DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO
As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
I - RELATÓRIO
1. U…., com o número fiscal …., com sede na …. Lisboa, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d) da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1. alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) veio a requerer, em 06.01.2025, com data de aceitação a 08.01.2025, a constituição de tribunal arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento de reclamação graciosa e, bem assim, da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) referente ao ano de 2022.
2. Nos termos do disposto nos artigos 6.º conjugado com o artigo 11.º, n.º 1, alínea a) e n.º 8 do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) constituiu o Tribunal Arbitral Singular em 17.03.2025.
3. Em 18.03.2025, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), enquanto entidade Requerida, foi notificada para, no prazo de 30 dias, querendo, apresentar resposta, devendo, no referido prazo remeter cópia do processo administrativo.
4. Nessa resposta, em 24.04.2025, a Requerida sustentou a legalidade da liquidação efetuada, tendo concluído pelo pedido de improcedência do pedido de pronúncia arbitral e pela absolvição da Requerida de todos os pedidos, tendo enviado simultaneamente cópia do processo administrativo e juntado documentos estatísticos comprovativos de matéria impugnada, bem como de uma declaração de voto de vencido proferida em processo arbitral.
5. Em 07.05.2025, as Partes foram notificadas de que o Tribunal Arbitral dispensava a reunião a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, uma vez que os factos estavam estabelecidos e estava em causa apenas uma questão de direito, tendo sido concedido um prazo de 10 dias para as Partes alegarem, facultativamente, tendo sido anunciado como prazo limite para a prolação do despacho a data de 06.06.2025.
6. Em 23.05.2025, quer a Requerente quer a Requerida apresentaram alegações. A primeira, concretizando de forma mais detalhada supostas ilegalidades de que padece o regime do ASSB, designadamente à luz da sua constitucionalidade, e a segunda, reiterando integralmente a argumentação plasmada em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
7. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
8. O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar.
III – DA POSIÇÃO DAS PARTES
A REQUERENTE
9.1 A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, no essencial, diz o seguinte:
a) É uma instituição financeira de crédito com sede em território nacional.
b) Em 28.06.2022 procedeu à autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) referente ao exercício de 2022, mediante a apresentação da respetiva declaração Modelo 57 da qual resultou uma liquidação do tributo no montante de 49 141,88 €, que pagou.
c) Em 19.06.2024 apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do ASSB pedindo a respetiva anulação tendo a mesma sido indeferida em 10.09.2024, com notificação efetuada por ofício de 11.09.2024.
d) Em 06.01.2025, com data de aceitação em 08.01.2025, apresentou um pedido de pronúncia arbitral pretendendo a declaração de ilegalidade da autoliquidação do ASSB e a consequente anulação da decisão de indeferimento de reclamação graciosa.
e) Considera que o regime do ASSB enferma de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º, 104.º e 18.º, nº. 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), além de colidir com o princípio da especificação orçamental ínsito no artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) e. como consequência dessa inconstitucionalidade, estarem afetadas de ilegalidade as regras de incidência objetiva e temporal.
f) Com efeito, o regime do ASSB é um tributo setorial, aparentemente decalcado da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), existindo uma coincidência em matéria de incidência subjetiva e objetiva, estando assente pela jurisprudência e pela doutrina que esta é uma contribuição financeira enquanto o ASSB é um imposto, ou seja há uma realidade duplamente tributada.
g) Do exercício da atividade do setor bancário (enquanto setor onerado) não advém qualquer relação (ou responsabilidade) que especificamente justifique uma sua maior participação no funcionamento de segurança social.
h) A classificação do ASSB enquanto contribuição financeira implicaria, pelo menos, uma utilização ou afetação da respetiva receita no interesse ou benefício do setor onerado.
i) A doutrina e a jurisprudência apontam no sentido de que se está perante um verdadeiro imposto, situação corroborada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 149/2024, quando conclui que «o ASSB só pode classificar-se como imposto».
j) No que respeita em concreto aos impostos, o artigo 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece como parâmetro de aferição do respeito pelo princípio da igualdade, a capacidade contributiva, relevada através do rendimento ou do património.
l) A Requerente cita a jurisprudência do TC no acórdão n.º 187/2013, de 22.04.2013, de que «Podem ser censuradas com fundamento em lesão aos princípios da igualdades, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida de diferença se prossegue», o que sucede com o ASSB em que foi criado contemporaneamente para fazer face às consequências sociais e económicas da pandemia Covid 19 e é anunciado como uma compensação por o setor das instituições de crédito e sociedades financeiras estarem isentas de IVA nas transmissões efetuadas.
m) O mesmo tribunal, no acórdão n.º 529/2024, de 02.07.2024, sobre o ASSB afirma que «não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua o fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa», concluindo pela violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, o que, segundo o seu entendimento, conduz igualmente à violação do princípio da capacidade contributiva.
n) A base tributável do ASSB não permite indiciar um concreto índice de capacidade contributiva e, não sendo possível estabelecer uma «efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, o referido acórdão concluiu pela inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a) do regime do ASSB por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
o) Á luz do artigo 18.º, n.º 2 da CRP, tendo em conta a doutrina e a jurisprudência sobre a matéria, também o princípio geral da proporcionalidade é posto em causa, não podendo senão concluir-se igualmente pela inconstitucionalidade das referidas normas.
p) A Requerente sustenta igualmente que os atos praticados a coberto do regime do ASSB são ilegais por violação do princípio da especificação orçamental, tal como o mesmo se encontra desenhado nos termos conjugados dos artigos 17º, n.º 2 da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) e 105.º, n.º 1, alínea a) da CRP, pois, muito embora a receita tributária do ASSB esteja integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), tal não significa que esteja isenta de especificação e discriminação nos mapas orçamentais anexos à Lei do Orçamento de Estado para 2020, aquando da alteração introduzida pela Lei n.º 27-A/2020, de 27 de julho, havendo uma violação do princípio da hierarquia dos atos legislativos consagrado no artigo 112.º, n.º 3 da CRP.
q) Finalmente identifica uma ilegalidade nos atos tributários como consequência da inconstitucionalidade das regras de incidência objetiva e temporal, pois o ASSB deveria ter sido liquidado e cobrado até 30 de junho de 2023, calculado por referência â média anual dos saldos finais de cada mês que tenham correspondência nas contas anuais do ano de 2022, tal como aprovadas no ano de 2023.
r) Considera que não há fundamento para a manutenção de medidas excecionais, pelo que as normas previstas nos artigos 4.º, n.º 4. 6.º. n.º 5 e 7.º, n.º 1 da Lei do ASSB e 21.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais por violação dos princípios do Estado de Direito, na dimensão de proibição do arbítrio, e do princípio de coerência tributária, ínsitos no artigo 2.º da CRP.
s) Padecendo os atos tributários e decisório do vício de violação de lei, e tendo o tributo sido indevidamente pago, para além de reclamar o reembolso da importância paga, a Requerente, em conformidade com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços da Requerida, solicita o pagamento de juros indemnizatórios.
9.2 Em termos de alegações escritas, a Requerente assinala não ter a Requerida impugnado nenhum dos factos invocados no pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se os mesmos cabalmente demonstrados através de prova documental junta aos autos, pelo que devem ser dados como provados em termos que sugere.
Relativamente à matéria de direito, sublinha a declaração de inconstitucionalidade do regime do ASSB feita pelo acórdão do TC, n.º 529/2024, de 02.07.2024, reitera a sua conceptualização como imposto, afasta as justificações apresentadas para a sua criação, uma vez que estabelece um tratamento desigual entre os vários sujeitos passivos, onerando um único setor económico com as obrigações de financiamento de um sistema público de interesse geral sem que lhe subjaza qualquer fundamento racional e razoável, afirma a violação do subprincípio da necessidade, uma vez que existiam soluções alternativas, que exemplifica, concluindo pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, com as necessárias consequências de reembolso do ASSB e oneração de juros indemnizatórios.
B – A REQUERIDA
10. Por seu turno, a Requerida, em resposta ao pedido de pronúncia arbitral, vem dizer, no essencial, o seguinte:
a) Após estabelecer uma breve contextualização e enquadramento jurídico do regime que criou o ASSB, parte para a demonstração da inexistente violação do princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio e da proibição da criação de impostos desproporcionais e não genéricos.
b) O princípio da igualdade fiscal ou tributária é considerado uma particularização do princípio geral da igualdade a que se refere o artigo 13.º da CRP e desdobra-se em duas dimensões, a da proibição do arbítrio legislativo e a da proibição da discriminação, em ambas estando em causa a dimensão negativa do referido princípio.
c) Na dimensão da proibição do arbítrio, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, refere que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa e só quando a medida legislativa não tem adequado suporte material é que existe uma infração, situação reiteradamente reconhecida na numerosa jurisprudência mencionada no acórdão n.º 545/2019, de 16 de outubro, nele se concretizando que «ao legislador ordinário cabe o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação, a qual, na espécie, assume necessariamente amplitude considerável. Estando-se num domínio reservado à margem de conformação do legislador, há que apenas apreciar se tal diferença de regime legislativo se poderá ter por desrazoável».
d) No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27, do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro, seja também chamado a contribuir para o sistema de segurança social.
e) A razão de ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros decorre apenas, segundo um estudo que acompanhou uma comunicação da Comissão Europeia, da complexidade das operações financeiras e da dificuldade em submeter as mesmas à disciplina do IVA, mas tem o efeito de beneficiar em termos de carga fiscal o exercício de atividades financeiras de modo a evitar um aumento do preço do crédito ao consumo.
f) O entendimento de que o setor financeiro é prejudicado com as isenções simples ou incompletas de IVA assenta numa lógica falaciosa, sendo recordado que a alínea a), do n.º 1, do artigo 137.º da Diretiva faculta aos Estados Membros a possibilidade de concederem aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação dos serviços e operações financeiras, pelo que, se fosse implementada tal norma, o IVA seria de 23% e aumentaria a carga fiscal suportada pelas instituições de crédito em Portugal.
g) A isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no setor bancário em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA, que contribuem para o FEFSS através do denominado «IVA social», sendo certo que apenas uma parte diminuta da atividade financeira está sujeita ao imposto de selo, cujas taxas são substancialmente inferiores às do IVA, não estando esta, nem mesmo parcialmente, consignada à Segurança Social.
h) Atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores como também desigualdades na distribuição do esforço tributário.
i) Não há nada que impeça o legislador de acrescentar tributação às operações sujeitas e isentas de IVA já tributadas em sede de imposto de selo, pois como assinala Gomes Canotilho e Vital Moreira «Não impondo a Constituição um imposto único sobre o consumo, a lei pode criar paralelamente ao IVA (ou cumulativamente com ele) outros impostos sobre o consumo de certos bens ou serviços».
j) A criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável, o que não acontece, donde decorre que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não violam o princípio constitucional da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, nem qualquer outro princípio constitucional.
l) A invocação da violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, em razão dos elementos objetivos da sua incidência não terem relação com os indicadores demonstrativos dessa capacidade, rendimento, consumo ou património, não pode ser sufragada, impondo-se que os impostos sejam construídos considerando os indicadores efetivos de aptidão dos sujeitos passivos para suportar uma determinada prestação tributária, de modo que, por um lado, incidam sobre manifestações de riqueza, e por outro, que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas.
m) O ASSB configura-se como um imposto indireto, e ao visar o reforço dos mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado aplicável á generalidade dos serviços e operações financeiras, de modo a aproximar a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores, representa a compensação de uma vantagem aferida em termos de carga fiscal, associada à aplicação da isenção de IVA sobre um conjunto vasto de operações financeiras.
n) O ASSB tem um recorte idêntico ao da CSB, e o legislador ao adotar a técnica de fazer coincidir as bases de incidência conseguiu obter significativos ganhos de eficiência, ao mitigar os custos de implementação e contexto do imposto.
o) No relatório do FMI ao G 20, de junho de 2010, foram propostos como indicadores objetivos indiretos de um imposto sobre atividades financeiras, entre outros, os salários pagos pelas entidades financeiras e o seu lucro calculado em termos de fluxos de caixa, todavia, o legislador nacional optou pelo valor do passivo e pelo valor dos derivados fora do balanço por serem fatores que recaem, efetivamente, sobre a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados, sendo estes últimos uma fatia muito relevante das operações que não sendo tributadas em sede de IVA, sobre elas não incide qualquer tributação financeira.
p) A imposição postulada pelo princípio da capacidade contributiva é que o legislador configure as obrigações dos contribuintes com respeito a factos tributários que asseverem essa mesma capacidade de suportar o encargo correspondente, e o passivo e o valor nocional dos derivados emergem como critérios mais acertados para se estabelecer uma correlação com a atividade bancária com o objetivo de tributar o seu valor acrescentado.
q) O legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, não competindo à Requerida fazer qualquer consideração acerca das suas escolhas e, como se assinala em diversos acórdãos do TC, o princípio da capacidade contributiva tem de ser analisado numa ótica de conjugação com outros princípios.
r) A Requerida considera que o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, pelo que há uma verificação da conformidade constitucional do tributo, e rejeita a violação de todos e cada um dos parâmetros apontados, reproduzindo em abono desta tese, alargados trechos das decisões proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.ºs 609/2023-T e 325/2023-T, neste último caso do voto de vencido, ambos da autoria do mesmo árbitro, bem como dos votos de vencido expressos nos processos arbitrais n.ºs 548/2024-T e 18/2024-T, de que a Requerida anexou cópias à resposta ao pedido de pronúncia.
s) Relativamente à publicação do recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2024, em que foram julgadas inconstitucionais normas do ASSB por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, a Requerida procede a uma análise crítica do referido acórdão.
t) Não existe objetivamente qualquer arbitrariedade na incidência objetiva e substantiva, porquanto um setor que não onere os seus consumidores com IVA – e em que o IVA oculto é manifest6amente reduzido, encontra-se economicamente numa situação de vantagem em relação a outros setores, a isenção em IVA dos serviços financeiros tem um impacto presumível na receita fiscal muito significativo e, indiretamente, nas receitas que são imputadas ao IVA social e, por último, o imposto de selo aplica-se apenas a uma parte reduzida das operações das entidades financeiras a taxas muito reduzidas.
u) Relativamente à violação do princípio da capacidade contributiva, o acórdão não teve em conta o consumo, sendo o ASSB um imposto indireto. O critério mais adequado para alcançar a manifestação de capacidade contributiva das instituições financeiras e que permite melhor mensurar a capacidade contributiva é o valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço, sendo estes uma fatia muito relevante das operações que não sendo tributadas em IVA, sobre elas não incide qualquer tributação indireta.
v) Referenciando o pedido de juros indemnizatórios, a Requerida sustenta que o ASSB era devido e foi pago corretamente pelo que a impugnação deve improceder. A AT está vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 55.º da LGT e ao artigo 3.º, n.º 1 do CPA que especifica que «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos podres que lhes foram conferidos e em conformidade com os respetivos fins.».
A subordinação da atividade da Administração à CRP e à lei emerge, desde logo do disposto no n.º 2 do artigo 266.º, tendo a Requerida a obrigação de aplicar os diplomas legais, estando-lhe consequentemente vedado anular a autoliquidação.
O erro não lhe pode ser imputado, mesmo tendo sido chamada a pronunciar-se em sede de Reclamação Graciosa, e tendo decidido indeferir o pedido feito pela Requerente.
x) Por isso, admitindo-se a procedência da impugnação, uma eventual condenação da AT nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos serviços. Não pode igualmente ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, por esta condenação ser ilegal decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos artigos 281.º, 282.º e 18.º da CRP, nos termos suprarreferidos, uma vez que não tinha disponibilidade legal para decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais,
Com efeito, há falta de correspondência entre o objetivo dos juros indemnizatórios, que é reparar a privação indevida de meios financeiros do Contribuinte, e uma atuação da AT que lhe impute culpa na privação desses meios financeiros.
IV – OS FACTOS
A - Matéria de facto
11. O Tribunal Arbitral estabelece a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente é uma instituição financeira de crédito de direito português, com sede em território nacional.
b) Enquanto instituição financeira, a Requerente está abrangida pelo disposto no artigo 18.º e pelo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à segunda alteração da Lei n.º 2020, de 31 de março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2020.
c) A Requerente apresentou em 28.06.2023, a Declaração Modelo 57, relativa ao ASSB do ano de 2022, e a coberto do documento n.º …. procedeu à autoliquidação de 49 141,88 €, (quarenta e nove mil, cento e quarenta e um euros e oitenta e oito cêntimos), tendo procedido ao respetivo pagamento (documento junto com o pedido de pronuncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
d) Em 19.06.2024, a Requerente apresentou na Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da Requerida uma reclamação graciosa contra o referido ato tributário, solicitando a respetiva anulação, que deu origem ao processo n.º ….
e) Sobre a matéria da reclamação graciosa, foi elaborada uma informação pelo referido serviço, objeto de decisão pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da referida UGC, a coberto de delegação e subdelegação de competências (Despacho n.º 10872/2023, inserto no Diário da República n.º 207/2023, de 25.10.2023), em 10.09.2024, indeferindo o pedido de anulação.
f) Em 06.01.2025, com data de aceitação a 08.01.2025, a Requerente apresentou no CAAD um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral pretendendo obter a declaração de ilegalidade da autoliquidação do ASSB com a consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a determinação para restituir a importância paga.
B - Factos não provados
12. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham dado como provados, sendo a questão a apreciar basicamente de direito
C – Motivação da matéria de facto dada como provada
13. O Tribunal Arbitral relativamente aos factos provados teve em conta a prova documental apresentada a instruir o pedido de pronúncia e o processo administrativo junto aos autos pela Requerida, assim como o consenso existente entre as Partes quanto à matéria de facto.
Conforme resulta dos artigos 124.º, n.º 2 do CPPT e 607-º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre todas as questões emergentes da matéria de facto alegada pelas Partes, devendo selecionar os factos que relevem para a decisão e discriminar a matéria que julgue provada e declarar a que considera não provada.
V - O DIREITO
A legislação
14.1 O «Adicional de solidariedade sobre o setor bancário» foi aprovado pelo anexo VI, a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.
14.2 O artigo 1.º estabelece o seu «Objeto» nos seguintes termos:
«1 – O presente regime cria um adicional de solidariedade sobre o setor bancário e determina as condições da sua aplicação.
2- O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores.».
14.3 Por seu turno, no artigo 2.º a incidência subjetiva é fixada da seguinte forma:
«1 – São sujeitos passivos do adicional de solidariedade sobre o setor bancário:
a) As instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;
b) …;
c) …..
2 – …».
14.4 Nos artigos 3º e 4.º foi estabelecida a incidência objetiva e a sua quantificação, nos seguintes termos;
«Artigo 3.º
Incidência objetiva da base de incidência
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:
a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.
Artigo 4.º
Quantificação da base de incidência
1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:
a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;
b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;
c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;
d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;
e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e
f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:
a) …
b) …
3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.
4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.».
14.5. Em matéria de liquidação, o artigo 6.º preceitua que:
1 – A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao último dia do mês de junho do ano seguinte ao das contas a que respeita o adicional, independentemente de esse dia ser útil ou não útil, por transmissão eletrónica de dados.
2 – (…)
3 – (…)
14.6 Nos termos do artigo 7.º o adicional é pago até ao último dia do prazo para o envio da declaração, e no artigo 9.º preceitua-se que «A receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.»
VI - FUNDAMENTAÇÃO
A - O indeferimento da reclamação graciosa
15. A sustentar o indeferimento, a Informação …. analisou a reclamação na seguinte perspetiva:
- Considera que a Reclamante não avançou qualquer fundamento ou argumento no que respeita à ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o regime do ASSB, nem quanto à interpretação ilegal pelos serviços na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade.
- Sobre a conformidade constitucional do ASSB ou das normas que integram o seu regime, a AT não se pronuncia sobre o mérito e de facto, uma vez que é um órgão da administração pública sob direção do Governo que não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, não resultando da lei orgânica porque se rege, Decreto-Lei n.º 118/2011, de 26 de dezembro, qualquer atribuição dessa natureza.
- O controlo legal ou constitucional de normas tributárias não se insere no escopo da função administrativa, sendo tal função assegurada pelo TC, não gozando a AT das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, a possibilidade de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade.
- Assim, a alegada violação pela AT dos princípios constitucionais, não consubstancia vício que possa ser invocado, pelo que qualquer posição sobre a matéria seria sempre uma inutilidade, razão pela qual se abstêm de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas e rejeita a pretensão formulada.
16. O processo administrativo revela que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente na UGC da Requerida pretende a anulação integral do ato tributário de liquidação com fundamento em violação de princípios constitucionais em legislação tributária.
Entende a Requerente que o ASSB se encontra ferido de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade fiscal, da igualdade e da capacidade contributiva bem como pela violação da Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho. (n.º 10 da Decisão sobre a Reclamação Graciosa).
Por seu lado, a Requerida não vislumbra na reclamação graciosa que tenha sido identificada qualquer norma concreta do ASSB que suporte a ilegalidade da tributação e a anulação do ato tributário, intuindo-se que tenha sido denunciado o regime jurídico em bloco.
Na sua análise, a Requerida faz notar que «nenhum fundamento ou argumento avançado pela Reclamante respeita a ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o ASSB, nem de interpretação ilegal pelos serviços na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade».
As questões colocadas pela Requerente na reclamação graciosa não chegaram a ser objeto de análise pela AT, não por razão de não terem obedecido à observância dos pressupostos processuais, mas pelo facto de, enquanto órgão executor das políticas governamentais, considerar que não comete qualquer erro quando aplica a legislação que se encontra em vigor.
De acordo com o artigo 56.º, n.º 1 da LGT, a AT está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, não existindo o dever de decisão em determinadas circunstâncias, ao caso não aplicáveis.
De facto, a AT não possui as mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, a faculdade de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade, e sendo o braço executivo do Governo na execução da política fiscal não lhe cabe rejeitar a aplicação da lei com esse fundamento, todavia, não está impedida e, em certa medida, até está obrigada, a fazer a sua melhor defesa possível. Por outro lado, a Requerente tem direito a uma tutela jurisdicional efetiva no sentido de ver apreciada a sua pretensão, à luz das normas aplicáveis.
17. Os termos da reação da Requerida, consubstanciados no indeferimento do pedido de revisão, constituem um ato administrativo de incidência fiscal que não analisou nem deu resposta às concretas questões de suposta ilegalidade tributária colocadas pela Requerente, não, por esta não possuir «uma opinião vincada nesta matéria», como fez questão de assinalar no n.º 27 da informação que apreciou a reclamação graciosa, mas por entender que a respetiva resposta extravasa a legalidade formal de que se reveste o funcionamento dos seus serviços.
Nos seus efeitos, tal neutralidade, que a própria Requerida qualifica como abstenção, deve ser equiparada a um indeferimento tácito, ou seja, as objeções formuladas pela Requerente contra a liquidação foram rejeitadas, sendo certo que muito embora não possa ser assacado aos serviços da Requerida qualquer erro na tramitação que, por si, tenha determinado o pagamento do ASSB, a mesma é suscetível de comportar uma ilegalidade. Com efeito, não estava na sua disponibilidade agir de forma diferente daquela em que agiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar o regime com um fundamento de inconstitucionalidade ou de violação de um direito superior,
Em face da atitude decisória omissiva, este Tribunal Arbitral tomará posição sobre o referido indeferimento, em função da análise da argumentação desenvolvida pela Requerente, visando demonstrar as supostas ilegalidades que afetam a autoliquidação do ASSB.
Nesse sentido, impõe-se averiguar a natureza jurídica do ASSB e a projeção das suas normas em termos de inobservância da legalidade.
B – A natureza jurídica do ASSB
18. O Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, no artigo 3.º, n.º 2 estabelece uma classificação para os tributos, segundo a qual «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.».
O adicional, como o legislador o entendeu designar, não tem uma exata correspondência com a referida classificação, tanto podendo ser incluído na categoria de impostos, como nas outras espécies tributárias criadas por lei.
O legislador não foi taxativo e usou a palavra «designadamente», para admitir que, para além dos que enuncia, pode existir outro tipo de imposições de caráter legal.
Esta formulação legislativa surge no seguimento da revisão constitucional de 1997, em que no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, se estabeleceu uma reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República relativamente aos impostos e sistema fiscal e ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, constitucionalizando-se esta última categoria.
19. Sobre a distinção entre imposto e taxa, discorreu o TC no acórdão n.º 344/2019, de 04.06.2019, no sentido de que «se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário ou por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa.».
20. Na esfera da doutrina, as contribuições financeiras tem sido vistas como um «tertium genus» de receitas fiscais, em que «a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), as quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas» (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, página 1095).
Já no que respeita às taxas, são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas, (Cf. Sérgio Vasques, in Manuel Direito Fiscal, página 287) e que no dizer de Filipe Vasconcelos Fernandes se baseiam num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo facto tributário se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem. (O Imposto Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, páginas 86 e 87 e nota 132).
21. Em termos literais, a palavra adicional, do latim adicio, significa ajuntar, unir a, aumentar, e, no contexto, em que foi publicado, só poderia ser entendido como se reportando à contribuição extraordinária criada para o setor bancário (CSB), pelo artigo 141.º, da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o OE para 2011, pois o mesma subjetiva e objetivamente foi recortado praticamente com a mesma incidência e parecia ser um ajustamento marginal a nível da carga fiscal que recai sobre o setor bancário.
Sucede que esta legislação foi publicada num contexto de profunda crise financeira a nível global, gerada pela falência de importantes instituições financeiras mundiais que criaram instabilidade no sistema bancário europeu, e que obrigou as instituições europeias a refletir sobre a forma de criar mecanismos de defesa do contágio dessas crises, tanto importadas, como geradas dentro do próprio sistema financeiro nacional por via de gestões danosas e má gestão.
Foi o prenúncio de um processo legislativo que se desenvolvia a nível da União Europeia que culminou com a publicação da Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, e de que a comunicação da Comissão Europeia de 2010 – «Fundos de resolução de crises nos bancos», dirigida ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu, já fazia eco.
22. Sobre a natureza desta imposição já se pronunciou o Tribunal de Justiça no processo C- 340/22. Interpretando a Diretiva 2014/59/EU que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, considerou que as contribuições pagas por estas instituições não constituem impostos mas, pelo contrário, procedem, de uma lógica baseada num sistema de garantias, assente na existência de um fundo ou uma bolsa que ampara e suporta dificuldades financeiras que as mesmas possam revelar, de modo a evitar crises sistémicas.
23. Afastada está também a sua classificação como taxa, uma vez que não existe um sinalagma entre o valor da prestação e o benefício recebido, conforme o n.º 2 do artigo 4.º da LGT, de que «…assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares».
24. Posto isto, este Tribunal Arbitral considera que há uma certa convergência entre a Requerente e a Requerida no sentido do entendimento de que este Adicional se reconduz a um verdadeiro imposto com características autónomas em relação à CSB, se bem que a Requerida lhe atribua a natureza de imposto indireto, compensador de determinadas particularidades ou insuficiências a nível da tributação em IVA.
É o artigo 1.º, n.º 2 do ASSB que proclama que tem como objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção do IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro às dos demais setores da sociedade, justificação que mereceu, desde logo, reparos da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, aquando da apreciação que fez à proposta de alteração da lei orçamental para o ano de 2020.
Na verdade, não existe uma conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário assim como também não há uma relação especifica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por o efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. Não obstante ter sido criada como uma contribuição extraordinária, ou seja, fora dos parâmetros da tributação da economia, dita normal, houve alguma infelicidade do legislador na sua caracterização como adicional.
Em função do elemento objetivo, para ser adicional teria de incidir sobre a coleta do imposto principal e esse imposto seria o CSB. Todavia, o CSB não tem a natureza jurídica de um imposto, mas de uma contribuição financeira, como o declarou em termos definitivos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 25.01.2023, Processo n.º 01622/20, pelo que, desde logo, não existe uma uniformidade concetual entre os dois tributos.
Como se salienta na Decisão Arbitral n.º 502/2021-T, de 24.05.2022, o «Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário apresenta um cariz de imposto especial sobre o setor bancário que não se confunde com a Contribuição do Serviço Bancário».
C – Identificação dos vícios e cronologia de análise
25. A Requerente sustenta que as normas do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva em razão da criação de um ónus diferenciado e suplementar no financiamento do FEFSS, sem qualquer fundamento material associado.
O disposto nos artigos 1.º, n.º 2 e 2.º de 3.º do ASSB, assente na interpretação de que os sujeitos passivos têm um especial ónus de financiamento do FEFSS, padece de um vício de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, decorrente do disposto nos artigos 13.º e 104.º. da CRP.
Anota igualmente que o regime do ASSB também colide com o princípio da especificação orçamental, consagrado no artigo 17.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, além de que as normas que o consubstanciam, em termos de incidência objetiva e temporal, no que respeita especificamente à liquidação do ano de 2022, são inconstitucionais com fundamento na violação dos princípios do Estado de Direito, na dimensão da proibição do arbítrio e do princípio da coerência tributária, ínsitos no artigo 2.º da CRP.
26. Sobre os vícios imputados ao ato tributário, a começar na apreciação da legalidade das normas que enformam o regime do ASSB, já se pronunciou o TC em diversos acórdãos e decisões sumárias, havendo atualmente um já claro sentido decisório de juízo de inconstitucionalidade de diversas normas do ASSB, não encontrando este Tribunal Arbitral razões para contrariar ou divergir do entendimento que se mostra prevalecente, razão por que decidirá em linha com a argumentação por ele expendida.
Foi assim decidido nos acórdãos n.ºs 469/2014, posteriormente retificado pelo 507/2024, 529/2024, 592/2024 e 737/2024 e num conjunto alargado de decisões sumárias, n.ºs 436/2024, 458/2024, 480/2024, 549/2024, 551/2024, 618/2024, 625/2024, 688/2024, 694/2024, 714/2024 e 1/2025.
Mais recentemente, o Acórdão n.º 125/2025, de 25 de fevereiro, ampliou o apoio ao mesmo entendimento, num coletivo constituído de forma mais diversificada.
Por outro lado, existe uma jurisprudência arbitral quase consensual sobre a mesma questão de direito que o TC está a sufragar.
D – Violação do princípio da capacidade contributiva
27. No pedido de pronúncia, a Requerente cita o acórdão n.º 529/2024, de 02.07.2024, que sobre o ASSB declara que «não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério da repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam». Mostra-se, assim, bem fundada a conclusão do recorrente no sentido de afirmação de um juízo de censura jurídico-constitucional por violação do princípio da capacidade contributiva.»
28. Como resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1 da LGT, em linha com o artigo 104.º da CRP, «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos.
29. No acórdão n.º 469/2024, o Tribunal Constitucional, depois de ter analisado e concluído pela violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, considerou que as considerações que efetuara a esse propósito, conduziriam, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.
Essas considerações respeitavam ao entendimento de que não se afigurava que a isenção de IVA constituísse «fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa», desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024.
Como se escreveu no referido acórdão «Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.
Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.
Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.
Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.»
30. Atendo-se especificamente ao princípio da capacidade contributiva, o TC no referido acórdão, tendo por base o artigo 3.º do ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, formulou o seu juízo nos seguintes termos:
«Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023:
«[…]
A igualdade fiscal a que apela a recorrente pode ser entendida como dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim impedido um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República Portuguesa).
Afirmada assim a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva a que também alude a recorrente assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524).
[…]”.
Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.
Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). […] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos”, nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, “[…] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras (‘financial activities taxes’) e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras (‘financial transaction taxes’), em qualquer uma das suas modalidades […]”, nem , por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem – acrescente-se – a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.
Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., páginas 111/113):
“[…]
[Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.
Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.
[…]
Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto ‘impostos de grupo’.
Todavia, a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupo – que são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusa – levanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC, não podem ficar indiferentes.
Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva.
[…]”.
Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”, que decorre daquele.
Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.», concluiu, assim, o TC a sua apreciação da inconstitucionalidade.
31. A linha argumentativa da Requerida, genericamente comum nestes processos em que está em causa o ASSB, foi refutada de uma forma ainda mais desenvolvida e incisiva no acórdão do TC n.º 192/2025, de 25.02.2025.
G – A violação do princípio da proporcionalidade
32. A Requerente afirma que, à luz do artigo 18.º, n.º 2 da CRP, o ASSB ´também desconforme com o princípio geral da proporcionalidade, que tem como subprincípios a adequação (a medida é posto em causa, não podendo senão concluir-se pela inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a) do regime configura um meio adequado para a prossecução dos fins visados) a necessidade (sem a medida não é possível alcançar o fim visado) e a proporcionalidade em sentido estrito (o sacrifício que resulta da aplicação da medida não ultrapassa o benefício obtido pela sua implementação).
Este último subprincípio está claramente preterido, na medida em que há um fenómeno de dupla oneração do setor bancário com a CSB e o ASSB, quando sobre o mesmo incide também o Imposto de Selo, o que gera uma situação de grave desproporção na tributação deste setor face aos demais.
Na Recomendação n.º 4/B/2023, de 12 de setembro de 2023, da Provedora de Justiça, foi recomendado «Que em futuras Leis do Orçamento de Estado, não sejam incluídas normas que sustentem a cobrança do ASSB, sob esta ou outra designação».
33. À luz da conformidade com o direito da União Europeia, o Tribunal de Justiça no processo C- 340/22, de 21.12.2023, pronunciou-se no sentido de que a Diretiva 2014/59/UE, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos de financiamento de medidas de resolução. As contribuições pagas por estas instituições não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia.
34. O Tribunal Arbitral sobre essa questão tem presente que em matéria de tributação a Diretiva IVA, de 1977, através do artigo 135 (1), providenciou uma isenção para os principais serviços financeiros e fundos de investimento, não podendo, no entanto, ser deduzido o IVA nos serviços que tenham sido requeridos, o chamado «irrecoverable VAT problem».
Num documento da Comissão Europeia, de 07.10.2010, (COM (2010) 549 final) da «Taxation of the Financial Sector», é assinalada a dificuldade de tecnicamente ser definido um preço específico para as operações financeiras, e que cerca de 2/3 de todos os serviços financeiros são baseados em margens que tornam muito difícil a implementação de um sistema de fatura-crédito do IVA. (ponto 2.3).
35. Como assinala a Requerida, a justificação do legislador para sujeitar as instituições de crédito tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade fiscal através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se, assim, a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e a suportada pelos demais setores da atividade económica.
Independentemente de o legislador ter pretendido justificar no normativo a razão de ser do referido adicional, como uma fonte de receita do FEFSS, justificação que teria todo o acolhimento num preâmbulo de um decreto lei em que se utilizasse uma autorização legislativa, numa lei orçamental, como assinalou a UTAO, tal referência foi despropositada, pois havendo razões para que o setor financeiro possa ver agravado o regime tributário de que tem beneficiado, não há razões específicas para que tenha de ser esse sector a contribuir para a sustentação das contas da segurança social.
36. Estando afastada a possibilidade de desconformidade com o direito da União Europeia, também a interpretação do artigo 104.º n.º 2 da CRP, quando refere a palavra «fundamentalmente» retira a exclusividade da tributação em IRC, podendo serem admissíveis outras modalidades de tributação dos operadores do setor financeiro, aliás à semelhança dos operadores económicos abrangidos pelos impostos especiais sobre o consumo, contanto, todavia, que não se perca de vista o objetivo da tributação do rendimento real.
A inexistência de um imposto sobre as transações financeiras a nível nacional não é uma inevitabilidade, dependendo tal questão unicamente da ação e vontade política.
Com efeito, a proposta de diretiva do Conselho, de 28.09.2011, que alterava a Diretiva 2008/7/CE, e posteriormente a proposta de diretiva de 2013, visavam criar um imposto sobre as transações financeiras (ITF) realizadas em mercados organizados e sobre as transações financeiras realizadas em OTC (over the counter), com determinadas isenções em mercados primários e também aos bancos centrais e de supervisão, mas não obtiveram consenso dos Estados-Membros.
A pretendida harmonização não foi conseguida, pelo que atualmente continua a inexistir um quadro comunitário sobre a matéria. Aliás, era do interesse das instituições comunitárias dispor desse imposto, até porque uma parte das suas receitas reverteria para o próprio Orçamento da UE.
Caso a proposta tivesse reunido consenso e sido acolhida, com a sua entrada em vigor, os Estados Membros deixariam de estar autorizados a manter outros impostos sobre transações financeiras, e então, aí, nessas circunstâncias, o ASSB violaria mesmo o direito comunitário e não poderia coexistir com o ITF.
Não tendo sido alcançada a uniformização das transações financeiras a nível da União Europeia, tal facto não impediu que, no âmbito da soberania fiscal, diversos países europeus, por sua própria iniciativa, tenham adotado um Imposto sobre as Transações Financeiras (ITF), casos da França e da Dinamarca, como cita a própria Requerente, mas a que se poderá acrescentar países como a Áustria, Bélgica, Holanda, Chipre, Grécia ou a Polónia.
37. Por isso, genericamente, o Tribunal Arbitral considera que a desproporcionalidade da tributação do setor bancário nacional em razão da aprovação do ASSB, pelas referências e evidências objetivamente expressas em documentos das instituições europeias, tudo relacionado com a tributação em IVA, que, mau grado os quase 50 anos decorridos sobre a vigência da diretiva IVA e os avanços tecnológicos alcançados em termos informáticos e de computação, o legislador comunitário teima em conservar nos precisos termos, não é um dado adquirido.
Mesmo subsistindo uma tributação de certos produtos financeiros por via do imposto de selo e os identificados constrangimentos em termos de IVA dedutível, a aprovação do ASSB não deixa de ter efeitos limitados e está muito longe de corresponder às potencialidades financeiras de um futuro ITF.
Assim, no entender deste Tribunal Arbitral, a conclusão da Requerente de o ASSB, como novo imposto, gerar uma situação de grave desproporção na tributação deste setor face aos demais, não corresponde à realidade, uma vez que a situação dos constrangimentos em termos de IVA e as irrisórias taxas de imposto de selo são claramente insuficientes para compensar os benefícios de que as instituições financeiras gozam na sua atividade em razão do fornecimento de uma maior procura de serviços por parte dos consumidores, o que não acontece com os outros setores, sendo esta matéria exclusivamente do foro político.
38. Do anteriormente exposto, por violação de direito superior, resulta a declaração de ilegalidade da autoliquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação do ato, pelo que fica prejudicado, por inutilidade (artigos 130.º e 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil) o conhecimento da alegada violação da LEO, e da própria temporalidade fixada por lei para a autoliquidação do ASSB, ilegalidades também avançadas pela Requerente.
VII – REEMBOLSO
39. A Requerente pede o reembolso do montante indevidamente pago em razão da ilegalidade da autoliquidação a que estava legalmente obrigada a realizar. O reembolso corresponde ao dever de reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, mencionada nos artigos 100.º da Lei Geral Tributária e 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, pelo que, dando-se por reconhecida a ilegalidade da tributação, deverá o montante ser reembolsado.
VIII - JUROS INDEMNIZATÓRIOS
40. A Requerente vem afirmar que anulados os atos, tributário e decisório, nos termos do artigo 163.º do CPA, com fundamento em vício de violação de lei evidenciado na aplicação das normas de incidência objetiva e temporal que os sustentam e conduziram ao apuramento da prestação, com o reembolso do imposto indevidamente pago, devem acrescer juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da AT nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT.
41. A Requerida defende que não são devidos juros indemnizatórios, alegando:
“A AT está vinculada ao princípio da legalidade previsto no art. 55º da LGT, e o art. 3º n.º 1 do CPA (que é aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias ex vi alínea c) do art. 2.º da LGT) especifica que “Os órgãos da Administração Publica devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”
(…) é inequívoco, que a AT está obrigada a aplicar os diplomas legais criados pela Assembleia da República e pelo Governo, estando-lhe, consequentemente, vedado anular a autoliquidação em crise, dado que não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (arts. 281º e 282º da CRP), ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (art. 18º da CRP), o que não é o caso.
Pelo que, contrariamente ao afirmado pela Requerente, o erro não pode ser imputável à AT, mesmo tendo sido chamada a pronunciar-se em sede de Reclamação Graciosa, e tendo decidido indeferir o pedido feito pelo Requerente naquela.
Assim, a ser procedente a impugnação judicial, o que somente se concebe por hipótese de raciocínio, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos Serviços
Acrescidamente, afigura-se ainda que também a AT não pode ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT, por esta condenação ser ilegal, decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos arts. 281o, 282o e 18o da CRP, nos termos suprarreferidos, dado que a AT não tinha disponibilidade legal de decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais.
Nesta exata medida, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em caso de vencimento na impugnação, é violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º n.º 2 da CRP), uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, sendo, contudo, sancionada com o pagamento de juros indemnizatórios.
Ou seja, há́ falta de correspondência entre o objetivo dos juros indemnizatórios, que é reparar a privação indevida de meios financeiros do Contribuinte, e uma atuação da AT que lhe impute culpa na privação desses meios financeiros.
Assim, afigura-se que em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra contestados.».
42. O direito à indemnização consagrado no artigo 22.º da CRP encontra-se concretizado no regime resultante da conjugação dos artigos 43.º, 100.º e 102.º da LGT e 61.º do CPPT, por via da previsão de juros indemnizatórios. Também o artigo 24.º n.º 5 do RJAT preceitua que «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.», (sublinhado nosso).
43. O Artigo 61.º, n.º 5 do CPPT determina que:
“Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.”
44. O artigo 100.º da LGT estabelece que, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo a liquidação de juros indemnizatórios.
45. O artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, não vem reconhecer um direito novo em consequência de um ato da AT, antes vem consagrar uma forma especifica de concretização do direito indemnizatório constitucionalmente garantido.
De acordo com o citado artigo 43.º da LGT o direito a juros indemnizatórios implica a verificação cumulativa dos respetivos seguintes:
1° Que haja um erro na liquidação de um tributo;
2° Que tal erro seja imputável aos serviços;
3° Que a sua existência seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e
4° Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
46. O artigo 43, n.º 3, alínea d) determina que são também devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
Nesta última situação, foi a Lei n.º 9/2019, de 01.02.2012, através do seu artigo 2.º, que aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios. «Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respetiva devolução”.
47.1 No acórdão do STA proferido no Processo 0430/22.7BEBRG, de 23.10.2024, escreveu-se
“II- Por considerarmos que a aplicação do 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, não exige que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, concluímos que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
(...)
“A recorrente veio ainda requerer o pagamento de juros indemnizatórios. Com efeito, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução.
Consideramos que a disposição que referimos não exige, para ser aplicada, que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, como decorre, aliás, da jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente do recente acórdão de 2 de outubro, processo n.º 91/23.6BEBJA, de cuja fundamentação nos apropriamos:
«…a norma em apreço não contempla a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto (até porque as próprias partes podem conformar-se com a pronúncia deste Tribunal em função daquilo que é, nesta altura, a jurisprudência do Tribunal Constitucional), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão das Recorrentes nos termos e pelos fundamentos apontados, não faz sentido recusar a aplicação da norma em análise - art. 43º nº 1 al. d) da LGT…»
Para concluirmos, também, que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT)».
47.2 Sobre a mesma temática, consta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.01.2024, processo 905/10.0 BELRS, o seguinte:
“I - À luz do disposto na alínea d) do n.º 3, do art.º 43.º da LGT, preceito aditado à LGT pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.”
(...)
O STA tem, todavia, entendido, de forma reiterada e consistente, que não pode ser considerado “erro imputável aos serviços” a emissão de liquidação com base em normas que venham a ser judicialmente desaplicadas com fundamento na sua inconstitucionalidade, na medida em que a Administração Tributária não pode recusar-se a aplicar uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias [Cfr. Acórdãos de 12/10/2011, processo n.º 860/10, e, seguindo a mesma orientação, entre outros, Acórdãos de 22/03/2017, processo n.º 0471/14; de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS; e de 27/11/2019, processo n.º 02000/07.0BEPRT].
Nestes casos, afirma o STA que “não podendo a Administração Tributária decidir de outro modo, também não lhe pode ser assacada a responsabilidade por decidir no sentido em que decidiu” e, consequentemente, “não pode ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios, por falta de um dos requisitos de que depende a atribuição deste direito: a imputação do erro respetivo aos serviços” [Cfr. Acórdão de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS].
Neste conspecto, cabe julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante, o que se fará igualmente no dispositivo da sentença.».
Que dizer?
A questão a dirimir consiste em saber se a anulação da liquidação baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele acto tributário confere à impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT.
A questão, que suscitou controvérsia está, hoje, legislativamente resolvida pela introdução no n.º 3 daquele artigo – «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias» – de uma alínea d), com o seguinte teor: «Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução».
A introdução desta alínea d) no n.º 3 do art.º 43.º da LGT foi efetuada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro (vd. seu art.º 4.º), ou seja, anteriormente à prolação da sentença recorrida, sendo aplicável à situação dos autos.
Assim, não há que chamar à colação a disposição de direito transitório prevista no art.º 3.º da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, segundo a qual, «A redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica -se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011», cujo escopo é alargar o novo regime às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor (2 de Fevereiro de 2019, de acordo com o respetivo art.º 4.º).
Por outro lado, se bem interpretamos, referindo a norma do art.º 43.º, n.º 3 alínea d), da LGT, «…decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária…», não permite restringir o seu campo de aplicação ao juízo de inconstitucionalidade efetuado pelo Tribunal Constitucional, abrangendo antes todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo seja feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do art.º 204.º da CRP, que foi o caso.
Em face dos preceitos legais transcritos, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.
Como assim, é de conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios
IV - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e reconhecer serem devidos à impugnante, ora Recorrente, juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no art.º 43.º/3/ d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no art.º 61.º/5 do CPPT.”
47.3 No acórdão do STA n.º 0980/12.3BEAVR, de 15.01.2025, foi sumariado que «Não existe erro imputável aos serviços quando a Administração Tributária não desaplica norma legal alegadamente inconstitucional, por a mesma inconstitucionalidade não ter sido sancionada pelos tribunais (artigos 204.º e 281.º da CRP), nem estar estabilizada na ordem jurídica.».
48. Neste processo está em causa a declaração de ilegalidade de um ato de autoliquidação do ASSB em resultado da declaração de inconstitucionalidade das normas em que aquele se fundamenta.
E, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A Requerida argumenta que a aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT é ilegal e inconstitucional por violar os artigos 281.º, 282.º e 18.º da CRP, mas o Tribunal Arbitral não vislumbra razões suficientes para afastar a jurisprudência transcrita no número anterior, mesmo tendo em conta o mais recente acórdão do STA, de 15.01.2025, processo n.º 0980/12.3BEAVR.
A Requerida é um órgão da administração pública sob a direção do Governo que de facto não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, não resultando da lei orgânica porque se rege, Decreto-Lei n.º 118/2011, de 26 de dezembro, qualquer atribuição dessa natureza, ou responsabilidade nessa matéria, não se inserindo o controlo legal ou constitucional de normas tributárias no escopo da função administrativa, como salientou na apreciação da reclamação graciosa.
Todavia, sendo um órgão tutelado pelo Governo e com competência tributária própria, o seu poder de cobrar receitas não pode ser dissociado de todas as vicissitudes que possam afetar os atos tributários, sejam eles de responsabilidade própria, sejam do poder legislativo que a tutela, o Governo, e da própria Assembleia da República. O sistema constitucional é um sistema de órgãos que tem de se correlacionar, e se, porventura um dos poderes legislativos venha a extravasar os limites constitucionais, aferidos pelo órgão próprio, os administrados, no caso os contribuintes, tem direito a ver reconstituída a situação que existiria se essa violação de lei não tivesse acontecido.
Essa reparação não pode ser efetuada junto dos órgãos legiferantes e tem necessariamente de ser efetuada junto da entidade que assiste o Governo na execução orçamental e promove as respetivas cobranças.
Dir-se-á que a Requerida suporta dores alheias, pois não tem responsabilidade nas leis que vigoram (se bem que muitas delas nasçam de iniciativas da própria AT apresentadas em sede própria ou só avancem depois de um parecer sobre a sua exequibilidade), e não é ela que comete erros que lhe possam ser imputados, pois limitou-se a aplicar a lei.
É um facto, que podem confluir interesses antagónicos, em que o contribuinte viu-lhe reconhecida razão e a lei assegura-lhe uma reconstituição financeira plena da sua situação e a Requerida declara que os seus serviços não cometeram qualquer erro, mesmo o modelo de autoliquidação, embora engendrado por ela, é da responsabilidade do Governo, e que não devem ser institucionalmente penalizados por isso, desviando verbas orçamentais afetas ao funcionamento dos seus serviços para acorrer ao pagamento dos juros indemnizatórios, assim como também das próprias custas processuais de tributos de que não são administradores cedulares.
Não estando previsto que a Secretaria Geral do Ministério das Finanças suporte tais verbas, a ponderação de interesses, implica que os direitos dos contribuintes não podem ser postergados e que cabe à AT providenciar junto do poder legislativo para que em cada Orçamento de Estado, na respetiva rúbrica, sejam inscritas verbas suficientes que se destinem a satisfazer as sequelas financeiras de atos tributários que venham a ser declarados ilegais, evitando que tais juros representem custos da sua própria organização.
Considerando a estabilização da jurisprudência constitucional relativamente ao regime do ASSB, e na sequência da declaração de inconstitucionalidade da norma em que se fundou o ato de autoliquidação do ASSB, o Tribunal Arbitral considera que há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre o montante que a Requerente pagou indevidamente, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, à taxa dos juros legais, conforme artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT.
IX – DECISÃO
49. Nestes termos, julga o Tribunal Arbitral Singular o seguinte:
a) Declarar inconstitucionais as normas previstas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 27-A/2020, por violação do princípio da igualdade e por violação da capacidade contributiva, enquanto emanação do princípio da igualdade tributária a que se refere o artigo 104.º, n.º 2 da CRP.
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular o ato tributário de autoliquidação do ASSB referente ao período de tributação do ano de 2022, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzida.
c) Em consonância, determinar o reembolso do montante pago pela Requerente e condenar a Requerida a fazer a sua devolução, na quantia de 49 141,88 € (quarenta e nove mil, cento e quarenta e um euros e oitenta e oito cêntimos).
d) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia paga, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
e) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais arbitrais.
X – VALOR
50. O Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária estabelece no artigo 3.º n.º 2 que o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º- A do CPPT pelo que se fixa o valor do processo em 49 141,88 € (quarenta e nove mil, cento e quarenta e um euros e oitenta e oito cêntimos), (por lapso, a Requerente tinha indicado 49 141,99 €).
XI – CUSTAS PROCESSUAIS ARBITRAIS.
51. Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º, n.º 1, fixa-se o montante das custas em 2142 € (dois mil cento e quarenta e dois euros).
XII – NOTIFICAÇÂO AO MINISTÉRIO PÚBLICO
52. Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do tribunal competente, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Notifiquem-se as Partes
Lisboa, 03 de junho de 2025.
O Árbitro Singular
António Manuel Melo Gonçalves