SUMÁRIO: I - Para a atribuição do benefício fiscal (RFAI) releva a criação de um posto de trabalho, no quadro da realização de um dado investimento elegível, sem que o contrato laboral subjacente careça de observar uma determinada modalidade. II - O normativo aplicável em nada distingue quanto a essa modalidade contratual, sendo admissível a celebração de contrato laboral com termo ou por prazo indeterminado. III – Na constância do prazo mínimo de manutenção do posto de trabalho, a cessação do contrato de trabalho, por motivo de extinção do posto de trabalho, opera a caducidade do incentivo fiscal.
DECISÃO ARBITRAL
«A..., S. A.», com o número de identificação fiscal ... e sede social na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Porto (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
I. Relatório
O pedido formulado pela Requerente consiste (i) na declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios (n.º 2023... e n.º 2023..., respetivamente) referentes ao exercício de 2019, no valor total de € 55.072,56, com a consequente revogação do indeferimento tácito da reclamação graciosa por si apresentada e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 9 de janeiro de 2025.
Em 17 de fevereiro a Requerida apresentou a sua Resposta, sem suscitar matéria de excepção, e remeteu o processo administrativo.
Por despacho deste Tribunal foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
Posição da Requerente
No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:
i) Em 1 de Abril de 2024 submeteu uma reclamação graciosa visando a anulação dos atos controvertidos de liquidação de IRC e juros compensatórios, no valor total de € 55.072,56;
ii) A AT não apreciou a reclamação graciosa, tendo incumprido o prazo de 4 meses estabelecido no artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT). O que fez presumir o seu indeferimento para efeitos de apresentação do pedido de pronúncia arbitral;
iii) A liquidação fundou-se numa ação inspetiva iniciada em 15 de novembro de 2022, com âmbito parcial (IRC e Imposto sobre o Valor Acrescentado) e incidindo sobre o exercício de 2019;
iv) Dessa ação inspetiva resultaram correções de natureza meramente aritmética por alegado incumprimento dos requisitos legais do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI);
v) Em 2019 a Requerente registou uma dotação, a título de RFAI, no montante de € 330.839,20. Este montante foi totalmente deduzido à coleta nesse exercício de 2019;
vi) Foram disponibilizados mapas com a listagem dos diversos investimentos considerados e dos funcionários afetos aos postos de trabalho diretamente criados nesses investimentos;
vii) No que respeita aos requisitos de (i) criação de postos de trabalho e (ii) a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento (3 anos para micro ou pequenas e médias empresas e 5 anos nos demais casos), considerou a AT que o conceito de “postos de trabalho” apenas integra “a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato sem termo ou por termo indeterminado, abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo”;
viii) Esta alegação da AT, que fundamenta o relatório de inspeção, tem por base a Informação Vinculativa n.º 818 (processo n.º 2010001800 e 16 de junho de 2010). Com base nessa interpretação por si erguida, os serviços de inspeção da AT avançaram para a validação da dotação apurada pela Requerente a título do RFAI, tendo concluído que “(…) para a unidade de investimento “2 - Protein Production”, todos os trabalhadores admitidos celebraram contrato a termo incerto (…)”;
ix) Também concluiu que “(…) na unidade “4 - Vivarium”, verifica-se que o trabalhador contratado saiu da empresa em 2020, pelo facto de o posto de trabalho ter sido extinto”. E voltando a invocar o sobredito pedido de informação vinculativo, considera a AT que “se um trabalhador com contrato de trabalho sem termo sair da empresa por uma das causas legalmente previstas que não seja, obviamente, a extinção do posto de trabalho, e seja admitido, para o mesmo posto de trabalho, um outro trabalhador, nas mesmas condições, não é posta em causa a manutenção do posto de trabalho”;
x) Deste entendimento da AT resultou uma redução na dotação do RFAI em € 43.245,99 e € 6.235,81 (para as referidas unidades “2” e “4”, respetivamente);
xi) Ao contrário do que refere a AT, o pedido de informação vinculativa constitui a base de fundamentação do relatório de inspeção, atento o reconhecimento de que o Código Fiscal do Investimento (CFI) nada refere quanto à modalidade contratual conexa com a criação de postos de trabalho. Explica a AT que:
«Assim, apesar de a legislação fiscal não conter uma definição de “posto de trabalho”, recorre-se, nos termos do artigo 11.º da LGT, ao significado que lhe é atribuído por outros ramos do direito, designadamente pelo Direito do Trabalho, em que é possível concluir que o trabalhador com “contrato a termo” não é considerado como trabalhador permanente da empresa, o que, consequentemente, é incompatível com a criação de emprego num contexto sustentável, o que, reitera-se, é precisamente a ratio do RFAI. De facto, enquanto que o trabalhador permanente, como decorre da própria designação, preencherá um posto de trabalho que corresponde a uma necessidade permanente (sustentável/duradoura) na empresa, tal não sucederá com o trabalhador “contratado a termo”. Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 140.º do Código do Trabalho, “o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, ou seja, em situações excecionais e apenas nos casos previstos no n.º 2 e 4 do mesmo artigo»;
xii) A criação de postos de trabalho estaria, assim, circunscrita à criação de trabalho permanente. E mais nenhum fundamento foi apresentado, sendo incontrovertido que os investimentos foram realizados e considerados elegíveis;
xiii) O RFAI apresenta-se como um regime de auxílios de Estado com finalidade regional, obedecendo inicialmente ao Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de agosto (entre os anos de 2007 a 30 de junho de 2014) e, atualmente, ao Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de junho de 2014 (aplicável desde 1 de julho de 2014), onde são declaradas certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado da União Europeia;
xiv) O RFAI estabelece um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento direcionado para determinados setores de atividade e para determinadas regiões com maiores necessidades de investimento, intensificando a atratividade dessas regiões para as empresas e a criação de postos de trabalho. Aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no artigo 2.º, n.2, do CFI, considerando os códigos de atividade definidos na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, são concedidos, entre outros, o benefício fiscal de dedução à coleta em IRC (cf. artigo 23.º, n.1, alínea a), do CFI).
xv) Estipularam-se as seguintes condições de acesso ao RFAI:
- Dispor de contabilidade organizada e o lucro tributável não ser determinado por métodos indiretos;
- Manter na empresa os bens objeto de investimento durante um período mínimo de três anos, no caso de PME’s, ou durante cinco anos nos restantes casos (se inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização);
- Ter a situação fiscal e contributiva regularizada; e
- Proporcionar a criação de postos de trabalho e a sua manutenção durante o período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento.
xvi) O efeito direto do direito comunitário permite que um particular invoque uma norma comunitária junto de um tribunal nacional ou europeu para afastar assim a norma nacional que lhe é desfavorável (princípios do primado e do efeito direto do direito comunitário);
xvii) Em relação ao RFAI, o CFI enquadra-o no seu artigo 1.º, n.2, como um regime de auxílio com finalidade regional aprovado “nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado”. Se porventura restassem dúvidas, o próprio direito interno, no artigo 1.º, n.2, do CFI, convoca os “termos do Regulamento”;
xviii) É, pois, no contexto institucional e normativo daquele Regulamento que devem ser interpretados e aplicados o CFI, o RFAI e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro;
xix) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto ao invocarem um pedido de informação vinculativa para sustentar as correções tributárias demonstraram, à saciedade, que a mesma padece de um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito em que assenta. Basta atentar que a alínea f) do n.4 do artigo 22.º do CFI estabelece apenas este requisito: “Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)”;
xx) A contrario sensu, nada se impõe acerca da modalidade contratual conexa com a criação desses postos de trabalho;
xxi) Em outra ação inspetiva contemporânea desta, a AT sustentou que: “note-se que o conceito de criação de postos de trabalho não se confunde com o conceito de criação de emprego” e que é independente “da natureza do contrato de trabalho dos trabalhadores elegíveis”;
xxii) Ora, o conceito de “postos de trabalho” não é um conceito fiscal, mas antes extra-fiscal. Como refere o artigo 11.º, n.2, da LGT: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”;
xxiii) Sendo um conceito primordialmente jus-laboral e analisando o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, constata-se que o conceito de “posto de trabalho” é transversal a todo o tipo de modalidades contratuais laborais, conforme se afere, por exemplo, nos artigo 143.º, n.º 1 ou 175.º n.º 4;
xxiv) Sendo as liquidações de imposto e juros compensatórios ilegais, impõe-se a restituição do valor total pago acrescido de juros indemnizatórios.
Posição da Requerida
A Requerida apresentou contestação, tendo alegado que:
i) Importa analisar se o sujeito passivo cumpriu com a condição imposta pelo RFAI, ou seja, se os investimentos proporcionaram a criação de postos de trabalho e a sua manutenção;
ii) Nos termos das disposições conjugadas das alíneas c) e f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, podem beneficiar do RFAI os sujeitos passivos de IRC que efetuem investimento relevante que proporcione:
- A criação de postos de trabalho, e
- A sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, regra geral, 3 anos para as micro ou PME, e 5 para as grandes empresas.
iii) Acerca da condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e da sua manutenção, face ao disposto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, a AT já se pronunciou, através da ficha doutrinária PIV n.º 818 - Processo 2010 001800, no sentido de que:
• "apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho "a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo" (conforme § 1);
• "se um trabalhador com contrato de trabalho sem termo sair da empresa por uma das causas legalmente previstas que não seja, obviamente, a extinção do posto de trabalho, e seja admitido para o mesmo posto de trabalho, um outro trabalhador, nas mesmas condições, não é posta em causa a manutenção do posto de trabalho" (conforme § 8).
• se os postos de trabalho criados não forem mantidos até ao final do período de tributação que se inicie em 2013, aplica-se a parte final do n.º 2 do art.0 14.º do EBF, caducando o benefício fiscal (conforme § 9).
iv) Ora, a relevância atribuída ao vínculo contratual manifesta na Informação Vinculativa invocada, não resulta em si mesma de qualquer exigência emanada das normas europeias em matéria de auxílios do Estado com finalidade regional, mas tão só da seleção da modalidade contratual, à luz da legislação laboral vigente em Portugal, que garanta que a admissão de um funcionário se destina a ocupar uma função específica e diretamente criada pelo investimento e não à satisfação de necessidades temporárias da empresa;
v) Só assim é possível distinguir, dentro das oscilações normais da força de trabalho, as que correspondem à criação de postos de trabalho proporcionadas pelo investimento relevante (funções específicas e permanentemente necessárias para que o investimento funcione), e que não podem incluir trabalhadores admitidos ao abrigo de contrato com termo, que, de acordo com o artigo 140.° do Código do Trabalho, só pode ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas mesmas necessidades;
vi) O sujeito passivo indicou que foram criados postos de trabalho em relação a cada um dos investimentos beneficiários do RFAI (por cada uma das unidades), através da celebração de contrato com trabalhadores afetos a cada uma das unidades;
vii) Da análise aos elementos relativos aos postos de trabalho e tipologia de contratos constantes das listagens enviadas, constatou-se que, apenas para as unidades de investimento "1 - Disc.&Eng . Division", "3 - Biophysical Characf'. e "4 - Vivarium" foram admitidos trabalhadores através de contrato de trabalho por tempo indeterminado;
viii) Como vem sendo posição consolidada da AT, entende-se que só pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado).;
ix) Sendo certo que, para a unidade de investimento "2 - Protein Production", todos os trabalhadores admitidos celebraram contratos a termo incerto, conclui-se pelo não cumprimento da condição criação de postos de trabalho em consequência do investimento na referida unidade beneficiário de incentivo RFAI;
x) Quanto à condição de manutenção dos postos de trabalho criados, foram analisados os Anexos A e B de 2019, 2020 e 2021 do Relatório Único tendo-se verificado que:
• Os trabalhadores B... e C... já se encontram desvinculados da empresa, por " denúncia com aviso prévio por parte do trabalhador" e "denúncia do empregador durante o período experimentar, respetivamente. Constatou-se que os mesmos foram substituídos por outros;
• A trabalhadora D... cessou funções em 24 de janeiro de 2020 por motivo de "despedimento por extinção do posto de trabalho", não tendo sido substituída.
xi) Atendendo ao disposto nas alíneas c) e f) do n.0 4 do artigoº 22.º do CFI e ao facto de no ano em questão a empresa ser classificada como uma PME, a "A..." deveria manter os postos de trabalho no mínimo 3 anos a contar das datas dos investimentos subjacentes;
xii) Como já referido a AT pronunciou-se, através da ficha doutrinária PIV n.0 818 - Processo 2010 001800, que "se um trabalhador com contrato de trabalho sem termo sair da empresa por uma das causas legalmente previstas que não seja, obviamente, a extinção do posto de trabalho, e seja admitido, para o mesmo posto de trabalho, um outro trabalhador, nas mesmas condições, não é posta em causa a manutenção do posto de trabalho";
xiii) Conclui-se que para o investimento realizado na referida unidade, também não se verifica cumprida a condição "criação e manutenção de postos de trabalho". Nestes termos, o benefício fiscal por aplicação do CFI (RFAI) que o sujeito passivo calculou em consequência do investimento realizado nas unidades " 2 - Protein Production" e "4 - Vivarium", caducou por não cumprir o critério da criação e manutenção dos postos de trabalho criados a partir dos mesmos;
xiv) Assim, a dotação/dedução de RFAI do período de 2019, referente ao investimento nas unidades "2 - Protein Production" e " 4 - Vivarium ", é ilegítima, na medida em que, segundo o n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na sua parte I relativa aos princípios gerais, "os benefícios fiscais (...) caducam (...), quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respetiva condição, resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário";
xv) A correção proposta à dotação do período de 2019 (€ 49.481,80) tem efeitos na dedução à coleta declarada pelo sujeito passivo na declaração de rendimentos modelo 22 do mesmo período, pois o valor deduzido à coleta neste período respeita ao "RFAI inerente aos investimentos realizados nesse período;
xvi) Não se provando os factos que, atento o direito em apreço, pudessem justificar a não liquidação de imposto, as correções efetuadas pelos SIT têm de se ter por legais.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato de liquidação de IRC e juros compensatórios.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
Não foram identificadas nulidades ou irregularidades.
III. Prova
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
a) A Requerente iniciou atividade em 26 de março de 2012. Tem por objeto social a investigação e desenvolvimento na área das ciências da vida, produção e comercialização, exportação e importação de serviços, produtos, consultoria e tecnologias das áreas das ciências da vida. A atividade desenvolvida consiste na prestação de serviços nas áreas das ciências da vida, designadamente, a descoberta, engenharia e desenvolvimento de anticorpos para fins terapêuticos;
b) Estatisticamente, corresponde-lhe os códigos de Classificação das Atividades Económicas (CAE) 72190 e 072110;
c) A Requerente preenche os requisitos para ser considerada como pequena e média empresa (PME);
d) Com inicio em 15 de novembro de 2022, a AT realizou uma ação inspetiva externa, com o âmbito parcial (IRC) e incidência temporal no exercício de 2019 (OI n.º 202201470);
e) No exercício de 2019, a Requerente deduziu à coleta do IRC o valor de € 330.839,20 a título de RFAI, tendo apresentado, a título de suporte documental, a seguinte lista de investimentos elegíveis:

f) Apresentou adicionalmente o seguinte mapa de criação de postos de trabalho, a par dos Anexos A e B do Relatório Único de 2018 a 2021:

g)
De entre os trabalhadores constantes da listagem supra, apenas 3 foram contratados ao abrigo da modalidade de contrato por tempo indeterminado:

h) Os contratos de trabalho com os demais trabalhadores revestiram a modalidade de contrato a termo incerto;
i) Os trabalhadores “B...” e “C...” desvincularam-se por, respetivamente, “denúncia com aviso prévio por parte do trabalhador” e “denúncia do empregador durante o período experimental”. Ambos foram substituídos por outros trabalhadores e na mesma modalidade contratual / laboral;
j) Quanto à trabalhadora “D...”, o contrato cessou em 24 de janeiro de 2020 por motivo de “despedimento por extinção de posto de trabalho”. Não ocorreu a substituição por outro trabalhador;
k) Do relatório de inspecção resultarou uma correcção (redução) total de € 49.481,80 na dedução à coleta realizada a título de RFAI:

l) Foi emitida a nota de liquidação de IRC n.º 2023..., de que resultou a redução do valor da dedução à coleta (“benefícios fiscais”) na referida importância de € 49.481,80:

m) Foi emitida a nota de liquidação de juros compensatórios n.º 2023... no valor de € 5.590,76;
n) A Requerente pagou o valor total liquidado de € 55.072,56 (acerto de contas n.º 2023...);
o) A Requerente apresentou reclamação graciosa em 1 de abril de 2024, que se encontra pendente de apreciação pela AT;
p) O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 4 de novembro de 2024.
Os factos dados como provados são confirmados pela documentação junta aos autos.
Com relevância para a apreciação do mérito, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
IV. Do Mérito
O pedido e a causa de pedir, que circunscrevem a apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral, centram-se no cumprimento de um requisito substantivo: a criação de postos de trabalho como consequência da realização de investimentos em ativos ilegíveis, e a manutenção de ambos (ativo e posto de trabalho) por um mínimo de 3 anos.
Para a Requerente, a criação de um posto de trabalho é compatível com qualquer modalidade contratual prevista na legislação laboral, o que permite a celebração, indistintamente, de contratos laborais com ou sem termo. Um juízo que assenta na literalidade da norma aplicável. E onde esta não distingue, ao intérprete não é possível distinguir.
Já a Requerida entende que a ratio inerente ao incentivo fiscal consiste na manutenção no tempo dos ativos em que se concretizou o investimento e, consequentemente, dos postos de trabalho criados como consequência do mesmo. O que não é compaginável com a temporalidade que subjaz aos contratos de trabalho com termo (certo ou incerto). Um posto de trabalho corresponde, por definição, a uma necessidade temporal permanente, o que afasta a celebração de contratos com termo.
Resulta do probatório que o relatório de inspeção considerou incumprido o requisito fiscal de criação de postos de trabalho na unidade “2 - Protein Production”, dado que todos os contratos de trabalho revestiram a modalidade de contrato a termo incerto.
Note-se que a ação inspetiva não curou de analisar se e em que medida tais postos de trabalho se mantiveram (originariamente ou por substituição dos trabalhadores) durante o período mínimo de 3 anos. Com efeito, o relatório de inspeção, que fundamenta a liquidação de imposto e juros controvertida, assenta na simples desconsideração dos contratos laborais, pelo facto de não revestirem a modalidade de contratos sem termo.
Na apreciação do mérito do pedido não cabe, assim, a aferição do cumprimento substantivo das condições previstas nas alíneas c) e f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI. Mas tão-somente a decisão sobre se o conceito de “posto de trabalho” deve ser interpretado, restritivamente, como circunscrito à celebração de contratos de trabalho sem termo.
Dito de outra forma, o relatório de inspecção apreciou o cumprimento do requisito formulado na referida alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI com base na existência, ou não, de, pelo menos, um contrato de trabalho sem termo em cada umas das quatro unidades produtivas em que a Requerente concretizou investimentos em ativos elegíveis.
Tendo concluído pela verificação de 3 contratos sob essa modalidade: um contrato em cada uma das unidades “1”, “3” e “4”.
Pelo que o recorte do thema decidendum é simples e direto: a inexistência de contratos de trabalho sem termo na unidade “2” não permite o cumprimento do requisito de criação de posto de trabalho? Ou, pelo contrário, qualquer um dos (três) contratos de trabalho a termo incerto alocados à unidade “2” cumpre tal requisito?
Já quanto ao investimento na unidade “4 - Vivarium” a Requerida considera que a cessação do contrato laboral por motivo extinção do posto de trabalho, antes de cumprido o período mínimo de 3 anos, conduz à caducidade do incentivo fiscal.
A Requerente, não contraditando essa extinção, entende que a criação de postos de trabalho se deve analisar no contexto global da atividade económica.
Vejamos ambas as situações separadamente. Sabendo que não cabe a aferição do cumprimento de quaisquer outros requisitos, por tal se encontrar fora do alcance dos fundamentos do relatório de inspeção que originou a liquidação controvertida.
Do conceito de posto de trabalho
Importa começar por esclarecer a relevância e alcance prático das orientações administrativas emanadas da AT, a par da publicação dos pedidos de informação vinculativa.
O conhecimento da interpretação da AT perante o sentido de uma determinada norma e/ou a sua aplicação a certas casuísticas, pode apresentar-se como extremamente útil, na medida em que permite, ao universo de sujeitos passivos, a antecipação da posição da administração fiscal. Além de assegurar a uniformidade interpretativa a que a AT deve obedecer no relacionamento com os diversos sujeitos passivos.
Todavia, o fundamento inerente à liquidação de um imposto, designadamente como consequência de uma ação inspectiva, será sempre a fundamentação concreta aplicada ao apuramento de uma dada factualidade.
Como é sabido, o usualmente denominado “direito circulatório” não constitui fonte de direito, dado que o mesmo se esgota nos serviços da administração fiscal ao qual o mesmo se dirige. Em suma, carecem de natureza vinculativa externa.
A norma em apreço - a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI – apresenta-se como um benefício (incentivo) fiscal, devendo ser interpretada estritamente. Nos termos do artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva.
Ora, para aferir da possibilidade de aplicação analógica, é forçoso que nos encontremos perante uma lacuna, i. e. um vazio normativo ou uma situação omissiva a preencher mediante o recurso a uma outra norma existente e que disponha sobre uma situação análoga.
O legislador usou a seguinte expressão constante da citada norma do artigo 22.º:
«Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c), aqui se incluindo os postos de trabalho criados nos termos da alínea c) do n.º 2.»
A única interpretação admissível é aquela que parte da literalidade da norma e que foi seguida por ambas as Partes: basta a criação de (pelo menos) um posto de trabalho como consequência direta da realização de um dado investimento em ativos elegíveis. E a consequente manutenção por 3 anos. Sendo que, no caso do investimento na unidade “2”, como vimos, o fundamento da liquidação coloca-se apenas a montante: a criação do posto de trabalho.
Valendo-nos dos princípios hermenêuticos constantes do artigo 9. º do Código Civil, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.
Se a pretensão legislativa fosse a de fazer acompanhar o período mínimo de detenção do investimento de uma determinada roupagem contratual, capaz de demonstrar um compromisso perene ou de longo prazo, teria de o fazer no campo da conformação legislativa.
Uma tal interpretação (restritiva) até poderia ter algum cabimento no plano teleológico. Afinal, de que serviria um investimento a manter por um prazo mínimo de 3 anos, se acompanhado de uma frágil e temporária relação laboral subjacente? E cuja natureza poderia indiciar que as funções laborais associadas a um dado posto de trabalho são temporárias e/ou incertas no tempo?
E um simples juízo de experiência questionaria a racionalidade inerente à celebração de contratos a termo (ainda para mais, termo incerto, como sucede), que careceriam de sucessiva renovação temporal, para fazer face a um investimento que, no momento da sua realização, já se sabia exigir uma janela temporal mínima de 3 anos.
Sendo certo que a sucessiva renovação no tempo seria demonstrativa da carência perene de um dado posto de trabalho. Ou seja, seria um posto de trabalho na medida em que obedeceria a uma necessidade constante de exercício de uma dada função profissional.
Na certeza, porém, que, como vimos, a norma aplicável em nada distingue quanto à modalidade contratual em obediência à qual um dado posto de trabalho foi criado.
E poderia tê-lo feito, conforme sucedeu com o extinto incentivo fiscal à criação de emprego para jovens. Que tanto na sua versão inicial (fornecida pela Lei n.º 72/98, de 3 de novembro) como nas modificações que lhe foram sucedendo, exigia que os trabalhadores fossem “admitidos por contrato sem termo”.
Essa ligação ou nexo sempre esteve ausente do RFAI (desde o momento da sua criação até à atualidade), não podendo ser inferida sem o mínimo de correspondência literal.
Só pode valer o suporte literal claro e contrário: para a atribuição do benefício fiscal apenas releva a criação de um posto de trabalho, no quadro de realização de um dado investimento, sem necessidade de observância de uma determina forma contratual. Forma essa, que o legislador deixou à livre conformação do sujeito passivo. Somente lhe exigindo que esse posto de trabalho se mantenha pelo mesmo período mínimo do investimento (3 anos).
Em conclusão, improcede a correcção realizada pela AT, de € 43.245,99, no que respeita ao investimento realizado na unidade “2 - Protein Production”. Improcede também a liquidação proporcional dos juros compensatórios.
Da caducidade do benefício por extinção do posto de trabalho
Resulta do probatório que a única trabalhadora admitida para o posto de trabalho criado na unidade “4 - Vivarium” cessou o contrato de trabalho subjacente em 24 de janeiro de 2020. Por motivo de “despedimento por extinção de posto de trabalho”.
A Requerente não contradita esta factualidade, limitando-se a referir que “o preenchimento do condicionalismo do RFAI deve ser perspectivado de forma global e não apenas no próprio investimento em si”.
Não lhe assiste razão.
Desde logo, na medida que o incentivo fiscal a deduzir à coleta se manifesta na concretização de elementos elegíveis em determinados ativos, a verificar-se adicionalmente em cada período de tributação.
Foi esse o percurso adoptado pela Requerente: identificou os ativos elegíveis e descreveu o investimento realizado, enquadrando-o nas tipologias previstas na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro: criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento ou a alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
Tanto assim, que são esses os termos em que está estruturada a legislação comunitária sobre auxílios estatais de finalidade regional.
Acresce que, a aceitar-se o entendimento da Requerente, o incentivo fiscal seria atribuível mediante a criação de um qualquer posto de trabalho (e apenas um seria suficiente) num vago e indefinido cenário de investimento global.
Do probatório resulta clara a concretização de um investimento numa unidade de produção (“Vivarium”), que relevou para efeitos de RFAI na estrita medida em que incluiu a criação de um posto de trabalho.
Posto esse que foi extinto no ano seguinte. Ou seja, não houve qualquer substituição do contrato de trabalho, mas antes a cessação desse contrato com fundamento na “extinção do posto de trabalho”. Denotando assim o incumprimento do requisito temporal mínimo de 3 anos.
Termos em que improcede o pedido de anulação da correcção de € 6.235,81 no que respeita ao investimento realizado na unidade “4 - Vivarium”. E mantém-se a liquidação de juros compensatórios sobre o proporcional da liquidação não anulada.
Dos juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária na restituição do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida.
De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Tal regime está em sintonia com o resultante do artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o que, por sua vez, remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário ora impugnados há lugar à restituição da quantia indevidamente paga acrescida do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
V. Decisão
Face ao exposto, decide-se:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se a liquidação adicional de IRC controvertida no valor de € 43.245,99 (87.40% do pedido, ou seja, € 43.245,99 sobre o pedido de € 49.481,80);
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação dos juros compensatórios no valor de € 4.886,32, correspondente à referida percentagem de 87,40% sobre o pedido de € 5.590,76;
c) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, pelo somatório da proporção das liquidações anuladas de IRC e de juros compensatórios (€ 43.245,99 mais € 4.886,32), contados à taxa legal em vigor e entre as datas do pagamento realizado e da futura emissão da nota de crédito.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 55.072,56, indicado pela Requerente, respeitante ao montante da liquidação de IRC e juros compensatórios cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas
Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, a cargo da Requerida e da Requerente nas percentagens de, respetivamente, 87,40% e 12,60%.
13 Junho de 2025
José Luís Ferreira