Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1057/2024-T
Data da decisão: 2025-05-22  IVA  
Valor do pedido: € 31.413,70
Tema: IVA. Verba 2.23 da Tabela I anexa ao CIVA. O conceito de operação de reabilitação urbana para efeitos da aplicação da taxa reduzida de IVA.
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SUMÁRIO: 

 

1.     A aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Tabela I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana exige a localização do prédio em área de reabilitação urbana previamente delimitada pelo município e uma operação de reabilitação urbana aprovada, no âmbito da qual essas obras se realizem. 

2.     Não é suficiente, no entanto, para a aplicação dessa taxa a intervenção ser efetuada em área previamente delimitada, sendo também necessária a prova do enquadramento dessa intervenção em operação de reabilitação urbana aprovada. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de novembro de 2024, decide o seguinte:

I.     RELATÓRIO

 

1.     A..., LDA, doravante designada “Requerente”, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ...-..., em ..., ...-... ..., Vila Nova de Gaia, veio ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária” ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação das liquidações adicionais de IVA, produzidas no decurso de procedimento inspetivo interno, bem como das respetivas liquidações de juros compensatório, a seguir identificadas:

Documento de Correção número ..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/01 (Liquidação ..., com o valor da correção (linha 3) de € 2,094,93), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024...., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 1.932,73. 

Documento de Correção número..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/02 (Liquidação..., no valor de € 1.341,72) conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.08, com o saldo apurado de € 1.341,72.

- Documento de Correção número ..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/03 (Liquidação..., no valor de € 5.505,53), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 5.505,53.

- Documento de Correção número ..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/06 (Liquidação ..., no valor de € 10.954,28), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 7.989,22.

- Documento de Correção número..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/07 (Liquidação..., no valor de € 6.441,68), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 9.406,74.

- Documento de Correção número..., de 2024.09.10, referente ao período 2023/08M (Liquidação...), no valor de € 3.283,02. 

 

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/01, no valor de € 93,83, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024....), referente à liquidação do período 2023/02, no valor de € 60,57, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/03, no valor de € 231,68, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/06, no valor de € 270,53, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/07, no valor de € 266,99, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

 

***

 

2.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular apresentado pela Requerente em 20 de setembro de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente comunicado à Requerida, que foi do mesmo notificada em 23 de setembro de 2024.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 6 de novembro de 2024, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de novembro de 2024.

 

3.     No pedido arbitral a Requerente invocou, em síntese:

 

a)    Que a Autoridade Tributária se limitou a fundamentar as liquidações efetuadas com o único fundamento de a Liquidação emitida nos termos do artº. 87º do CIVA. A liquidação efetuada decorre do procedimento de Inspeção, credenciado pela Ordem de Serviço nº. OI2023..., no âmbito do qual, foi remetida respetiva fundamentação constante do Relatório Final de Inspeção Tributária”. 

 

b)    Que, apesar da Autoridade Tributária ter cumprido do ponto de vista formal, o direito de audiência prévia, ao notificar o contribuinte para o exercício desse direito, do ponto de vista material denegou esse direito, ao desconsiderar os diversos fundamentos e argumentos que foram apresentados no exercício legitimo desse direito sem, verdadeiramente, apreciá-los nem contraditá-los.

 

c)    Que celebrou um contrato de empreitada para a execução dos trabalhos necessários à execução do projeto aprovado pela Câmara Municipal do Porto, sob processo de licenciamento n.º P/.../19/CMP, de 26.05.2021, o qual consistia “na remodelação completa do edifício de habitação e comércio sito à Rua..., n.ºs ... e..., no Porto, (...)”.

 

d)    Que o referido imóvel se encontra localizado na denominada Área de Reabilitação Urbana da Baixa do Porto, aprovada por deliberação de 12 de abril de 2021, da Assembleia Municipal, tendo sido publicada no Diário da República, através do Aviso nº. 7759/2021, 2ª Série, nº. 81, de 27 de abril. 

 

e)    Que a Câmara Municipal do Porto certificou, entre o demais, que o prédio “insere-se na Área de Reabilitação Urbana (ARU) da Baixa, com delimitação aprovada nos termos do previsto no artigo 13º do RJRU. (...). Verifica-se ainda que para o local existe o processo de licenciamento de obras nº. P/...19/CMP e titulado pela licença de obras nº. NUD/.../2022/CMP (...). A intervenção concorre simultaneamente para os objetivos traçados para a ARU da Baixa, na medida em que se trata de uma intervenção que revitaliza substancialmente o existente, dinamizando o espaço urbano e acrescentando valor ao património edificado, nos termos previstos no RJRU, na sua atual redação”.

 

f)     Que tendo a Câmara Municipal do Porto enquadrado a empreitada como sendo de reabilitação urbana, tal como definida no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, em imóvel localizado em área de reabilitação urbana, a Requerente emitiu várias faturas com a liquidação de imposto sobre o valor acrescentado feita à taxa de 6%, por enquadramento na verba 2.23. da Lista I anexa ao Código do IVA.

 

g)    Que, na sequência do pedido de reembolso de € 90.962,65, foi objeto de um procedimento inspetivo interno, onde a Autoridade Tributária decidiu efetuar correções no valor de € 29.621,16, correspondente ao diferencial entre a taxa normal de 23% e a taxa (reduzida) que foi aplicada de 6%.

 

h)    Que a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou a certidão emitida pela Câmara Municipal de Porto, de enquadramento da empreitada como sendo de reabilitação urbana, bem como sustentou que para ser possível a aplicação da taxa reduzida de IVA era necessário que cumulativamente se estivesse na presença de uma área de reabilitação urbana (ARU) e de uma operação de reabilitação urbana (ORU) aprovada para essa ARU, para quem esta última não se encontrava aprovada, inviabilizando a possibilidade de aplicação da referida taxa de IVA reduzida.

 

i)     Que, com o seu comportamento, a Autoridade Tributária, violou o princípio da boa-fé, do princípio da legalidade (reserva de lei formal) e das regras de interpretação das normas jurídico tributárias, em face do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária, bem como do artigo 9.º, do Código Civil.

 

j)     Que inexiste na verba 2.23, da Lista I, anexa ao Código do IVA (norma específica e de âmbito nacional aplicável ao caso concreto) ou noutra qualquer norma aplicável ao caso - exigência legal de certificação por parte da Câmara de que um determinado projeto ou empreitada consubstancia uma operação de reabilitação urbana, o que resulta no entendimento da Requerente de uma confusão entre empreitada de reabilitação urbana com empreitada para realizar uma operação de reabilitação urbana. 

 

k)    Que a Câmara Municipal do Porto certificou que se estava perante uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida na alínea j) do artigo 2º do RJRU (o diploma específico) em imóvel localizado na área de reabilitação urbana, o que é textualmente o que se expressa na verba 2.23, da Lista I. 

 

l)     Que não é correto o entendimento da Autoridade Tributária, para quem o conceito de reabilitação urbana só́ fica preenchido com a verificação cumulativa de uma (ARU) e com uma operação de reabilitação urbana (ORU), aprovada para essa ARU, o que no entendimento da Requerente não tem em conta a definição de “Reabilitação Urbana” que é dada pelo artigo 2º, alínea j), do RJRU.

 

m)  Que não é correto o entendimento da exigência cumulativa da existência de uma ARU e de uma ORU, uma vez que “se a definição da ARU e a aprovação de uma ORU para essa ARU fossem elementos ínsitos ou necessários ao preenchimento da definição de “reabilitação urbana” tal corresponderia a passar um atestado de incompetência ao legislador fiscal, seria concluir que este não sabe exprimir-se porque, no caso, teria sido completamente tautológico e redundante ao dizer após “empreitadas de reabilitação urbana tal como definido em diploma específico” mais adiante “realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana”.

 

n)    Que a letra da lei ao expressar “empreitada de reabilitação urbana tal como definida em diploma específico” está a fazer expressa remissão para a definição (“tal como definida”) de reabilitação urbana, constante do Decreto-Lei nº. 307/2009, de 23 de outubro, que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (o tal diploma específico), ou seja, faz uma remissão para a norma da alínea j) do artigo 2º do RJRU, que define reabilitação urbana e não para o diploma todo em si ou em conjunto). 

 

o)    Que é a aprovação da ARU (e não a ORU), que consiste no instrumento determinante para a atribuição dos apoios e incentivos fiscais, pelo que, no seu entendimento, não pode haver dúvidas que para a usufruição da taxa reduzida do IVA não há́ necessidade de aprovação de ORU, que não está expressa nem sequer implícita na redação da verba 2.23, da Lista I, anexa ao Código do IVA, ao contrário da ARU claramente expressa e ostensiva na letra do preceito.

 

4.     Em 13 de janeiro de 2025, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, bem como juntou na mesma data o respetivo processo administrativo, invocando em síntese:

 

a)     Que, no âmbito do procedimento inspetivo, ocorrido ao abrigo da Ordem de Serviços n.º OI2023..., de 24.10.2023, foram detetadas irregularidades nas operações com imposto liquidado pela Requerente à taxa de 6% nas prestações de serviços em edifícios onde foram efetuadas obras de reabilitação, localizados em áreas de reabilitação urbana (ARU), abrangidas pela verba 2.23, da Lista I, anexa ao código do IVA.

 

b)    Que as irregularidades apontadas assentam no facto de inexistir uma operação de reabilitação urbana (ORU) na área onde se localiza o prédio em questão, operação essa que, não sendo aprovada em simultâneo com a área de reabilitação urbana (ARU), teria, pelo menos, de ter sido aprovada dentro dos 3 anos subsequentes, o que não aconteceu. 

 

c)     Que tal não tendo sucedido, a referida omissão teve como efeito a caducidade da ARU, pelo que nas operações praticadas pela Requerente, a taxa aplicável era a taxa normal de 23%, definida na alínea c) do artigo 18º do CIVA.

 

d)    Que, em suma, está em causa a aplicação indevida da verba 2.23, da Lista I, anexa ao CIVA, com correspondência à taxa de IVA reduzida de 6%, a serviços de empreitada realizada em área de reabilitação urbana (ARU), sem que a mesma esteja enquadrada no âmbito de uma operação de reabilitação urbana (ORU) previamente aprovada. 

 

e)     Que a Requerente não invoca nenhum fundamento para sustentar a violação do princípio da boa fé́, da reserva de lei formal, da proporcionalidade, do interesse público e das suas garantias. 

 

f)     Que de acordo com o previsto na verba 2.23, da Lista I, anexa ao CIVA, estão sujeitas à aplicação da taxa reduzida, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do art.º 18.º do mesmo Código, as "As empreitadas de reabilitação de edifícios e as empreitadas de construção ou reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza pública, localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou realizadas no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.” 

 

g)    Que decorrendo do artigo 7.º, do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), que a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:  a) Da delimitação de ARU; e b) Da ORU a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana, apenas se estará́ perante uma reabilitação urbana quando se verificar a aprovação daqueles dois instrumentos (ARU e ORU). 

 

h)    Que é nas ORU aprovadas que estão contidas quer a definição do tipo de ORU, quer a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a ORU seja simples ou sistemática, pelo que a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana.

 

i)      Que a localização de um prédio numa ARU não constitui, por si só́, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto, pelo que o mero licenciamento de uma construção, através de empreitada em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação que o enquadre, não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23. 

 

j)      Que, nos termos do artigo 15.º, do RJRU, sempre que a aprovação da delimitação de uma ARU não tenha lugar em simultâneo com a aprovação da ORU a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente ORU.

 

k)    Que estando o prédio objeto da empreitada localizado na ARU da Baixa do Porto, aprovada por deliberação de 12 de abril de 2021, da Assembleia Municipal, e tendo sido publicada em Diário da República, através do Aviso nº. 7759/2021, 2ª Série, nº. 81, de 27 de abril, a ORU deveria ter sido aprovada dentro dos 3 anos subsequentes, o que não sucedeu e por via disso conduziu à caducidade da ARU. 

 

l)      Que a certidão apresentada pela Requerente apenas refere que houve delimitação da área de intervenção urbana, nada dizendo a respeito da ORU a desenvolver na ARU, pelo que conclui que o conteúdo da certidão era insuficiente para comprovar que houve aprovação da ORU, condição essencial para a Requerente beneficiar da taxa reduzida de IVA de 6%.

 

m)   Que, em suma, o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado totalmente improcedente.

 

5.     Por despacho de 17 de janeiro de 2025 (notificado em 20 de janeiro de 2025), determinou-se a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, do Tribunal com as partes, por o processo não ser passível de uma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e por não haver exceções ou questões prévias a apreciar e decidir.

 

No identificado despacho determinou-se ainda a apresentação de alegações finais escritas, no prazo de 10 (dez) dias, em simultâneo, bem como se determinou que a Requerente, no mesmo prazo, procedesse à junção do comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem subsequente

 

Foi ainda designado o dia 26 de maio de 2025 para o efeito de prolação da decisão arbitral.

 

6.     Em 28 de janeiro de 2025, a Requerente veio apresentar as suas alegações, mantendo a respetiva posição já expressa no pedido de pronúncia arbitral, juntando na mesma data o comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem subsequente. A Requerida não apresentou alegações, mas por requerimento de 2 de fevereiro de 2025, veio juntar aos autos o Acórdão do STA, proferido no Processo 12/24.9BALSB, que sobre a mesma matéria dos presentes autos veio a uniformizar jurisprudência.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

7.     O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

 

8. Não existe no processo qualquer nulidade, bem como as partes não suscitaram questões prévias nem exceções que o Tribunal Arbitral deva conhecer antes de proferir a sua decisão.

 

 

III.          DA MATÉRIA DE FACTO

 

A.   FACTOS PROVADOS

 

9.     Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.   A Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal, constituída em 20.10.2005, que exerce desde 02.01.2008 a atividade principal de construção de edifícios residenciais e não residenciais (CAE 41200), bem como desenvolve desde 08.06.2012 as atividades secundárias de compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100), comércio por grosso de material de construção (exceto madeira) e equipamento sanitário (CAE 46732) e comércio a retalho de material de bricolage, equipamento sanitário, ladrilhos e materiais similares, em estabelecimentos especializados (CAE 47523).

 

B.    A Requerente, em sede de IVA, está registada como um sujeito passivo deste imposto, sob o regime normal de periodicidade mensal.

 

C.   A Requerente entregou em 20.10.2023 a declaração periódica de IVA n.º..., relativa ao período 2023/08, da qual resultou um crédito de imposto a seu valor, no montante de € 90.962,65 (noventa mil novecentos e sessenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), para o qual solicitou o respetivo reembolso.

 

D.   A Requerente, no âmbito da sua atividade principal, celebrou um contrato de empreitada, que teve por objeto a execução de trabalhos necessários à realização do projeto de licenciamento de obras, aprovado pela Câmara Municipal do Porto no âmbito de processo nº. P/.../19/CMP, e titulado pela licença de obras nº. NUD/.../2022/CMP.

 

E.    Os trabalhos executados pela Requerente consistiram na remodelação completa do edifício de habitação e comércio, com exceção da área da barbearia instalada no rés-do-chão, e criação de oito frações habitacionais.

 

F.    O prédio sito na Rua ..., nºs. ... a ..., no Porto, está localizado na Área de Reabilitação Urbana da Baixa do Porto, aprovada por deliberação de 12 de abril de 2021 da Assembleia Municipal, com publicitação no Diário da República, através do Aviso nº. 7759/2021, 2ª Série, nº. 81, de 27 de abril.

 

G.   Em 21.05.2024, a Câmara Municipal do Porto emitiu certidão com o seguinte conteúdo:

 

“O prédio sito na Rua ... nºs ...-... da união de freguesias de..., ..., ..., ... e ... e ..., insere-se na Área de Reabilitação Urbana (ARU) da Baixa, com delimitação aprovada nos termos do previsto no artigo 13º do RJRU. 

Verifica-se ainda que para o local existe o processo de licenciamento de obras nº. P/.../19/CMP e titulado pela licença de obras nº. NUD/.../2022/CMP e averbamentos, e que as obras em questão se inserem no conceito de reabilitação urbana, nos termos da alínea j), do artigo 2º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, que define uma forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, mantendo-se o todo ou parte substancial do existente, requalificando os sistemas de infraestruturas urbanas, equipamentos e espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de os edifícios. 

A intervenção concorre simultaneamente para os objetivos traçados para a ARU da Baixa, na medida em que se trata de uma intervenção que revitaliza substancialmente o existente, dinamizando o espaço urbano e acrescentando valor ao património edificado, nos termos previstos no RJRU, na sua atual redação”

 

H.   A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção interna, pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças do Porto, em conformidade com a Ordem de Serviços n.º OI2023..., de âmbito parcial, ao IVA.

 

I.     Nesse contexto, quanto às operações com IVA liquidado à taxa reduzida de 6%, os Serviços de Inspeção determinaram, entre o demais, que parte delas correspondia a prestações de serviços em edifícios onde foram efetuadas obras de reabilitação, localizado na área de reabilitação urbana – ARU.

 

J.     A Requerente emitiu em 2023, no contexto de obras efetuadas a coberto do identificado contrato de empreitada, com inversão do sujeito passivo, as seguintes faturas com IVA à taxa reduzida de 6%:

 

 

K.   Nos períodos compreendidos entre os meses de janeiro a março de 2023 e entre os meses de junho a agosto de 2023, inclusive, em cada uma das autoliquidações que a Requerente apresentou, integradas nas respetivas declarações periódicas submetidas colocou no Quadro 1 o valor da faturação proveniente dessa empreitada, ao qual foi aplicada a taxa de 6%, em vez da taxa normal de 23%, atingindo o IVA por aplicação da taxa reduzida um valor inferior em € 29.621,16 àquele que teria resultado da aplicação da taxa normal.

 

L.    O projeto de relatório de inspeção tributária, de 02.07.2024, foi notificado à Requerente através do ofício de 04.07.2024, para o exercício do direito de audição prévia.

 

M.  A Requerente exerceu o direito de audição prévia em 16.07.2024.

 

N.   O Relatório final da Inspeção tributária foi elaborado em 30.07.2024, e notificado à Requerente em 31.07.2024, resultando do mesmo, entre o demais, as conclusões seguintes:

Em face do que acima ficou exposto e tendo em conta, nomeadamente, que: 

·  O SP, pelo facto de praticar essencialmente operações às quais se aplica a regra de inversão do sujeito passivo de acordo com a al. j) do n.º 1 do art.º 2.o do CIVA, encontra-se habitualmente numa situação de crédito de imposto; 

·  Os documentos que suportam o IVA deduzido encontram-se emitidos na formal legal, respeitando, nomeadamente o estatuído no art.º 36.o do CIVA e dizem respeito a aquisições necessárias para a realização de operações sujeitas a IVA; 

·  O controlo efetuado aos fornecedores do SP evidencia o cumprimento, por parte dos mesmos, das obrigações inerentes ao IVA; 

·  Os procedimentos de controlo definidos e executados aos registos contabilísticos do SP não permitiram detetar divergências ou a omissão de valores à declaração periódica, com exceção das relatadas no capítulo V do presente relatório; 

·  Após as correções propostas no capítulo V, o valor do crédito de imposto a favor do SP é de 61.341,49 € (90.962,84 € - 29.621,16 €); 

(...)

Face à lei vigente á data dos factos, conforme amplamente justificado na fundamentação das correções, no capitulo V, mais concretamente nos pontos V.1.2 e V.1.3, deste relatório, ainda que as obras em apreciação fiquem inseridas nas "Área de Reabilitação Urbana" (ARU) da respetiva localidade, não fica demonstrado que as mesmas consubstanciem uma operação de reabilitação urbana (ORU), nos termos definidos pelo RJRU, porquanto não tendo a aprovação da delimitação das ARU dessas áreas tido lugar em simultâneo com a aprovação das ORU a desenvolver nas mesmas, nem tendo sido igualmente aprovadas as operações de reabilitação no prazo de três anos, aquela delimitação entrou em caducidade, nos termos do artigo 15.º do RJRU. 

Ou seja, de acordo com a informação disponibilizada, nomeadamente no site da Câmara Municipal do Porto, não existe ORU aprovada e publicada que abranja a área onde se situa o prédio objeto de reabilitação (rua de...– cidade do Porto), pelo que se mostra indevida a aplicação da taxa reduzida de imposto a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, nas operações ativas praticadas pelo sujeito passivo para os seus clientes “B...” e “C...”, sendo antes aplicável a taxa normal de 23%, definida na alínea c) do mesmo Art.º 18.º. 

 

O.   Não apresentou qualquer certidão ou declaração da entidade municipal que procede à administração e gestão da operação de reabilitação urbana, comprovando o enquadramento da operação a realizar em operação de reabilitação urbana aprovada. 

 

P.    A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu na sequência do Relatório final de Inspeção Tributária à emissão dos seguintes documentos:

Documento de Correção número..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/01 (Liquidação..., com o valor da correção (linha 3) de € 2,094,93), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 1.932,73. 

Documento de Correção número ..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/02 (Liquidação..., no valor de € 1.341,72) conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.08, com o saldo apurado de € 1.341,72.

- Documento de Correção número ..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/03 (Liquidação ..., no valor de € 5.505,53), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 5.505,53.

- Documento de Correção número ..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/06 (Liquidação ..., no valor de € 10.954,28), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 7.989,22.

- Documento de Correção número..., de 2024.08.08, referente ao período 2023/07 (Liquidação ..., no valor de € 6.441,68), conforme Demonstração de liquidação do IVA número 2024..., de 2024.08.08, do identificado período, e Demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09, com o saldo apurado de € 9.406,74.

- Documento de Correção número..., de 2024.09.10, referente ao período 2023/08M (Liquidação...), no valor de € 3.283,02. 

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/01, no valor de € 93,83, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/02, no valor de € 60,57, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/03, no valor de € 231,68, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/06, no valor de € 270,53, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

- Demonstração da liquidação de juros de IVA (liquidação de juros número 2024...), referente à liquidação do período 2023/07, no valor de € 266,99, conforme demonstração de acerto de contas número 2024..., de 2024.08.09.

 

Q.   Em 20.09.2024, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral, que deu origem aos presentes autos.

 

 

B.   FACTOS NÃO PROVADOS:

 

10.  Não existem factos não provados relevantes para a decisão.

 

 

C.   FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

 

11.  Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

12.  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

13.  Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

 

14.  Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

IV.          QUESTÃO DECIDENDA

 

15.  Nos presentes autos a questão a decidir é a de determinar as condições legais que devem ser preenchidas para a aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que abrange as empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais e se essas condições foram efetivamente preenchidas no caso em apreciação.

 

 

V.             FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

16.  Preliminarmente cumpre analisar que a decisão da Autoridade Tributária se encontra devidamente fundamentada, nos termos constante do Relatório da Inspeção Tributária, bem como se foi efetivamente respeitado o direito de audição prévia da Requerente. 

 

17.  A este respeito a Requerente sustenta que, por um lado, as liquidações adicionais foram, única e exclusivamente, justificadas com base na fundamentação constante do aludido Relatório final da Inspeção Tributária e, por outro, que apesar da Autoridade Tributária ter cumprido do ponto de vista formal, o direito de audiência prévia, ao notificar o contribuinte para o exercício desse direito, do ponto de vista material denegou esse direito, ao desconsiderar os diversos fundamentos e argumentos que foram apresentados no exercício legitimo desse direito sem, verdadeiramente, apreciá-los nem contraditá-los. 

 

18.  Porém, desde já se adianta que tal alegação não encontra qualquer fundamento em face dos factos dados como provados, mostrando-se devidamente evidenciada a fundamentação da das correções propostas pelo Serviços de Inspeção Tributária, bem como os mesmos Serviços de Inspeção Tributária pronunciaram-se sobre as alegações que a Requerente entendeu sustentar em sede de audiência prévia.

 

19.  Ora, o artigo 77.º da LGT, estabelece, por um lado, que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”. E, por outro, que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

 

20.  Com efeito, deve-se entender que não ocorre violação do dever de fundamentação se, em função do contexto do qual emerge o ato de liquidação, é possível ao sujeito passivo alcançar o itinerário cognoscitivo levado a cabo pela AT na tomada de decisão, não sendo censurável a remissão implícita daquele ato para o Relatório de Inspeção Tributária do qual consta um quadro factual pormenorizado e exaustivo, bem como um enquadramento aprofundado das normas jurídicas aplicáveis.

 

 

21.  No caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira sustentou no referido Relatório de Inspeção Tributária que:

V.1.2. Enquadramento legal das empreitadas de reabilitação urbana 

Importa antes de mais referir que, face ao elencado no n.º 2 do Art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. Desta forma, não compete legalmente às autarquias locais a concessão de quaisquer benefícios fiscais em sede de IVA. 

A verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA determina que estão sujeitas à aplicação da taxa reduzida, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Código, as "empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional". 

Como se pode constatar, a mencionada verba coloca algumas condições para que a taxa reduzida possa ser aplicável às operações que nela pretendam enquadramento. 

Assim, são condições para a aplicação da taxa reduzida de 6%, que a operação em causa consubstancie: 

a)  Uma empreitada de reabilitação urbana; 

b)  Realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais; ou 

c)  No âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional. 

No que diz respeito à exigência de uma empreitada, devemos atender ao conceito previsto no artigo 1207.º do Código Civil (CC), o qual define empreitada como "o contrato em que uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço", devendo entender-se por “obra” todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis. Para que haja um contrato de empreitada é essencial, portanto, que o mesmo tenha por objeto a realização de uma obra, feita segundo determinadas condições, por um preço previamente estipulado, um trabalho ajustado globalmente e não consoante o trabalho diário.

O diploma específico referido na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA é o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU)), com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 88/2017, de 27 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 66/2019, de 21 de maio. De acordo com o respetivo preâmbulo, o RJRU estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de “área de reabilitação urbana”, cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de “operação de reabilitação urbana”, correspondente à estruturação concreta das intervenções a efetuar no interior da respetiva área de reabilitação urbana. 

De acordo com o disposto no Art.º 2.o deste diploma, entende-se por: 

a)  “Área de reabilitação urbana” (ARU), a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana (alínea b); 

b)  “Reabilitação urbana”, a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios (alínea j); 

c)  “Operação de reabilitação urbana” (ORU), o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área (alínea h). 

Por sua vez, o n.º 1 do Art.º 7.º do mesmo diploma, determina que a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação

a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana. 

O citado Decreto-lei esclarece, assim, que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificar a aprovação destes dois requisitos/instrumentos. Deste modo, a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só́, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto. 

A operação de reabilitação urbana deve obedecer ao disposto no Art.º 17.º do regime se desenvolvida através de instrumento próprio ou ao Art.º 18.º e seguintes se desenvolvida através de plano de pormenor de reabilitação urbana. 

Assim, tendo presente os conceitos de “área de reabilitação urbana” e de “operação de reabilitação urbana”, conclui-se que a delimitação da área de reabilitação urbana é apenas uma das bases do RJRU, sendo complementada com as operações de reabilitação urbana que correspondem à concretização do tipo de intervenções a realizar na área de reabilitação urbana. Ou seja, a simples delimitação da área de reabilitação urbana não determina, por si só́, que todas as empreitadas que se realizem naquela área estão no âmbito deste regime jurídico. 

Com efeito, nos termos do Art.º 15.º, que se reporta ao âmbito temporal da delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que a aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não tenha lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.

Daqui resulta, portanto, que o momento em que a delimitação da área de reabilitação urbana fica consolidada é o momento em que ocorre a aprovação da operação de reabilitação urbana. Por esse motivo, deve entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada. 

Porquanto é nas operações de reabilitação urbana aprovadas que estão contidas a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática (cf. Art.º 16.º). 

Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já́ considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana. 

Até porque, entender que o Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, se aplica, para efeitos da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, apenas no que diz respeito à definição de “reabilitação urbana” e à determinação da delimitação da área de reabilitação urbana é desconsiderar, no seu conjunto, a parte inicial da verba, a qual refere especificamente que estão em causa "empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico". 

Nestes termos, caso a Câmara Municipal respetiva certifique que, nos termos do citado diploma legal, a obra em referência se integra numa área de reabilitação urbana e consubstancia uma operação de reabilitação urbana, verificados que sejam os restantes condicionalismos (nomeadamente tratar-se de empreitada), será́ então aplicável a taxa reduzida do imposto, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do Art.º 18.º do CIVA. 

V.1.3. Documentos comprovativos da elegibilidade de aplicação da taxa reduzida · Contrato de empreitada de reabilitação urbana 

Como vimos anteriormente, o primeiro requisito para que determinada operação tenha enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA é a de que esteja em causa uma empreitada, mas exige-se, desde logo, que a empreitada seja de reabilitação urbana. 

O conceito de empreitada consta no artigo 1207.º do CC, que o define como sendo “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra, a realizar certa obra, mediante um preço”, ou seja, é uma obra que é realizada segundo determinadas condições por um preço previamente estipulado, um trabalho ajustado globalmente e não diário, executado em bens imóveis. 

Por outro lado, a Lei n.º 41/2015, de 3 junho, e a Declaração de Retificação n.º 27/2012, de 30 maio, que retifica a Portaria 119/2012, de 30 abril, estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade de construção, contendo uma série de normas de natureza administrativa, nomeadamente a que estabelece que uma empreitada de valor superior a 16.600,00 € está sujeita à forma escrita, nos termos do n.º 1 do Art.º 26.º, e cujo arquivo é obrigatório durante os 10 anos subsequentes (n.º 4). 

Desta forma, solicitámos ao sujeito passivo, cópia do contrato de empreitada celebrado que esteve na origem da emissão das faturas à taxa reduzida de IVA nos períodos de tributação do ano de 2023 objeto de análise, por supostamente se enquadrarem na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. 

Da análise ao contrato apresentado “SEGUNDO ADITAMENTO AO CONTRATO DE EMPREITADA CELEBRADO ENTRE D..., B... e C... E A... LDA., EM 16 DE SETEMBRO DE 2016”, de 2022/10/28 (que se junta em anexo II ao presente relatório), verificámos em síntese, o seguinte: 

O Contrato de Empreitada de adjudicação da obra de reconstrução do edifício em propriedade horizontal destinado a habitação e comércio, sito na Rua ... ,...  e..., na cidade do Porto, foi pelo preço global de 435.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor. 

· Declaração de localização em ARU 

Como vimos anteriormente, a “Reabilitação urbana”, tal como definida no artigo 2.º alínea j) do Decreto- Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, traduz-se numa intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios. 

Mas a intervenção integrada sobre o tecido urbano existente é materializada apenas com a aprovação da operação de reabilitação urbana, sendo esta operação definida, no artigo 2.º alínea h) do citado diploma legal, como o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área. 

Acresce que, o próprio Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, no já́ citado n.º 1 do artigo 7.º, determina que a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta não só́ da aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana, mas também da operação de reabilitação urbana a desenvolver nestas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana. 

E o n.º 4 da mesma norma estabelece que "a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana". 

Deste modo, não está em conformidade com o espírito do regime a qualificação de uma empreitada como "empreitada de reabilitação urbana, tal como definida no diploma específico" se a operação de reabilitação urbana não estiver aprovada, porque é, conforme já́ mencionado, com a aprovação desta operação que se concretiza a intervenção integrada sobre o tecido urbano. 

Antes deste momento (aprovação da operação de reabilitação urbana), as empreitadas realizadas na área delimitada de reabilitação urbana não são ainda qualificadas de empreitadas de reabilitação urbana nos termos do Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, e assim também não o podem ser para efeitos do exigido na letra da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. 

O próprio Decreto-lei em referência esclarece que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificarem os dois requisitos: 

i) Aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana, e 

ii) Aprovação da operação de reabilitação urbana. 

Do exposto resulta que a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só́, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto. 

Neste sentido, veja-se a decisão do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, Processo n.º 404/2022-T, de 2023-01-30, onde se concluiu o seguinte: 

«Mas, essa mesma característica da “reabilitação urbana” consubstanciar uma “intervenção integrada sobre o tecido urbano existente” obstará a que possa ser enquadrada em tal conceito qualquer construção (...) não inserida num “conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área”, isto é, que não se integre numa “operação de reabilitação urbana”, à face da definição deste conceito que fornece a alínea h) do artigo 2.º do RJRU. 

Ora, como resulta do artigo 7.º, n.ºs 2 e 3 do RJRU, “a aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo” ou aquela delimitação pode preceder esta operação, podendo mesmo suceder, nos termos do artigo 15.º do mesmo diploma, que caduque a delimitação da área de recuperação urbana “se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação”, como pertinentemente refere a Autoridade Tributaria e Aduaneira no presente processo. 

Por isso, tem razão a Autoridade Tributaria e Aduaneira ao defender que o mero licenciamento de uma construção através de empreitada em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação que o enquadre, não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23 referida.» (sublinhado nosso) 

No mesmo sentido, veja-se, ainda, a recente decisão do CAAD, Processo n.º 295/2022-T, de 2023-03- 01, cujo sumario concluiu o seguinte: 

«1- A aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Tabela I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana exige a localização do prédio em área de reabilitação urbana previamente delimitada pelo município e uma operação de reabilitação urbana aprovada, no âmbito da qual essas obras se realizem. 

2- Não é suficiente, no entanto, para a aplicação dessa taxa a intervenção ser efetuada em área previamente delimitada, sendo também necessária a prova do enquadramento dessa intervenção em operação de reabilitação urbana aprovada. 

3- Essa prova deve ser efetuada através de declaração da entidade incumbida da coordenação e gestão da operação de reabilitação urbana aprovada.» (sublinhado nosso) 

Importa ainda fazer referência à Informação Vinculativa da Diretora de Serviços do IVA (por subdelegação), por despacho de 2022/01/11, vertida no processo n.º ..., cuja entidade requerente (dono da obra) é também uma IPSS (nomeadamente aos pontos 21 a 31 daquela Informação): 

“21. Depreende-se, portanto, que o momento em que a delimitação da área de reabilitação urbana fica consolidada é o momento em que ocorre a aprovação da operação de reabilitação urbana. 

22. Deve, por esse motivo, entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada.

23. Porquanto é nas operações de reabilitação urbana aprovadas, através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, que estão contidos a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática (cf. artigo 16.º do mencionado normativo legal). 

24. Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já́ considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só́ fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana. 

25. Entender que o Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, se aplica, para efeitos da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, apenas no que diz respeito à definição de «reabilitação urbana» e à determinação da delimitação da área de reabilitação urbana é desconsiderar, no seu conjunto, a parte inicial da verba, a qual refere especificamente que estão em causa "empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico". 

(...) 

30. Deste modo, não está em conformidade com o espírito do regime a qualificação de uma empreitada como "empreitada de reabilitação urbana, tal como definida no diploma específico" se a operação de reabilitação urbana não estiver aprovada, porque é, conforme já́ mencionado, com a aprovação desta operação que se concretiza a intervenção integrada sobre o tecido urbano. 

31. Antes deste momento (aprovação da operação de reabilitação urbana), as empreitadas realizadas na área delimitada de reabilitação urbana não são ainda qualificadas de empreitadas de reabilitação urbana nos termos do Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, e assim também não o podem ser para efeitos do exigido na letra da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA”. 

Desta forma, ainda que as obras em apreciação fiquem inseridas nas "Área de Reabilitação Urbana" (ARU) da respetiva localidade, não fica demonstrado que as mesmas consubstanciem uma operação de reabilitação urbana (ORU), nos termos definidos pelo RJRU, porquanto não tendo a aprovação da delimitação das ARU dessas áreas tido lugar em simultâneo com a aprovação das ORU a desenvolver nas mesmas, nem tendo sido igualmente aprovadas as operações de reabilitação no prazo de três anos, aquela delimitação entrou em caducidade, nos termos do artigo 15.º do RJRU. 

Ou seja, de acordo com a informação disponibilizada, nomeadamente no site da Câmara Municipal do Porto, não existe ORU aprovada e publicada que abranja a área onde se situa o prédio objeto de reabilitação (rua de...– cidade do Porto), pelo que se mostra indevida a aplicação da taxa reduzida de imposto a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, nas operações ativas praticadas pelo sujeito passivo para os seus clientes “B...” e “C...”, sendo antes aplicável a taxa normal de 23%, definida na alínea c) do mesmo Art.º 18.º.

 

22.  Assim, há que concluir que a requerida fundamentou de forma completa, tanto de facto, como de direito, o seu entendimento quanto à questão que nos ocupa, que é patente na fundamentação transcrita do relatório de inspeção tributária, pelo que não é procedente qualquer vício de fundamentação dos atos de liquidação dos presentes autos.

 

23.  No que concerne ao exercício de direito de audição prévia, estabelece o artigo 60.º, n,º 1, da LGT, que “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal; d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.”

 

24.  Além disso, o n.º 7 da mencionada disposição legal estabelece que “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”.

 

25.  Atento ao conteúdo do Relatório Final de Inspeção Tributária, carece de fundamento a alegação da Requerente, que sustenta que, do ponto de vista material, foi denegado o direito participação em sede de audiência prévia, ao desconsiderar os diversos fundamentos e argumentos que foram apresentados, sem, verdadeiramente, apreciá-los nem contraditá-los. Porém, não entendemos dessa forma, porque uma coisa é a ponderar na fundamentação da decisão os novos elementos trazidos pelo Requerente na audiência prévia, o que a Requerida deu cumprimento, outra bem diferente, é a mesma estar obrigada a aceitar, com vista a modificar a projetada decisão, esses novos elementos, quando entende que o elemento fundamental não foi junto aos autos – documento comprovativo do enquadramento da intervenção em Área de Reabilitação Urbana em Operação de Reabilitação Urbana aprovada. 

 

26.  Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu pronúncia sobre a audiência prévia nos seguintes termos, que se julgam suficientes, para cumprimento do disposto no artigo 60.º, n.º 7, da LGT:

“X.2- Apreciação 

Face à lei vigente á data dos factos, conforme amplamente justificado na fundamentação das correções, no capitulo V, mais concretamente nos pontos V.1.2 e V.1.3, deste relatório, ainda que as obras em apreciação fiquem inseridas nas "Área de Reabilitação Urbana" (ARU) da respetiva localidade, não fica demonstrado que as mesmas consubstanciem uma operação de reabilitação urbana (ORU), nos termos definidos pelo RJRU, porquanto não tendo a aprovação da delimitação das ARU dessas áreas tido lugar em simultâneo com a aprovação das ORU a desenvolver nas mesmas, nem tendo sido igualmente aprovadas as operações de reabilitação no prazo de três anos, aquela delimitação entrou em caducidade, nos termos do artigo 15.º do RJRU. 

Ou seja, de acordo com a informação disponibilizada, nomeadamente no site da Câmara Municipal do Porto, não existe ORU aprovada e publicada que abranja a área onde se situa o prédio objeto de reabilitação (rua de...– cidade do Porto), pelo que se mostra indevida a aplicação da taxa reduzida de imposto a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, nas operações ativas praticadas pelo sujeito passivo para os seus clientes “B...” e “C...”, sendo antes aplicável a taxa normal de 23%, definida na alínea c) do mesmo Art.º 18.º. 

X.3- Conclusão 

Em face do que acabamos de expor concluímos que será́ de manter as correções descritas no Projeto de Relatório, dado que os fundamentos em que as mesmas se baseiam, em nada foram invalidados, pelos argumentos apresentados pelo sujeito passivo no seu Direito de Audição. “

 

27.  Assim, é de improceder as alegações no que respeita à violação do direito de audição prévia, do ponto de vista material, atento que se entende ter a Requerida ponderado os novos elementos suscitados na audiência prévia da Requerente.

 

***

 

28.  No que concerne à questão decidenda, que consiste em determinar as condições legais que devem ser preenchidas para a aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que abrange as empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais e se essas condições foram efetivamente preenchidas no caso em apreciação. 

 

29.  Com efeito, diferentemente da posição da Autoridades Tributária e Aduaneira, a Requerente sustenta que a verificação de uma operação de reabilitação urbana (ORU), aprovada para a ARU, não é exigível para obter a possibilidade de aplicação da taxa reduzida de IVA, por entender que tal não consta da definição de “Reabilitação Urbana” que é dada pelo artigo 2º, alínea j), do RJRU. Pelo que no seu entendimento é a aprovação da ARU (e não a ORU), que consiste no instrumento determinante para a atribuição dos apoios e incentivos fiscais, pelo que, no seu entendimento, não pode haver dúvidas que para a usufruição da taxa reduzida do IVA não há́ necessidade de aprovação de ORU, que não está expressa nem sequer implícita na redação da verba 2.23, da Lista I, anexa ao Código do IVA, ao contrário da ARU claramente expressa e ostensiva na letra do preceito.

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

30.  Em conformidade com o artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), que corresponde ao normativo onde se encontram definidas as taxas de imposto, estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma. 

 

31.  Na Verba 2.23 da referida lista I, onde estão identificados os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, consta que beneficiam da taxa de 6% as:

 

Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.”. 

 

32.   Por seu lado, o artigo 2.º, alínea j), do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, dá-nos o conceito de “Reabilitação urbana”, definindo-a como:

 

“a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”. 

 

33.  Por sua vez, dispõem os artigos 7.º, 8.º, 14.º e 15.º do RJRU: 

Artigo 7.º

Áreas de reabilitação urbana 

1 - A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação: 

a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e 

b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana. 

2 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo. 

3 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana pode ter lugar em momento anterior à aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessas áreas. 

4 - A cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana.”;
 

“Artigo 8.º

Operações de reabilitação urbana 

1 - Os municípios podem optar pela realização de uma operação de reabilitação urbana:
a) Simples; ou

b) Sistemática. 

2 - A operação de reabilitação urbana simples consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução. 

3 - A operação de reabilitação urbana sistemática consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público. 

4 - As operações de reabilitação urbana simples e sistemática são enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana. 

5 - O dever de reabilitação que impende sobre os proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre edifícios ou frações compreendidas numa área de reabilitação urbana é densificado em função dos objetivos definidos na estratégia de reabilitação urbana ou no programa estratégico de reabilitação urbana.”; 

 

“Artigo 14.º

Efeitos
A delimitação de uma área de reabilitação urbana:

a) Obriga à definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável;

b) Confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural.”;


Artigo 15.º

“Âmbito temporal

1 - No caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.

2 - A caducidade prevista no número anterior não produz efeitos relativamente a proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações, aos quais tenham sido concedidos benefícios fiscais ao abrigo do artigo 14.º.”

 

34.  Por último, nos termos do artigo 1207.º, do Código Civil, empreitada é: 

 

o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.”

 

35.  Atento o presente quadro legal, supra descrito, bem como do entendimento expresso no recente acórdão de uniformização de jurisprudência, do Supremo Tribunal administrativo, de 26 de março de 2025, proferido no processo 12/24.9BALSB, que apesar de não ter ainda transitado em julgado, não se pode deixar de se concordar, as normas fiscais devem-se interpretar segundo os cânones que regem a interpretação de quaisquer outras, por assim resultar expressamente do artigo 11.º, da Lei Geral Tributaria, deve-se responder de forma afirmativa à questão de saber se a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23, da Lista I, anexa ao CIVA, depende ou não da existência de uma Operação de Reabilitação Urbana, aprovada para o local inserido em Área de Reabilitação Urbana, onde é realizada a Operação Urbanística (empreitada).

 

36.  Assim, tal como decorre do identificado acórdão de uniformização de jurisprudência, do Supremo Tribunal administrativo, de 26 de março de 2025, proferido no processo 12/24.9BALSB:

 

“(...) entendemos que o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana.”

 

37.  Na realidade, esta não pode deixar de ser a melhor interpretação da norma consagrada na verba 2.23., uma vez que é aquela que melhor compatibiliza os critérios previstos no artigo 9.º, nºs 1 e 2, do Código Civil. Isto é, a que, partindo do texto da lei e tendo nele suficiente suporte, melhor reconstitui o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do Código Civil).

 

38.  Ora, diferentemente do que sustenta a Requerente, que em todo o caso nem sequer cumpriu com o ónus da prova que lhe competia, quando sustenta a violação dos princípios da boa-fé, do princípio da legalidade (reserva de lei formal) e das regras de interpretação das normas jurídico tributárias, em face do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária, bem como, do artigo 9.º, do Código Civil, é de considerar que não se verifica a violação de nenhum desses princípios.

 

39.  Ora, começando pelo elemento literal, a que a interpretação de qualquer norma jurídica está sujeita,  não subsistem dúvidas que só́ as empreitadas de reabilitação urbana podem beneficiar do benefício consagrado no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por este normativo, onde se encontram definidas as taxas de imposto, estabelecer que estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma e a Verba 2.23 da referida lista I e nesta constar que só́ beneficiam dessa taxa reduzida as “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico (...)”.

 

40.  É, assim, possível, concluir de forma imediata da letra da lei que não beneficiam da taxa reduzida todas as empreitadas, ou seja, que não beneficiam dela todas as obras que por contrato sejam realizadas por uma parte a outra, mediante um preço (artigo 1207.º do Código Civil) mas, tão só́, por vontade expressa do legislador, as empreitadas ou obras qualificáveis como empreitadas de reabilitação urbana. 

 

41.  Por outro lado, não definindo o legislador fiscal nem o legislador urbanístico o que são empreitadas de requalificação urbana, a densificação deste conceito e, por si, a verificação deste requisito de reconhecimento do direito ao benefício, tem de ser densificado por recurso ao conceito de reabilitação urbana, que se encontra consagrado no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, para o qual a verba 2.23 nos remete expressamente (ao referir “diploma específico”) e com o qual, também por imposição dos elementos sistemático e em respeito da unidade do sistema jurídico, o conceito de empreitada de reabilitação urbana se tem de integrar e compatibilizar. 

 

42.  Assim sendo, dispõe a esse propósito o artigo 2.º, alínea j), do RJUR, que “Reabilitação urbana” é:

 

“a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”. 

 

43.  Consequentemente, deve prevalecer o entendimento de que a empreitada de reabilitação urbana a que o legislador fiscal dá relevo, enquanto condição de acesso ao benefício da taxa reduzida de 6%, tem de traduzir-se numa obra integrada num plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios, entidades a quem compete promover a reabilitação urbana. 

 

44.  É precisamente nesta relação entre empreitada e reabilitação urbana imposta pela Verba 2.23, da Lista I, anexa ao CIVA, e nesta relação entre reabilitação urbana e plano de reabilitação ou forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente estratégico que surge, com relevo acrescido na compreensão do conceito de empreitada de reabilitação urbana e da Verba 2.23, a disciplina acolhida nos artigos 7.º, 8.º e 16.º do RJRU, preceitos em que o legislador, após atribuir aos Municípios a promoção da reabilitação urbana em Áreas de Reabilitação Urbana, determina que:

 

(i)            a reabilitação urbana resulta da aprovação cumulativa de dois instrumentos, delimitação da área de reabilitação urbana [al. a) do artigo 7.º] e operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [al. b) do artigo 7.º]; 

 

(ii)           no que respeita à Operação de Reabilitação Urbana, que os Municípios podem optar pela realização de uma Operação “ Simples” que consistirá em uma “intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução” [artigo 8.º, n.º 1, al. a) e n.º 2] ou “Sistemática” que consiste “numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público” [ artigo 8.º, n.º 1, al. b) e n.º 3]; 

 

(iii)         a cada Área de Reabilitação Urbana corresponde uma Operação de Reabilitação Urbana (artigo 7.º, n.º 4);

 

(iv)         ambas as Operações de Reabilitação Urbana, ― Simples” ou “Sistemáticas”, tem de estar enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana [artigo 16.º, alíneas. a) e b), do RJRU]. 

 

 

45.  Em conformidade com o que resulta da decisão do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 3/2023-T, deste enquadramento legal podem ser extraídas duas importantes conclusões para efeitos de interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA:

 

Primeira, “só́ há́ reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a - empreitadas de reabilitação urbana, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal ―intervenção integrada no tecido urbano), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já́ tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto (...)”. 

 

Segunda, “o que ao longo do RJRU, se designa por - operação de reabilitação urbana - e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16.º da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o - instrumento próprio ou o - plano de pormenor de reabilitação urbana que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja ela simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20, n.ºs 1 e 3 do RJRU).”. 

 

46.  Portanto, e em resumo, não existe nenhuma espécie de dúvidas que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana, para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, tal como sustenta a Requerida nos presentes autos. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só́ deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples” ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana. 

 

47.  Esta mesma interpretação que sai reforçada pelo elemento teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objetivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização. 

 

48.  Como resulta da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2009, este regime especial constitui no plano legal a consagração de uma opção politica, assumindo-se claramente que a reabilitação urbana constitui hoje “uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objetivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna”. (§ 1 do referido preâmbulo). 

 

49.  Visou, e continua a visar ainda hoje encontrar soluções para “cinco grandes desafios”, destacando-se, para o que ora releva, articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infraestruturas das áreas urbanas a reabilitar e garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos atores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas “áreas de reabilitação urbana”. 

 

50.  Elegeu-se como objetivo central do novo regime substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa-se à delimitação das áreas de intervenção (as “áreas de reabilitação urbana”) a definição, pelo município, dos objetivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução.

 

51.   Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação, mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspetos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar.

 

52.  Resulta ainda do mesmo preâmbulo, que:

 

“O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efetuar no interior da respetiva área de reabilitação urbana.”. 

 

53.   Procurava-se, e continua a procurar-se, com este regime, “regular de forma mais clara os procedimentos a que deve obedecer a definição de áreas a submeter a reabilitação urbana, bem como a programação e o planeamento das intervenções a realizar nessas mesmas áreas.”.

 

54.  Passa, assim, a permitir-se que a delimitação de área de reabilitação urbana, pelos municípios, possa ser feita através de instrumento próprio, desde que precedida de parecer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., ou por via da aprovação de um plano de pormenor de reabilitação urbana, correspondendo à respetiva área de intervenção. A esta delimitação é associada a exigência da determinação dos objetivos e da estratégia da intervenção, sendo este também o momento da definição do tipo de operação de reabilitação urbana a realizar e da escolha da entidade gestora. 

 

55.  Numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta-se por permitir a realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana. No primeiro caso, designado por «operação de reabilitação urbana simples», trata-se de uma intervenção essencialmente dirigida à reabilitação do edificado, tendo como objetivo a reabilitação urbana de uma área. No segundo caso, designado por «operação de reabilitação urbana sistemática», é acentuada a vertente integrada da intervenção, dirigindo-se à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, com os objetivos de requalificar e revitalizar o tecido urbano. 

 

56.  Num caso como noutro, à delimitação da área de reabilitação urbana atribui-se um conjunto significativo de efeitos. Entre estes, destaca-se, desde logo, a emergência de uma obrigação de definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património. Decorre também daquele ato a atribuição aos proprietários do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana. O ato de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que se opte por uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem ainda como imediata consequência a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes ou, bem assim, da constituição de servidões.

 

57.   Em suma, resulta do extenso preâmbulo que precede a lei, que o objetivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade ( ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual (que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas) fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objetivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objetivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar. 

 

58.  Só́ tendo presente esta intencionalidade e objetivos faz sentido a norma excecional do artigo 18.º, al. a), do CIVA, e Verba 2.23 da Lista I a este anexa, afigurando-se-nos que, na ausência desta contextualização a atribuição daquele benefício e/ou incentivo fiscal carece de fundamento legal e seria de duvidoso conforto constitucional. É, portanto, esta contextualização que permite garantir o cumprimento do princípio da legalidade, pelo que não se verifica qualquer violação do princípio da legalidade, na vertente da reserva de lei formal e/ou material, diferentemente do defendido pela Requerente.

 

59.  É, assim, de refutar, os dois grandes argumentos jurídicos em que a Requerente fundamenta o seu pedido, nomeadamente, de que o conceito de empreitada de reabilitação urbana e, por via deste, a Verba 2.23 não comporta a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. 

 

60.  Diga-se inclusivamente, que nem com base nos artigos 14.º e 15.º, ambos do RJRA, que algumas decisões sustentaram, a interpretação por que se opta (e que foi a tese adotada no acórdão de uniformização de jurisprudência) deve ser colocada em causa. A esse propósito o acórdão do STA, de 26 de março de 2025, sustenta que:

 

“Quanto aos efeitos (seguros de que só́ podem estar em questão os efeitos fiscais previstos no n.º 2 do artigo 14.º do RJRU, por o IVA não constituir um imposto associado aos impostos municipais sobre o património), cumpre apenas dizer que os direitos que aí estão reconhecidos aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações compreendidos na Área de Reabilitação Urbana de aceder aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, se encontram condicionados ao que na legislação aplicável se encontrar estabelecido. (...)

Ora, tendo o legislador fiscal feito depender o benefício de tributação da taxa reduzida consagrada na Verba 2.23 a que a empreitada seja uma empreitada de reabilitação urbana e estando esta qualificação dependente de que a sua execução seja realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, o não reconhecimento ao benefício, na ausência da verificação desses requisitos ou condições constitui, tão só́, o cumprimento da lei. Tal como o seu reconhecimento, verificados os pressupostos que vimos mencionando, constituem o cumprimento da mesma.” (...)

Relativamente à questão do âmbito temporal importa realçar dois aspectos. O primeiro é o de que não pode confundir-se a possibilidade legalmente reconhecida aos Municípios de não aprovarem simultaneamente os dois instrumentos que, cumpridos, aprovados, permitem qualificar uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana (delimitação da área e operação de reabilitação urbana) com as condições de reconhecimento do benefício fiscal ao sujeito passivo. 

Do exercício da faculdade concedida aos primeiros (aprovação não simultânea dos dois instrumentos) pode resultar, ou não, a caducidade da delimitação da Área de Reabilitação Urbana, nos termos do n.º do artigo 15.º. Tal como a realização das empreitadas em Área de Reabilitação Urbana pode conduzir, ou não, ao reconhecimento ao sujeito passivo do benefício consagrado na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, dependendo de estar associada ou não a essa Área uma Operação de Reabilitação Urbana. Condição que cumpre ao sujeito passivo assegurar que está verificada, antes de realização da empreitada, pretendendo beneficiar da taxa de IVA reduzida. Ou seja, não está vedado ao sujeito passivo, a partir do momento em que o legislador passou a admitir que é possível não haver coincidência temporal entre a delimitação da Área de Reabilitação Urbana e a aprovação da Operação de Reabilitação Urbana, realizar empreitadas em Área de Reabilitação Urbana. O que lhe está legalmente vedado é beneficiar da tributação reduzida prevista na Verba n.º 2.23 se a empreitada se concretiza, mesmo que em Área de Reabilitação Urbana, antes da aprovação da Obra de Reabilitação Urbana.”

61.  Em síntese, de tudo quanto fica exposto é possível retirar duas outras conclusões. A primeira, qual seja, a de que, neste contexto interpretativo, carece de fundamento legal as alegações da Requerente de que a interpretação que perfilhamos viola o princípio da legalidade fiscal na vertente da reserva de Lei, mas a igual conclusão se chegaria se também tivesse sido expressamente invocada a vertente da tipicidade. Ao exigir-se que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos definidos, está-se apenas a exigir que se preencham as condições impostas pelo legislador fiscal no artigo 18.º, al. a), do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a esse Código anexa, que inclui, como vimos, a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. 

 

62.  A segunda, também a decisão proferida no procedimento inspetivo se encontra, tal como inicialmente demonstrado, devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, tal como exige o artigo 77.º da LGTA Requerida fundamentou assim de forma completa, tanto de facto, como de direito, o seu entendimento quanto à questão que nos ocupa, o que é patente na fundamentação do Relatório Final de Inspeção Tributária, infratranscrito.

 

 

63.  Ora, o relatório de inspeção tributária tanto estava bem fundamentado, que a Requerente conseguiu de forma clara perceber o posicionamento da Requerida, exercendo, quer o direito de audição prévia, quer impugnando de forma desenvolvida as liquidações que resultaram do identificado procedimento inspetivo.

 

64.  Tendo em consideração que se comprovou a inexistência para a área previamente delimitada (ARU), a existência de operação de reabilitação urbana (ORU), em que a primeira tenha o devido enquadramento, falta uma das condições para que a Requerente pudesse beneficiar da taxa reduzida de IVA à taxa de 6%.

 

65.  Na realidade, o conteúdo da certidão emitida pela Câmara Municipal do Porto não permite dar como comprovado a existência de Operação de Reabilitação urbana, uma vez que esse documento apenas dá como demonstrada a existência de Área de Reabilitação Urbana. Porém, a localização em área de reabilitação urbana não constitui, por si só́, condição suficiente para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto.

 

66.  Portanto, ainda que as obras em apreciação estivessem inseridas nas "Área de Reabilitação Urbana" (ARU), não ficou demonstrado que as mesmas consubstanciem uma operação de reabilitação urbana (ORU), nos termos definidos pelo RJRU, não permitindo nenhum dos documentos juntos aos autos fazer prova de tal.

 

67.  Em conclusão, tendo presente o quadro legal supra descrito, particularmente a interpretação perfilhada quanto aos requisitos consagrados na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, e que dos factos apurados nos presentes autos resulta que a empreitada foi realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual não estava à data da sua execução aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, haverá que julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que só́ beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana, compreendidas, estas últimas, no pressuposto de existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, que se verificou inexistir quanto ao caso dos presentes autos.

 

 

 

VI.          DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Singular, julgar improcedente o pedido de pronuncia arbitral para a anulação das liquidações adicionais de IVA e das respetivas liquidações de juros compensatórios e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados

 

 

VII.  VALOR DO PROCESSO 

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 31.413,70 (trinta e um mil quatrocentos e treze euros e setenta cêntimos), de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.

 

II.           CUSTAS

 

            Custas no montante de  1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerente, por ter sido total o seu decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

 

Notifique-se.

Porto, 22 de maio de 2025

 

O Árbitro

 

 

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)