Sumário:
As normas do n.º 1, parte final, e do n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, violam o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., organismo de investimento colectivo constituído no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal português n.º ... e contribuinte fiscal luxemburguês n.º ..., com sede em ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, representado pela sua entidade gestora B..., com sede em... ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional entre 2020 e 2022, bem como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal no Luxemburgo.
Em 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 158.562,82, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória no montante total de € 55.496,99.
Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 241.505,25, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 84.526,84.
Em 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 306.503,38, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 107.276,18
As retenções na fonte de IRC referentes a 2020, 2021 e 2022 foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública.
O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna luxemburguesa.
No entanto, os dividendos, se auferidos por um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que entende a Requerente que o tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a sua residência fiscal, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, que é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Em 15 de Março de 2024, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022, abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 137.º do CPPT.
O pedido de revisão oficiosa não foi decidido no prazo cominado, pelo que se considera tacitamente indeferido.
Conclui pela procedência do pedido arbitral mediante a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e a anulação dos atos tributários de retenção na fonte, bem como pelo reconhecimento do direito à restituição da quantia paga e do direito a juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, vem invocar a inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte relativamente aos anos de 2020 e 2021 e a incompetência do tribunal em razão da matéria.
Em sede de impugnação, refere que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
Resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
No caso, embora os sujeitos passivos de IRC se encontrem excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF, o legislador nacional optou por uma tributação na esfera do Imposto do Selo, tendo sido aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
E, desse modo, não estamos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
Conclui no sentido da procedência das exceções dilatórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral
2. No seguimento do processo, por despacho de 6 de fevereiro de 2025, o tribunal determinou a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Autoridade Tributária na resposta.
A Requerente exerceu o direito de contraditório através do requerimento de 22 de fevereiro seguinte e, por requerimento de 26 de fevereiro de 2025 juntou certificados de residência relativos aos anos de 2021 e 2022,
Por despacho de 11 de março de 2025, o tribunal arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, e remeteu o processo para alegações, por prazo sucessivo.
A Requerente apresentou alegações em 25 de março de 2025. A Autoridade Tributária não contra-alegou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24 de dezembro de 2024.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II – Saneamento
Incompetência do tribunal em razão da matéria
4. A Autoridade Tributária suscita a exceção dilatória da incompetência do tribunal em razão da matéria, baseando-se no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, quando aí se exceciona da vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, vindo a considerar que não tendo sido deduzida, no prazo legalmente previsto, a reclamação graciosa contra os atos tributários impugnados, o tribunal arbitral carece de competência para conhecer do pedido.
Acrescenta que, havendo lugar a um indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, o tribunal não pode conhecer dos pressupostos de aplicação do disposto no artigo 78.º da LGT.
Ora, a questão relativa à precedência da impugnação administrativa em relação à impugnação judicial não se prende com a competência do tribunal, mas com a impugnabilidade contenciosa dos atos tributários.
Como refere o artigo 185.º, n.º 1, do CPA, “as reclamações e os recursos administrativos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido”.
O que não significa que o tribunal deixe de manter a sua competência para conhecer de processo impugnatório ainda que este tenha por objeto ato inimpugnável, tanto mais que, como determina o artigo 608.º, n.º 1, do CPC, cumpre ao tribunal conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam conduzir à absolvição da instância.
A segunda ordem de considerações formulada pela Autoridade Tributária não tem também qualquer cabimento.
A Requerente apresentou pedido arbitral para a apreciação da legalidade de atos tributários de retenção na fonte, que constitui pretensão que se enquadra na competência do tribunal face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
O pedido de declaração de ilegalidade do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e a anulação desse ato de segundo grau apenas poderá ser consequencial da anulação dos atos tributários de retenção na fonte.
E o tribunal não tem, por conseguinte, de se pronunciar sobre a legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mas sobre a legalidade dos atos de retenção na fonte.
Por todo o exposto, a alegada exceção dilatória de incompetência do tribunal é manifestamente improcedente.
Inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte
5. A Autoridade Tributária invoca ainda a inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, por considerar que, em caso de retenção na fonte, o artigo 132.º do CPPT impõe que a impugnação seja precedida de reclamação graciosa no prazo de dois anos, pelo que, tendo sido apresentado o pedido de revisão oficiosa para além desse prazo, esse pedido não pode ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere aquela disposição, relativamente aos atos de retenção na fonte realizados para além do referido prazo de dois anos.
Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT).
No caso de erro na retenção na fonte, o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT especifica que “o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de dois anos a contar do termo do prazo nele referido”.
A exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial.
O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 132.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do ato tributário.
A questão em análise foi já dirimida nesse mesmo sentido por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 617/2015-T, 429/2020-T e 840/2021-T, e veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do TCA Sul, no Processo n.º 08599/17). Neste sentido, a referência que se faz no artigo 2.º, n.º 1, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao artigo 132.º do CPPT não exclui a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais quando estão em causa pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de revisão oficiosa que tenham por objeto atos de retenção na fonte.
A AT entende, todavia, que mesmo assumindo a equivalência jurídica entre a reclamação graciosa e revisão oficiosa, tal equivalência só pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tiver sido apresentado dentro do prazo de dois anos a que alude o n.º 3 do artigo 132.º do CPPT (cf. decisão arbitral de 5 de julho de 2024, processo n.º 1000/2023-T, citado no ponto 18 da Resposta). São por isso inimpugnáveis, no entender da AT, os atos tributários de retenção na fonte praticados nos anos de 2020 e 2021 por, aquando da dedução do pedido de revisão oficiosa (15 de março de 2024), se mostrar esgotado o prazo de dois anos para a apresentação da reclamação graciosa necessária.
Contudo, sobre este tema já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 9 de novembro de 2022, processo n.º 087/22.5BEAVR, e antes deste, no Acórdão de 12 de julho de 2006, recurso n.º 402/06, ou no Acórdão de 12 de setembro de 2012, processo n.º 0476/12. Destes arestos resulta, com clareza, que o meio procedimental de revisão do ato tributário, previsto no artigo 78.º da LGT, é um meio alternativo aos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (reclamação graciosa e impugnação judicial), se usado em momento em que estes ainda possam ser utilizados, ou complementar daqueles meios, quando já estiverem esgotados os prazos previstos na lei para o respetivo lançamento.
Portanto, mesmo não tendo o sujeito passivo lançado mão da reclamação graciosa (necessária) prevista no artigo 132.º, n.º 3 do CPPT, a sua falta não obsta a que possa ser pedida revisão oficiosa do ato tributário, dentro do prazo legal em que a AT a poderia efetuar, nem obsta a que o sujeito passivo possa impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento (expresso ou tácito) daquele pedido (em sentido idêntico, cf. acórdão arbitral de 31 de agosto de 2024, processo n.º 61/2024-T; a decisão arbitral de 5 de julho de 2024, processo n.º 998/2023-T; ou o acórdão arbitral de 12 de julho de 2024 processo n.º 816/2023-T). E constitui jurisprudência pacífica do STA que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços, no prazo de quatro anos após a liquidação (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13).
Na leitura do STA, esta interpretação não colide com a natureza necessária dos meios administrativos de reação. O legislador estabeleceu uma diferença de regime jurídico entre, por um lado, a “dedução de impugnação judicial” – da qual a reclamação graciosa é condição – e, por outro, a “impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa”. Concretamente, enquanto a primeira está associada ao “regime geral da impugnação de atos anuláveis” e aos “efeitos retroativos próprios dos meios anulatórios”, a segunda implica a restituição do que foi indevidamente recebido pela AT, mas não já a plena reconstituição da situação atual hipotética (artigo 100.º da LGT). Daí a previsão do artigo 43.º, n.º 3, al. c) da LGT, segundo o qual, em caso de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, só são devidos juros indemnizatórios se a revisão se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
Improcede, por conseguinte, a exceção de inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte realizados em 21 de maio de 2020 e em 20 de maio de 2021.
III - Fundamentação
Matéria de facto
6. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal no Luxemburgo, nos anos de 2020, 2021 e 2022 (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral e documentos juntos com o requerimento de 26 de fevereiro de 2025).
B) A Requerente é administrada pela sociedade B..., entidade com residência no Luxemburgo (documento n.º 3 junto ao pedido arbitral).
C) Em 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 158.562,82, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória no montante total de € 55.496,99, segundo o quadro abaixo (documentos n.ºs 5 e 6 juntos ao pedido arbitral):
Valores em €
ENTIDADE
|
DATA
|
DIVIDENDO
BRUTO
|
RETENÇÃO NA
FONTE
|
DIVIDENDO
LÍQUIDO
|
C...
|
21-Mai-2020
|
73.040,29
|
25.564,10
|
47.476,19
|
C...
|
21-Mai-2020
|
85.522,53
|
29.932,89
|
29.932,89
|
TOTAIS: 158.562,82 55.496,99 103.065,83
D) Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 241.505,25, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 84.526,84, segundo o quadro abaixo (documentos n.º 7 e 8 juntos ao pedido arbitral):
Valores em €
ENTIDADE
|
DATA
|
DIVIDENDO
BRUTO
|
RETENÇÃO NA
FONTE
|
DIVIDENDO
LÍQUIDO
|
C...
|
20- Mai-2021
|
122.709,65
|
42.948,38
|
79.761,27
|
C...
|
20- Mai-2021
|
118.795,60
|
41.578,46
|
77.217,14
|
TOTAIS: 241.505,25 84.526,84 156.978,41
E) Em 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 306.503,38, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, no montante total de € 107.276,18, segundo o quadro abaixo: (documentos n.ºs 9 e 10 juntos ao pedido arbitral)
Valores em €
ENTIDADE
|
DATA
|
DIVIDENDO
BRUTO
|
RETENÇÃO NA
FONTE
|
DIVIDENDO
LÍQUIDO
|
D...
|
19-Mai-2022
|
94.713,85
|
33.149,85
|
61.564,00
|
D...
|
19-Mai-2022
|
4.086,70
|
1.430,35
|
2.656,35
|
E...
|
20-Mai-2022
|
4.662,36
|
1.631,83
|
3.030,53
|
E...
|
20-Mai-2022
|
39.106,92
|
13.687,42
|
25.419,50
|
F...
|
03-Jun-2022
|
16.400,51
|
5.740,18
|
10.660,33
|
G...
|
07-Jun-2022
|
8.006,89
|
2.802,41
|
5.204,48
|
G...
|
07-Jun-2022
|
19.063,11
|
6.672,09
|
12.391,02
|
G...
|
07-Jun-2022
|
2.827,04
|
989,46
|
1.837,58
|
C...
|
20-Set-2022
|
52.614,64
|
18.415,12
|
34.199,52
|
G...
|
12-Dez-2022
|
21.860,61
|
7.651,21
|
14.209,40
|
G...
|
12-Dez-2022
|
13.207,40
|
4.622,59
|
8.584,81
|
G...
|
12-Dez-2022
|
4.240,77
|
1.484,27
|
2.756,50
|
D...
|
23-Dez-2022
|
21.209,60
|
7.423,36
|
13.786,24
|
D...
|
23-Dez-2022
|
4.502,98
|
1.576,04
|
2.926,94
|
TOTAIS: 306.503,38 107.276,18 199.227,20
F) As retenções na fonte de IRC referentes a 2020, no montante total de € 55.496,99, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através da guia de retenção na fonte n.º ..., de 23 de junho de 2020, pelo H... PLC, na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC (documento n.º 5 junto ao pedido arbitral).
G) As retenções na fonte de IRC referentes a 2021, no montante total de EUR 84.526,84, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através da guia de retenção na fonte n.º ..., de 21 de junho de 2021, pelo H... PLC, na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC (documento n.º 7 junto ao pedido arbitral).
H) As retenções na fonte de IRC referentes a 2022, no montante total de EUR 107.276,18, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.os ..., de 20 de Junho de 2022, ..., de 20 de Julho de 2022, ..., de 20 de Outubro de 2022, ..., de 20 de Janeiro de 2023, pelo H... PLC, na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC (documento n.º 9 junto ao pedido arbitral).
I) A Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna luxemburguesa (documento n.º 11 junto ao pedido arbitral).
J) Em 15 de março de 2024, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de retenção na fonte em IRC, referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022 (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral).
L) A Administração Tributária não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado, considerando-se esse pedido tacitamente indeferido em 16 de julho de 2024.
G) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 14 de outubro de 2024.
Factos não provados
Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e com o requerimento de 26 de fevereiro de 2025 e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
7. Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A Autoridade Tributária limita-se a considerar que a situação dos residentes e dos não residentes não são objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido no Processo n.º C-545/19, em reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 93/2019-T em que se extrai a seguinte conclusão:
O artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
E não pode deixar de se sufragar esse entendimento, que, aliás, vem na linha de anterior jurisprudência do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.
O citado artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
(…)
8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
(…)
10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno mas tenham sido constituídos segunda legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.
A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.
8. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é um organismo de investimento coletivo mobiliário, constituída segundo o direito luxemburguês, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento mobiliário de capital variável heterogeridas, efetuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.
Alega a Requerente, neste contexto, que as normas do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF se tornam incompatíveis com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.
Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do TFUE apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).
O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19de 10 de Abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:
36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).
37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (-).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).
Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis (considerando 74).
E não há motivo para que o tribunal arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial.
Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…) (considerandos 80 e 81).
Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE é a seguinte:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
9. Revertendo à situação do caso, e como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos mobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).
O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.
Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).
De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).
Resta acrescentar que o recente acórdão do STA de 28 de setembro de 2023 (Processo n.º 093/19), tirado em recurso por oposição de julgados entre as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 96/2019-T e 90/2019-T, tomando em consideração o citado acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, uniformizou a jurisprudência no sentido de que a interpretação do artigo 63.º do TFUE é incompatível com o artigo 22.º do EBF, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.
Os atos de retenção na fonte realizados entre 21 de maio de 2020 e 23 de dezembro de 2022 são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, e, consequentemente, é ilegal o ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
10. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, de 10 de maio de 2017, Processo n.º 01159/14, e de 30 de setembro de 2020, Processo n.º 040/19).
No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 15 de março de 2024, pelo que são devidos juros indemnizatórios a partir de 16 de março de 2025.
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) {C}{C}Julgar improcedentes as exceções de incompetência do tribunal arbitral e de inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte dos anos de 2020 e de 2021;
b) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de retenção na fonte sobre o IRC, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional nos anos de 2020, 2021 e 2022, que são impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido;
c) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios a partir de 16 de março de 2025.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 247.300,01, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 30 de maio de 2025,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
(com declaração de voto de vencido)
O Árbitro Vogal
Fernando Miranda Ferreira
A Árbitro Vogal
Marta Vicente
Declaração de voto de vencido
Teria julgado procedente a exceção de inimpugnabilidade relativamente aos atos de retenção na fonte nos anos de 2020 e de 2021, com os fundamentos que seguem.
Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
No caso de erro na retenção na fonte, o n.º 3 do artigo 132.º do CPPT especifica, à semelhança do que sucede em caso de erro na autoliquidação, a que se refere o artigo 131.º, que a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.
Essa disposição tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa.
Esse, aliás, é o princípio geral que resulta do artigo 185.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável no processo arbitral, segundo o qual, “as reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contencioso de impugnação e de condenação à prática de ato devido”.
Tendo sido apresentado, no caso vertente, um pedido revisão oficiosa contra atos de retenção na fonte, e ainda que se atribua ao pedido de revisão oficiosa o mesmo efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de 2 anos (cfr., neste sentido, os citados acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 840/2021-T e 778/2023-T na situação similar de impugnação no caso de erro na autoliquidação).
Ainda que nos termos das disposições conjugadas n.ºs 1 e 4 do artigo 78.º da LGT possa ser deduzido um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, e mesmo depois de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa, esse pedido não pode ser equiparado à reclamação necessária quando a lei fixa um prazo de 2 anos para a observância desse requisito procedimental. Dito de outro modo, o prazo de 2 anos estabelecido no artigo 132.º, n.º 3, do CPPT para deduzir a reclamação graciosa, como condição prévia à impugnação judicial do ato tributário, não pode ser substituído pelo prazo mais longo previsto, em geral, para a revisão oficiosa.
As normas dos artigos 131.º e 132.º do CPPT, e qualquer outra que fixe um prazo de 2 anos para a reclamação necessária, como condição de impugnabilidade do ato administrativo, não pode ser objeto de uma interpretação extensiva quando uma tal interpretação não tem um mínimo de correspondência com a letra da lei. O sentido literal determina o limite da interpretação, de tal modo que aquilo que está para além do sentido possível já não com ele compatível (cfr, Karl Larenz,Metodologia da Ciência do Direito, 7.ª edição, Lisboa, págs. 457 e segs., e, em especial, pág. 485).
No caso em análise, constata-se que a Requerente impugna atos de retenção na fonte realizados em 21 de maio de 2020, em 20 de maio de 2021 e entre 19 de março a 23 de dezembro de 2023, e apresentou o pedido de revisão oficiosa em 15 de março de 2024, e, fê-lo, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa relativamente aos atos de retenção na fonte realizados em 21 de maio de 2020 e em 20 de maio de 2021.
Sendo assim, é de concluir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT, relativamente aos atos de retenção na fonte realizados em 21 de maio de 2020 e em 20 de maio de 2021, pelo que se verifica a inimpugnabilidade desses atos tributários por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.
De resto, a decisão arbitral quanto à impugnabilidade dos atos de retenção na fonte assenta num evidente equívoco.
O acórdão do STA de 9 de novembro de 2022 (Processo n.º 087/22) e todos os demais acórdãos do STA citados na decisão arbitral, não dizem, nem poderiam dizer, que o prazo de 4 anos para o pedido de revisão oficiosa substitui o prazo de 2 anos, especialmente previsto nesse artigo 132.º para a reclamação necessária, em caso de impugnação judicial de atos de liquidação de retenção na fonte. O que dizem é que a falta de apresentação de reclamação graciosa no prazo de 2 anos, sendo esta necessária nos termos do artigo 32.º do CPPT, não obsta a que o interessado possa interpor um pedido de revisão oficiosa para efeito de impugnar a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
De resto, o acórdão do STA de 9 de novembro de 2022, no ponto V do sumério é muito claro quanto a isso, ao consignar o seguinte:
“A formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial (sublinhado nosso).
Sucede que o presente processo tem como objeto imediato os atos tributários de liquidação da retenção na fonte, e como objeto mediato o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa. O tribunal arbitral não tem de pronunciar-se sobre o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mas antes sobre os atos de liquidação de retenção na fonte. E, por conseguinte, a eventual anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é meramente consequencial da anulação da liquidação de retenção na fonte, que são os atos impugnados.
O tribunal arbitral apenas tem competência para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade previstas nas alíneas a) e b) do artigo 2.º., n.º 1, do RJAT, que incluem os atos de liquidação de retenção na fonte (alínea a)), e que corresponde ao meio processual previsto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.
No caso, não está em causa uma impugnação judicial autónoma do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, mas a impugnação judicial dos atos tributários de liquidação da retenção na fonte, a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.
Dispondo-se o tribunal a pronunciar-se sobre atos de retenção na fonte que estavam dependentes de reclamação necessária no prazo de 2 anos, está a incorrer em nulidade de sentença por pronúncia indevida (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC) e em incompetência em razão da matéria (artigo 2.º, n.º 1, do RJAT).
Sendo a reclamação graciosa necessária, como prevê o artigo 132.º do CPPT, um requisito procedimental da impugnação judicial dos atos administrativos de liquidação (artigo 185.º, n.º 1, do CPA), o pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação na retenção na fonte, ainda que seja considerado um meio procedimental alternativo da reclamação graciosa, tem de cumprir o prazo de 2 anos previsto no artigo 132.º do CPPT, sob pena de se tornarem inimpugnáveis.
Carlos Fernandes Cadilha