Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 379/2024-T
Data da decisão: 2025-05-28  IRC  
Valor do pedido: € 2.654.999,98
Tema: IRC – Instituições de crédito: imparidades por créditos de cobrança duvidosa – artigo 28.º-C do CIRC; créditos incobráveis – artigo 41.º do CIRC.
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SUMÁRIO

I. Não sendo legalmente permitido ao sujeito passivo deduzir fiscalmente imparidades por créditos de cobrança duvidosa cobertos por direitos reais sobre bens imóveis, o facto de o sujeito passivo não ter reconhecido fiscalmente uma imparidade com referência a um crédito com esta natureza não preclude o reconhecimento fiscal posterior do mesmo crédito, como incobrável, ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC.

II. Nos termos do artigo 41.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, o sujeito passivo pode deduzir o montante de um crédito objeto de um processo de insolvência como gasto ou perda do período de tributação em que se realize o rateio final, não sendo relevante para este efeito o momento em que foi conhecida a proposta de rateio final.

III. Se (i) os documentos contabilísticos relevantes deixarem de beneficiar da presunção de verdade e boa-fé prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT (dada a verificação de omissões e inexatidões na contabilidade e declarações de rendimentos do sujeito passivo), e (ii) não for possível ao Tribunal Arbitral determinar, com o mínimo de rigor e segurança, o valor em dívida dedutível como crédito incobrável ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC, cumpre ao Tribunal Arbitral concluir que o sujeito passivo não cumpriu o ónus da prova que sobre ele passou a recair em face do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha, Dra. Maria do Céu Ferreira Godinho
e Professor Doutor Jónatas Machado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo no processo identificado em epígrafe, decidem o seguinte: 

 

I.  RELATÓRIO

A..., S.A., NIPC ... (doravante designado por “o Requerente”), veio, em 18-03-2024, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), tendo em vista (1) a declaração de ilegalidade e anulação parcial da decisão de indeferimento (parcial) da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023..., apresentada em 2023 contra a autoliquidação de IRC do período de 2020 n.º..., de 18-07-2021 (que deu origem à liquidação de IRC n.º 2021...), substituída em 2022 pela autoliquidação n.º ... (que deu origem à liquidação de IRC n.º 2022...), e em 2024 pela liquidação oficiosa de IRC n.º 2024 ... (emitida na sequência do procedimento inspetivo), e (2) a condenação da AT ao reembolso do IRC pago indevidamente, na parcela correspondente ao acréscimo do montante de € 2.654.999,98.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou os signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar. 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 28-05-2024 para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT.

No dia 01-07-2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, tendo junto o processo administrativo (“PA”) em 15-07-2024.

Em 03-09-2024, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:

“1. Ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de prova necessárias (cf. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), e considerando a inexistência de prova por produzir, o Tribunal Arbitral dispensa a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT. 

2. Notifique-se as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas (simultâneas) no prazo de 10 dias, devendo a Requerente responder às questões previas e exceções suscitadas pela AT na resposta juntamente com as mesmas”.

A Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas em 13-09-2024 e 20-09-2024, respetivamente.

 

II.  SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. 

O PPA é tempestivo porquanto foi apresentado em 18-03-2024, ou seja, no prazo de 90 dias contados da notificação da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa dos atos tributários em apreço, conforme resulta dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea b), 38.º, n.º 9, 39.º, n.º 10, do CPPT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

Na resposta ao PPA, a AT Requerida invocou a exceção (dilatória) da inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação de IRC n.ºs ... e 3247-..., correspondentes às liquidações n.ºs 2021 ... e 2022 .... No seu entender, estes atos tributários foram revogados pelo ato de liquidação n.º 2024 ...(emitido na sequência do procedimento inspetivo e em conformidade com o Relatório de Inspeção Tributária - “RIT” junto aos autos), sendo esta última liquidação o ato tributário que comporta a definição da matéria tributável do Requerente respeitante ao exercício de 2020. Por este motivo, conclui a Requerida que a presente ação arbitral carece de objeto.  

Em resposta, o Requerente veio, nas suas alegações, notar que a AT nunca se pronunciou sobre a parcela de € 2.654.99,98 (sobre a qual incide a presente ação arbitral) no RIT que deu origem à liquidação n.º 2024... . Assim, conclui o Requerente que não há um novo ato sobre a matéria que conforma o objeto da presente ação arbitral, e que, após a emissão da liquidação n.º 2024..., mantém-se integralmente a situação que o Requerente pretende ver corrigida em sede arbitral.

Vejamos.

Em 18-07-2021, o Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 n.º ... 2021 ... , do período de tributação de 2020 (que originou a emissão da liquidação n.º 2021...). Em 31-05-2022, o Requerente procedeu à entrega de uma declaração de substituição, identificada com o n.º ... 2022 ...(que originou a emissão da liquidação n.º 2022...). Com base no RIT emitido aquando do término de procedimento de inspeção tributária, foi emitida, no dia 10-01-2024, a liquidação oficiosa n.º 2024..., também referente ao período de tributação de 2020.

Em 18-07-2023, quando ainda se encontrava em curso o procedimento de inspeção relativo ao IRC do exercício de 2020, o Requerente apresentou reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2023...) contra as autoliquidações de IRC referentes ao período de tributação de 2020 (consubstanciada nas liquidações n.ºs 2021 ...e 2022 ...), peticionando a dedução de um crédito no montante de € 2.654.999,98, nos termos do artigo 41.º do Código do IRC (como crédito incobrável). No dia 19-12-2023, esta reclamação graciosa foi parcialmente indeferida, designadamente, na parte relativa ao referido crédito.

No dia 18-03-2024, o Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023... e os atos tributários a ela subjacentes, a autoliquidação de IRC n.º ...(que originou a emissão da liquidação n.º 2021...), substituída pela autoliquidação de IRC que originou a emissão da liquidação n.º 2022..., sem qualquer alteração quanto ao crédito que o Requerente pretende deduzir nos termos do artigo 41.º do Código do IRC (como crédito incobrável). A liquidação oficiosa de IRC n.º 2024..., emitida em 2024 relativamente ao período de 2020, também não consubstancia qualquer modificação quando ao crédito que o Requerente pretende deduzir, nesse período de tributação, como crédito incobrável.

Considerando que (i) quando o Requerente apresentou a reclamação graciosa ora impugnada (em 2023) apenas existiam na ordem jurídica as autoliquidações de IRC referidas, (ii) a questão da dedutibilidade do crédito em apreço, nos termos do artigo 41.º do Código do IRC, mantém-se quanto às três liquidações de IRC identificadas, (iii) a liquidação oficiosa emitida pela AT na sequência do procedimento inspetivo não sanou a referida questão, nem extinguiu os efeitos das autoliquidações submetidas pelo Requerente quanto ao crédito em apreço, (iv) abranger esta última liquidação (oficiosa) no âmbito da presente ação arbitral não implica a consideração de novos factos ou argumentos, nem uma alteração do pedido ou causa de pedir, e (v) a pretensão do Requerente subsiste e a resolução do litígio continua a revelar-se útil, o Tribunal Arbitral considerará, como objeto mediato do presente processo arbitral, a liquidação oficiosa de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2020 (que substituiu as liquidações de IRC n.ºs 2021... e 2022..., sem as alterar relativamente ao crédito em apreço), sem necessidade de ampliar o objeto do processo nos termos do artigo 265.º do Código do Processo Civil. 

Note-se que, nos termos dos artigos 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2, alínea a), do Código do Processo Civil (aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), cumpre ao Tribunal Arbitral providenciar oficiosamente pelo suprimento de exceções dilatórias suscetíveis de sanação, corrigindo ou completando, sempre que possível, os atos praticados pelas partes, de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão sobre a pretensão das partes (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, processo n.º 3553/12.7 TBBCL.G1).

Pelo exposto, improcede a exceção suscitada pela AT Requerida.

As partes não invocaram outras exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa. O processo não enferma de nulidades. 

Quanto ao valor do processo, veio a AT Requerida, na resposta ao PPA, defender que o mesmo deve ser reduzido de € 2.654.999,98 (valor correspondente à dedução ao lucro tributável do exercício de 2020 que o Requerente peticiona no PPA) para € 210.147,19 (valor a corrigir nos termos do RIT junto aos autos).

O artigo 97.º-A do CPPT, sob a epígrafe “Valor da causa”, na parte relevante, dispõe o seguinte: 

“1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: 

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; 

b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;”

Da jurisprudência (designadamente do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-01-2019, processo n.º 62/18.4BCLSB, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-10-2020, que correu termos sob o processo n.º 062/18.4BCLSB) resulta que o critério contemplado na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, pressupõe que, da fixação da matéria tributável, resulte imposto a pagar. 

Ora, no caso sub judice, nenhuma das liquidações de IRC relevantes resultam em imposto a pagar: na liquidação n.º 2021... foi considerado um prejuízo fiscal de € 240.423.193,36; na liquidação n.º 2022... foi considerado um prejuízo fiscal de € 386.060.366,11; e da liquidação n.º 2024 ... resulta um reembolso de € 95.493,80.

Os Acórdãos supra identificados deixam também claro que o valor do processo não é determinado pela aplicação da taxa de imposto ao montante das correções impugnadas, visto que tal valor seria meramente hipotético. Assim sendo, o valor do processo só poderá corresponder ao valor das correções impugnadas, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT. Conforme se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-01-2019, processo n.º 62/18.4BCLSB: 

“Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, o valor da causa corresponde ao valor contestado do acto de fixação da matéria tributável, e não ao valor que o contribuinte poderá deixar de pagar no futuro a título de imposto, caso obtenha ganho de causa”.

In casu, com a apresentação do PPA, o Requerente pretende ver reconhecido o seu direito a deduzir, ao lucro tributável do exercício de 2020, um crédito incobrável no montante de € 2.654.999,98.

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral fixa ao processo o valor de € 2.654.999,98.

 

III.      QUESTÕES DECIDENDAS E POSIÇÃO DAS PARTES

Apreciada a exceção suscitada pela Requerida na resposta, e determinado o valor do processo arbitral, interessa agora identificar as questões de mérito por decidir pelo Tribunal Arbitral. Estas reconduzem-se à dedutibilidade fiscal de um crédito concedido em 2013 à sociedade B..., S.A. (“B...”), no montante de € 2.655.000,00 (coberto por uma hipoteca), em virtude do incumprimento do respetivo pagamento a partir do final de 2015. 

Com base no RIT, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente e na posição das partes vertida nos respetivos articulados, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar as seguintes duas questões:

(i)         Se o Requerente deveria ter deduzido fiscalmente o crédito que detinha sobre a B..., como um crédito de cobrança duvidosa, nos exercícios de 2016 a 2019.

AT Requerida

No RIT, a AT verificou que, no ano de 2020, com referência a um crédito sobre a B..., o sujeito passivo procedeu à constituição de uma perda por imparidade no valor de € 2.865.147,17, que considerou parcialmente tributada [€ 210.147,19 (não tributada) + € 2.654.999,98 (tributada)], tendo por base o disposto no n.º 1 do artigo 28.º-C do Código do IRC. A este propósito, a AT considerou que o crédito sobre a B... que o Requerente pretende deduzir no período de 2020, no valor de € 2.660.859,04, ao abrigo do disposto no artigo 41.º do Código do IRC (correspondente a uma perda por imparidade, no montante de € 2.865.147,17, registada contabilisticamente na rubrica NCA #76, em virtude do incumprimento do pagamento do crédito por parte da B...) não é dedutível fiscalmente nesse período (2020), porquanto (1) o referido crédito já apresentava indícios de imparidade desde novembro de 2015 (altura em que esta empresa incumpriu as obrigações de pagamento do crédito bancário concedido pelo Requerente), (2) o Requerente devia ter procedido ao reconhecimento contabilístico da perda por imparidade em 2016, e (3) o Requerente devia ter reconhecido contabilisticamente, na totalidade, a perda por imparidade em 2017, e deduzido fiscalmente o valor total da mesma nesse ano de 2017.

Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa objeto do PPA, a AT considerou não ter ficado demonstrado em que data foi concedido crédito à B..., qual o seu montante, e se o mesmo se encontrava coberto por alguma garantia real. Com base nos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC (e regulamentação conexa), a AT concluiu que o Requerente deveria ter reconhecido fiscalmente uma imparidade com referência ao crédito sobre a B... em 2016 (ano que reconheceu contabilisticamente a imparidade em causa, em conformidade com as normas contabilísticas aplicáveis), ou em 2017 (ano em que foi declarada a insolvência da B...).

Tendo o Requerente demonstrado, em sede arbitral, a que data em foi concedido crédito à B..., o seu montante, e que o mesmo se encontrava coberto por uma hipoteca (garantia real), a AT Requerida, na resposta ao PPA, remeteu para a fundamentação contida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa. 

Requerente:

No PPA, o Requerente defende que, não obstante ter reconhecido uma imparidade com referência ao crédito concedido à B... em 2016 e 2017 (nos termos das normas contabilísticas aplicáveis), a legislação fiscal aplicável vedava a dedução fiscal da mesma imparidade, porquanto o crédito encontrava-se coberto por uma hipoteca.

(ii)       Se o Requerente tem o direito a deduzir fiscalmente o crédito sobre a B..., como um crédito incobrável, no exercício em que foi encerrado o processo de insolvência da B... .

AT Requerida:

No RIT, a AT considerou que, ainda que o Requerente não reconhecesse a imparidade do crédito no momento em que ocorreu o incumprimento do pagamento do crédito (em 2016 e 2017), tal reconhecimento seria indiscutível no momento em que o Tribunal de Setúbal declarou a insolvência da B..., a 13 de outubro de 2017, no âmbito do processo n.º .../17...T8STB, que correu seus termos no Juízo do Comércio de Setúbal – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal. Também por esta razão, o Requerente não poderia deduzir o montante do crédito sobre a B... em 2020, ao abrigo do disposto no artigo 41.º do Código do IRC.

Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa objeto do PPA, com base nos artigos 28.º-A, 28.º-C e 41.º do Código do IRC, a AT (i) observou que o não reconhecimento atempado de perdas relativas a créditos de cobrança duvidosa (em situações que deveriam ter sido reconhecidas), impossibilita o reconhecimento fiscal posterior do crédito como incobrável (ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC), e (ii) concluiu que, não havendo qualquer obstáculo a que a imparidade relativa ao crédito concedido à B... tivesse sido deduzida fiscalmente nos exercícios de 2016 ou 2017 (nos termos do n.º 1 do artigo 28.º-C do Código do IRC), não pode o Requerente deduzir fiscalmente o respetivo montante, como referente a um crédito incobrável (perda definitiva), em momento posterior (ou seja, em 2020).

Na resposta ao PPA, a AT Requerida remeteu para os argumentos contidos na decisão de indeferimento da reclamação graciosa objeto do PPA, e defendeu ainda que:

- Tendo o Requerente deduzido fiscalmente a perda por imparidade relevada contabilisticamente com referência ao crédito concedido à B..., não só no exercício de 2018 (€ 2.017.171,35), como em períodos anteriores (€ 274.447,18), não pode o Requerente voltar a proceder a uma dedução fiscal no exercício de 2020, sob pena de duplicação de gastos; e

- Dado que o crédito já reunia em 2019 as condições fiscalmente previstas para eventual dedução como perda final (visto que o rateio final foi realizado em 2019), nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC, não pode o Requerente proceder à uma dedução fiscal no exercício de 2020.

Requerente

No PPA, o Requerente defendeu, em suma, o seguinte:

-       Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC, o momento relevante para deduzir fiscalmente o crédito incobrável é o rateio final ocorrido em 2020, que culminou no encerramento do processo de insolvência da B...;

-       O montante da perda definitiva (€ 2.806.957,70) deverá ser deduzido fiscalmente no exercício de 2020;

-       O facto de o Requerente ter deduzido fiscalmente a imparidade associada ao crédito sobre a B... em 2018 não é impeditivo de deduzir fiscalmente o mesmo crédito em 2020, já que em 2020 foi feito um novo reconhecimento em Balanço do crédito e o Requerente acresceu no Campo 718 da Declaração Modelo 22 o valor de € 2.654.999,98 (o que retira relevância à utilização da imparidade ocorrida em 2018);

-       Por ser aplicável o artigo 41.º do Código do IRC, o Requerente não deveria ter acrescido, no Campo 718 da declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC do período de 2020, o valor de € 2.654.999,98.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral, cumpre enunciar, de seguida, a matéria de facto relevante, baseada na prova documental junto ao PPA e ao PA: 

O Requerente e o C... 

a.      Em 03-08-2014, o Requerente foi constituído como instituição de crédito por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, na sequência da aplicação por esta entidade de uma medida de resolução ao Banco C..., S.A. (“C...”), ao abrigo dos n.ºs 1 e 3 do artigo 145.º-C e do n.º 5 do artigo 145.º-G, todos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/98, de 31 de dezembro, conforme alterado (cf. alegado nos artigos 11.º do PPA e 4.º da resposta ao PPA, facto não controvertido).

b.      Na sequência da resolução do C..., foram transferidos para o Requerente os ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do C..., tendo o Conselho de Administração do Banco de Portugal posteriormente aprovado deliberações nas quais se estabeleceu que o Requerente sucedeu, para todos os efeitos legais e contratuais, nos direitos e obrigações do C... (cf. alegado nos artigos 12.º a 14.º do PPA e 5.º e 6.º da resposta ao PPA, facto não controvertido). 

c.       O Requerente é um sujeito passivo de IRC, estando sujeito ao regime geral deste imposto, conforme de previsto no Código do IRC (cf. alegado nos artigos 16.º do PPA, facto não controvertido).

Dívida da sociedade B..., registos contabilísticos, e declarações de rendimentos

d.      Em 26-08-2013, o C... concedeu um crédito à sociedade B..., S.A. (“B...”), no montante de € 2.655.000,00, tendo esta constituído, a favor do C..., uma hipoteca voluntária em terceiro grau sobre dois prédios urbanos (identificados na escritura pública de outorga de hipoteca), sendo o montante assegurado por esta hipoteca de € 3.637.350,00 de forma a incluir juros remuneratórios e moratórios (até um montante máximo de € 876.150,00), e despesas judiciais e extrajudiciais (até um montante máximo de € 106.200,00) que o Requerente pudesse vir a incorrer em caso de incumprimento (cf. alegado nos artigos 20.º e 21.º do PPA e 8.º da resposta ao PPA, e no artigo 57.º da reclamação graciosa junta ao PA, e Documentos 4 e 5 juntos ao PPA, facto não controvertido).

e.       Em 29-11-2015, registou-se o início do incumprimento, por parte da B..., das obrigações decorrentes do empréstimo que lhe foi concedido pelo C... cf. alegado nos artigos 22.º do PPA e 9.º da resposta ao PPA, e consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a fls. 302-316 do processo de reclamação graciosa junto ao PA, facto não controvertido).

f.       No exercício de 2016, o Requerente procedeu ao reconhecimento contabilístico de uma imparidade por crédito de cobrança duvidosa, no montante de € 2.192.887,45, com referência ao crédito concedido à B..., não tendo deduzido qualquer parcela desse valor como perda fiscalmente relevante nesse exercício (cf. quadro constante do artigo 24.º do PPA – Crédito IDRFME ..., não contestado pela Requerida, facto não controvertido).

g.      Na contabilidade relativa ao exercício de 2017, o Requerente procedeu ao aumento do valor (contabilístico) da imparidade por crédito de cobrança duvidosa referente ao crédito concedido à B... de € 2.192.887,45 para € 2.291.618,53 (cf. quadro constante do artigo 24.º do PPA – Crédito IDRFME ..., não contestado pela Requerida, facto não controvertido).

h.      Na declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 do exercício de 2017, o Requerente deduziu fiscalmente o montante de € 274.447,18 com referência ao crédito concedido à B... (cf. quadro constante do artigo 24.º do PPA – Crédito IDRFME ..., não contestado pela Requerida, facto não controvertido).

i.        Em 13-10-2017, o Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Comércio de Setúbal, proferiu sentença de declaração de insolvência da B..., no processo que correu termos sob o n. º .../17...T8STB, sem mencionar uma situação de insuficiência da massa insolvente (cf. alegado nos artigos 23.º do PPA e 10.º da resposta ao PPA, Documento 6 junto ao PPA, e consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a fls. 302-316 do processo de reclamação graciosa junto ao PA, facto não controvertido).

j.       Em 22-12-2018, o Requerente celebrou um acordo denominado “Participation Agreement”, com o objetivo de vender créditos não produtivos, que incluiria os créditos do Requerente sobre a B..., aos quais foi atribuído o código IDRFME ... (cf. alegado no artigo 25.º do PPA, e acordo junto ao PA, facto não controvertido).

k.      No exercício de 2019, não se verificou qualquer movimento contabilístico relativamente ao crédito concedido à B... (cf. alegado no artigo 108.º da resposta ao PPA, e consta da informação a fls. 271-275 dos documentos apensos ao procedimento de reclamação graciosa junto ao PA).

l.        Em 18-04-2019, o Administrador de Insolvência da B... apresentou uma proposta de distribuição e de rateio final, no valor total de € 2.806.957,70, do qual consta, quanto ao Requerente, o seguinte: 

- Um Crédito Garantido - 2º Grau – Hipoteca, no valor de € 395.022,66, e do qual foi pago o montante de € 117.707,46; 

- Um Crédito Comum, no valor de € 2.411.935,04, do qual foi pago o montante de € 28.391,20.

(cf. alegado no artigo 34.º do PPA, Documento 11 junto ao PPA, e consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a fls. 302-316 do processo de reclamação graciosa junto ao PA, facto não controvertido).

m.    Em 27-08-2020, após o rateio final, deu-se o encerramento do processo de insolvência, tendo o crédito sobre a B... sido satisfeito em € 146.098,66 (cf. alegado nos artigos 35.º e 36.º do PPA, e Documento 12 junto ao PPA, facto não controvertido).

n.      Em 09-12-2020, com a celebração do “Completion Certificate”, veio a materializar-se a venda de créditos não produtivos previamente incluídos no “Participation Agreement” de 22-12-2018, ficando, no entanto, excluídos os créditos do Requerente sobre a B..., aos quais foi atribuído o código IDRFME ...(cf. alegado nos artigos 27.º e 28.º do PPA).

o.      No Balanço do exercício de 2020, observou-se o seguinte registo contabilístico com referência ao crédito concedido à B...: na Conta #761.7– PERD.IMPARIDADE-CREDITO A CLIENTES (reversões), foi registada uma perda no valor de € 2.865.147,17 (cf. alegado nos artigos 30.º do PPA, e 48.º da resposta ao PPA, e consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a fls. 302-316 do processo de reclamação graciosa junto ao PA, e da informação a fls. 271-275 dos documentos apensos ao procedimento de reclamação graciosa junto ao PA).

p.      Em 2020, a Requerente não procedeu à comunicação ao Diretor-Geral da AT de que optaria pelo novo regime criado pela Lei n.º 98/2019, de 4 de setembro, para efeitos de dedução de imparidades por créditos de cobrança duvidosa cobertos por direitos reais sobre bens imóveis ao abrigo do novo artigo 28.º-C do Código do IRC (cf. alegado no artigo 53.º do PPA, facto não controvertido).

q.      Em 18-07-2021, o Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 n.º ... 2021..., do período de tributação de 2020, nos termos da qual foi apurado um prejuízo fiscal de € 240.423.193,36, e emitida a liquidação n.º 2021..., tendo, com referência ao crédito concedido à B...:

- acrescido o valor de € 2.654.999,98 ao campo 718 do Quadro 7, correspondente ao capital cedido à B... (não tendo deduzido fiscalmente este montante), e

- deduzido fiscalmente o valor de € 210.147,19 

(cf. alegado nos artigos 32.º e 33.º do PPA, 48.º e 109.º da resposta ao PPA, e 60.º da reclamação graciosa junta ao PA, e consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a fls. 302-316 do processo de reclamação graciosa junto ao PA, e da informação a fls. 271-275 dos documentos apensos ao procedimento de reclamação graciosa junto ao PA, facto não controvertido).

r.       Posteriormente, em 31-05-2022, o Requerente procedeu à entrega de uma declaração de substituição, identificada com o n.º ... 2022..., tendo aumentado o prejuízo fiscal para € 386.060.366,11, que originou a emissão da liquidação n.º 2022 ...(cf. Documento 2 junto aos autos, e alegado no artigo 18.º da resposta ao PPA, facto não controvertido).

Procedimento de inspeção, procedimento de reclamação graciosa e processo arbitral

s.       O Requerente foi sujeito a um procedimento de inspeção tributária, de âmbito geral, ao exercício de 2020, com o objetivo de verificação e comprovação da situação tributária, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., de 06-05-2022, iniciado em 08-11-2022 (cf. alegado no artigo 19.º da resposta ao PPA, e consta de informação contida no PA, facto não controvertido).

t.       Em 18-07-2023, quando ainda se encontrava em curso o procedimento de inspeção, o Requerente apresentou reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2023...) contra o ato tributário de autoliquidação de IRC relativamente ao período de tributação de 2020, consubstanciado na demonstração de liquidação n.º 2021..., de 05-08-2021, posteriormente substituída pela liquidação n.º 2022..., de 07-06-2022, alegando, entre o mais, o seguinte quanto ao crédito sobre a B...:

DOS FACTOS

57.°

No âmbito da sua atividade enquanto banco comercial, no dia 26 de agosto de 2013, a Reclamante (à data Banco C..., S.A.) concedeu um crédito à entidade B... S.A. (doravante “B...”), no montante de 2.655.000,00€, ao qual acrescia (i) um montante máximo de 876.150,00€ relativo a juros remuneratórios e moratórios e (li) um montante máximo de 106.200,00€ relativos a despesas judiciais e extrajudiciais que a Reclamante tivesse de incorrer em caso de incumprimento. 

58.°

Porém, em virtude do incumprimento do pagamento por parte da B..., a Reclamante reconheceu, no exercício de 2020, uma perda por imparidade sobre o montante total em dívida (i.e., imparidade a 100%). 

59.°

Concretamente, a Reclamante reconheceu no final de 2020 uma imparidade de 2.865.147,17€, registada contabilisticamente na demonstração dos resultados, em concreto na rubrica NCA#76. 

 

 

60.°

A este respeito, importa, pois, clarificar que, tendo por base o disposto no artigo 28.°-C, n.°1 do Código do IRC1, em vigor àquela data, o Reclamante apenas considerou para efeitos fiscais um custo de imparidade de 210.147,19€ correspondente à aplicação dos limites previstos no Aviso n.°3/95 do Banco de Portugal. Este facto é comprovado através do acréscimo de 2.654.999,98€ efetuado no campo 718 da declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2020 (cfr. Documento n.°14 - ver linha 11105-, que se junta e reproduz para os devidos efeitos legais). 

61.°

Após ter efetuado todas as diligências possíveis e necessárias para a cobrança do referido crédito e respetivos juros remuneratórios, veio a concluir-se que não existiam expectativas razoáveis de recuperação de qualquer montante referente a esta operação, o que originou em abril de 2021 que a Reclamante tivesse procedido ao wríte-off contabilístico do crédito e respetiva imparidade, não tendo este produzido qualquer efeito do ponto de vista fiscal. Conforme se detalha: (...)

62.°

Posto isto, entende a Reclamante que para efeitos da recuperação da perda por imparidade que nunca foi considerada para efeitos fiscais (2.654.999,98 Euros), não lhe resta outra alternativa que não seja a comprovação de total incobrabilidade do crédito em crise. 

DO DIREITO 

63.°

No que concerne à matéria em apreço, isto é, quanto à determinação da incobrabilidade de determinado valor a receber, regra geral, salvo algumas exceções específicas, deve atender-se ao disposto no artigo 41.° do código do IRC, o qual prevê que, em função da conclusão de determinados processos judiciais, se apure a incobrabilidade de determinado crédito. 

64.°

Em concreto, um dos processos judiciais previsto no artigo 41do código do IRC é o processo de insolvência, no qual se pode aferir a incobrabilidade de um crédito se a insolvência (i) for decretada de caráter limitado, (ii) for determinado o encerramento do processo por insuficiência de bens, ou (iii) após a realização do rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito. 

65.°

Ora, a respeito do crédito em análise, importa clarificar que o devedor (B...) foi declarado insolvente, no dia 13 de outubro de 2017, no âmbito do processo n.° .../17...T8STB (cfr. Documento n.°15, que se junta e reproduz para os devidos efeitos legais). Consequentemente, em função do desenrolar dos trâmites normais do processo, a 18 de abril de 2019, foi apresentada pelo administrador de insolvência uma proposta de distribuição e de rateio da massa insolvente quanto aos credores que se apresentaram à reclamação de créditos (cfr. Documento n.°16, que se junta e reproduz para os devidos efeitos legais). 

66.°

Posteriormente, a 27 de agosto de 2020, foi proferida a publicidade e anúncio do encerramento do processo de insolvência, nos termos do disposto no artigo 230.°, n.° 1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ("CIRE”), ou seja, após a realização do rateio final (cfr. Documento n.° 17, que se junta e reproduz para os devidos efeitos legais).

67.°

Em resultado do rateio final aprovado, importa referir que do montante total em dívida de 2.806.957,70 Euros, a Reclamante apenas foi ressarcida em 146.098,66€ (vide Documentos n.° 16 e n.° 17 - já juntos), pelo que, do ponto de vista meramente económico-jurídico, não restam dúvidas que relativamente ao valor de 2.660.859,04€ estamos perante uma perda definitiva, uma vez que não existe qualquer possibilidade de recuperação de tal montante. 

68.°

Não obstante, também do ponto de vista fiscal, em concreto do IRC, uma vez que, um dos momentos para reconhecimento da incobrabilidade de um crédito, nos termos do artigo 41.° desse código, é precisamente a realização do rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo, entendemos não restarem dúvidas quanto à classificação do crédito em crise enquanto incobrável, razão pela qual o mesmo deve ser diretamente considerado como gasto ou perda do período de tributação em que seja proferida a sentença de rateio final. 

69.°

Em conclusão, e considerando que o valor efetivamente reembolsado à Reclamante não permite se quer satisfazer o saldo de imparidade que teve relevância fiscal (210.147,19€), a Reclamante teria direito a deduzir o montante da perda que nunca teve relevância fiscal, isto é, 2.654.999,98€. 

70.°

Face ao acima exposto, considerando todos os factos e legislação supramencionados, bem como a documentação que se anexa, notamos que o caso sub judice se enquadra nos termos do artigo 41.° do Código do IRC, razão pela qual a Reclamante se encontra em posição de deduzir o montante de 2.654.999,98€ no apuramento do seu resultado relativo à Declaração de Rendimentos Modelo 22 afeta ao exercício de 2020.

(cf. reclamação graciosa junta ao PA, e alegado no artigo 20.º da resposta ao PPA, facto não controvertido).

u.      O Requerente foi notificado do despacho proferido pela Diretora Adjunta da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), de 19-12-2023, que recaiu sobre a reclamação graciosa com o n.º ...2023..., o qual indeferiu o peticionado pelo Requerente quanto ao crédito sobre a B..., com os seguintes fundamentos:

 

A...

B...

A...

 

B...

 

 

 

B...

A...

 

 

A...

A...

 

 

 

A...

A...

 

 

 

B...

B...

A...

B...

 

A...

 

 

A...

 

 

A...

B...

A...

B...

A...

B...

A...

B...

B...

A...

 

(cf. Documento 1 junto ao PPA, e despacho junto ao PA, facto não controvertido).

v.      Na sequência do procedimento inspetivo supra referido, foi emitido o RIT junto aos autos (notificado por Despacho de 03-01-2024), no qual, entre o mais, se pode ler:

 

B...

B...

B...

 

 

A...

A...

...

 

 

 

(cf. RIT junto ao PA).

w.     Com base no RIT junto aos autos, foi emitida a liquidação n.º 2024... no dia 10-01-2024, na qual foi rejeitada a dedução, ao lucro tributável do exercício de 2020, do valor de € 210.147,19, respeitante a despesas de natureza bancária que o Requerente havia considerado como dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC (cf. liquidação junta ao PA, e alegado no artigo 23.º da resposta ao PPA, facto não controvertido).

x.      Em 18-03-2024, o Requerente interpôs o PPA que deu origem aos presentes autos, que versa unicamente sobre uma das questões suscitadas em sede de reclamação graciosa, mormente o segmento da autoliquidação referente ao acréscimo do montante de € 2.654.999,98 no campo 718 do Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2020, respeitante ao crédito sobre a B... (facto não controvertido).

§2. Factos não provados

Com relevância para a decisão, consideram-se como não provados os seguintes factos:

“Na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2018, a Requerente deduziu fiscalmente o valor de € 2.136.948,65” 

“No exercício de 2018, o Requerente reverteu contabilisticamente o valor relativo à imparidade anteriormente reconhecida sobre o crédito concedido à B...”

“No exercício de 2020, o Requerente voltou a reconhecer em Balanço o crédito relativo à imparidade anteriormente reconhecida sobre o crédito concedido à B...”

“Em 2020, o valor em dívida (com referência ao empréstimo concedido à B...) dedutível como crédito incobrável (ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC) ascendia a € 2.806.957,70.”

§3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex viartigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados, e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

No decorrer do processo inspetivo, a AT identificou várias discrepâncias quanto aos valores registados contabilisticamente, entre 2016 e 2020, pelo Requerente, e inscritos nas suas declarações de rendimentos relativas a estes anos, conforme resulta da informação contida no PA. Assim, interessa salientar o disposto no artigo 75.º da LGT, sob a epígrafe “Declaração e outros elementos dos contribuintes”. O n.º 1 deste artigo dispõe que: 

“Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”

As alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo esclarecem que: 

“A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações”.

Dadas as omissões e inexatidões verificadas na contabilidade e declarações de rendimentos do Requerente, temos que os documentos contabilísticos referentes aos anos 2016 a 2020 não beneficiam da presunção de verdade e boa-fé prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT. 

Assim sendo, em face do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, passou a incumbir ao Requerente apresentar elementos de prova que permitissem ao Tribunal Arbitral concluir pela verificação dos factos constitutivos do seu direito de deduzir, ao lucro tributável do período de 2020, uma perda definitiva, no montante de € 2.806.957,70, com referência ao crédito concedido à B... em 2013, o que não logrou fazer. 

Adiante-se desde já que, considerando a posição das partes vertida nos respetivos articulados e os documentos juntos aos autos, não é possível ao Tribunal Arbitral determinar, com o mínimo de rigor e segurança, o valor em dívida (com referência ao empréstimo concedido à B... em 2013) dedutível como crédito incobrável em 2020 (ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC). Por um lado, não nos é possível apurar o valor do empréstimo (e encargos associados) em dívida em 2020 (considerando a falta de prova relativamente aos montantes pagos pela B... entre 2013 e 2015, e ao cálculo dos juros e despesas associados ao empréstimo em causa). Por outro lado, não nos é possível determinar o valor do crédito sobre a B... que não foi deduzido fiscalmente, como perda por imparidade, nos exercícios de 2017 a 2020. Recorde-se que o artigo 41.º do Código do IRC determina que os créditos incobráveis só são, diretamente, considerados gastos dedutíveis para efeitos fiscais se em períodos anteriores não tiver sido admitida perda por imparidade, ou esta se mostre insuficiente. 

Por último, note-se que a AT contesta expressamente a factualidade descrita pelo Requerente (cf. artigos 51.º a 53.º, e 111.º da resposta ao PPA), e que, nas suas alegações, o Requerente acaba por admitir que não consegue justificar algumas divergências (cf. respetivo artigo 45.º).

Factos não provados

Importa começar por referir o facto não provado: “Na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2018, a Requerente deduziu fiscalmente o valor de € 2.136.948,65”

No quadro constante do artigo 24.º do PPA – Crédito IDRFME..., é indicado o “montante utilizado” de € 2.136.948,65. Todavia, na resposta ao PPA (remetendo para o PA), a AT indica que, no exercício de 2018, a Requerida deduziu fiscalmente o valor de € 2.017.171,35 relativamente ao crédito concedido à B... (cf. alegado nos artigos 13.º e 106.º da resposta ao PPA, e consta da informação a fls. 271-275 dos documentos apensos ao procedimento de reclamação graciosa junto ao PA). Dada esta divergência de valores, e ausência de documentos de suporte, resta ao Tribunal Arbitral dar como não provado o facto em apreço.

Quanto ao facto não provado “No exercício de 2018, o Requerente reverteu contabilisticamente o valor relativo à imparidade anteriormente reconhecida sobre o crédito concedido à B...”, note-se que, no artigo 26.º do PPA, não é indicado o montante alegadamente desreconhecido contabilisticamente.

O mesmo se diga quanto ao facto não provado “No exercício de 2020, o Requerente voltou a reconhecer em balanço o crédito relativo à imparidade anteriormente reconhecida sobre o crédito concedido à  B...”, visto que, no artigo 29.º do PPA, não é indicado o respetivo montante, nem identificado qualquer documento de suporte. Acresce que este facto é expressamente contestado pela AT no artigo 110.º da resposta ao PPA.

Com maior relevância, atente-se ao facto não provado: “Em 2020, o valor em dívida (com referência ao empréstimo concedido à B...) dedutível como crédito incobrável (ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC) ascendia a € 2.806.957,70.”

Relembre-se que o Requerente alega que montante do empréstimo concedido à B... em 2013 (€ 2.655.000,00) deu origem a uma perda definitiva (dedutível nos termos do artigo 41.º do Código do IRC) no valor de € 2.806.957,70 em 2020. A AT Requerida contestou este valor no decorrer do procedimento inspetivo e em sede arbitral (cf. artigos 112.º a 114.º da resposta ao PPA).

Vejamos:

-       Do valor do empréstimo (capital) concedido em 2013 (€ 2.655.000,00), o Requerente reconheceu contabilisticamente, em 2016, como perda por imparidade (derivada do incumprimento dos pagamentos acordados com a B...), apenas o montante de € 2.192.887,45 (cf. artigos 20.º e 24.º do PPA). Todavia, o Requerente não faz qualquer alusão aos pagamentos realizados pela B... entre 2013 e 2015. Pode-se concluir que a B... procedeu ao pagamento de € 462.112,55 (capital) entre 2013 e 2015 (€ 2.655.000,00 - € 2.192.887,45), e que o montante total em dívida no final no exercício de 2016 era de € 2.192.887,45?

-       Na contabilidade relativa ao exercício de 2017, o Requerente procedeu ao aumento do valor (contabilístico) da imparidade por crédito de cobrança duvidosa referente ao crédito concedido à B... de € 2.192.887,45 para € 2.291.618,53 (cf. artigo 24.º do PPA). O Requerente não justifica este movimento contabilístico. Fica por esclarecer se este aumento se deveu ao vencimento de juros ou encargos de natureza bancária?

-       Na declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 do exercício de 2017, o Requerente deduziu fiscalmente o montante de € 274.447,18 com referência ao crédito concedido à B... (cf. artigo 24.º do PPA). Não há qualquer alusão a este valor no PPA, ficando por justificar esta dedução fiscal.

-       Tal como supra referido, não é possível ao Tribunal Arbitral determinar o montante deduzido fiscalmente em 2018 com referência ao crédito sobre a B...: se € 2.136.948,65 (conforme indicado pelo Requerente no PPA), se € 2.017.171,35 (conforme indicado pela AT Requerida na resposta ao PPA).

-       Tal como supra referido, não é possível ao Tribunal Arbitral determinar o montante alegadamente desreconhecido (revertido) em 2018, não tendo o Requerente aludido ao mesmo no artigo 26.º do PPA. 

-       Tal como supra referido, não é possível ao Tribunal Arbitral determinar o montante alegadamente reconhecido contabilisticamente, no exercício de 2020, com referência ao crédito concedido à B..., não tendo o Requerido aludido ao mesmo no artigo 29.º do PPA, e sendo este movimento contabilístico expressamente contestado pela AT na resposta ao PPA.

-       Dada a contradição do alegado no PPA, relativamente ao montante de € 210.147,19 (deduzido fiscalmente na declaração de rendimentos Modelo 22 do ano de 2020), não é claro se o mesmo montante diz respeito a “outras despesas de natureza bancária” (cf. alegado no artigo 31.º do PPA), ou se despesas incorridas em virtude do processo de insolvência da B..., encerrado em 2020 (cf. implícito no artigo 87.º do PPA).

-       Quanto ao valor alegadamente dedutível, em 2020, como crédito incobrável (€ 2.806.957,70), saliente-se a discrepância nos valores avançados pelo Requerente no PPA: no artigo 30.º do PPA, o Requerente alega que, em 2020, repôs uma imparidade total de € 2.865.147,14, correspondente à soma de € 2.158.046,34 e € 707.100,83, como reforço; no artigo 31.º do PPA, o Requerente alega que o valor de € 2.865.147,14 corresponde à soma de € 2.654.999,98 (referindo o capital inicial mutuado à B..., como se esta não tivesse procedido a quaisquer pagamentos entre 2013 e 2015) e € 210.147,19 (montante alegadamente referente a despesas de natureza bancária); no artigo 34.º do PPA, o Requerente indica o valor de € 2.806.417,70 como o valor do crédito sobre a B..., apurado em 2019, e no artigo 80.º do PPA, o Requerente indica que, após ser ressarcido de € 146.098,66 (processo de insolvência), o valor do crédito passou a € 2.660,859,00, tendo, no entanto, contestado o valor de € 2.655.000,00.

Por todo o exposto, conclui-se que o Requerente não logrou provar (como lhe competia) que, em 2020, o valor em dívida com referência ao empréstimo concedido à B..., relevante para efeitos do artigo 41.º do Código do IRC, ascendia a € 2.806.957,70. 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Legislação fiscal relevante

Dedutibilidade, por empresas do sector bancário, de perdas por imparidades com referência a créditos de cobrança duvidosa cobertos por direitos reais sobre imóveis 

Encontrava-se estatuído no artigo 28.º-A do Código do IRC, sob a epígrafe “Perdas por imparidade em dívidas a receber”, na redação dada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01-01-2015, o seguinte: 

“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros.

2 - Podem também ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável as perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito, em títulos e em outras aplicações, contabilizadas de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis, no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, nos termos e com os limites previstos no artigo 28.º-C. (Redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2015)

3 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação”.

Com a Lei n.º 98/2019, de 4 de setembro, o n.º 2 deste preceito passou a dispor:

Podem também ser deduzidas, para efeitos de determinação do lucro tributável, as perdas por imparidade para risco de crédito, em títulos e em outras aplicações, contabilizadas de acordo com as normas contabilísticas e regulamentares aplicáveis, no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, nos termos e com os limites previstos no artigo 28.º-C”.

Antes de 2019, o Código do IRC (e regulamentação aprovada nos termos do mesmo) não permitia às instituições bancárias deduzir, para efeitos fiscais, imparidades por créditos cobertos por direitos reais sobre bens imóveis. Nos termos do artigo 37.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Empresas do sector bancário”na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, dispunha, na parte relevante, o seguinte:

1 — O montante anual acumulado das perdas por imparidade e outras correcções de valor para risco específico de crédito e para risco -país a que se refere o n.º 2 do artigo 35.º não pode ultrapassar o que corresponder à aplicação dos limites mínimos obrigatórios por força dos avisos e instruções emanados da entidade de supervisão.

2 — As perdas por imparidade e outras correcções de valor referidas no número anterior só são aceites quando relativas a créditos resultantes da actividade normal, não abrangendo os créditos excluídos pelas normas emanadas da entidade de supervisão e ainda os seguintes:

(...)

b) Os créditos cobertos por direitos reais sobre bens imóveis;” (sublinhado nosso)

Este artigo deu lugar ao artigo 28.º-C do Código do IRC, sob a epígrafe “Instituições de crédito e outras instituições financeiras”, que, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dispunha, na parte relevante, o seguinte:

“1 - O montante anual acumulado das perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito e para risco-país a que se refere o n.º 2 do artigo 28.º-A não pode ultrapassar o que corresponder à aplicação dos limites mínimos obrigatórios por força dos avisos e instruções emanados da entidade de supervisão.

2 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas no número anterior só são aceites quando relativas a créditos resultantes da atividade normal, não abrangendo os créditos excluídos pelas normas emanadas da entidade de supervisão e ainda os seguintes:

(...)

b) Os créditos cobertos por direitos reais sobre bens imóveis;” (sublinhado nosso)

A Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro, aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2015, alterou a redação do artigo 28.º-C do Código do IRC, passando a dispor, na parte relevante, o seguinte:

“1 - Os montantes anuais acumulados das perdas por imparidade para risco específico de crédito dedutíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º-A, são determinados com observância das regras definidas em decreto regulamentar, que estabelece as classes de mora em que devem ser enquadrados os vários tipos de créditos e os juros vencidos de acordo com o período decorrido após o respetivo vencimento ou o período decorrido após a data em que tenha sido formalmente apresentada ao devedor a exigência da sua liquidação, as percentagens aplicáveis em cada classe em função da existência ou não de garantia e da natureza da garantia bem como os créditos cujas imparidades, em função da sua própria natureza ou do tipo de devedor, não são dedutíveis naqueles termos.

2 - As perdas por imparidade para risco específico de crédito referidas no n.º 2 do artigo 28.º-A apenas são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável quando relacionadas com créditos resultantes da atividade normal do sujeito passivo”. (sublinhado nosso)

A não dedutibilidade das imparidades por créditos cobertos por direitos reais sobre bens imóveis foi mantida para o exercício de 2015 pelo Decreto-Regulamentar n.º 19/2015, de 30 de dezembro, em cujo artigo 2.º, alínea b), se pode ler:

As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas no número anterior só são aceites quando relativas a créditos resultantes da atividade normal, não abrangendo os créditos excluídos pelas normas emanadas pelo Banco de Portugal e ainda os seguintes: (…) Os créditos cobertos por direitos reais sobre bens imóveis”. (sublinhado nosso)

O Decreto-Regulamentar n.º 5/2016, de 18 de dezembro, manteve a mesma limitação para 2016 (cf. respetivo artigo 2.º, alínea b)), limitação esta prorrogada para o ano 2017 pelo Decreto-Regulamentar n.º 11/2017, de 28 de dezembro (cf. respetivo artigo 2.º, alínea b)), e para o ano de 2018 pelo Decreto-Regulamentar n.º 13/2018, de 28 de dezembro (cf. respetivo artigo 2.º, alínea b)).

A Lei n.º 98/2019, de 4 de setembro, alterou a redação do artigo 28.º-C do Código do IRC, que assim passou a permitir instituições de crédito deduzir imparidades por créditos cobertos por direitos reais sobre bens imóveis. Relativamente às perdas por imparidade registadas em períodos de tributação anteriores ao período iniciado em ou após 01-01-2019, o artigo 3.º da Lei n.º 98/2019, de 4 de setembro, sob a epígrafe “Imparidades de períodos anteriores”, estabeleceu que:

“1 - O disposto no artigo 28.º-C do Código do IRC, na redação dada pela presente lei, é aplicável às perdas por imparidade registadas nos períodos de tributação com início em, ou após, 1 de janeiro de 2019, aplicando-se às perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito registadas nos períodos de tributação anteriores, ainda não aceites fiscalmente, o disposto nos números seguintes, sem prejuízo do disposto no regime especial aplicável aos ativos por impostos diferidos, aprovado pela Lei n.º 61/2014, de 26 de agosto.

2 - Exceto quando se verifiquem as condições previstas no artigo 41.º do Código do IRC, as perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito previstas no n.º 2 do artigo 28.º-A do Código do IRC que tenham sido registadas contabilisticamente nos períodos de tributação anteriores, apenas são dedutíveis até ao montante que, em cada período de tributação, corresponder à aplicação dos limites mínimos obrigatórios estabelecidos no Aviso do Banco de Portugal n.º 3/95, na redação em vigor antes da respetiva revogação pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2015, para as provisões para risco específico de crédito e desde que:

a) Sejam relativas a créditos resultantes da atividade normal;

b) Não sejam créditos em que o Estado, regiões autónomas, autarquias locais ou outras entidades públicas tenham prestado aval;

c) Não sejam créditos cobertos por direitos reais sobre bens imóveis, nem garantidos por contratos de seguro de crédito ou caução, com exceção da importância correspondente à percentagem do descoberto obrigatório;

d) Não estejam nas condições previstas nas alíneas c) ou d) do n.º 3 do artigo 28.º-B do Código do IRC.

3 - Em caso de reversão de perdas por imparidade para risco específico de crédito, relativas a uma exposição de crédito analisada em base individual, contabilizadas em diferentes períodos de tributação, considera-se que:

a) Essa reversão respeita, em primeiro lugar, às perdas por imparidade que não tenham sido aceites para efeitos da determinação do lucro tributável;

b) Sem prejuízo do estabelecido na alínea anterior, essa reversão respeita, em primeiro lugar, às perdas por imparidade constituídas há mais tempo.

4 - Os critérios previstos nas alíneas a) e b) do número anterior aplicam-se, com as devidas adaptações, às reversões de perdas de imparidade para risco específico de crédito, relativas a uma exposição a um grupo de créditos analisados coletivamente, contabilizadas em diferentes períodos de tributação.

5 - Os sujeitos passivos devem incluir no processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC um mapa plurianual das perdas por imparidade para risco específico de crédito, relativas a uma exposição de crédito analisada em base individual ou a um grupo de créditos analisados coletivamente, o qual deve conter a seguinte informação discriminada por cada crédito ou por cada grupo de créditos:

a) Montante da constituição ou reforço das perdas por imparidade, em cada período de tributação;

b) Montante das perdas por imparidade que não concorreram para a determinação do lucro tributável, em cada período de tributação e, quando aplicável, o montante abrangido pelo regime especial aplicável aos ativos por impostos diferidos, aprovado pela Lei n.º 61/2014, de 26 de agosto;

c) Montante das reversões efetuadas em cada período de tributação;

d) Montante das reversões que concorreram para a determinação do lucro tributável, em cada período de tributação, identificando as associadas a ativos por impostos diferidos que tenham sido objeto de conversão nos termos do artigo 6.º do regime especial aplicável aos ativos por impostos diferidos, aprovado pela Lei n.º 61/2014, de 26 de agosto.

6 - O disposto nos n.os 3, 4 e 5 é aplicável a todas as perdas por imparidade relacionadas com créditos relativamente aos quais tenham sido constituídas perdas por imparidade nos períodos de tributação iniciados até 31 de dezembro de 2018, salvo quando estas tenham sido já revertidas na sua totalidade”.

O artigo 4.º da Lei n.º 98/2019, de 4 de setembro, sob a epígrafe “Período de adaptação”, dispõe o seguinte:

“1 - Nos 5 períodos de tributação com início em, ou após, 1 de janeiro de 2019, os sujeitos passivos abrangidos pelo disposto no artigo 28.º-C do Código do IRC aplicam às perdas por imparidade e outras correções de valor para risco de crédito o regime vigente anterior à entrada em vigor da presente lei, salvo comunicação dirigida ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de opção pela aplicação do regime definitivo consagrado pelos artigos 2.º e 3.º da presente lei, a apresentar até ao final do décimo mês do período de tributação em curso.

2 - Para efeitos do número anterior, nos períodos de tributação em que se aplique o regime vigente anterior à entrada em vigor da presente lei, os limites máximos das perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável em imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e as regras para a sua determinação observam o disposto no Decreto Regulamentar n.º 13/2018, de 28 de dezembro, com as devidas adaptações.

3 - A comunicação mencionada no n.º 1 produz efeitos em relação ao período de tributação em curso à data da sua submissão e em relação aos seguintes.

4 - A ausência da comunicação referida nos n.os 1 e 3 determina que o regime definitivo consagrado nos artigos 2.º e 3.º da presente lei, se aplica ao sujeito passivo a partir do período de tributação que se inicie em, ou após, 1 de janeiro de 2024.

5 - Em caso de aplicação do período de adaptação previsto no n.º 1, o disposto nos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC, na redação dada pela presente lei, apenas é aplicável às perdas por imparidade para risco de crédito registadas nos períodos de tributação com início em, ou após, a aplicação do regime definitivo, aplicando-se às perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito registadas nos períodos de tributação anteriores, ainda não aceites fiscalmente, o disposto no artigo 3.º da presente lei, com as devidas adaptações:

6 - Independentemente do exercício da opção prevista no n.º 1 e da inerente comunicação dirigida ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, os sujeitos passivos abrangidos pelo disposto no artigo 28.º-C do Código do IRC ficam sujeitos à aplicação do regime definitivo consagrado pelos artigos 2.º e 3.º da presente lei:

a) No período de tributação que se inicie em, ou após, 1 de janeiro de 2022 se, a partir desta data, adquirirem ações próprias ou procederem à distribuição de dividendos a acionistas relativamente a lucros obtidos no exercício de 2022, salvo se, por referência a 31 de dezembro de 2022, o valor dos respetivos ativos por impostos diferidos abrangidos pelo regime especial aplicável aos ativos por impostos diferidos, aprovado pela Lei n.º 61/2014, de 26 de agosto, se tiver reduzido, em termos acumulados, face ao valor registado a 31 de dezembro de 2018, em pelo menos 10 %;

b) No período de tributação que se inicie em, ou após, 1 de janeiro de 2023 se, a partir desta data, adquirirem ações próprias ou procederem à distribuição de dividendos a acionistas relativamente a lucros obtidos no exercício de 2023, salvo se, por referência a 31 de dezembro de 2023, o valor dos respetivos ativos por impostos diferidos abrangidos pelo regime especial aplicável aos ativos por impostos diferidos, aprovado em anexo à Lei n.º 61/2014, de 26 de agosto, se tiver reduzido, em termos acumulados, face ao valor registado a 31 de dezembro de 2018, em pelo menos 20 %”.

Daqui se retira que, de acordo com o n.º 1 do artigo 4.º desta Lei, nos períodos de tributação de 2019 a 2023 (inclusive), as instituições de crédito deveriam continuar a aplicar o regime vigente anterior (que não permitia a dedução em apreço), salvo se optassem pelo novo regime mediante comunicação ao Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (a apresentar até ao final do 10.º mês do período de tributação em curso).

Dedutibilidade de créditos incobráveis 

Dispõe o artigo 41.º do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, conforme alterado pelas Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, e Lei n.º 8/2018, de 2 de março, o seguinte:

“1 - Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação, ainda que o respetivo reconhecimento contabilístico já tenha ocorrido em períodos de tributação anteriores, em qualquer das seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código de Processo Civil; 

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou quando for determinado o encerramento do processo por insuficiência de bens, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 230.º e do artigo 232.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou após a realização do rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito

c) Em processo de insolvência ou em processo especial de revitalização, quando seja proferida sentença de homologação do plano de insolvência ou do plano de recuperação que preveja o não pagamento definitivo do crédito; 

d) (Revogada) 

e) No âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, após decisão arbitral; 

f) Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de (euro) 750. 

g) Quando for celebrado e depositado na Conservatória do Registo Comercial acordo sujeito ao Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) que cumpra com o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do RERE e do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito”. (sublinhado nosso)

§2. Apreciação do Tribunal Arbitral

(i)     Deveria o Requerente fiscalmente o crédito que detinha sobre a B..., como um crédito de cobrança duvidosa, nos exercícios de 2016 a 2019?

Os artigos 28.º-A, 28.º-B e 28.º-C do Código do IRC definem as condições em que as perdas em dívidas a receber (evidenciadas na contabilidade do sujeito passivo) podem ser deduzidas para efeitos fiscais e, consequentemente, afetar negativamente (reduzir) o lucro tributável para efeitos de IRC. 

Caso as perdas por imparidade evidenciadas na contabilidade do sujeito passivo sejam dedutíveis para efeitos fiscais, o sujeito passivo não tem de proceder a ajustamentos na declaração de rendimentos de IRC Modelo 22. Caso as perdas por imparidade evidenciadas na contabilidade do sujeito passivo não sejam dedutíveis para efeitos fiscais, o sujeito passivo tem de proceder a ajustamentos na declaração de rendimentos de IRC Modelo 22, acrescendo o respetivo montante no campo 817. Este ajustamento tem por efeito o aumento do lucro tributável do exercício para efeitos de IRC. E porque que motivo é necessário?

Sendo o lucro tributável para efeitos de IRC inicialmente reportado ao resultado contabilístico, se o resultado contabilístico foi negativamente impactado (reduzido) por uma perda por imparidade relevante do ponto de vista contabilístico, mas não dedutível para efeitos fiscais, é necessário corrigir (positivamente) o lucro tributável para efeitos de IRC de forma a que este não seja negativamente impactado (reduzido) por uma perda por imparidade reconhecida contabilísticamente que não é fiscalmente dedutível.

No caso em apreço, as partes contendem sobre se o Requerente deveria ter deduzido fiscalmente o crédito que detinha sobre a B... como uma imparidade por crédito de cobrança duvidosa (coberto por direitos reais sobre imóveis), nos exercícios de 2016 a 2019, à luz dos artigos 28.º-A, 28.º-B e 28.º-C do Código do IRC e respetiva regulamentação. 

Quanto a esta questão temos que assiste razão ao Requerente, porquanto o crédito sobre a B... constituía uma perda por imparidade relevante do ponto de vista contabilístico (como um crédito de cobrança duvidosa), mas não dedutível para efeitos fiscais (como um crédito de cobrança duvidosa) visto que se encontrava coberto por uma hipoteca (direito real sobre bens imóveis).

Do artigo 37.º do Código do IRC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, e do artigo 28.º-C do Código do IRC (que substituiu o artigo 37.º do Código do IRC), nas redações dadas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, e pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro (e decretos regulamentares associados), resulta que as instituições de crédito não podiam deduzir, em sede de IRC, imparidades por créditos de cobrança duvidosa cobertos por direitos reais sobre bens imóveis. Nos exercícios de 2019 a 2023, esta dedução passou a ser permitida pela Lei n.º 98/2019, de 4 de setembro (que alterou a redação do artigo 28.º-C do Código do IRC), desde que as instituições de crédito optassem pelo novo regime mediante comunicação ao Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (a apresentar até ao final do 10.º mês do período de tributação em curso).

Não tendo optado pelo novo regime mediante comunicação ao Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não podia o Requerente deduzir, nos períodos de tributação entre 2019 e 2023, imparidades por créditos de cobrança duvidosa cobertos por direitos reais sobre bens imóveis, não obstante reconhecer os mesmos contabilisticamente em conformidade com a IAS 39 – “Instrumentos Financeiros - Instrumentos Financeiros Reconhecimento e Mensuração” e a Norma Internacional de Relato Financeiro 9 – “Instrumentos Financeiros” (IFRS 9).

Conclui-se, assim, que o Requerente não deveria ter deduzido fiscalmente o crédito que detinha sobre a B..., como um crédito de cobrança duvidosa, nos exercícios de 2016 a 2019. Conclui-se também que, ao contrário do que defende a AT, o facto de o Requerente não ter reconhecido fiscalmente uma imparidade com referência ao crédito que detinha sobre a B... entre 2016 e 2019 (como crédito de cobrança duvidosa), não impossibilita o reconhecimento fiscal posterior (em 2020) do mesmo crédito como incobrável (ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC). Assim sendo, interessa atentar se o Requerente tem efetivamente o direito a deduzir fiscalmente o crédito concedido à B... (como perda associada a um crédito incobrável) no exercício de 2020. 

(ii)   O Requerente tem o direito a deduzir fiscalmente o crédito que detinha sobre a B..., como um crédito incobrável, no exercício em que foi encerrado o processo de insolvência da  B... (2020)?

A este propósito, as partes contendem quanto (a) ao momento (exercício) em que a perda associada ao crédito sobre a B... deveria ser relevada fiscalmente (nos termos do artigo 41.º do Código do IRC), e (b) se o Requerente tem efetivamente o direito de relevar a mesma perda para efeitos fiscais em 2020 (como crédito incobrável). 

Em que momento deveria a perda associada ao crédito sobre a B... ser relevada fiscalmente?

Do artigo 41.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, sob a epígrafe “Créditos incobráveis”, retira-se que, quando o devedor de um crédito for objeto de um processo de insolvência, o sujeito passivo credor do crédito pode deduzir o respetivo montante como gasto ou perda do período de tributação em que (i) a insolvência seja decretada de caráter limitado, ou (ii) seja determinado o encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens, ou (iii) se realize o rateio final, do qual resulte o não pagamento definitivo do crédito, ainda que o respetivo reconhecimento contabilístico já tenha ocorrido em períodos de tributação anteriores, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente.

No caso em análise, como resulta da factualidade assente, o rateio final realizou-se efetivamente em 2020 (ano em que foi encerrado o processo de insolvência da B...), pelo que não há dúvida de que era nesse exercício que a perda associada ao crédito sobre a B... deveria ser deduzida fiscalmente (como crédito incobrável), ao abrigo do artigo 41.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, não sendo relevante para este efeito o momento em que foi conhecida a proposta de rateio final (in casu, 2019).

Tem o Requerente o direito de deduzir a imparidade associada ao crédito sobre a B... (como crédito incobrável) ao lucro tributável do período de 2020?

Tal como referido supra, dadas as omissões e inexatidões verificadas na contabilidade e declarações de rendimentos do Requerente, os documentos contabilísticos referentes aos anos 2016 a 2020 deixaram de beneficiar da presunção de verdade e boa-fé prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, e passou a incumbir ao Requerente (em face do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT) apresentar elementos de prova que permitissem ao Tribunal Arbitral concluir pela verificação dos factos constitutivos do seu direito de deduzir, ao lucro tributável do período de 2020, uma perda definitiva, no montante de € 2.806.957,70, com referência ao crédito concedido à B... em 2013. 

E, tal como referido supra, considerando a posição das partes vertida nos respetivos articulados e os documentos juntos aos autos, não é possível ao Tribunal Arbitral determinar, com o mínimo de rigor e segurança, o valor em dívida (com referência ao empréstimo concedido à B... em 2013) dedutível como crédito incobrável em 2020 (ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRC). Não cabe o Tribunal Arbitral adivinhar o montante relevante para este efeito.

Em consequência, fica prejudicado o conhecimento de outros vícios alegados pelo Requerente, como seja a alegada violação do princípio da justiça.

Por todo o exposto, julga-se o PPA improcedente na sua totalidade.

 

VII. DECISÃO

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide julgar o pedido de pronúncia arbitral totalmente improcedente.

 

***

 

VALOR DO PROCESSO 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do  em € 2.654.999,98.

 

 

CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas em € 34.272,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente em razão do decaimento.

Notifique-se.

CAAD, 28 de maio de 2025

O Tribunal Arbitral,

 

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

Maria do Céu Ferreira Godinho
 

 

Jónatas Machado