Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1308/2024-T
Data da decisão: 2025-05-05  IRC  
Valor do pedido: € 14.762,63
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – Aceitação como gastos - Artigo 34.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC e artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de Setembro
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SUMÁRIO

I - Contabilisticamente, a empresa pode mensurar activos intangíveis ao justo valor e reconhecer depreciações de acordo com as normas contabilísticas (NCRF 6).

II - Contudo, para efeitos fiscais, as regras estabelecidas pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, têm de ser aplicadas, pelo que as depreciações de ativos intangíveis gerados internamente não podem ser aceites como custo fiscal se esses ativos não tiverem sido adquiridos a título oneroso.

III - Ainda que exista um limite previsível para o período durante o qual se espera que os ativos intangíveis gerem influxos de caixa líquidos para a entidade, podendo concluir-se que a vida útil dos correspondentes ativos é definida e finita, nos termos do que refere a alínea b) do n.º 3 e a alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, não tendo os mesmos sido adquiridos a título oneroso, não poderiam ser depreciados para efeitos fiscais, nem mesmo ao abrigo do artigo 45.º-A do CIRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.     A... Unipessoal, Lda., doravante “a Requerente”, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... Portalegre, notificada do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2024..., relativa ao exercício de 2021, bem como da correspondente demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas n.º 2024..., de 22 de julho de 2024, da qual resulta o valor a pagar de € 14.762,63,  vem, nos termos e para efeitos do disposto no  artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 1, no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conjugado com o disposto no artigo 99.º, alínea a) e artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) – aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com designação de Árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), solicitando a anulação do referido ato de liquidação de IRC e de juros compensatórios, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor. 

2.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

3.     O Conselho Deontológico designou a Árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

4.     As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 8.º do RJAT, e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5.     O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 18 de fevereiro de 2025, tendo-o sido regularmente e sendo materialmente competente.

6.     Por Despacho de 18 de fevereiro de 2025, a AT foi notificada para, nos termos do artigo 17.º do RJAT, apresentar Resposta.

7.     Em 26 de março de 2025, a AT apresentou a sua Resposta juntamente com o Processo Administrativo.

8.     Em 28 de março de 2025, proferiu este Tribunal Despacho a dispensar a reunião do Tribunal com as partes (artigo 18.º do RJAT), dando o prazo simultâneo de 10 (dez) dias para alegações finais escritas, e fixando o dia 31 de julho de 2025, como data previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final.

9.     As Partes não apresentaram alegações.

10.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

11.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

12.  O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.     A Requerente A... Unipessoal, Lda., tem o número de pessoa coletiva n.º..., e sede na Rua ... n.º..., ...-... .

2.     A Requerente, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2023... foi objeto de um procedimento de inspeção tributária – cf. Doc. n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral (“PPA”)).

3.     O aludido processo inspetivo incidiu sobre o exercício fiscal de 2021 – cf. Doc. n.º3 Relatório de Inspeção Tributária (RIT), junto à Resposta da AT.

4.     Resultou do referido processo inspetivo a liquidação adicional de IRC n.º 2024... de 2024-07-18 e correspondente liquidação de juros compensatórios, de que resultou a Demonstração de Acerto de contas n.º 2024..., nota de compensação n.º 2024..., referente ao exercício de 2021, com o montante total a pagar de 14.762,63 € - cf. Doc. n.º3 (RIT), junto à Resposta da AT.

5.     Tal como consta do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), a Requerente, no âmbito da sua atividade económica vem celebrando com outras entidades, contratos de arrendamento de diversos imóveis de sua propriedade registados contabilisticamente em “propriedades de investimento - cf. Doc. n.º3 (RIT), junto à Resposta da AT.

6.     Em 2020, a Requerente relevou contabilisticamente um ativo intangível relativo aos direitos titulados nos referidos contratos, tendo por base um estudo externo encomendado pela Requerente que concluiu que aqueles direitos contratuais estariam avaliados em €660.000,00 (segundo o critério do justo valor) – cf. RIT.

7.     A Requerente tem vindo a amortizar contabilista e fiscalmente o referido ativo intangível relativo aos direitos titulados nos referidos contratos (1/10 por ano) – cf. Doc. n.º3 (RIT), junto à Resposta da AT.

8.     O RIT contém os elementos identificados no n.º 3 do artigo 62.º do RCPITA, identificando os factos e o quadro legal aplicável, concluindo pela impossibilidade de atribuição de eficácia fiscal - cf. Doc. n.º3 Relatório de Inspeção Tributária (RIT), junto à Resposta da AT.

9.     Como se refere no RIT, o montante em questão, não poderia ser aceite como custo fiscal, dado que “O Decreto Regulamentar n.º 25/2009 estabelece o regime das depreciações e amortizações para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC). O valor amortizável/depreciável consubstancia-se no custo de aquisição ou de produção, sendo esta concretização um corolário do princípio contabilístico do custo histórico, como podemos observar no artigo 2.º do referido Decreto Regulamentar. A alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º deste decreto regulamentar refere que são amortizáveis os ativos intangíveis respeitantes a elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo. Este mesmo artigo acresce na alínea b) do n.º 3 que, exceto em caso de deperecimento efetivo devidamente comprovado, reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não são amortizáveis os elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas. Por outro lado, a alínea a) do n. º 1 do artigo 34.º do CIRC, refere que não são aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo não sujeitos a deperecimento. No decurso do procedimento inspetivo, foi possível apurar que no exercício de 2020, os ativos intangíveis consubstanciados nos direitos contratuais não foram adquiridos a título oneroso a terceiros, sendo então, salvo melhor opinião, ativos intangíveis gerados internamente, conforme parágrafos 51 a 67 na NCRF 6 - Ativos Intangíveis, cuja mensuração e reconhecimento inicial foi realizado pelo modelo/critério do justo valor, não relevando este critério para efeitos fiscais. A nível fiscal, temos que ter em conta que, quanto aos ativos fixos intangíveis, para que exista amortização, tem que existir uma série de pressupostos essenciais, sendo um deles o de que tenham sido adquiridos a título oneroso.”  - cf. Doc. n.º3 (RIT), junto à Resposta da AT.

10.  No Relatório Inspeção constam os elementos de facto e de direito que determinaram o retardamento de parte da liquidação, autonomizando o montante devido a título de juros compensatórios do montante devido a título de imposto e explicando os cálculos efetuados – cf. Doc. n.º3 (RIT), junto à Resposta da AT.

11.  O ato de liquidação remete expressamente a sua fundamentação para o RIT, o qual foi validamente notificado à Requerente - cf. Doc. n.º4, Notificação do RIT, junto à Resposta da AT.

 

 

 

B. Matéria de facto não-provada

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

1.     Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas Partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.

2.     Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos. 596.º, n.º1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cf. artigos. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos. 5.º, n.º 2 e 411.º, do CPC).

3.     Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas Partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

4.     Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º, do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT).

 

III. Posição das Partes 

 

A. Posição da Requerente 

 

A Requerente alega, desde logo, que analisado o ato de liquidação que constitui o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral se verifica não resultar suficiente a necessária fundamentação do mesmo, de facto e de direito, não sendo “explicitados todos os fundamentos que determinaram a sua emissão, sendo apenas feita a lacónica e insuficiente, menção a um conjunto de valores, bem assim, que a liquidação de imposto não foi realizada com recurso a métodos indiciários.”, não se identificando “as concretas disposições legais em que assenta.” Neste contexto, alega que a AT “limita-se a juízos conclusivos e a um percurso cognitivo que não é claro dado que não permite conhecer em toda a sua extensão a motivação que subjaz ao acto de liquidação.

No que se reporta à substância, em suma, a Requerente invoca que “65. Ora, no caso em apreço, estão em causa activos com período de tempo limitado no tempo e, portanto, cujo valor decresce na justa medida em que o tempo decorrer. 

66. Com efeito, e como melhor se poderá expor em sede de alegações o deperecimento está intimamente ligado com a perda de valor ou com a diminuição da capacidade para gerar proveitos. 

(…)

73. Assim, não estando em causa a valorização, e sendo que não se aplica a limitação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 16, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, não pode o acto de liquidação ser mantido porque praticado com erro nos pressupostos de direito e violação das sobreditas disposições legais.”  

No tocante à liquidação de juros compensatórios, invoca, em suma, que da liquidação em causa não consta qualquer menção aos motivos essenciais pelos quais tais juros podem e foram liquidados, acrescendo que, não contendo o Relatório Final de Inspeção Tributária qualquer referência a juros compensatórios, não foi dada à Requerente a oportunidade de participar, em sede de audição prévia, na decisão de liquidação dos mesmos juros.

 

B. Posição da Requerida 

 

A Requerida, sustenta, em suma, que, “17. Assim, ao contrário do entendimento que a Requerente tem sobre as disposições legais aplicáveis, resulta claro que tanto a LGT como o RCPITA admitem a fundamentação por remissão para informações ou pareceres elaborados anteriormente à prática do ato, nos quais se inclui o relatório de inspeção.”

No que se reporta à substância, em suma, a Requerida alega que para efeitos de apuramento do seu resultado tributável, conforme fundamentado no RIT, as amortizações registadas na contabilidade praticadas no exercício de 2021 no montante de 66 000,00 €, não são aceites para efeitos fiscais uma vez que contrariam as disposições legais da alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do Decreto Regulamentar 25/90 e n.º 1 do artigo 34.º, ambos do Código do IRC (CIRC), desde logo porque os ativos intangíveis em apreciação, além de estarem mensurados ao justo valor, não foram adquiridos onerosamente a terceiros. Para o efeito invoca duas decisões arbitrais proferidas relativamente à mesma situação da Requerente.

Relativamente ao ato de liquidação referente a juros compensatórios, tal como a AT alega, não se verificam os respetivos requisitos, assim como no que tange ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV. Mérito da causa

 

Estamos agora em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa.

 

A. Identificação da questão controvertida

 

Em suma, as questões que se colocam no presente caso são as seguintes:

a) Falta de fundamentação do ato de liquidação adicional ao IRC 2021; 

b) Violação de lei do ato de liquidação adicional ao IRC 2021 por erro nos pressupostos de direito e por violação do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de setembro; e,

 c) Vício de forma por falta de fundamentação relativamente ao ato de liquidação referente a juros compensatórios. 

Vejamos.

 

B. Da falta de fundamentação  

 

É certo que o artigo 77.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), dispõe que, mesmo quando efetuada de forma sumária, a fundamentação deve, sempre, conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. Mas, não nos esqueçamos que, como resulta do n.º 1 do artigo 77.º da LGT, “… a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.” Igualmente o n.º 1 do artigo 63.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) determina que, “Os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório.” 

Deverão distinguir-se os conceitos de «fundamentação material» e «fundamentação formal». Esta última pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão, enquanto a fundamentação material corresponde à recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspeto formal da operação, associando-a à transparência da perspetiva decisória. No segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do ato praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade.

Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.

A falta de fundamentação substancial, por incorreção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.

Como salienta a AT, resulta claro que tanto a LGT como o RCPITA admitem a fundamentação por remissão para informações ou pareceres elaborados anteriormente à prática do ato, nos quais se inclui o relatório de inspeção. Ora, o ato de liquidação remete expressamente a sua fundamentação para o relatório final de inspeção elaborado o qual foi validamente notificado à Requerente e o relatório de inspeção respeita e contém os elementos identificados no n.º 3 do artigo 62.º do RCPITA, identificando os factos e o quadro legal aos mesmos aplicável, concluindo pela impossibilidade de atribuição de eficácia fiscal (a qual a Requerente pretendia e pretende), tal como exigido pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT.

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação[1].

Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente não é necessário que sejam apreciados todos os argumentos invocados pelos interessados no procedimento, mas sim que sejam percetíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.

Ora, é nosso entendimento que a AT explicitou as razões de facto e de direito que a conduziram à liquidação adicional de IRC n.º 2024 ... e correspondente liquidação de juros compensatórios, de que resultou a Demonstração de Acerto de contas n.º 2024..., nota de compensação n.º 2024..., referente ao exercício de 2021, com o montante total a pagar de 14.762,63 €, 2027, pelo que se impõe concluir que não ocorre uma violação do dever de fundamentação da decisão do procedimento tributário nos termos previstos no artigo 77.º da LGT e no n.º 3 do artigo 268.º da CRP. 

 

C. Da ilegalidade substantiva do ato de liquidação

 

Como vimos, resulta provado que a Requerente nem sequer apresentou alegações, assim não demonstrando, como afirmou que o iria fazer, que o “deperecimento está intimamente ligado com a perda de valor ou com a diminuição da capacidade para gerar proveitos.”  

Em linhas gerais, a Requerida alega que o ato de liquidação está viciado por erro nos pressupostos de direito por a Requerente ter considerado que os ativos intangíveis depreciados não tinham sido adquiridos a título oneroso a terceiros e não estavam sujeitos a depreciação, invocando a alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, que não exige que os “contratos tenham sido adquiridos a terceiros”.

Como invoca, a referida disposição legal basta-se com um custo associado à formação do direito e que o ativo intangível que se pretende depreciar esteja sujeito a depreciação.  

Como nota a AT, resulta do artigo 17.º do CIRC, que este Código adotou um modelo de dependência parcial entre o direito fiscal e (o direito d)a contabilidade, extraindo-se deste princípio que, exceto nos casos que se encontram especialmente previstos na legislação fiscal aplicável, situações em que esta derroga as normas contabilísticas, aquele ramo do direito acolherá o tratamento que é dado pelas normas contabilísticas, tendo as correções efetuadas pela AT sido motivadas pela aplicação de tal princípio.  

Como invoca, “47. Assim, e em resumo, resulta dos parágrafos da NCRF 6 acima identificados que contabilisticamente os ativos intangíveis ou são adquiridos a entidades juridicamente distintas da adquirente (portanto a terceiros) ou são gerados internamente e que, consoante as circunstâncias da sua aquisição, poderão ser registadas pelo custo ou pelo justo valor.

(…)

63.  De facto, tendo presente que está em causa o reconhecimento e consequente depreciação de ativos intangíveis e que é o direito contabilístico que sobre essas matérias regula e não qualquer outro ramo do direito, e não se encontrando nenhuma ressalva legal expressa quanto a tal conceito, é à luz de tais normais que o conceito “adquiridos a título oneroso” deve ser interpretado. 

64. E, nos termos das normas contabilísticas acima expostas, os ativos intangíveis ou são adquiridos ou são gerados internamente. 

65. Sendo que em todas as situações de ativos intangíveis tidos como “adquiridos” é comum o facto de não se encontrarem previamente na esfera jurídica ou no património do sujeito passivo, mas antes na esfera de um terceiro – cfr. par. 25 a 32 da NCRF 6 (adquiridos separadamente), par. 33 a 42 (adquiridos na sequência de uma concentração de empresas), par. 42 da NCRF 6 (adquiridos por meio de subsídio do Governo), e par. 43 da NCRF 6 (na sequência de troca de ativos). 

66. Ora, os bens/ativos aqui em discussão não foram adquiridos onerosamente nos termos acima expostos, mas resultaram de uma valorização interna de determinadas posições contratuais que já se encontram na esfera jurídica ou no património da Requerente,– não foram os contratos que foram reconhecidos como ativo intangível, contratos esses cuja classificação como “onerosos” não se questiona. 

67. Acresce que à valorização dessas posições contratuais realizada em finais de 2020 (efetuadas na sequência de um estudo externo) não se encontra associado um dispêndio financeiro para a sua “aquisição” – o custo que eventualmente foi incorrido para a elaboração do estudo é estranho aos efeitos e consequências que aqui se pretendem –, “

O tratamento contabilístico dos contratos de arrendamento é definido pela NCRF 9 – Locações que determina quanto ao locatário as seguintes regras de reconhecimento:

“Locações operacionais

Reconhecimento

37 — Os locadores devem apresentar os ativos sujeitos a locações operacionais nos seus balanços de acordo com a natureza do ativo. 

38 — O rendimento proveniente de locações operacionais deve ser reconhecido no rendimento numa base linear durante o prazo da locação, salvo se outra base sistemática for mais representativa do modelo temporal em que o benefício do uso do ativo locado seja diminuído por incentivo concedido pelo locador. 

39 — Os custos, incluindo a depreciação, incorridos para se obter o rendimento de locação são reconhecidos como um gasto. O rendimento de locação (excluindo recebimentos de serviços proporcionados tais como seguros e manutenção) é reconhecido numa base linear durante o período da locação mesmo que os recebimentos não o sejam, a menos que uma outra base sistemática seja mais representativa do modelo temporal em que o benefício do uso do ativo locado seja diminuído.” 

Ora, em momento alguma a norma autoriza o locatário a reconhecer um ativo intangível relativamente aos direitos titulados nos contratos e consequente amortização.

Mais, a NCRF 7 – Ativos Intangíveis, que prescreve o tratamento contabilísticos de ativos intangíveis, impede expressamente a aplicação desta norma às locações que estejam dentro do âmbito da NCRF 9 – Locações.

Daqui resulta que o normativo contabilístico não admite o reconhecimento como ativo intangível os direitos titulados num contrato de locação.

Mas, ainda que se admita o reconhecimento do ativo intangível, este não cumpre os requisitos previstos no CIRC e Decreto-Regulamentar 25/2009.

Com efeito, como salienta a AT, “Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar, apenas os ativos intangíveis adquiridos onerosamente (por oposição a serem gerados internamente) são amortizáveis.

Em face do exposto é inequívoco que o “ativo intangível” em apreço reconhecido contabilisticamente pelo requerente pelo montante de 660.000,00€, não foi adquirido a título oneroso, pois conforme é evidenciado no referido estudo externo encomendado pelo Requerente trata-se tão somente de uma avaliação ao justo valor de direitos contratuais.

(…)

Uma vez que o critério de mensuração adotado pela Requerente para todos os ativos intangíveis em análise foi o do justo valor (aventa-se que até seria difícil ter sido de outro modo uma vez que o ativo não foi adquirido, mas antes valorizado internamente), não restam dúvidas que existe uma clara violação das normas fiscais aplicáveis, a saber, o n.º 1.º do artigo 31.º do CIRC, bem como o n.º 1 do artigo 1.º e o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro”.

Acompanhamos igualmente nesta sede a Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em 5 de fevereiro de 2025, no Proc. 684/2024-T invocado pela AT, relativamente ao mesmo sujeito passivo e causa de pedir, que passamos a transcrever:

28. A análise dos elementos carreados para os autos, depois de apresentadas as opiniões das partes, suscitam no Tribunal Arbitral a convicção de que o que está em causa são ativos intangíveis de natureza não amortizável. O que se discutiu no relatório de inspeção dizia respeito à “localização contabilística”, com a devida consequência na sua dedutibilidade fiscal como elemento de interesse, do ativo intangível que consistia no “Direito de disponibilização contratual, propriedades de investimento”. Ora, este ativo intangível não foi adquirido onerosamente a terceiros, antes gerado internamente, e não houve quaisquer despesas financeiras na sua aquisição. É cabal e aceite a explicação dada pela Requerida a este respeito. 

29. Assim é porque, na verdade, o ativo intangível em causa não se reveste de uma vigência temporal limitada ou, no limite, se a tivesse, ela assumir-se-ia como de definição impossível, pelo que se preenche a previsão da norma fiscal do art. 16.º, n.º1, do CIRC, que os exclui do conceito de ativo amortizável para efeito de dedução fiscal por não estarem sujeitos a deperecimento. Assim é porque, noutra perspetiva, a sua aquisição não foi propiciada por uma operação financeira que tivesse implicado a redução do ativo geral da sociedade em causa, traduzindo-se numa aquisição não onerosa, na sequência da dinâmica contratual da atividade da empresa em questão. 

30. Igualmente o Tribunal Arbitral não considera que a intervenção da Requerida, no âmbito do procedimento tributário no resultado que dele se obteve, tivesse consubstanciado uma qualquer operação de natureza contabilística próprio sensu. A apreciação feita à contabilidade da Requerente era devida para a compreensão da natureza dos ativos em causa, mas a sua qualificação como ativo intangível não dedutível não representou uma qualquer intervenção “ultra vires” do seu escopo tributário, em cuja base se impunha observar as categorias contabilísticas dadas pelo sujeito passivo, as quais podem ser desconsideradas com efeitos tributários.

Igualmente na Decisão proferida em 31 de janeiro de 2025 no Proc. 683/2024-T, também invocada pela AT, se conclui o seguinte: 

88. Não obstante, não podemos olvidar que, tal como dito acima, está junto aos autos o Estudo de Valorização do Intangível que demonstra exactamente o contrário, ou seja, que os activos intangíveis aqui em causa têm, efectivamente, duração limitada, ou seja, vida útil definida. 

89. Da análise ao referido documento, infere o Tribunal que os activos intangíveis aqui em causa não resultaram de aquisição onerosa por parte da Requerente, mas antes e ao invés, eles resultaram de um trabalho de reconhecimento que teve por base a análise da situação de existência dos activos e do seu enquadramento contabilístico; e também que o respectivo activo consubstancia activo com vida útil definida, pois é ali referida uma data limite ou restrição de utilização do direito de caça; do valor do contrato de fornecimento de carne de vitela; e ainda dos direitos ao arrendamento rural dos prédios acima melhor identificados, sendo, por isso, detectados elementos que determinam a vida útil do activo intangível em análise. Reiterando-se aqui, não obstante, o acima aduzido quanto à não aceitação de que essa vida útil se fixe em 10 anos para todo o acto intangível reconhecido. 

90. Existindo, assim, um limite previsível para o período durante o qual se espera que tais activos intangíveis gerem influxos de caixa líquidos para a entidade, podemos concluir que a vida útil dos activos intangíveis aqui em causa é definida e tem um limite temporal, conforme considerado pelo sujeito passivo, pelo que de acordo com a NCRF-6, o activo reconhecido pode/deve ser amortizado contabilisticamente. 

91. Contudo e não obstante, nos termos do que dispõe o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, concretamente a alínea b) do seu n.º 3 e a alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º [que estatui como segue: “[2] - São amortizáveis os seguintes ativos intangíveis: a) (...); b) Elementos de propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo. (...).” 3 – Exceto em caso de deperecimento efetivo, devidamente comprovado e reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não são amortizáveis: (Redação do Decreto Regulamentar n.º 4/2015, de 22 de abril) a) trespasses de estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas; (Redação do Decreto Regulamentar n.º 4/2015, de 22 de abril) b) elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas.”] e não tendo os activos intangíveis sido adquiridos a título oneroso, ainda que existindo um limite previsível para o período durante o qual se espera que os activos intangíveis aqui em causa gerem influxos de caixa líquidos para a entidade, podendo concluir-se que a vida útil dos activos intangíveis é definida e finita, conforme considerado pelo sujeito passivo, pelo que, de acordo com a NCRF-6, o activo reconhecido até poderia ser amortizado contabilisticamente3, mas nos termos do que refere a alínea b) do n.º 3 e a alínea b) do n.º 2 do art.º 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro (acima transcritos), essa amortização/deperecimento não poderia jamais relevar para efeitos fiscais, porquanto não estávamos perante activos intangíveis adquiridos a título oneroso, donde, os activos intangíveis aqui em causa não poderiam ser depreciados para efeitos fiscais (nem mesmo ao abrigo do art.º 45.º-A do CIRC), pelo que, andou bem a Requerida ao negar a dedutibilidade das correspondentes amortizações e depreciações em sede de IRC, corrigindo-as em sede inspectiva. 

92. Como muito bem nota a Requerida, in casu estamos perante activos intangíveis gerados internamente em conformidade com o disposto nos parágrafos 51 a 67 da NCRF 6, cuja mensuração e reconhecimento inicial seguiu o critério do justo valor. A mensuração ao justo valor reflecte o valor actual de um activo, baseado em informações de mercado, e não necessariamente em custos históricos de aquisição ou produção. O justo valor é definido como o preço que seria recebido pela venda de um activo ou pago para transferir um passivo em uma transacção ordenada entre participantes do mercado na data da mensuração. Isso significa que o justo valor reflete as condições de mercado existentes na data da mensuração, ao contrário do custo histórico, que é baseado no preço pago ou na despesa incorrida no momento da aquisição ou produção do activo. Contudo, sendo o activo intangível gerado internamente mensurado ao justo valor, as depreciações desses activos, tal como acima se explicitou, não são aceites como custo fiscal caso não tenham sido adquiridos a título oneroso, em conformidade com o disposto na acima referida alínea b) do n.º 3 do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro. A ratio deste normativo explica-se com a intenção de se evitar a manipulação de custos fiscais através da reavaliação de activos gerados internamente. Acaso fosse permitido reconhecer depreciações de activos gerados internamente para efeitos fiscais, correr-se-ia o risco de as empresas inflacionarem os valores dos activos para aumentarem as depreciações e, assim, fazerem reduzir a base tributável de IRC de forma artificial. 

93. Importando enfocar o diferente tratamento contabilístico versus fiscal dos activos intangíveis: i) contabilisticamente, a empresa pode mensurar activos intangíveis ao justo valor e reconhecer depreciações de acordo com as normas contabilísticas (NCRF 6);  ii) para efeitos fiscais e como visto e demonstrado, as regras estabelecidas pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, têm de ser aplicadas, donde, reitere-se, as depreciações de activos intangíveis gerados internamente não podem ser aceites como custo fiscal se esses activos não tiverem sido adquiridos a título oneroso. 

94. Improcedem, assim, também a pretensões anulatórias da aqui Requerente, fundadas na ilegalidade substantiva da liquidação de IRC e JC de 2020.”

Termos em que se conclui que igualmente nesta sede não é de acolher a pretensão da Requerente, estando em causa ativos intangíveis de natureza não amortizável.

 

C. Da legitimidade da cobrança de juros compensatórios

 

Como refere António Lima Guerreiro[2], o direito a juros compensatórios depende “da conjunção de um elemento objectivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto” e de “outro subjectivo, a culpa do contribuinte”. 

Mais se diga que a jurisprudência e doutrina dominantes têm entendido uniformemente que os juros compensatórios previstos na LGT têm carácter indemnizatório, pressupondo:  

(i) uma conduta culposa do contribuinte;  

(ii) a ocorrência de um dano para a Fazenda Pública, e;  

(iii) o nexo de causalidade entre a conduta do contribuinte e o dano provocado à Fazenda Pública. 

Veja-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de janeiro de 2010, proferido no âmbito do Processo n.º 03177/09, nos termos do qual é explicitado que a “razão de ser dos juros compensatórios [se] prende, além do mais, com um juízo de censura, a título de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente, imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido, e nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil.” 

Acresce que, como bem referiu o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão datado de 16 de abril de 2009, no âmbito do Processo n.º 00280/06.8, a “responsabilidade por juros tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e actuação do contribuinte.” 

A imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa por parte do contribuinte, resultando desse facto prejuízo para a AT - cf. Acórdão do STA, de 19 de novembro de 2008, proferido no âmbito do Processo n.º 0325/08. 

O Supremo Tribunal Administrativo sancionou, em Acórdão de 23 de outubro de 2002, proferido no âmbito do processo n.º 01145/02, que não haverá culpa do sujeito passivo quando o eventual atraso na liquidação se tenha ficado a dever “a mera e compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte ou a erro desculpável deste”. 

Não basta, assim, o retardamento ligar-se objetivamente à conduta do contribuinte, sendo indispensável que esta seja passível de censura, por dolo ou negligência. 

Ora, como vimos, resulta provado que no RIT constam os elementos de facto e de direito que determinaram o retardamento de parte da liquidação, tendo-se apurado que a Requerente depreciou determinados ativos intangíveis à revelia das normas fiscais aplicáveis (artigo 34.º, n.º 1, do CIRC e artigo 16.º, n.ºs 2, alínea b), e n.º 3, alínea b), do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro) o que originou “omissões e inexatidões no preenchimento da declaração de rendimentos periódica Modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 2021, infringido as disposições legais dos artigos 17.º do CIRC, punível pelo n.º 1 do artigo 119.º do RGIT.”

Ademais, como vimos, o ato de liquidação, respeita o disposto n.º 9 do artigo 35.º, bem como os n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT, autonomizando o montante devido a título de juros compensatórios do montante devido a título de imposto e explicando os cálculos efetuados ao indicar (i) o valor base sobre o qual vão incidir juros compensatórios, (ii) o termo inicial e final da contagem de juros e (iii) a taxa aplicável, para além de identificar as normas legais que preveem a responsabilidade por juros compensatórios. Ou seja, o ato liquidação na parte referente aos juros compensatórios encontra-se fundamentado, remetendo a sua fundamentação para o Relatório Final de Inspeção, elaborado no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2023... . 

Mais se adite ainda que, no tocante ao vício da falta de audiência prévia, tal como na Decisão proferida no Proc. 683/2024-T, a “Requerente dirige ainda à liquidação de juros compensatórios a verificação de um outro vício, ou seja, a preterição da audição prévia subjacente a tal liquidação. 

99. E a tal propósito adequado se mostra também trazer aqui o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.02.2021, tirado no Processo n.º 685/13.8BELRS e onde a dado passo da sua fundamentação jurídica se diz: “[N]o que respeita à observância do direito de audição (artigo 60.º da LGT), cumpre referir que os pressupostos da liquidação dos juros compensatórios coincidem com os que resultam da liquidação do imposto, na medida em que tais juros constituem uma sobretaxa devida pelo retardamento da liquidação do imposto devido imputável ao contribuinte. No caso, a contribuinte foi chamada a exercer a audição prévia no âmbito do procedimento inspectivo (ponto IX do RIT), pelo que a sua audição em sede de liquidação dos juros compensatórios constituiria uma duplicação redundante, porquanto feita a liquidação do imposto, com base nas correcções apuradas e tendo sido observada a audição prévia nessa sede, não há lugar a instrução suplementar, com vista à concretização da liquidação de juros compensatórios. Motivo porque se rejeita a presente argumentação.” 

100. Feita a transcrição, é quanto basta para, com respaldo na mesma, se julgar que improcede também este argumentário esgrimido pela Requerente.”

Termos em que concluímos que não se verificam os pressupostos de anulabilidade da liquidação de juros compensatórios.

 

D. Pagamento de juros indemnizatórios

 

No que se reporta ao pagamento de juros indemnizatórios, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios. Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410: “Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício». Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT. Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..) O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.” 

Neste contexto, entendemos que, por não se encontrarem verificados os respetivos requisitos, não deve igualmente proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

V. Decisão

 

Nos termos expostos, decide este Tribunal Arbitral:

 

a)     Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral referido, assim se devendo manter a liquidação adicional de IRC n.º 2024 ... de 2024-07-18 e correspondente liquidação de juros compensatórios, de que resultou a Demonstração de Acerto de contas n.º 2024..., nota de compensação n.º 2024 ..., referente ao exercício de 2021, com o montante total a pagar de 14.762,63 €;

b)    Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo. 

 

VI. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 14.762,63 (catorze mil, setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e três cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

 

Custas no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros) a cargo da Requerente (cf. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 5 de maio de 2025

 

A Árbitra

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

 



[1]  Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes Acórdãos do STA: de 4-11-1998, Processo n.º 40618; de 10-3-1999, Processo n.º 32796; de 6-6-1999, Processo n.º 42142; de 9-2-2000, Processo n.º 44018; de 28-3-2000, Processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, Processo n.º 40618; de 14-11-2001, Processo n.º 39559; de 18-12-2002, Processo n.º 48366.

[2] Cf. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, pp. 170 e ss.