Sumário
I. A atividade de transformação e comercialização de vinho, não está excluída do âmbito de aplicação do benefício RFAI pelas “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional” (OAR).
II. A Portaria n.º 282/2014, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Dr. Luís Manuel Pereira da Silva (vogal-relator) e Dra. Maria Antónia Torres (vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
A A..., SA, adiante “Requerente”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número de identificação..., sedeada na ..., ..., ...-... ..., ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º conjugado com o artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, veio apresentar pedido de pronúncia arbitral contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2019, com o número 2024... .
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 07/10/2024 e automaticamente notificado à Requerida. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros signatários, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Regime, os quais comunicaram a respetiva aceitação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º já referido, no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do mesmo diploma, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 17 de dezembro de 2024, sendo que no dia 18 imediato foi proferido Despacho, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, determinando a notificação da Senhora Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.
O processo administrativo e a Resposta da AT foram recebidos a 3 de fevereiro de 2025. No dia 11 subsequente foi proferido Despacho com o seguinte teor: “Compulsados os autos, constata-se que não há prova testemunhal a produzir, nem foi suscitada ou identificada matéria de exceção.”
Assim, não se verificando oposição das Partes, foi determinada a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).
A Requerente apresentou alegações em 27 de fevereiro de 2025 e a Requerida em 3 de março de 2025.
A Requerente, em síntese, suporta o pedido no facto de que, quando apresentou a declaração Modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2019 e respetiva autoliquidação, ter tido em conta o benefício fiscal respeitante ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), realizado em 2016, de cuja elegibilidade não duvida. Assim, considerou no Campo 355 do Quadro 10 da respetiva declaração fiscal Modelo 22, o montante de RFAI de € 53.359,74, o qual foi deduzido à coleta.
A Requerente pede a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional do IRC número 2024..., por ter desconsiderado a dedução à coleta com origem no benefício fiscal do RFAI, no valor de € 53.359,74, e juros compensatórios inerentes, na importância de € 8.192,54, perfazendo o total de € 61.552,27, com as devidas consequências legais, incluindo o reembolso da quantia indevidamente paga e o pagamento de juros indemnizatórios.
Isto porque, no entender da Requerente, a atividade de produção de vinhos é abrangida pelo RFAI, ao contrário do que preconiza a AT.
Por sua vez, também em síntese, a AT apresenta defesa por impugnação, considerando que o investimento da Requerente, que tem por objeto uma atividade económica enquadrada no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado do Funcionamento da União Europeia (TFUE), encontra-se expressamente excluído do âmbito de aplicação da OAR. Logo, não é considerado elegível para efeitos de RFAI, conforme decorre diretamente da letra da lei (n.º 1 art.º 22.º do CFI), pois esta retira do âmbito de aplicação do RFAI, perentoriamente, as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e não outras orientações nomeadamente as OAR do Setor Agrícola.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), tendo o pedido sido tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
III. Fundamentação
1. As questões a dirimir são as seguintes:
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Decidir sobre a violação do princípio da igualdade, em virtude do alegado tratamento diferenciado conferido pela AT a outros contribuintes, no mesmo exercício (2019), com aceitação da aplicação do benefício do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), previsto nos artigos 22.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento (“CFI”), à atividade de produção de vinhos;
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Decidir se os investimentos realizados pela Requerente, no contexto da sua atividade de produção de vinho, são ou não elegíveis para efeitos do RFAI. Neste âmbito, cumpre apreciar se esta atividade se encontra, ou não, excluída do RFAI pela Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, e pela aplicação das OAR e do RGIC e decidir sobre a necessidade de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, suscitado pela Requerida.
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Consoante a conclusão a que se chegar, revogar ou manter o ato de liquidação adicional de IRC de 2019 na medida em que este não teve em conta o benefício fiscal do RFAI no valor de € 53.359,74 e respetivos juros compensatórios de € 8.192,54, tudo no montante total de € 61.552,27.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
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A Requerente exerce a atividade principal de produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto aos autos como Documento 1 e constante do PA.
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A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva ao exercício de 2019 que constatou que a Requerente realizou um investimento, no exercício de 2016, «na ampliação e modernização dos equipamentos da Adega sita na Herdade ...» (cfr. relatório de inspeção tributária) – cf. RIT.
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A Requerente enquadrou este investimento no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), regulado no Código Fiscal do Investimento (CFI) e, ao abrigo desde regime, deduziu à coleta de IRC de 2019 o valor do investimento efetuado, respeitando os limites de dedução anuais estabelecidos no CFI – cf. RIT.
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No ano de 2019, o montante deduzido à coleta de IRC ascendeu a € 53.359,74 – cf. RIT.
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A Autoridade Tributária (AT) entende «que a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos está excluída do âmbito de aplicação do RFAI, e, consequentemente, os projetos de investimento que a ela se destinam, e que estão em causa, não são elegíveis para efeitos do RFAI» e unicamente com este fundamento propôs a correção da dedução à coleta de IRC no valor de € 53.359,74, relativa ao benefício fiscal RFAI – cf. RIT.
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Neste sentido, extrai-se o seguinte excerto relevante do parecer do Chefe de Equipa, de 4 de junho de 2024 – cf. RIT:
“No apuramento do imposto a pagar destaca-se o valor registado dos benefícios fiscais declarados, cujo desenvolvimento é apresentado no anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22. A maior parcela dos benefícios fiscais usufruídos no período, ascendeu ao montante de 53.359,74 euros, respeita a benefícios fiscais previstos no Código Fiscal ao Investimento aprovado pelo Decreto-lei n.º 162/2014, nomeadamente, do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI). De acordo com a documentação de suporte ao beneficio fiscal declarado, verificou-se que o mesmo diz respeito ao investimento realizado em 2016 na ampliação e modernização dos equipamentos da Adega sita na Herdade ... .
n.º 2 do artigo 1.º do CFI, na redação em vigor em 2019, dispõe que o RFAI é um “regime de auxilio com finalidade regional” nos termos do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), que foi aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L 187, de 26 de junho de 2014. Sabe-se que a produção de vinhos comuns e licorosos a que corresponde o CAE 11021, é a atividade principal do sujeito passivo, enquadrando-se a mesma no capítulo 22 (22.04) do Anexo I - Lista prevista no artigo 38.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que integra o conceito de transformação de produtos agrícolas, sendo que o produto final continua a ser um produto agrícola, enumerado no anexo I do Tratado. A transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no art.º 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro. aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC Em síntese, em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, do art.º 1.º e corpo do 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, e das definições presentes nos pontos 10) e 11) do art.º 2.º do RGIC e do ponto 10) das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Em resultado dessa análise, concluiu-se que a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos, e consequentemente dos projetos de investimento que a ela se se destinem, não é elegível para efeitos de RFAI. Face ao exposto, propõe-se a correção do valor de imposto (IRC) deduzido no que ao citado beneficio fiscal respeita, eliminando a dedução à coleta de IRC no valor de 53.359,74 euros, relativa ao beneficio fiscal –RFAI constante do campo 355 do Quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC. […]”
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Na sequência do procedimento inspetivo ao exercício de 2019, a AT corrigiu a dedução à coleta de IRC de RFAI no valor de € 53.359,74, reportada do campo 355 do Quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC da Requerente, e emitiu a correspondente liquidação adicional número 2024..., datada de 13 de junho de 2024, no referido valor de € 53.359,74, adicionada de juros compensatórios na importância de € 8.192,54, no montante total de € 61.552,27, do que foi notificada a Requerente – cf. Liquidação de IRC junta aos autos.
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A liquidação adicional de € 61.552,27 foi paga pela Requerente através da conta do Novo Banco e 13 de setembro de 2024 – cf. Documento 2 junto aos autos pela Requerente.
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Em 4 de outubro de 2024, a Requerente deu entrada do seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão.
2.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Importa notar que a matéria de facto provada acima referenciada não é controvertida e reúne o consenso de ambas as Partes.
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.
3. MATÉRIA DE DIREITO
3.1. – Argumentação da Requerente
Na perspetiva da Requerente, o investimento em questão (realizado em 2016) gerou para o exercício de 2019 uma dedução à coleta do IRC, por entender que tal investimento reúne os requisitos de elegibilidade e enquadramento do RFAI.
Vejamos o Direito aplicável: O n.º 1 do artigo 22.º, do CFI, prescreve o seguinte: «O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020) e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categorias).»
O artigo 2.º, n.º 2, do CFI, enumera todas as atividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais se inclui a “indústria transformadora” (cfr. alínea a) do n.º 2, do artigo 2.º, do CPI), mantendo também a exceção relativa ao âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC (já prevista no mencionado artigo 22.º, n.º 1).
Na classificação Portuguesa das Atividades Económicas, Revisão 3, elaborada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos está inserida dentro da «DIVISÃO C – Indústrias Transformadoras, no GRUPO 110 – Indústria das bebidas, na CLASSE 1102 – Indústria do vinho e na SUBCLASSE 11021 – Produção de vinhos comuns e licorosos» (cfr. https://www.ine.pt/ine_novidades/semin/cae/CAE_REV_3.pdf).
Através da interpretação conjugada destas duas normas (artigo 22.º n.º 1 e artigo 2.º n.º 2, alínea a), ambas do CFI), com a Classificação Portuguesa das Atividades Económicas, na parte acima transcrita, facilmente concluímos que a indústria das bebidas, mais concretamente a atividade de produção de vinhos está abrangida no âmbito do RFAI (por integrar a divisão das indústrias transformadoras), a menos que essa atividade esteja incluída entre as exceções relativas ao âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
O artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC prescreve o seguinte: “O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios: (...) c) Auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas nos seguintes casos: (i) sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa; (ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.”
Através da interpretação desta norma também facilmente concluímos que a atividade de produção de vinhos (que é uma «atividade de transformação de produtos agrícolas») não é excluída do benefício fiscal RFAI pelo artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, porque: (i) o montante do benefício fiscal RFAI não é fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa, (ii) o benefício fiscal RFAI não é subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
Dito de outro modo, o RFAI consiste em deduzir à coleta de IRC o valor do investimento efetuado, cumprindo certos limites estabelecidos legalmente, sendo que esses limites não são fixados com base «no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários», nem têm qualquer conexão com o requisito de o benefício «ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».
Em suma, a atividade de produção de vinhos não está incluída entre as exceções relativas ao âmbito de aplicação do RGIC, pelo que é uma atividade que pode beneficiar do RFAI.
Relativamente às OAR, a AT entende que a exclusão da atividade da Requerente do âmbito do RFAI decorre do ponto 10 das OAR, o qual prescreve o seguinte: «A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura (10), da agricultura (11) e dos transportes (12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas.
As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.»
A nota de rodapé (11), relativa à agricultura, estabelece que «os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».
E cingindo-se unicamente à análise das regras acima transcritas, a AT concluiu que a atividade da Requerente está excluída do âmbito do RFAI.
A Requerente entende que a conclusão da AT está errada (enferma de um erro grosseiro), porque o ponto 33 das «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, esclarece que: «em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020. Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações».
Através da interpretação deste ponto 33, conjugada com o anterior ponto 10, é fácil concluir que as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.
A reforçar esta conclusão veja-se ainda o ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» onde se refere que: «Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio: a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado; (b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; (c) As condições estabelecidas na presente secção.»
Conclui, assim, que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente de vinhos comuns e licorosos, não é uma das «atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI. Antes pelo contrário, são permitidos os auxílios estatais à atividade desenvolvida pela Requerente, desde que satisfaçam as condições previstas: a) no RGIC [conforme previsto na alínea (a) do ponto (168) acima transcrito], ou b) nas OAR [conforme previsto na alínea (b) do ponto (168) acima transcrito], ou c) na secção em que se insere o ponto (168), [conforme previsto na alínea (c) do ponto (168) acima transcrito].
Em face de tudo o exposto, considera a Requerente que ficou demonstrado que a atividade de produção de vinhos não é uma das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR's, a que se refere a parte final do artigo 22.º do CFI, pelo que é uma atividade que pode beneficiar do RFAI.
A AT invoca ainda o teor da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, como um argumento basilar para afastar o âmbito de aplicação do RFAI à situação de facto em apreço.
Mais concretamente, para concluir pela inaplicabilidade do RFAI, a AT invoca os artigos 1.º e 2.º da referida portaria, que em seguida se transcrevem: «Artigo 1.º (Enquadramento comunitário) Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas. Artigo 2.º (Âmbito setorial) Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro: a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09; b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33 […]»
No entanto, a interpretação destas normas da referida portaria necessita de ser conjugada com o n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que estabelece o seguinte: «Artigo 2º (Âmbito e objetivo) Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior».
É manifesto e inequívoco que o artigo 2.º, n.º 3, do CFI, apenas remeteu para a regulamentação, através desta Portaria, o poder de ela (a Portaria) definir os CAE correspondentes às atividades abrangidas pelo RFAI, as quais estão taxativamente fixadas (definidas) nesse mesmo artigo 2º do CFI (cfr. artigo 2.º, n.º 2 do CFI).
E nada mais do que isso pode ser regulado (legislado) através desta Portaria, isto porque a Lei habilitante (o n.º 3 do artigo 2.º do CFI) limitou concretamente o âmbito da regulamentação a definir pela Portaria («… são definidos os códigos de atividade económica»).
Em face do exposto, o n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado no sentido de permitir que sejam definidos por portaria os «códigos de atividade económica», que se reportam às atividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e deve ser interpretado no sentido de não permitir que pudessem ser alteradas pela referida Portaria, para menos, as atividades abrangidas pelo RFAI, mencionadas no referido artigo 2º, n.º 2, do CFI.
Esta é a única interpretação jurídica correta, na perspetiva da Requerente, porque a definição do âmbito dos benefícios fiscais (neste caso o benefício fiscal RFAI) é uma matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP).
Tal significa que a constituição obriga a que as normas que consagram benefícios fiscais sejam definidas por Lei (aprovada na Assembleia de República) ou por decreto-lei (aprovado pelo Governo em conselho de ministros) no uso de autorização legislativa concedida ao Governo pela Assembleia da República.
Assim sendo, a constituição proíbe que uma qualquer portaria possa criar, ampliar ou restringir o âmbito de um benefício fiscal, sob pena de, se tal acontecer, a norma da portaria padecer de inconstitucionalidade – violar a constituição – por contrariar o princípio constitucional da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (consagrado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP).
Concretizando, é manifesto que a constituição proíbe que a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, afaste a possibilidade da Requerente poder gozar do benefício fiscal aqui em análise, expressamente consagrado no artigo 2.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento, o qual foi aprovado pelo DecretoLei n.º 162/2014, de 31 de outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de julho.
Neste mesmo sentido a Requerente suscita o teor, entre várias outras, da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 220/2020-T que, pela sua clareza, aqui se transcreve, na parte conclusiva: «… o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das atividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito. Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».
Este tema – entenda-se: o tema da aplicabilidade do RFAI à indústria transformadora - tem sido alvo de diversas decisões arbitrais, em situações análogas, nomeadamente nas indústrias alimentares (qualificadas na classificação das atividades económicas na «DIVISÃO C – Indústrias Transformadoras, GRUPO 110 – Indústrias Alimentares).
Veja-se, entre outras, a decisão proferida no âmbito do processo n.º 495/2023-T, de 19 de Fevereiro de 2024, onde o coletivo de árbitros concluiu, por unanimidade, o seguinte: (Neste mesmo sentido veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 168/2021-T.) «O âmbito de aplicação do RFAI, tal como configurado pelo art.º 22º do Código Fiscal do Investimento, não exclui a aplicabilidade de tal benefício às indústrias cuja atividade consista na transformação de “produtos agrícolas” em “produtos agrícolas”».
Acrescente-se, ainda a este respeito, que o tema da aplicabilidade do RFAI à indústria transformadora, mais concretamente à indústria transformadora de produção vinhos comuns e licorosos também tem sido alvo de diversas decisões arbitrais, todas elas uniformes no sentido acima exposto, ou seja, no sentido favorável à Requerente.
Vejam-se, entre outras, a título meramente exemplificativo as decisões proferidas no âmbito dos Processos 220/2020-T, 773/2022-T, 675/2022-T, 706/2022-T, 268/2023-T e, muito recentemente, a decisão proferida, em 25 de junho de 2024, no âmbito do Proc. 586/2023-T. Em todas estas situações de facto, decididas no âmbito dos processos acima identificados, existe uma total semelhança, uma analogia plena, com a situação de facto ora em análise e, em todas estas situações foi decidido que o benefício fiscal do REFAI é aplicável à atividade de produção de vinhos comuns e licorosos.
Neste último processo, mais recente, acima referido, o tribunal arbitral coletivo decidiu, por unanimidade, dos juízes-árbitros o seguinte: «A atividade de produção de vinhos comuns e licorosos – CAE 11021, enquadra-se no âmbito de aplicação do RFAI, não estando excluída do âmbito setorial de aplicação das OAR a que se refere a parte final do artigo 22º-1, do CFI» (cfr. Proc. 586/2023-T).
Em face do acima exposto, é manifesto que o ato tributário de liquidação adicional, enferma do vício de errónea qualificação dos factos tributários e, por esse motivo, deve ser anulado integralmente, com fundamento no artigo 99.º, alínea a), do CPPT.
A Requerente acrescenta, por último, que não só a Jurisprudência entende, uniformemente, que o RFAI é aplicável à indústria transformadora, designadamente à produção de vinhos comuns e licorosos, como também a própria AT já assim o entendeu anteriormente.
Vejamos os factos descritos, no âmbito do Proc. 586/2023-T, os quais se transcrevem em seguida, na parte aqui relevante: «… veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, formulando pedido de pronúncia arbitral relativamente aos atos de (i) indeferimento de reclamações graciosas e (ii) liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) dos exercícios de 2020 e 2021. Como expressamente reconhecido pela AT (cfr. Docs. n.ºs 4 e 7), à data dos factos, a Requerente tinha as seguintes atividades: - CAE 11021: produção de vinhos comuns e licorosos; …». Contrariamente ao que sucedeu por referência aos exercícios de 2018 e 2019 em que a Requerente suscitara precisamente a mesma questão relativamente à aplicabilidade do benefício fiscal previsto no RFAI - em que a AT deu integral provimento às reclamações apresentadas…» (cfr. decisão arbitral proferida no âmbito do Proc. 586/2023-T).
Ou seja, no âmbito do Proc. 586/2023-T, a AT concluiu pela inaplicabilidade do RFAI, no que respeita aos exercícios de 2020 e 2021, a um sujeito passivo que desenvolve precisamente a mesma atividade que a Requerente («atividade de produção de vinhos comuns e licorosos»), e relativamente aos exercícios de 2018 e 2019, a AT havia concluído em sentido inverso, precisamente sobre a mesma situação de facto, conforme resulta da factualidade descrita naquela decisão arbitral, acima transcrita.
Isto significa que relativamente aos exercícios de 2018 e 2019 a AT concluiu pela aplicabilidade do RFAI à atividade de produção de vinhos comuns e licorosos.
Esta alteração radical do entendimento da AT poderia eventualmente justificar-se em virtude de ter ocorrido alguma alteração legislativa, que eventualmente justificasse um enquadramento fiscal distinto entre os factos tributários totalmente idênticos, uns deles verificados nos anos de 2018 e 2019 e outros verificados nos anos de 2020 e 2021.
Contudo, como não ocorreu qualquer alteração legislativa naquele período temporal (entre 2018 e 2021) nas normas aplicáveis à situação em apreço, não existe qualquer fundamento jurídico suscetível de suportar a alteração do entendimento da AT.
Pior ainda, o ato tributário ora impugnado, no presente pedido de pronúncia arbitral, diz respeito a factos verificados no ano de 2019, os quais são em tudo idênticos aos verificados nesse mesmo ano 2019, relativamente aos quais a AT entendeu ser aplicável o benefício fiscal do REFAI, conforme se infere do teor dos factos descritos no âmbito do Proc. 586/2023-T.
Assim sendo, o ato tributário de liquidação que ora se impugna viola ostensivamente o princípio da igualdade, que é um direito fundamental consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que originou um tratamento fiscal diferenciado de realidades iguais.
A respeito do princípio da igualdade, sabemos que do ponto de vista constitucional a existência de um tratamento diferenciado não é, em si mesma, inadmissível, desde que exista um objetivo constitucionalmente consagrado que legitime a desigualdade de tratamento.
Ora no caso concreto em apreço, não se vislumbra qualquer objetivo, constitucionalmente consagrado, para justificar o tratamento diferenciado destas duas situações de facto, acima descritas, em tudo idênticas, ambas ocorridas no exercício económico de 2019.
Em suma, pelos factos acima descritos, documentalmente comprovados, o ato tributário de liquidação de IRC, que ora se impugna, viola de forma manifesta o princípio da igualdade.
Nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável por força do artigo 2º alínea d) do CPPT, são nulos «os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental».
Entende a Requerente que a proibição genérica ao tratamento diferenciado de situações idênticas (ou seja, a proibição do arbítrio) constitui o último e talvez o mais importante reduto do contribuinte perante a atuação abusiva do Estado, de tal modo que não pode ser alterado ou subvertido por vontade própria do Estado, ainda para mais ao abrigo de uma interpretação contra legem (a suposta inaplicabilidade do RFAI à atividade de produção de vinhos comuns e licorosos – CAE 11021).
A proibição do tratamento discriminatório e do arbítrio constituem, mais do que uma emanação do princípio da igualdade, a sua própria razão de ser.
Assim, não restam dúvidas à Requerente que o «conteúdo essencial» do princípio da igualdade foi atingido, pelo que o ato tributário de liquidação que impugna é nulo.
3.2. – Argumentação da Requerida
O sujeito passivo obteve a aprovação em 2015-12-23 de uma candidatura ao subsídio de um projeto de investimento ao abrigo do PDR 2020 medida de apoio 3.3.1 – FEADR-000761- Valorização da produção agrícola, com a intervenção em Investimento na transformação e comercialização de produtos agrícolas e o objetivo de ampliação da capacidade de produção da adega na Herdade ... .
De acordo com a documentação de suporte ao benefício fiscal declarado ao abrigo do RFAI, no montante de € 53.359,74, que foi deduzido à coleta para efeitos de cálculo do imposto (IRC) do período de 2019, verificou-se que este benefício diz respeito ao investimento realizado em 2016 na ampliação e modernização dos equipamentos da referida adega.
Para efeitos fiscais o sujeito passivo enquadrou o investimento no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), que está regulado nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, que tem aplicação aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014, e está regulamentado na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro e na Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
O n.º 2 do artigo 1.º do CFI, na redação em vigor em 2019, dispõe que o RFAI é um “regime de auxílio com finalidade regional” nos termos do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), que foi aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L 187, de 26 de junho de 2014.
O n.º 2 do artigo 2.º do CFI obriga a que “os projetos de investimento (…) devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC: a) Indústria extrativa e indústria transformadora; b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo; c) Atividades e serviços informáticos e conexos; d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais; e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica; f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia; g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações; h) Atividades de centros de serviços partilhados.”
O n.º 3 do artigo 2.º do CFI, refere “por portaria dos membros do governo das áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades indicadas no número anterior.”
O n.º 1 do artigo 22.º do CFI, refere que “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria];”
O n.º 1 do artigo 22.º do CFI, na parte final prevê então que atividades consideradas no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, podem ser excluídas por aplicação das OAR e do RGIC emanados pela União Europeia; A Portaria 282/2014 de 30 de dezembro que regulamenta a aplicação do RFAI, concretiza o referido no parágrafo anterior, nomeadamente no disposto no artigo 1.º (Enquadramento comunitário) – “Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014- 2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.”
O artigo 2.º da Portaria 282/2014 de 30 de dezembro, refere: “Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro: (…) b) Indústrias transformadoras – divisões 10 a 33; (…)”
Nas OAR – Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas a 23-07-2013 no Jornal Oficial da União Europeia C 209/1, na seção de âmbito de aplicação e definições é referido: Resulta da leitura destes dois parágrafos que entre as atividades que estão excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR está a agricultura, nomeadamente a produção primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
O Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), no artigo 2.º (definições) apresenta as seguintes definições aplicáveis: A atividade principal Produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021) do sujeito passivo e os produtos por este produzidos enquadram-se no capítulo 22 (22.04) do Anexo I – Lista prevista no artigo 38.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que concluímos que integram o conceito de transformação de produtos agrícolas, em que o produto final continua a ser um produto agrícola, enumerado no anexo I do Tratado.
Conforme já referido, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no art.º 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.
Em síntese, em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, do art.º 1.º e corpo do 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, e das definições presentes nos pontos 10) e 11) do art.º 2.º do RGIC e do ponto 10) das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Em resultado dessa análise, concluiu-se que a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos está excluída do âmbito de aplicação do RFAI, consequentemente, os projetos de investimento que a ela se destinam, e que estão em causa, não são elegíveis para efeitos de RFAI pelo que foi efetuada a correção do valor de imposto (IRC), do período de 2019, eliminando a dedução à coleta de IRC no valor de € 53.359,74, relativa ao beneficio fiscal – RFAI constante do campo 355 do Quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC.
A AT defende ainda que é manifesta a improcedência da alegada inconstitucionalidade da Portaria n.º 282/2014. As designações das atividades constantes do citado n.º 2 do art.º 2.º do CFI, para além de terem um carácter exemplificativo, não possuem um grau suficientemente preciso para que se possam considerar como bastantes para, per se, fundamentar a aplicação do benefício em casos concretos, tanto mais que incluem atividades taxativamente excluídas das OAR e do RGCI (e.g. alínea d), energia, defesa).
Por isso, o legislador optou por remeter, através do n.º 3 do mesmo artigo, para portaria específica a concretização dos códigos de atividade económica (CAE) aos quais o benefício será aplicável, o que veio a ser concretizado através da Portaria n.º 282/2014, de 30.12. Deste modo, a Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência dos incentivos fiscais do RFAI, porque as normas habilitantes – os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do CFI – são normas de aplicação condicionada, criadas por decreto-lei que executa uma autorização legislativa que não especifica os sectores de atividade elegíveis, nem dimana diretrizes claras sobre a delimitação dos sectores de atividades a beneficiar tendo em vista os objetivos definidos, subordinando-os apenas à legislação europeia relevante, em matéria de auxílios de Estado (cfr. decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 545/2018-T, n.º 218/2019-T e n.º 223/2022-T).
A Requerente alega, ainda, a violação do princípio da igualdade, sustentando que a AT já entendeu anteriormente que o RFAI é aplicável à indústria transformadora, chamando à colação a decisão arbitral proferida no Proc. n.º 586/2023-T.
Ora, note-se que a Requerente sustenta o seu entendimento no excerto da decisão arbitral em que o Tribunal sintetiza a argumentação das partes, designadamente da Requerente arbitral, nada constando da factualidade dada como provada nenhum facto que se reporte aos exercícios de 2018 e 2019, que, aliás, não constituíam objeto da invocada ação arbitral.
É consabido que toda a atuação da Administração Tributária, na prossecução do interesse público, está subordinada à lei, em obediência ao princípio da legalidade. Assim, no caso em apreço, a Autoridade Tributária não pode, em nome do princípio da igualdade, praticar um qualquer ato que possa ser considerado ilegal (cfr. n.º 2 do artigo 266.º da CRP e no artigo 3.º do CPA), independentemente de ter praticado anteriormente um ato ferido de ilegalidade, pelo que a argumentação da Requerente também nesta parte deverá improceder.
Conforme peticionado na Resposta da AT ao pedido da Requerente, caso o Tribunal Arbitral entenda que o Acórdão do TJUE relativo a um caso parecido com o atual não tem aqui aplicação, o que se admite por mera hipótese e sem conceder, mormente porque aquele Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre uma atividade de transformação de produtos de pesca e aquicultura, considerando-a distinta da atividade de transformação de produtos agrícolas para efeitos do RGIC e das OAR (parágrafos 32-33), deverá então o Tribunal Arbitral suspender a instância para que o TJUE estabeleça, definitivamente, uma interpretação vinculante sobre a matéria.
Com efeito, em consonância com os princípios da primazia de aplicação do direito da União Europeia e da interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia, bem como perante a possibilidade de Estado vir a ser responsabilizado por incorrer em infração ao direito da União Europeia, deverá o Tribunal Arbitral determinar o reenvio do processo a título prejudicial para o TJUE, ao abrigo do artigo 267º do TFUE.
3.3. – Apreciação
Da alegada nulidade do ato tributário por violação do princípio da igualdade
A Requerente argui que numa situação concreta de outro contribuinte com atividade idêntica à sua – produção de vinhos comuns e licorosos –, e em relação ao mesmo ano 2019, a Requerida aceitou o enquadramento no RFAI e, assim, a correspondente dedução à coleta, de investimentos efetuados, como manifestado no processo arbitral n.º 586/2023-T. Nestes termos, considera ter sido violado do princípio da igualdade, pois, em circunstâncias semelhantes, foram aplicados critérios distintos pela AT, que lhe negou essa dedução. Daí a Requerente retira o desvalor invalidante máximo, de nulidade, por considerar que ficou afetado o conteúdo essencial de um direito fundamental (v. artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA).
No entanto, não acompanha este Tribunal tal raciocínio, por diversas razões, infra enumeradas:
- Não resultou provado no processo arbitral n.º 586/2023-T que o entendimento da AT relativo ao período de tributação de 2019 tenha sido o que a Requerente refere. A Requerente sustenta a sua posição no excerto em que o Tribunal Arbitral sintetiza a argumentação das partes, nada tendo aí sido dado como provado que se reporte ao exercício de 2019, ano que nem sequer era objeto da citada ação arbitral;
- Pelo contrário, constata-se da jurisprudência arbitral citada prolixamente pela Requerente em matéria de RFAI que a AT tem sistematicamente efetuado correções semelhantes àquela em apreciação nestes autos. Ou seja, a própria Requerente indica a seu favor diversas decisões arbitrais que evidenciam que a postura da AT é igual à que lhe foi aplicada (v. artigo 40.º das alegações);
- Mesmo que se entendesse ter ocorrido tratamento discriminatório (que, note-se, não se constatou in casu) esse fundamento não é passível de constituir vício invalidante autónomo do ato tributário, pois não há igualdade na ilegalidade. A relevância conformadora do princípio da igualdade não pode comprometer a aplicação do princípio da legalidade que vincula a atuação administrativa e rege as matérias de incidência fiscal. Acresce que a administração não está obrigada a manter indefinidamente uma mesma interpretação das normas tributárias[1] (v. artigos 55.º da LGT, 3.º do CPA, 266.º, n.º 2 e 103.º, n.º 2 da CRP e Acórdãos do STA de 30 de abril de 1997, processo n.º 035121, de 22 de abril de 2004, processo n.º 1200/03, e de 2 de março de 2005, processo n.º 0140/04);
- Por fim, também não seria de acolher a consequência de nulidade, tendo em conta que a situação descrita pela Requerente não se enquadra como violadora do conteúdo essencial de um direito fundamental que o legislador reservou para situações particularmente graves.
Da invocação de fundamentos novos pela Requerida na sua resposta
Ao tribunal cabe apreciar a legalidade do ato de liquidação, i.e., a sua compatibilidade com o direito, nos moldes em que o mesmo foi prolatado. Como é dito no acórdão relativo ao processo arbitral n.º 404/2020-T: “o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.” Continuando a citar essa decisão:
“Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um ato liquidação deixar de a declarar pela hipotética existência de um outro ato legal que poderia ter sido praticado mas não o foi.
[…]
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um ato de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o ato ilegal que ela praticou por um ato diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adotaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.”
Posição alinhada com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que considera, no âmbito do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, modelo e paradigma do processo arbitral, que “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori. […] Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou” – v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de outubro de 2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT, e, no mesmo sentido, o acórdão de 17 de fevereiro de 2021, processo n.º 02111/14.6BEPRT 0981/16.
Retomando o caso sob escrutínio, no presente processo o afastamento da dedução à coleta declarada pela Requerente, com referência ao período de tributação de 2019, ficou unicamente a dever-se, de acordo com a fundamentação externada no RIT, à exclusão da atividade de produção de vinhos do âmbito do benefício fiscal do RFAI. Questão de direito, portanto.
Nada mais invocou a AT no seu relatório como razão, de facto ou de direito, para essa correção.
Assim, quando na resposta a esta ação vem esgrimir argumentos adicionais e ulteriores à liquidação, como o de a Requerente não ter logrado comprovar o cumprimento dos pressupostos do RFAI, v.g. os limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais com finalidade regional, os mesmos não podem ser atendidos, nem apreciados pelo Tribunal, pois não estiveram na origem, nem foram a causa do ato de liquidação que cumpre apreciar.
Da inclusão da atividade de produção de vinhos comuns e licorosos no âmbito do RFAI por aplicação das OAR e do RGIC
Tendo em vista a posição das partes e a factualidade assente, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar se a atividade de produção de vinhos comuns e licorosos da Requerente, enquanto atividade de transformação de produtos agrícolas, se inclui no âmbito do RFAI, conforme pretensão da Requerente, ou se a mesma se encontra excluída do âmbito do RFAI pela aplicação das OAR e do RGIC, na perspetiva da Requerida.
O RFAI foi criado em 2009 através da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, com o intuito de abarcar um conjunto de medidas de incentivos fiscais que visavam promover o investimento produtivo, o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do país ajudando o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas. Em 2014, ocorreu a sua reformulação, entrando em vigor o Código Fiscal ao Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 31 de outubro, que manteve o desiderato de apoio ao investimento num contexto fiscal mais favorável à criação de emprego e reforço dos capitais próprios das empresas que acedam a esses auxílios.
De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI: “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.” Por sua vez o artigo 2.º do CFI elenca as atividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais, na sua alínea a) consta a “indústria transformadora” respeitando âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
O RFAI, no âmbito do Direito Europeu, constitui um auxílio de finalidade regional aprovado nos termos do RGIC que poderá ser sujeito as restrições das OAR, instrumentos que disciplinam a concessão de auxílios, impondo limitações aos Estados-Membros, consignando a alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º do RGIC que o presente regulamento não é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa e sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
Relativamente às OAR, tem interesse para o caso aqui em apreço o ponto 10, que se transcreve:
“10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações.”
E na nota de rodapé 11 a este ponto 10 da OAR refere:
“(11) Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.
E no ponto (33) das OAR do sector agrícola reconhece-se que a regulamentação das OAR é aplicável à transformação e comercialização de produtos agrícolas: “Em virtude das especificidades do sector, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020. Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações”.
Na secção 1.1.1.4., ponto (168), das OAR do setor agrícola estabelece-se que:
“Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:
(a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;
(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;
(c) As condições estabelecidas na presente secção.”
Deste modo, também o ponto 168 das mesmas OAR do sector agrícola permite que os Estados-Membros concedam auxílios a investimentos relacionados com a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos normativos do conjunto do das OAR, do RGIC ou do das próprias OAR do sector agrícola, assim pressupondo a sujeição de tais atividades ao regime das OAR.
Assim sendo, resulta, tanto do texto das OAR como do das OAR do sector agrícola, que a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, está sujeita à regulamentação do RGIC, e também não é excluída do benefício fiscal RFAI pelas OAR.
Todavia, o art.º 1.º da portaria n.º 282/2014 determina, de forma explícita, que “não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas […] da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia […]”.
Esta disposição contraria as normas acabadas de referir, tanto das OAR como das OAR do sector agrícola, sendo certo que tais projetos de investimento também são regulamentados pelo RGIC, havendo assim um conflito entre uma norma regulamentar portuguesa e normas legais, desde logo o CFI (artigo 2.º), que não contém semelhante restrição, e bem assim o Direito da União Europeia (RGIC e OAR) acabado de referir, uma norma legal portuguesa e normas legais do direito comunitário que cai sob a alçada do n.º 4 do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que reconhece a primazia do direito comunitário sobre o direito interno português.
Por outro lado, a citada Portaria n.º 282/2014, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa, in casu, o CFI. De facto, sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do CFI, foi a de “definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional”, enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da aflorada supremacia do Direito da União sobre a legislação nacional (v. n.º 4 do artigo 8.º da CRP).
Como se evidencia do teor do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos “códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior” e não a definição dessas atividades. Aliás, nem seria constitucionalmente admissível a definição do âmbito objetivo de benefícios fiscais por tal via, uma vez que se trata de matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.
Enquanto tal, e sendo que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, “nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar. Na verdade, “é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São por isso inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo consequentemente ilegais os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição RP anotada, 4ª edição, volume II, pág. 69).
Assim, e como se referiu na decisão arbitral proferida no processo n.º 220/2020-T do CAAD, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que sejam definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às atividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as atividades abrangidas.
Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo.
É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais” aí referida, poderiam constituir “um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anot., 4ª edição, volume II, pág. 78), mas tal habilitação não é admissível quando “seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de atuação de diretivas em matérias de reserva de lei)”, o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (vide a ante citada Decisão Arbitral).
Assim, não pode basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI. Dito de outro modo, a portaria padece de desconformidade constitucional, quer orgânica, quer formal.
Em síntese, à face do exposto:
- Esta Portaria, o CFI e demais legislação regulamentar, têm de ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação das normas e dos princípios comunitários, que não podem derrogar nem prevalecer sobre eles;
- Considerando que as OAR do setor agrícola já referidas, e que o ponto 10 da OAR, e respetiva nota de rodapé (11), e 33 têm concluído que a atividade de transformação e comercialização de vinhos comuns e licorosos não se encontra excluída do âmbito de aplicação sectorial das OAR 2014-2020, sendo, pelo contrário, abrangida por este instrumento e, consequentemente, que a mesma atividade não é excluída do benefício RFAI pelas OAR;
- Considerando ainda que a jurisprudência arbitral, largamente maioritária, tem vindo a confirmar que as OAR não excluem a atividade de transformação de produtos agrícolas do âmbito do RFAI e que sobre esta matéria viu a Requerente, através do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo no Processo nº 675/2022, que acompanhamos, cuja conclusão refere: “Conclui o Tribunal Arbitral pela inserção da atividade de produção vinícola desenvolvida pela Requerente nos sectores especificamente previstos para efeitos do RFAI, não estando a mesma excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC, e enquadrando-se a mesma no artigo 2.º, n.º 2, do CFI”;
- E ainda que a Jurisprudência do TJUE tem vindo a considerar que a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas não é excluída do benefício fiscal RFAI pelo artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, na medida em que o montante do benefício fiscal RFAI não é fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa, e que o benefício fiscal RFAI não é subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;
É entendimento deste Tribunal que, verificando-se os requisitos de elegibilidade ao RFAI e que a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas não é excluída do seu benefício fiscal pelas OAR, permite concluir pela inserção da atividade de produção vinícola desenvolvida pela Requerente nos sectores especificamente previstos para efeitos do RFAI, não estando a mesma excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC, e enquadrando-se por isso no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.
Deste modo, o Tribunal considera procedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação adicional do IRC 2019 por sofrer de ilegalidade ao não ter considerado o benefício fiscal RFAI, no valor de € 53.359,74, bem como dos respetivos juros compensatórios, com a consequente anulação.
Desnecessidade de reenvio prejudicial
A Requerida suscita o reenvio prejudicial, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, caso o Tribunal Arbitral entenda que o Acórdão do Tribunal de Justiça proferido em 15 de dezembro de 2022, no processo n.º C-23/22, não tem aplicação ao caso concreto, por se referir a uma atividade de transformação distinta, relativa a produtos de pesca e aquicultura.
Efetivamente, o processo n.º C-23/22 não versa a situação idêntica à da Requerente. Ainda assim, esta decisão do TJUE confirma que o RGIC é aplicável a todos os auxílios concedidos ao sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas apenas com exceção daqueles casos, dos quais não faz parte a atividade da Requerente, cuja exclusão esteja prevista na mencionada alínea c) do n.º 3 do seu artigo 1.º.
A Requerida requer o reenvio prejudicial caso o Tribunal arbitral entenda que o Acórdão do TJUE não tem aplicação. Porém, como se viu, a Requerida tresleu o texto da decisão do TJUE, pois, na realidade, o que a decisão do TJUE diz é que deve ser respeitada a disciplina da alínea c) do n.º 3 do art.º 1.º do RGIC. Pelo que não se vê razão para decidir o reenvio prejudicial que é requerido.
O reenvio prejudicial, previsto na alínea b) do n.º 3 do art.º 19.º do TFUE, é obrigatório, nos termos do art.º 267.º do mesmo tratado, “quando uma questão sobre a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União Europeia seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno”.
Todavia, o próprio TJUE decidiu no Acórdão de 6 de outubro de 1982, processo n.º 283/81 (caso Cilfit) que “não é necessário proceder a essa consulta quando existe um precedente na jurisprudência europeia, ou quando, não obstante as questões em apreço não serem estritamente idênticas a um precedente na jurisprudência europeia, a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro)”.
De facto, no número 6 das “Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais» (C/2024/6008) diz-se que «Quando for suscitada uma questão num processo que se encontre pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial no direito interno, esse órgão jurisdicional está, no entanto, obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial (v. artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE), a menos que já exista uma jurisprudência bem assente na matéria ou que a forma correta de interpretar a norma de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável”.
Além disso, o TJUE decidiu, nos Acórdãos de 10 de julho de 2018, no processo C-25/17, e de 2 de outubro de 2018, no processo C-207/16, que “compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça”.
Assim, é entendimento deste Tribunal Arbitral que a interpretação que é necessário fazer das normas de Direito da União Europeia para apreciar a legalidade dos atos tributários que são objeto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente é clara, pelas razões acima explicitadas, não havendo, por isso, necessidade de efetuar o reenvio prejudicial requerido pela AT.
4 – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente pede a final o pagamento de juros indemnizatórios.
Ora, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. O que está de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Sendo o ato tributário objeto dos autos anulado por erro de direito praticado pela AT, não pode deixar de lhe ser imputado tal erro, pelo que a situação em apreço se enquadra no disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, assistindo à Requerente o direito a ser ressarcida via juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da quantia de € 61.552,27, em 13 de setembro de 2024, até ao processamento da respetiva nota de crédito (v. artigo 61.º, n.º 5 do CPPT).
***
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os árbitros deste Tribunal no seguinte:
a. Anular o ato de liquidação adicional do IRC de 2019, incluindo os respetivos juros compensatórios, no montante total de € 61.552,27 por desconsideração ilegal da dedução à coleta do benefício fiscal de RFAI;
b. Reconhecer o direito a juros indemnizatórios da Requerente a calcular sobre aquela importância, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT;
Tudo com as legais consequências.
V. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 61.552,27 (sessenta e um mil quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e sete cêntimos), que corresponde à importância do IRC liquidado adicionalmente pela AT e juros compensatórios inerentes anulação a Requerente peticiona e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VI. Custas Arbitrais
Custas no montante de € 2 448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a suportar pela Requerida em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de maio de 2025
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Luís Manuel Pereira da Silva, Relator
Maria Antónia Torres
[1] V. “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4.ª edição 2012, pp. 447-448.