. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).

 

Uma vez que os vícios da fixação do VPT não são sindicáveis na análise da legalidade 

do ato de liquidação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, segundo a Requerida, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do acto de liquidação. Caso o acto que fixa o valor patrimonial tributário não seja impugnado nos termos e prazo fixado consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. 

 

Acresce, segundo a Requerida, que tão pouco se verifica qualquer erro no ato de liquidação, porquanto foi calculado com base no VPT constante na matriz predial em estrito e integral cumprimento da lei. A atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção por parte da Requerida já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção. 

 

Ou seja, face ao recente e reiterado entendimento jurisprudencial sobre a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, há lugar à anulação dos actos de avaliação dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes nos termos e condições estabelecidas na lei.  A revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2. c) da LGT. 

Estabelece o n.º1 do artigo 168.º do CPA, a cujo cumprimento está a Autoridade Tributária legalmente obrigada e vinculada: 

“1 - Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.” 

Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respetiva emissão. 

Neste sentido pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.10.2021, Acórdão n.º 23/16.8BELRS: 

“I. Não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para a revogação e anulação administrativas dos atos tributários, hão de acolher-se as regras constantes dos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA). 

II. Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde- que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão – artigo 168/1 CPA. 

III. Salvo nos casos previstos nos n.ºs 3 a 7, do artigo 168º CPA, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão - artigo 168º, n.º 2, do CPA.” 

Em face de tudo o exposto que por força do artigo 168, n.º 1, do CPA, que as avaliações, 

em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal. 

 

Conclui, assim, que já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI. 

 

No caso concreto, os valores patrimoniais tributários, contestados pela Requerente, foram fixados pela avaliação efetuada aos prédios em causa em 2017.01.05 e notificada em 2017.01.06. Não tendo a Requerente lançado mão do procedimento da segunda avaliação prevista no artigo 76.º do CIMI ou a impugnação judicial da avaliação, nos termos do artigo 77.º do mesmo Código, encontra-se precludido o prazo para a anulação administrativa do ato que fixe o valor patrimonial tributário, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo do IMI. 

 

Estando em causa nos presentes autos a liquidação de IMI de 2020, referente aos prédios 

urbanos inscritos na matriz sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... da União das Freguesias de ... e ..., do concelho de Albufeira e do distrito de Faro, a mesma foi apurada tendo em conta o VPT que constava na matriz à data do respetivo facto tributário, em 31 de dezembro do referido ano, nos termos legais. 

 

Uma vez que esses VPT estão consolidados na ordem jurídica, pelas razões supra expostas, a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) de 2020, suportada nesses VPT, não padece de qualquer erro. 

 

Peticiona a Requerente a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento à Requerente da indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantia bancária, porquanto as liquidações têm origem em vícios que não são imputáveis ao sujeito passivo, por alegadamente consubstanciarem uma errónea qualificação dos factos tributários. Ora atento o acima exposto, não subsiste dúvidas que a liquidação de IMI de 2020 não padece de qualquer vício ou ilegalidade, 

 

Pelo que o não pagamento da nota de liquidação de IMI respeitante ao ano 2020, em tempo, originou a emissão de nota de cobrança nº 2020..., no valor de €15.459,36, o que determinou, nos termos legais, a instauração de correspondente processo de execução fiscal nº...2024... . 

 

Não tendo a Requerente procedido ao pagamento da liquidação de IMI em causa nos presentes autos e pretendendo o sujeito passivo a suspensão dos trâmites do processo executivo entretanto instaurado, prestou garantia bancária. 

 

Pelo que, atento o acima exposto, não assiste razão à Requerente quanto ao pedido de indemnização pela prestação de garantia alegadamente indevida, nem se vislumbre erro imputável aos serviços que possa fundar o mesmo, nem ato ilegal de liquidação. 

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 26 de novembro de 2024.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades.

 

Cabe, então, apreciar e decidir.

 

II – Saneamento

 

Inimpugnabilidade dos actos tributários de liquidação

 

A Autoridade Tributária invoca a excepção da inimpugnabilidade dos actos de liquidação de IMI, decorrente de se terem consolidado na ordem jurídica os actos de fixação do valor patrimonial tributário, não tendo existido oportuna reação contra a avaliação direta dos prédios, por parte do sujeito passivo, mediante um pedido de uma segunda avaliação.

 

No caso em concreto, a cobrança do imposto teve por base os valores patrimoniais tributários constantes dos actos de liquidação direta do imposto, tal como resulta dos documentos juntos ao pedido arbitral, e que não foram objeto de uma segunda avaliação por iniciativa do contribuinte, como prevê o artigo 76.º, n.º 1, do Código do IMI.

 

Ora, vem a Requerente precisamente impugnar tal acto de liquidação de IMI com fundamento em erro nos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios (terrenos para construção) sobre os quais que incidiu o imposto. 

 

A Requerida, por sua vez, defende que a Requerente não imputa qualquer vício à liquidação de IMI, questionando, apenas, o seu VPT. E, assim sendo, que a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.

 

De facto, estabelece o n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, a avaliação directa; e no n.º 1 do artigo 86º da LGT refere-se que a avaliação directa é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa, referindo também o artigo 134.º do CPPT que os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

 

Ou seja, os actos de fixação dos valores patrimoniais tributários, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa.  E, nessa medida, os vícios de VPT não são susceptíveis de serem impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base nos mesmos.

 

Em conclusão, não há assim possibilidade de apreciação da correcção do acto de fixação do VPT através da impugnação do acto de liquidação de IMI, tendo de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.

 

E, no caso em apreço, como vimos, a Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT que estava vigente a 31 de dezembro de 2020.

 

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

 

A questão da impugnabilidade judicial dos actos de liquidação de IMI quando o sujeito passivo deixa precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário ainda na fase procedimental, foi apreciada no acórdão o STA, de 23 de fevereiro de 2023, no Processo n.º 0102/22, tirado em recurso para uniformização de jurisprudência incidente sobre a decisão arbitral proferida no Processo n.º 652/2021-T, que estava em oposição com a decisão arbitral proferida no Processo n.º 852/2021-T.

 

Este tribunal não pode, por conseguinte, deixar de seguir o entendimento sufragado no referido acórdão de uniformização de jurisprudência, no qual se conclui nos seguintes termos: “deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável”.

 

Vejamos o que dispõe os artigos 76.º e 77.º do Código do IMI:

 

Artigo 76º

Segunda avaliação de prédios urbanos

 

1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, podem, respetivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado.

[…]

 

Artigo 77º

Impugnação

 

1- Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

2- A impugnação referida no número anterior pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.

3- A iniciativa da impugnação a que se refere o n.º 1 cabe ao sujeito passivo, à câmara municipal ou à junta de freguesia, quando esta última seja beneficiária da receita.

 

A remissão para o artigo 97º do CPPT, que consta do artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, enumera as situações em que há lugar à impugnação judicial, no âmbito do processo judicial tributário, e entre as quais se conta a “impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais”, a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea f), desse Código. E, por outro lado, a regra desse mesmo preceito do Código do IMI está em consonância com o disposto no artigo 134.º, n.º 7, do CPPT, segundo o qual a impugnação de actos de fixação dos valores patrimoniais “só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”. 

 

O que decorre da interpretação conjugada dos artigos 76.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, do Código do IMI é que do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial e, por outro lado, a segunda avaliação de prédios urbanos, em que se incluem os terrenos para construção, pode ser requerida pelo sujeito passivo ou pela câmara municipal ou promovida pelo chefe de finanças, quando não concordem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos.

 

A segunda avaliação corresponde, neste contexto, a uma forma de impugnação administrativa da avaliação direta, sendo que é dessa segunda avaliação que cabe impugnação judicial. Ou seja, a utilização prévia desse meio de tutela administrativa constitui uma condição de acesso à via contenciosa.

 

Termos em que se entende dar como verificada a invocada exceção de inimpugnabilidade do acto de liquidação de IMI sub judice.

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

Face à solução a que se chega, julga-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

 

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade do acto de liquidação de IMI, referente ao ano de 2020, aqui impugnado, e absolver a Autoridade Tributária da instância;
  2. Absolver a Autoridade Tributária do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de €15 459,36, que não foi contestado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 918, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Porto, 26 de maio de 2025

   

O Árbitro

 

Maria Antónia Torres