Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 75/2025-T
Data da decisão: 2025-05-22  IRS  
Valor do pedido: € 507.874,48
Tema: Anulação administrativa do ato tributário impugnado.
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Sumário:

A anulação administrativa do ato tributário impugnado determina a destruição dos efeitos do ato anulado, com a sua consequente eliminação da ordem jurídica, pelo que se verifica uma situação de impossibilidade superveniente da lide por falta de objeto processual, que constitui causa de extinção da instância (artigo 277.º, alínea e), do CPC).

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

1.A..., com o n.º de identificação fiscal ..., residente na ..., n.º..., ..., Moçambique, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2021..., relativo ao período de tributação de 2020, no montante de € 507.874,48, bem como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra ele deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Por despacho arbitral de 31 de março de 2025, a Autoridade Tributária foi notificada para apresentar a resposta, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT.

 

Ainda no decurso do prazo fixado para a apresentação da resposta, a Autoridade Tributária veio juntar uma informação dos serviços em que se propõe a revogação do ato tributário impugnado.

 

Por despacho de 16 de abril de 2025, praticado com subdelegação de competência, a Subdiretora Geral revogou o ato tributário nos termos propostos.

 

 A informação dos serviços em que se baseou o ato revogatório consta do documento junto pela Autoridade Tributária através do requerimento de 22 de abril de 2025, que aqui se dá como reproduzido.

            

O ato revogatório foi notificado ao Requerente através do ofício datado de 22 de abril de 2025, enviado por carta registada (documento n.º 1 junto ao requerimento de 12 de maio de 2025).

 

Por despacho arbitral de 23 de abril de 2025, o Requerente foi notificado para se pronunciar quanto às consequências processuais da revogação.

 

Pelo requerimento de 12 de maio seguinte, o Requerente veio dizer que que o ato revogatório foi praticado já depois de transcorrido o prazo a que se refere o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, considerando, todavia, que a revogação do ato, ainda que ocorrida após aquele prazo, importa a inutilidade superveniente da lide, vindo a requerer a final a extinção da instância, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

2. Cabe preliminarmente referir que o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e revogação anulatória. Segundo a definição constante do artigo 165.º, a revogação é “o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, ao passo que a anulação administrativa é “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade”. A revogação produz, em regra, apenas efeitos para o futuro (artigo 171.º, n.º 1), enquanto a anulação administrativa, tendo por objeto a eliminação da ordem jurídica de atos anuláveis, tem, em regra, efeitos retroativos (artigo 171.º, n.º 3).

A questão que a Requerente primeiramente coloca é a de saber - atendendo ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT - se é possível proceder, na pendência do processo arbitral, à anulação administrativa dos atos tributários impugnados.

O citado artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, sob a epígrafe “Efeitos do pedido de constituição do tribunal arbitral”, dispõe o seguinte:

"Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º

O prazo previsto a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º a que essa disposição se refere é o que respeita à comunicação às partes da constituição do tribunal arbitral, o que permite concluir que esse é um prazo procedimental, inserido no procedimento de constituição do tribunal, e que decorre ainda antes de ter início o processo arbitral (cfr. artigo 15.º).

Tal não significa, no entanto, que à Administração esteja vedado a anulação administrativa do ato impugnado já na pendência do processo arbitral. 

A Autoridade Tributária, enquanto entidade administrativa, encontra-se subordinada às disposições do Código de Procedimento Administrativo (artigo 2.º, n.º 1), e, por outro lado, como resulta do disposto no artigo 29.º do RJAT, são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza do caso omisso, entre outras, as normas sobre o processo nos tribunais administrativos.

O artigo 168.º do CPA, que define os condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa, no seu n.º 3, estabelece que “quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão”. Deve entender-se como encerramento da discussão, em correspondência com o estabelecido no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC, o momento em que as partes produzam alegações orais ou o termo do prazo para alegações escritas ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais e o estado do processo permita sem necessidade de mais indagações a apreciação do pedido.

Haverá de concluir-se, por conseguinte, que o CPA alargou os poderes de disposição da Administração na pendência do processo, permitindo, na linha do que já vinha sugerido pela doutrina, que a anulação administrativa, quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional possa ter lugar até ao encerramento da discussão, e não apenas até à resposta, como estava previsto no artigo 141.º, n.º 1, do CPA de 1991.

Seja como for, nada obsta a que a Administração, ao abrigo do citado artigo 168.º, n.º 3, possa anular o ato tributário impugnado na pendência do processo, desde que dentro do limite temporal definido nessa disposição, e essa faculdade nada tem a ver com o regime específico a que se refere o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, que confere a possibilidade de a Administração anular o ato impugnado ainda no âmbito do procedimento de constituição do tribunal arbitral. O que o regime especial desse artigo proíbe, para além do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, é a prática de um novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo, a não ser com fundamento em factos novos (n.º 3). Mas não a própria anulação administrativa do ato sem nova regulação da situação jurídica.

 

Dito isto, não pode deixar de reconhecer-se que a anulação administrativa é tempestiva, visto que a Autoridade Tributária praticou o ato anulatório ainda dentro prazo para a apresentação da resposta, havendo de atribuir-se à anulação, nesse condicionalismo, os correspondentes efeitos de direito.

 

No que concerne às consequências processuais da anulação administrativa interessa considerar a norma do artigo 64.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( CPTA), subsidiariamente aplicável, que, entre outros dispositivos, se refere às situações em que, na pendência do processo impugnatório, o ato impugnado é objeto de anulação administrativa acompanhada ou seguida de nova definição da situação jurídica, caso em que se admite que o processo impugnatório prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades. Prevê-se aí a hipótese típica de ampliação do objeto do processo quando, na pendência de um processo impugnatório, a Administração anule o ato impugnado praticando um novo ato em sua substituição contra o qual o impugnante poderá ter ainda interesse em reagir.  

 É patente que não é essa, no entanto, a situação do caso, visto que a Administração anulou o ato sem instituir uma qualquer nova regulação da situação jurídica. 

Ora, a anulação administrativa determina a destruição dos efeitos do ato administrativo anulado (artigo 165.º, n.º 2, do CPA), com a sua consequente eliminação da ordem jurídica, pelo que se verifica uma situação de impossibilidade superveniente da lide por falta de objeto processual, que constitui causa de extinção da instância (artigo 277.º, alínea e), do CPC).

 

Decisão

 

Termos em que se decide julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide. 

 

Valor da causa

 

O Requerente indicou como valor da causa o montante de € 507.874,48, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00, que fica a cargo da Requerida (artigo 536.º, n.º 3, segunda parte, do CPC).

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 22 de maio de 2025

   

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

Nuno Pombo

 

 

A Árbitro vogal

 

                                                   

                                                                     Clotilde Celorico Palma