Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 17/2025-T
Data da decisão: 2025-05-21  IRC  
Valor do pedido: € 363.019,74
Tema: IRC – Derrama municipal – Rendimentos obtidos no estrangeiro
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SUMÁRIO: 

De acordo com o artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes em território português, com exclusão de rendimentos provenientes de fonte estrangeira.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte: 

 

DECISÃO ARBITRAL

     I.         {C}{C}RELATÓRIO

A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede em ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (“NIPC”)..., na qualidade de sociedade dominante do Grupo B..., e C..., S.A., sociedade comercial anónima com sede em ..., n.º..., ...-... Porto, titular do NIPC ..., na qualidade de sociedade dominada daquele Grupo (separada e respetivamente “1.ª Requerente” e “2.ª Requerente” ou, conjuntamente, “Requerentes”), vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a) e 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.os 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL com vista à apreciação da legalidade das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declarações Modelo 22”) n.os ..., ... e ..., referentes ao exercício de 2019, das quais resultou o montante total a pagar de 1.829.234,11 EUR, e nas declarações Modelo 22 n.os ..., ... e ..., referentes ao exercício de 2020, das quais resultou o montante total a pagar de 1.140.425,91 EUR, e, bem assim, da decisão final de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado no âmbito do procedimento identificado em epígrafe.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 7 de janeiro de 2025. 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 21 de fevereiro de 2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. 

O TAC encontra-se, desde 11 de março de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 15 de abril de 2025. 

Por despacho de 16 de abril de 2025, o TAC proferiu o seguinte despacho: 

“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A Requerente apresentou resposta às exceções.

 

 

 

 II.           {C}{C}DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1       Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

a.     A 1.ª Requerente é uma sociedade comercial anónima que exerce, a título principal, a atividade de gestão de bolsas e outros mercados de valores mobiliários, a gestão de sistemas de liquidação de valores mobiliários e a prestação de outros serviços relacionados com a emissão e negociação de valores mobiliários.

b.     A 2.ª Requerente é uma sociedade comercial anónima que exerce, a título principal, a atividade de gestão de sistemas de liquidação de valores mobiliários e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

c.     As Requerentes prosseguem a sua atividade comercial em território nacional, auferindo, por isso, rendimentos de fonte portuguesa.

d.     As Requerentes auferem também rendimentos de fonte estrangeira de natureza predial e decorrentes da prestação de serviços de natureza diversa.

e.     Em 2019 e 2020, a 1.ª e 2.ª Requerentes eram, respetivamente, a sociedade dominante e dominada do Grupo B..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.

f.      Os atos de autoliquidação de IRC objeto dos presentes autos resultam do preenchimento e submissão das declarações Modelo 22 do Grupo B... e das Requerentes referentes aos exercícios de 2019 e 2020 – cfr. Documentos n.os 1 a 6.

g.     Nos exercícios em causa, em cumprimento das suas obrigações tributárias, a 1.ª Requerente, enquanto sociedade dominante, procedeu à entrega das declarações Modelo 22 do Grupo B... – às quais foram atribuídos os n.os ... e  ... –, tendo declarado, no campo 364 do quadro 10 de cada uma daquelas declarações, respetivamente, os montantes de 307.284,28 EUR e de 328.717,63 EUR, a título de derrama municipal – cfr. Documentos n.os 1 e 4.

h.     O montante de derrama municipal refletido nas declarações Modelo 22 do Grupo B... corresponde ao somatório dos montantes de derrama municipal apurados nas declarações Modelo 22 individuais das Requerentes:

Sociedade

2019

2020

Montante de derrama municipal apurado

Identificação da declaração Modelo 22

Montante de derrama municipal apurado

Identificação da declaração Modelo 22

1.ª Requerente

91.920,62

...

90.841,36

...

2.ª Requerente

215.363,66

...

237.876,27

...

Grupo B...

307.284,28

...

328.717,63

...

i.      – cfr. Documentos n.os 1 a 6.

j.      Ainda por referência a tais exercícios, as Requerentes procederam à entrega das suas declarações anuais de informação simplificada (“declarações IES”) – às quais foram atribuídos os n.os ..., ..., ... e... –, tendo declarado, no quadro 4 do anexo H daquelas declarações, os rendimentos por si obtidos no estrangeiro – cfr. cópias das declarações IES, juntas como Documentos n.os 8 a 11.

k.     Neste contexto, nos exercícios de 2019 e 2020, os rendimentos (provenientes da remuneração de prestações de serviços) auferidos pelas Requerentes no estrangeiro ascenderam ao montante total de 25.961.417,65 EUR, conforme melhor discriminado infra:

Sociedade

Natureza

Tipologia de rendimentos

Montante (EUR)

2019

2020

1.ª Requerente

8

Serviços prestados

2.988.043

7.816.192

2.ª Requerente

1

Rendimentos prediais

48.000

48.168

8

Serviços prestados

7.173.465,98

7.755.400,83

11

Outros rendimentos

66.000

66.147,84

TOTAL

10.275.508,98

15.685.908,67

– cfr. Documentos n.os 8 a 11 e cópia do Relatório de Gestão do exercício de 2020 da 1.ª Requerente, junta como Documento n.º 12.

l.      A 30 de julho de 2020, as Requerentes procederam ao pagamento da totalidade do imposto autoliquidado por referência ao exercício de 2019, no montante de 1.829.234,11 EUR – cfr. cópia do comprovativo de pagamento, junta como Documento n.º 13.

m.   A 16 de julho de 2021, as Requerentes procederam ao pagamento da totalidade do imposto autoliquidado por referência ao exercício de 2020, no montante de 1.140.425,91 EUR – cfr. cópia do comprovativo de pagamento, junta como Documento n.º 14.

n.     8 de julho de 2024, por não se conformarem com os atos tributários sub judice, as Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa, em sede do qual peticionaram a anulação (parcial) daqueles atos tributários, na parte referente à derrama municipal incidente sobre rendimentos (lucro tributável) de fonte estrangeira – cfr. cópia do pedido de revisão oficiosa, junta como Documento n.º 15.

o.     {C}{C}A 25 de setembro de 2024, a 1.ª Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa – cfr. Documento n.º 7.

p.     {C}{C}Em sede da referida decisão, a Administração Tributária sustentou o seguinte:

«Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI), aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal, cuja receita reverte a favor dos Municípios, tem como base de tributação o lucro tributável de entidades residentes, sujeitas e não isentas deste imposto, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como de entidades não residentes que exerçam a sua atividade em território português através de um estabelecimento estável nele situado.

(…)

As empresas Requerentes liquidaram derrama municipal sobre a totalidade do lucro tributável apurado com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, o qual se encontra corretamente influenciado pelos alegados rendimentos obtidos no estrangeiro, que devida e legalmente contribuem para a coleta daquele tributo.

A derrama municipal é um imposto cuja incidência real assenta no lucro tributável sem que o seu regime possua regras especificas para o apuramento desta grandeza, sendo, assim, seguidas as regras que estão consagradas no Código do IRC, cujo artigo 17.º, como é sabido, estabelece que o lucro corresponde à soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos enunciados no Código a fim de serem tomados em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.

q.     {C}{C}Isto significa que quer a derrama, quer o IRC, são determinados com recurso a uma base tributável comum – o lucro tributável.

(…)

É possível, pois, constatar, que o regime da derrama municipal, que em parte se acaba de expor, não contempla nenhuma situação que determine a possibilidade de “decepar” o lucro tributável, dele expurgando rendimentos que legalmente não estão excluídos da incidência real daquele tributo.

A derrama municipal calcula-se por aplicação de uma taxa máxima de 1,5% ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC. Ou seja, o que está legalmente consagrado é uma tributação incidente sobre rendimentos sujeitos a IRC e dele não isentos.

(…)

Não se pode concordar com a Requerente quando afirma que as empresas em causa,  A..., individualmente considerada, e C..., liquidaram derrama municipal sobre a totalidade dos respetivos lucros tributáveis em face das limitações inerentes ao sistema informático da AT e ao próprio modelo oficial da declaração modelo 22, que impõem o seu apuramento sobre o lucro tributável total declarado no campo 302 do quadro 09, daí resultando um valor de imposto excessivo, por se encontrar influenciado por rendimentos obtidos no estrangeiro.

(…)

Não se apontando qualquer erro ou ilegalidade ao apuramento da derrama municipal, devem as autoliquidações processadas pela Requerente para os períodos de imposto de 2019 e 2020 ser mantidas na sua ordem jurídica, improcedendo o pedido por intempestivo por inaplicabilidade quer do prazo de 4 anos, previsto para os casos de existência de erro imputável aos serviços, quer o prazo de 3 anos imposto para as situações de injustiça grave ou notória.

(…)

Em conformidade com todo o exposto (…), parece-nos ser de indeferir liminarmente o pedido inserto nos autos, face à sua intempestividade, com todas as consequências legais».

– cfr. Documento n.º 4.

r.      {C}{C}Em síntese, de acordo com o entendimento perfilhado pela Administração Tributária, para efeitos de cálculo e apuramento da derrama municipal dever-se-á atender à globalidade do lucro tributável de IRC gerado no exercício, independentemente da origem (nacional ou estrangeira) dos rendimentos que para aquele concorrem.

s.     {C}{C}As Requerentes não se conformam com os atos tributários e decisório sub judice, motivo pelo qual apresentam o presente pedido de pronúncia arbitral, em sede do qual exporão as razões em que alicerçam a sua posição e pelas quais consideram padecerem tais atos de ilegalidade, devendo, por isso, ser anulados em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

POR EXCEÇÃO - DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA (REVISÃO OFICIOSA TOUT COURT)

 

a.     No âmbito do pedido de pronúncia arbitral a Requerente vem sindicar a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a qual havia sido apresentada relativamente à autoliquidação de IRC, referente aos períodos de tributação de 2019 e de 2020, entendendo que as autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama municipal indevidamente suportada sobre a parte do lucro tributável respeitante a rendimentos obtidos no estrangeiro, ascendendo o imposto pago indevidamente a € 363.019,74.

b.     Ora, importa antes de mais suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral, com vista a apreciar o indeferimento em torno do pedido de Revisão Oficiosa de Ato Tributário, porquanto, a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei.

c.     Com efeito, a competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no Art.º 2.º n.º 1 do RJAT, a saber: «(…) a apreciação das seguintes pretensões:

d.     a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.»

e.     Todavia, por força do Art.º 4.º n.º 1 do RJAT, «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

f.      Define a aludida Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março no seu Art.º 2.º alínea a) que a Requerida se encontra vinculada às pretensões arbitrais que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no Art.º 2.º n.º 1 do RJAT, «com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

g.     Ora, como já referido, o pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objeto as autoliquidações de IRC respeitante aos exercícios de 2019 e de 2020, a qual foi alvo de pedido de Revisão Oficiosa de Ato Tributário.

h.     Destarte, o pedido de Revisão Oficiosa não pode ser apreciado por parte do Tribunal Arbitral.

POR EXCEPÇÃO - Da rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa e da consequente inidoneidade do meio processual, inimpugnabilidade da autoliquidação e caducidade do direito de ação

a.     A decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa foi uma decisão de indeferimento, com fundamento em intempestividade, não tendo havido qualquer pronúncia da AT quanto ao mérito do mesmo. 

b.     Isso mesmo resulta inequívoco da informação proferida naquela sede, e que se transcreve: 

“(…)

Tomando em consideração o objeto do pedido e os termos em que assenta a sua apresentação impõe-se, desde já, deixar expresso que existem no presente caso razões suscetíveis de provocar o seu indeferimento liminar por intempestividade, face à inoperância do prazo alegado de 4 anos por inexistência no caso em apreço de erro imputável aos serviços, o mesmo se dizendo para o requerido prazo de 3 anos por igual inexistência da arguida situação de injustiça grave ou notória relativamente ao período de 2020. 

Senão vejamos. 

22. Alega a Requerente estarem preenchidos os requisitos necessários à aplicação ao pedido da segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT, tanto por ainda estar a decorrer o prazo de 4 anos previsto no normativo, como por estar em causa uma situação de erro imputável aos serviços, como nele igualmente é exigido. 

23. Acrescenta, relativamente ao período de 2020, estarem também preenchidos os requisitos para a aplicação do n.° 4 do artigo 78.° da LGT, quer por se encontrar a apresentar o pedido no decurso do prazo de 3 anos ali previsto quer por entender estar perante uma situação de injustiça grave ou notória. 

Ora, 

24. No tocante à segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT, ou seja, a admissibilidade do pedido de revisão no decurso dos 4 anos seguintes à liquidação que se pretende seja revista necessário se torna que o fundamento que lhe subjaza seja o erro imputável aos serviços.

Com efeito,

25. O normativo em referência determina que “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços." 

26. No caso em apreço no apuramento da derrama municipal efetuado pela Requerente não há qualquer erro e nessa sequência nenhum erro suscetível de ser imputável aos serviços. Atente-se que, 

27. Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI), aprovado pela Lei n.° 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal, cuja receita reverte a favor dos Municípios, tem como base de tributação o lucro tributável de entidades residentes, sujeitas e não isentas deste imposto, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como de entidades não residentes que exerçam a sua atividade em território português através de um estabelecimento estável nele situado.

41. Não se pode concordar com a Requerente quando afirma que as empresas em causa,  A..., individualmente considerada, e C..., liquidaram derrama municipal sobre a totalidade dos respetivos lucros tributáveis em face das limitações inerentes ao sistema informático da AT e ao próprio modelo oficial da declaração modelo 22, que impõem o seu apuramento sobre o lucro tributável total declarado no campo 302 do quadro 09, daí resultando um valor de imposto excessivo, por se encontrar influenciado por rendimentos obtidos no estrangeiro. 

42. Como se deixou evidenciado, inexiste qualquer erro praticado pelas sociedades Requerentes na liquidação da derrama municipal, tendo-se limitado a seguir o regime legal que a molda e que se encontra explicito na arquitetura e nos conteúdos da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, o que afasta o alegado pressuposto de erro imputável aos serviços.

50. A inexistência de erro no cálculo da derrama municipal, afastando desde logo a aplicação da segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT. 

De igual forma, 

51. E pelas mesmas razões que se enunciaram, se pode afirmar a inexistência no caso em apreço de uma situação de injustiça grave ou notória, o que invalida o pedido de revisão extraordinária do ato tributário referente a 2020 com tal fundamento. 

52. A determinação da derrama municipal efetuada pela Requerente, contrariamente ao por si invocado, não contém qualquer incorreção, não tendo, por isso, suscitado tributação em montante superior ao devido. 

Logo,

53. A revisão oficiosa do ato tributário de autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2020 com fundamento em injustiça grave ou notória, à luz dos números 4 e 5 do artigo 78º da LGT, não é admissível. 

E, assim sendo,

54. Não se apontando qualquer erro ou ilegalidade ao apuramento da derrama municipal, devem as autoliquidações processadas pela Requerente para os períodos de imposto de 2019 e 2020 ser mantidas na sua ordem jurídica, improcedendo o pedido por intempestivo por inaplicabilidade quer do prazo de 4 anos, previsto para os casos de existência de erro imputável aos serviços, quer o prazo de 3 anos imposto para as situações de injustiça grave ou notória.

§ VI. DA CONCLUSÃO 

Em conformidade com todo o exposto e compulsados os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pela Requerente, parece-nos ser de indeferir liminarmente o pedido inserto nos autos, face à sua intempestividade, com todas as consequências legais.

c.     “(…).”

d.     E não se argumente com o fato de o teor da notificação do despacho de indeferimento, resulta que o meio judicial idóneo para reagir contra o mesmo é a impugnação judicial, pois tal não pode acolher.

e.     Assim a notificação refere o seguinte:

“(…)

Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias, nos termos dos n.°s 1 e 2 do art.° 66º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação judicial no prazo de três meses, nos termos do art.® 97° e do art.® 102°, ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

(…).”

f.      Ou seja, a errada indicação do meio de defesa na notificação não torna idóneo o meio processual utilizado.

DA INTEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA e da consequente inidoneidade do meio processual, inimpugnabilidade da autoliquidação e caducidade do direito de ação – Do alegado (todavia, inexistente) erro imputável aos serviços, injustiça grave e notória e da consequente caducidade do direto à ação

a.     Ora, em sede de revisão oficiosa concluiu-se que a mesma havia sido apresentada intempestivamente, uma vez que não preenchia os requisitos cumulativos estipulados quer no nº 1, quer no nº 4 do artigo 78º da LGT, nomeadamente, erro imputável aos Serviços e injustiça grave ou notória. 

b.     Mas tal como já referido anteriormente, este centro de arbitragem é materialmente incompetente para apreciar atos em matéria tributária que, sem apreciar a legalidade da autoliquidação, se limitem a indeferir o pedido da Requerente com fundamento em intempestividade, como vem a ser o caso dos presentes autos. 

c.     Na verdade, o meio judicial adequado para contestar a decisão sub judice não é a presente arbitragem, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, disposição legal que legitima a impugnação de atos de liquidação e subsequentes indeferimentos sobre os meios de reação administrativa eventualmente acionados sobre eles, mas antes a ação administrativa, a que se referem os artigos 50.º e 58.º do CPTA. 

d.     Efetivamente, a ação administrativa é o meio contencioso adequado para contestar os atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade de atos de liquidação, de acordo com o disposto com a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, o que é o caso da decisão de rejeição liminar proferida em sede de revisão oficiosa. 

e.     Como se disse, a revisão oficiosa sob apreço não foi objeto de qualquer decisão de indeferimento ou análise de mérito, tendo antes e apenas sido objeto de expresso indeferimento por intempestividade, uma vez que a autoliquidação está sujeita a reclamação graciosa prévia no prazo de 2 anos, nos termos do art.º 131.º do CPPT e, no caso, não existia erro imputável à AT para efeitos de admissão do pedido de revisão oficiosa no prazo alargado de 4 anos previsto no art.º 78.º da LGT. 

f.      Aliás, qualquer análise de mérito que se lhe aponte é meramente superficial e teve unicamente como objetivo determinar que não havia qualquer erro suscetível de ser imputável aos serviços que obrigasse a AT a aceitar o pedido efetuado quer no prazo de 3 anos, quer no de 4 anos.

g.     Recorde-se, como já aqui foi referido, que a informação que serviu de fundamento à decisão de indeferimento da revisão oficiosa não atendeu à factualidade alegada, referindo-se apenas, em abstrato e de um modo superficial, à questão de direito sem a aprofundar em função da factualidade controvertida. 

h.     Quanto à intempestividade do pedido, vejamos mais aprofundadamente,

i.      Esclarecendo, novamente, o que a imputabilidade do erro à AT, para efeitos de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do art.º 78.º da LGT, nunca poderia ocorrer no caso dos presentes autos:

j.      quer por se tratar de autoliquidações de imposto, que não tiveram na sua base qualquer informação ou orientação da AT, 

k.     situação que, concretamente, concorre para acentuar a negligência do Requerente que tendo efetuado o pagamento de um imposto, ainda assim, não reagiu, em tempo, contra a sua legalidade. 

l.      Como se sabe, o pedido de revisão a oficiosa constitui o único meio que os sujeitos passivos têm para, decorrido que estejam os prazos de 120 dias da Reclamação Graciosa e os 3 meses da Impugnação Judicial, discutirem ou incitarem a discussão da legalidade do ato tributário.

m.   Contudo, o acionamento do pedido de revisão a oficiosa não é rigorosamente igual ao despoletar da Reclamação Graciosa. 

n.     Com efeito, o regime do pedido de revisão a oficiosa é diferente – frisa-se, diferente – consoante: 

                                               i.     Tenha sido deduzido ou despoletado DENTRO do prazo de Reclamação Graciosa (120 dias); ou

                                             ii.     Tenha sido deduzido ou despoletado FORA do prazo de Reclamação Graciosa (120 dias).

o.     Assim, quando o pedido de revisão a oficiosa é apresentado DENTRO do prazo de Reclamação Graciosa, ele poderá ter como fundamento qualquer ilegalidade, podendo ser invocados os mesmos vícios que poderiam ser em sede reclamação e impugnação.

p.     {C}{C}Diferentemente, quando o pedido de revisão a oficiosa é apresentado ou despoletado FORA do prazo de Reclamação Graciosa, o sujeito passivo já não poderá invocar qualquer ilegalidade, mas apenas e só os seguintes fundamentos:

                                               i.     O erro imputável aos serviços (n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT);

                                             ii.     A injustiça grave ou notória (n.º 4 do art.º 78.º da LGT); ou

                                           iii.     A duplicação de coleta (n.º 6 do art.º 78.º da LGT).

q.     No caso vertente, é incontestável que o pedido de revisão a oficiosa sub judice foi despoletado FORA do prazo da Reclamação Graciosa.

r.      Portanto, tendo o Requerente despoletado o pedido de revisão oficiosa assumidamente FORA do prazo de Reclamação Graciosa, ela apenas poderia sustentar a sua pretensão com base em (verdadeiro) erro imputável aos serviços da Requerida (n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT);

s.     Ademais, vem a Requerente alegar que é grave e notória a injustiça decorrente das autoliquidações sub judice.

t.      Ora, os requisitos do nº 4 do artigo 78º da LGT são como já se referiu cumulativos, pelo que não basta provar que a factualidade configura uma “injustiça grave e notória”, no sentido de o sujeito passivo se ver confrontado com uma tributação “manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade – artigo 78º, 5 da LGT-, sendo ainda necessário provar que o mesmo adotou um comportamento diligente.

u.     Também aqui não assiste qualquer razão à Requerente.

v.     E não lhe assiste razão porquanto a Requerente não preenche, nitidamente, o requisito final exigido pelo n.º 4 do art.º 78.º da LGT.

w.   Efetivamente, o pedido de revisão oficiosa só poderia ser aceite à luz daquela norma legal se o erro não for imputável a comportamento negligente da Requerente.

 

POR IMPUGNAÇÃO

a.     Deverão considerar impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a ) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT.

b.     Assim o objeto do presente pedido arbitral é o seguinte:

                                               i.     Constituí o objeto do pedido arbitral as autoliquidações referentes aos períodos de tributação de 2019 e de 2020, na parte respeitante à derrama municipal, nas importâncias solicitadas de, respetivamente, € 154 132,64 e € 208 887,11 (no total de € 363 019,74, conforme abaixo discriminado), em face de a Requerente entender terem sido, por si individualmente e pela empresa C..., incluídos indevidamente na base tributável daquele tributo rendimentos gerados fora do território português.

2019

A...                         C...                         TOTAL 

                          € 44 820,65                  € 109 311,99            € 154132,64 

 

                       2020

                           A...                                        C...                                TOTAL

      € 90 841,36               € 118 045,75             € 208 887,11

 

                                             ii.     A Requerente submeteu as declarações periódicas de rendimento, modelo 22, com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, quer das empresas individualmente consideradas, quer as do Grupo, tendo a derrama municipal sido calculada sobre as parcelas do lucro tributável provenientes de rendimentos obtidos no estrangeiro, nos montantes de € 10 275 508,98 e € 15 685 908,67, respetivamente, o que originou, no seu entender, a liquidação indevida daquele imposto, nos referidos montantes de € 154 132,64 e € 208 887,11.

c.     Após leitura e análise da matéria objeto do pedido de pronúncia arbitral e da revisão oficiosa que foi indeferida liminarmente, entendemos que não há razões para anular as autoliquidações de IRC ora parcialmente controvertidas, na parte da derrama municipal que incidiu sobre a parcela do lucro tributável atinente aos rendimentos obtidos no estrangeiro (rendimentos prediais e remuneração pelas prestações de serviços realizadas a partir de Território Nacional a clientes não residentes). 

d.     A Requerente, enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades, está sujeita ao Regime Especial Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, para efeitos da determinação do lucro tributável das sociedades que integram o respetivo perímetro fiscal, no qual se inclui as entidades A..., S.A, NIPC ... e C..., S.A., NIF... .

e.     De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º do Código do IRC, o lucro tributável de um grupo de sociedades que tenha optado pelo RETGS é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. 

f.      Neste contexto, cabe à sociedade dominante de um grupo, se for caso disso, o pagamento do imposto resultante do lucro tributável do grupo determinado nos termos acima referidos, sem prejuízo de as restantes sociedades do grupo serem solidariamente responsáveis pelo mesmo (conforme previsto no artigo 115.º do Código do IRC). 

g.     Neste PPA, está em causa a apreciação da legalidade dos atos tributários de autoliquidação do IRC, referente aos períodos de tributação de 2019 e 2020, do grupo fiscal do qual a 1ª Requerente é atualmente sociedade dominante.

h.     Vem a Requerente pretender expurgar, ao lucro tributável apurado, para efeitos de determinação da derrama municipal, o valor total das prestações de serviços efetuadas no estrangeiro. Ou seja, pretende excluir, simplesmente o total dos rendimentos prediais e das prestações de serviço efetuados a partir do território nacional a clientes residentes no estrangeiro e que resultam diretamente do exercício do seu objeto social, rendimentos para os quais contribuiu tanto o seu património (ativos e passivos), como toda a sua estrutura organizacional, com sede e direção efetiva em território nacional. 

i.      Assim, para a obtenção de tais rendimentos foram inevitavelmente suportados gastos diretos e indiretos, por exemplo, gastos com pessoal, gastos com fornecimentos e serviços externos, depreciação e amortizações de ativos utilizados no exercício de toda a atividade, encargos financeiros suportados com a aquisição dos ativos, e demais encargos suportados para a obtenção de rendimentos, apuramento que sequer consta nos presentes autos.

j.      Impõe-se, no entanto notar, que os elementos constantes do processo não permitem qualquer validação do cálculo do diferencial da derrama municipal cuja anulação é pretendida.

k.     E tal não se basta com uma simples operação aritmética de subtração, nomeadamente, e apenas, do valor dos rendimentos obtidos no estrangeiro como defende a Requerente. E os gastos direta e indiretamente imputáveis aos rendimentos obtidos?

l.      Assim, e sem conceder, entendemos que a Requerente não cumpriu o ónus da prova que lhe compete, uma vez que apenas junta as declarações de rendimento Modelo 22 IRC (DM22) e Informação Empresaria Simplificada (IES) dos exercícios de 2019 e 2020 (já na posse da AT), não juntando quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado naquelas operações realizadas com origem no estrangeiro.

m.   De referir, e não obstante a Requerente salientar que as sociedades procederam à entrega das suas declarações anuais de informação simplificada (“declarações IES”) – às quais foram atribuídos os nºs ...(A..., ano 2019), ... (C... – ano 2019), ... (A... – ano 2020) e ... (C...– ano 2020) –, tendo declarado, no quadro 4 do anexo H daquelas declarações, os rendimentos por si obtidos no estrangeiro, o que efetivamente se verifica é que no tocante à declaração IES da A..., em referencia ao ano 2019, os valores referidos não foram inscritos no quadro 04 do anexo H (mas sim no quadro 03 do anexo H), e no ano 2020 não foi sequer apresentado anexo H na IES desta sociedade.

n.     Na verdade, a Requerente, para comprovar o lucro tributável apurado em resultado dos rendimentos obtidos com origem no estrangeiro, deveria ter apresentado documentos externos, os quais, não obstante poderem ser em número avultado, deveriam ser verificados, aleatoriamente, mediante amostragem, a definir pela AT, uma vez que só esses poderiam comprovar a bondade dos registos.

o.     Não concedendo, e apesar das discordâncias entre a posição defendida nesta decisão e a posição defendida pela AT, referimo-nos ainda à mais recente decisão do CAAD, em 09.09.2024, no âmbito do processo n.º 31/2024-T que, sumariamente, decidiu “Para efeitos de cálculo da Derrama Municipal, deve ser excluída do lucro tributável sujeito e não isento de IRC a componente do lucro tributável [e não dos rendimentos brutos] obtida fora do território nacional”. 

p.     Parece-nos por demais evidente que cabe à Requerente comprovar o valor da “componente do lucro tributável obtida fora do território nacional”, que pretende não sujeita a derrama municipal e não simplesmente subtrair ao lucro tributável global os rendimentos brutos obtidos no estrangeiro, como aqui defende.

q.     Pelo que não pode este tribunal, se sufragar a tese da Requerente, o que não se concede e apenas por mero exercício intelectual se cogita, condenar nos montantes “aferidos” pela Requerente.

 

 III.         {C}{C}SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e admite-se a coligação de Requerentes.

O processo não enferma de nulidades.

No entanto há que apreciar as exceções invocadas.

 

 IV.         {C}{C}FUNDAMENTAÇÃO

IV.1.     Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a)     A Requerente, enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades, está sujeita ao Regime Especial Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, para efeitos da determinação do lucro tributável das sociedades que integram o respetivo perímetro fiscal, no qual se inclui as entidades A..., S.A., sociedade dominante, NIF ... e C..., S.A., NIF..., sociedade dominada – GRUPO B... . 

b)    A A... tem como objeto a atividade de gestão de bolsas e outros mercados de valores mobiliários, a gestão de sistemas de liquidação de valores mobiliários e a prestação de outros serviços relacionados com a emissão e negociação de valores mobiliários. Por sua vez a C... tem como objeto a atividade de gestão de sistemas de liquidação de valores mobiliários e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

c)     Neste PPA, está em causa a apreciação da legalidade do ato tributário de autoliquidação do IRC, referente aos períodos de tributação de 2019 e 2020, do grupo fiscal do qual a 1ª Requerente é atualmente sociedade dominante, na parte referente à Derrama Municipal que alega ter ilegalmente suportado, no montante total de 363.019,74€ (154.132,64€ no ano 2019 + 208.887,11€ no ano 2020), calculada sobre os rendimentos obtidos no estrangeiro, decorrentes de rendimentos prediais e de prestações de serviços efetuadas a partir de território nacional para clientes não residentes, pela sociedade dominante A... ((no valor total de 10.804.235,00€ (2.988.043,00€ no ano 2019 + 7.816.192,00 no ano 2020)) e pela sociedade dominada C... ((no valor total de 15.157.182,65€ (7.287.465,98€ no ano 2019 + 7.869.716,67€ no ano 2020)) no montante total de rendimentos obtidos no estrangeiro de 25.961.417,65€ para os dois exercícios em analise.

d)    A Requerente apresentou a modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2019 em 29/07/2020 e 2020 em 14/07/2021.

e)     O pedido apresentado no CAAD visa o ato de indeferimento expresso da Revisão Oficiosa nº ...2024... apresentada pelo sujeito passivo A..., S.A., proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), em 05.09.2024.

f)     Em resumo, constitui objeto deste pedido de constituição do tribunal arbitral,

a.     Objeto imediato - Ato de indeferimento da Revisão Oficiosa n.º ...2024... apresentada pelo sujeito passivo A..., S.A., proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), em 05.09.2024. 

b.     Objeto mediato - as autoliquidações de IRC, referentes aos período de tributação de 2019 e 2020, efetuadas pela Requerente, mediante a entrega da Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 (DM22) do Grupo Fiscal, em 29.07.2020, referente ao período de tributação de 2019 identificada com o n.º..., e Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 (DM22) do Grupo Fiscal, em 14.07.2021, referente ao período de tributação de 2020 identificada com o n.º..., na parte referente à Derrama Municipal que alega ter ilegalmente suportado, no montante total de 363.019,74€ (154.132,64€ no ano 2019 + 208.887,11€ no ano 2020), calculada sobre os rendimentos obtidos no estrangeiro, DECORRENTES DE RENDIMENTOS PREDIAIS E DE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS EFETUADAS A PARTIR DE TERRITÓRIO NACIONAL PARA CLIENTES NÃO RESIDENTES, pela sociedade dominante A.. ((no valor total de 10.804.235,00€ (2.988.043,00€ no ano 2019 + 7.816.192,00 no ano 2020)) e pela sociedade dominada C... ((no valor total de 15.157.182,65€ (7.287.465,98€ no ano 2019 + 7.869.716,67€ no ano 2020)) no montante total de rendimentos obtidos no estrangeiro de 25.961.417,65€ para os dois exercícios em analise.

g)    Perante a liquidação emitida, a Requerente deduziu um pedido de Revisão Oficiosa, instaurado sob o n.º ...2024... .

h)    Após análise do alegado, foi elaborada a Informação n.º 173-AIR1/2024, no sentido do indeferimento da pretensão da Requerente, com despacho concordante do Chefe de Divisão da Justiça Tributária daquela UGC.

i)      Nessa sequência foi a Requerente notificada para, querendo, exercer o direito de audição, previsto no art.º 60.º da LGT, com data de 15/07/2024.

j)      No prazo concedido, não se pronunciou, pelo que foi convertida em definitiva a decisão de indeferimento liminar, por despacho do mesmo autor, datado de 05/09/2024, exarado na informação n.º 218-AIR1/2024. 

k)    Inconformada apresentou o presente pedido arbitral.

l)      É um contribuinte de elevada relevância económica e fiscal, nos termos do disposto no art.º 68.º-B da LGT e constante do Despacho n.º 7048/2022 de 27 de Maio.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1]“o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV.2.A. Quanto às exceções invocadas

 

a)    {C}{C}Quanto à incompetência material do tribunal arbitral

No que respeita à alegada incompetência material do tribunal arbitral, há que considerar o seguinte:

·      {C}{C}Alega a Requerente estarem preenchidos os requisitos necessários à aplicação ao pedido da segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT, tanto por ainda estar a decorrer o prazo de 4 anos previsto no normativo, como por estar em causa uma situação de erro imputável aos serviços, como nele igualmente é exigido. 

·      {C}{C}Acrescenta, relativamente ao período de 2020, estarem também preenchidos os requisitos para a aplicação do n.° 4 do artigo 78.° da LGT, quer por se encontrar a apresentar o pedido no decurso do prazo de 3 anos ali previsto quer por entender estar perante uma situação de injustiça grave ou notória. 

Ora, acompanhamos a Requerente quando refere que cumpre desde logo sublinhar que o entendimento perfilhado pela Administração Tributária assenta numa errónea interpretação dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, 131.º, n.º 1, do CPPT e, bem assim, do alcance da expressão «com recurso à via administrativa».

Na ótica da Administração Tributária, a precedência de «recurso à via administrativa» imposta pelo artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, refere-se exclusivamente à reclamação graciosa obrigatória prevista no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, pelo que o pedido de revisão oficiosa apresentado pelas Requerentes não cumpre o ónus de “reclamação necessária” de atos de autoliquidação, pressuposto da respetiva impugnação contenciosa (judicial ou arbitral), o que determina a impugnabilidade do ato tributário sub judice, bem como a incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o mérito da presente causa.

Todavia, ao contrário do que pretende fazer crer a Administração Tributária, a obrigatoriedade de prévio «recurso à via administrativa» nos casos de autoliquidação de imposto não se limita ao procedimento tributário de reclamação graciosa.

Considerando que os atos de autoliquidação de imposto são emitidos pelo sujeito passivo sem qualquer intervenção da Administração Tributária – que apenas efetua um controlo de legalidade a posteriori -, a obrigatoriedade de recurso à via administrativa previamente à via judicial imposta pelo artigo 131.º, n.º 1, do CPPT permite à Administração Tributária ter, pela primeira vez, a oportunidade de apreciar a legalidade daqueles atos tributários.

Este é o motivo pelo qual o legislador consagrou um ónus de reclamação necessária de autoliquidações de imposto: possibilitar que a Administração Tributária se pronuncie sobre a (i)legalidade do ato tributário sem necessidade de recurso aos tribunais tributários (ou arbitrais).

Atendendo à ratio subjacente à consagração de um ónus de reclamação necessária de atos de autoliquidação, impõe-se concluir que o «recurso à via administrativa» se refere a qualquer procedimento tributário – independentemente da sua designação formal (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) – em que seja dada oportunidade à Administração Tributária de, pela primeira vez, se pronunciar sobre a ilegalidade dos atos tributários peticionada pelo sujeito passivo.

Ou seja, para efeitos de impugnação contenciosa (judicial ou arbitral) de atos de autoliquidação, o pressuposto procedimental relativo à obrigatoriedade de precedência de reclamação graciosa (cfr. artigo 131.º, n.º 1, do CPPT) basta-se com a existência de um procedimento tributário prévio em que a pretensão do sujeito passivo se reconduza à apreciação da legalidade daqueles atos tributários por parte da Administração Tributária, equiparando-se, para esta finalidade, o pedido de revisão oficiosa à reclamação graciosa necessária.

Assim, o procedimento de revisão oficiosa – enquanto procedimento tributário destinado à declaração de ilegalidade e anulação de atos tributários, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, alínea c), da Lei Geral Tributária (“LGT”) – também preenche o requisito procedimental relativo à obrigatoriedade de prévio «recurso à via administrativa» para efeitos de impugnação contenciosa de atos de autoliquidação de impostos, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e 131.º, n.º 1, do CPPT.

 

b)    {C}{C}Quanto à inidoneidade do meio processual

No entender da Administração Tributária, existe inidoneidade do meio processual utilizado pelas Requerentes na medida em que o objeto imediato destes autos é uma decisão de rejeição liminar (e não de indeferimento expresso) do pedido de revisão oficiosa. Não podemos concordar.

Assim acompanhamos de perto o que a Requerente alega quando refere que “é certo que o ato decisório em referência é apelidado pela Administração Tributária de “decisão de rejeição liminar”.” Não obstante essa designação, verifica-se que a Administração Tributária se pronunciou, ainda que sinteticamente, sobre o mérito da pretensão das Requerentes.

De facto, a Administração Tributária pronunciou-se expressamente sobre a conformidade do atos tributários – in casu, autoliquidações de imposto –, afirmando expressamente que «inexiste qualquer erro praticado pelas sociedades Requerentes na liquidação da derrama municipal, tendo-se limitado a seguir o regime legal que a molda e que se encontra explicito na arquitetura e nos conteúdos da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, o que afasta o alegado pressuposto de erro imputável aos serviços. A inexistência de erro no cálculo da derrama municipal, afastando desde logo a aplicação da segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT» e ainda que «a determinação da derrama municipal efetuada pela Requerente, contrariamente ao por si invocado, não contém qualquer incorreção, não tendo, por isso, suscitado tributação em montante superior ao devido», tendo negado a respetiva anulação, bem como o direito das Requerentes à perceção de juros indemnizatórios. 

Significa isto que, continua a Requerente, que a Administração Tributária foi além da apreciação meramente formal dos pressupostos de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, tendo igualmente apreciado a legalidade dos atos tributários na sua origem. 

Ora, como resulta da jurisprudência dos tribunais superiores, sempre que a Administração Tributária, em sede de procedimento tributário, se pronuncie (ainda que parcamente) sobre a legalidade dos atos tributários, independentemente da designação formal que atribua à sua decisão – i.e., ao ato administrativo em matéria tributária por si emitido –, o meio de reação adequado será a impugnação judicial (ou o pedido de pronúncia arbitral) e não a ação administrativa – cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01958/13, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de janeiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 01412/15, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de dezembro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 0959/12.5BEAVR e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de outubro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 0674/18. 

É, assim, evidente, à luz da jurisprudência dos tribunais superiores, numa situação como a presente – em que foi apreciada em sede de revisão oficiosa, ainda que parcamente, a legalidade dos atos tributários, embora sob a capa de uma decisão de rejeição liminar –, a adequação do pedido de pronúncia arbitral, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

Ainda que assim não se entendesse e se considerasse não ter a Autoridade Tributária emitido efetiva pronúncia sobre o mérito dos argumentos das Requerentes – o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem conceder –, resulta da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo ser a impugnação judicial (e, por maioria de razão, o pedido de pronúncia arbitral) o meio adequado de reação perante a rejeição liminar de um meio gracioso no qual se peticione a anulação de um ato tributário – neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 0608/13.4BEALM e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 0129/18.9BEAVR.

Em face do exposto, não pode senão concluir-se pela total improcedência desta exceção dilatória invocada pela Administração Tributária, atinente à pretensa inadequação do presente meio processual.

 

c)    {C}{C}Quanto às exceções de inimpugnabilidade das autoliquidações e consequente caducidade do direito de ação

Quanto às demais exceções – inimpugnabilidade das autoliquidações e consequente caducidade do direito de ação –, as mesmas decorrem, segundo a teoria da Administração Tributária, da alegada falta de preenchimento dos pressupostos para a revisão dos atos tributários, nos termos do artigo 78.º, n.º 1 e 4, da LGT. 

Para além disso, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, havendo erro na liquidação  «é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços» (acórdão de 12-12-2001, processo n.º 026.233, cuja jurisprudência é reafirmada nos acórdãos de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG).

Era por o erro na autoliquidação, quando não é imputável a uma deficiente actuação do contribuinte, ser imputável a Administração Tributária que no n.º 2 do artigo 78.º da LGT se estabelecia uma ficção de que qualquer erro de que enfermassem autoliquidações era imputável aos serviços.

A razão que justificava esta ficção era a de que a imposição aos contribuintes da prática de atos de autoliquidação constitui atribuição do exercício de funções tributárias para que aqueles não estão ou não têm de estar vocacionados nem preparados e, por isso, era razoável e proporcionado admitir com maior amplitude a correção de erros que eventualmente praticassem e os prejudicassem.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária». ( [2] )

Como é óbvio, esta razão que justifica a especial proteção contra erros praticados pelo contribuinte a quem é imposta por lei a tarefa de liquidação de impostos não deixou de valer com as alterações introduzidas na LGT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que revogou aquele n.º 2 do artigo 78.º, pois a situação do contribuinte que, depois dessa revogação, se vê obrigado a assumir funções tributárias para que não tem especial preparação é precisamente a mesma que existia antes.

Por isso, a razão da revogação daquela norma do n.º 2 do artigo 78.º, em que se considerava sempre imputável aos serviços qualquer erro da autoliquidação, será a eliminação do exagero de proteção do contribuinte que nela estava ínsito, ao considerar como imputáveis aos serviços todos os erros que o contribuinte tivesse praticado, mesmo que a actuação do contribuinte merecesse censura a título de negligência (ou mesmo de dolo, se bem que pouco provável em situação em que o erro se reconduz a prejuízo para o contribuinte). 

Foi, decerto, o exagero de proteção do contribuinte negligente que o n.º 2 do artigo 78.º consubstanciava que terá justificado a sua revogação e não uma intenção legislativa de afastar a imputabilidade aos serviços relativamente a todos os erros praticados nas autoliquidações.

Assim, desde logo, será imputável aos serviços o erro do contribuinte em autoliquidação quando atuou em sintonia com orientações da Administração Tributária, gerais ou não, pois serão casos em que haverá nexo de causalidade entre a atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira e o comportamento do contribuinte.

Mas, a ponderação adequada e sensata das exigências que se podem fazer aos contribuintes, à luz dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e da justiça, impostos à atuação da Administração Tributária pelo n.º 2 do artigo 266.º da CRP, justificará que não seja necessário, para existir o dever de revogação de atos ilegais que decorre do princípio da legalidade, que exista nexo de causalidade entre uma atuação da Administração Tributária e o erro que afete a autoliquidação, impondo-se esse dever quando o erro na autoliquidação não decorra de um comportamento negligente do contribuinte, à semelhança do que está previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT quanto a erros na fixação da matéria tributável, e em sintonia com o que há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente a esse mesmo conceito de «erro imputável aos serviços» utilizado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, quanto à responsabilidade por juros indemnizatórios. ( [5] )

Pelo exposto, o Requerente estava em tempo para pedir a revisão oficiosa, a autoliquidação é impugnável, o processo arbitral é meio adequado para apreciar a sua legalidade e este Tribunal Arbitral tem competência a apreciar o pedido e anulação

Improcedem, assim, as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu pleno.

 

IV.2.B. Quanto ao Thema decidendum

 

A única questão em debate[2] consiste em saber se a derrama municipal, prevista no artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, incide sobre o lucro tributável das pessoas coletivas em sede de IRC, gerado na área geográfica em que tenham a sua sede em território português ou também sobre o lucro tributável que resulte do exercício da sua atividade económica em Estado terceiro.

Defende a Requerente que o âmbito de incidência da derrama municipal se encontra limitado ao lucro tributável que seja imputável a rendimentos gerados em cada um dos municípios existentes em território nacional e nos quais o sujeito passivo exerça a sua atividade. Ao passo que a Requerida entende que a tributação em sede de IRC abrange a totalidade dos rendimentos, a qual resulta da soma dos rendimentos obtidos em território português ou no estrangeiro, de acordo com princípio da universalidade previsto no artigo 4.º, n.º 1, do Código do IRC, acrescentando o argumento de que Requerente não cumpriu o ónus da prova que lhe compete, uma vez que junta somente declarações de rendimento Modelo 22 IRC (DM22) e respetivas demonstrações de liquidação dos exercícios de 2021 e 2022 (já na posse da AT), balancetes e mapas internos com a identificação dos rendimentos obtidos no estrangeiro, não juntando quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado naquelas operações realizadas com origem no estrangeiro.

É esta a questão que cabe dirimir.

IV. 2. B. 1. Enquadramento histórico-sistemático

 

Deve começar por delinear-se, em função do elemento histórico de interpretação, a evolução do instituto da derrama municipal nas diferentes leis de finanças locais publicadas após o Código Administrativo. 

A derrama municipal veio a ser instituída em novos moldes pela Lei de Finanças Locais aprovada pela Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro, que consagrou a autonomia financeira das autarquias locais, e, através do seu artigo 12.º, conferia aos municípios a faculdade de lançar derramas sobre a coleta da contribuição predial rústica e urbana, da contribuição industrial e do imposto de turismo cobrados na área do respetivo município, com uma taxa não superior a 10% da coleta liquidada, e cujo produto devia destinar-se à realização de melhoramentos urgentes a efetuar na área da respetiva autarquia.

Esse regime foi essencialmente mantido pelo artigo 5.º da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, que estipulava que a derrama incidia sobre “as coletas liquidadas na respetiva área em contribuição predial rústica e urbana e em contribuição industrial” (n.º 1) e tinha carácter excecional, só podendo ser aprovada “para ocorrer ao financiamento de investimentos urgentes e ou no quadro de contratos de reequilíbrio financeiro” (n.º 2).

A Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, no seu artigo 18.º, alterou o âmbito de incidência objetiva, ao consignar que a derrama municipal recai “sobre a coleta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”, o que terá ficado a dever-se à reformulação geral da tributação do rendimento, mediante a introdução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que veio substituir a contribuição industrial. A norma explicita que a derrama incide “sobre a coleta do IRC que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica (do município) por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola” (n.º 1) e manteve a sua conexão genérica ao financiamento dos municípios, ao estabelecer, no seu n.º 2, que “[A] derrama pode ser lançada para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro”.

Por outro lado, nos termos do n.º 4 desse artigo 18.º, “sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional” (n.º 2), entendendo-se por massa salarial o “valor das despesas efetuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários” (n.º 6).

Esclarecendo o n.º 5 do mesmo artigo, que, nos casos em que a atividade do sujeito passivo se não desenvolva em mais do que um município, o rendimento considera-se gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável.

Por efeito do disposto no artigo 18.º, n.º 4, da Lei n.º 42/98, o lançamento da derrama deixou de caber em exclusivo ao município em que se verifique a liquidação do IRC ou se encontre localizada a sede da empresa, para passar a caber a todos os municípios em que uma empresa possua estabelecimento estável ou representação local. A referência à massa salarial como critério de imputação dos lucros visa constituir um indicador aproximado do rendimento tributável e assegurar uma partilha proporcional da receita da derrama quando estejam em causa empresas com atividade em municípios diversos (cfr. sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 191-192).

A Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, através do seu artigo 14.º, introduziu, entretanto, outras alterações significativas no regime jurídico da derrama municipal.

Para além de ter mantido a partilha da receita quando uma empresa tenha a sua atividade localizada em diferentes municípios (n.º 2), a derrama passou a incidir, não já sobre a coleta, mas sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português”. E, por outro lado, o campo de aplicação alargou-se a “não residentes com estabelecimento estável nesse território” (n.º 1, in fine).

Deste modo, a derrama deixou de ser um adicional ao IRC para constituir um adicionamento, na medida em que incide não já sobre a coleta, mas sobre a matéria tributável do imposto principal, assumindo a natureza de um imposto acessório (neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, págs. 79-80, e o acórdão do STA de 2 de fevereiro de 2011, Processo n.º 0909/10).

Por fim, a Lei de Finanças Locais atualmente vigente, aplicável à situação do caso, aprovada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, manteve o regime definido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, limitando-se a definir uma nova fórmula de repartição da derrama nos casos de plurilocalização da atividade das empresas, com base na ponderação de diversos fatores, e que tem em vista assegurar uma mais justa imputação territorial dos lucros (n.º 7).

Também nesse quadro legal, a derrama incide sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português e não residentes com estabelecimento estável nesse território” (n.º 1). Mantendo-se, no mais, a tributação proporcional relativamente a sujeitos passivos que tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais do que um município (n.º 2), bem como o princípio, já constante do artigo 18.º, n.º 5, da Lei n.º 42/98 e do artigo 14.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2007, segundo o qual, não havendo desconcentração da atividade económica, o rendimento se considera gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo, ou no município em que se situa o estabelecimento estável de sujeitos passivos não residentes (n.º 5).

A partir de Lei das Finanças Locais de 2007, deixou de fazer-se referência à finalidade específica da derrama municipal e ao seu carácter excecional, relacionada com a necessidade de reforço da capacidade financeira das autarquias, o que revela que a derrama passou a ser considerada como um imposto autónomo dos municípios, que apenas se encontra condicionado, na sua incidência, pelo lucro tributável apurado pelos sujeitos passivos em sede de IRC. Em todo o caso, não pode deixar de entender-se que a delimitação da derrama municipal por referência à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município tem em vista assegurar que a autarquia possa dispor dos meios financeiros suficientes para o desempenho das suas atribuições, mormente por via da receita fiscal proveniente dos operadores económicos que atuam na área da sua circunscrição.

 

IV. 2. B. 2. Princípios básicos aplicáveis à derrama municipal

 

Face ao regime sucintamente descrito e à sua evolução legislativa, é possível extrair alguns princípios básicos:

1 – Incidência própria – A derrama começou por incidir sobre a coleta do imposto cobrada na área do respetivo município, encontrando-se destinada à realização de investimentos na autarquia ou ao reforço da capacidade financeira do município.

No âmbito da Lei n.º 42/98, a derrama passou a incidir sobre a coleta do IRC que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na área geográfica do município pelos sujeitos passivos, sendo essa a formulação igualmente adotada pela Lei n.º 2/2007 e pela Lei n.º 73/2013 quando a derrama passou a ser lançada, não já sobre a coleta, mas sobre o lucro tributável em IRC.

2 – Regras de repartição plurilocalizada – Também no que se refere à repartição da derrama entre vários municípios, no caso de plurilocalização da atividade económica das empresas, o lucro tributável que serve de base ao apuramento da derrama é o imputável à circunscrição de cada município.

E tratando-se de sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável em território nacional, o rendimento considera-se gerado no município em que se situa o estabelecimento e esteja centralizada a contabilidade.

3 – Lucro tributável gerado geograficamente no município – Ao considerar que a derrama tem por base o lucro tributável que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município ou, no caso de partilha de receita, o lucro tributável que seja imputável à circunscrição de cada município, o legislador tem presente que o município apenas beneficia da derrama incidente sobre a parte do rendimento gerado na sua própria área geográfica. O que significa que não pode ser alocado a um município a derrama proveniente de rendimentos realizados numa outra área territorial.                                                                                                                        

O mesmo princípio é aplicável, pelo argumento de maioria de razão, relativamente a rendimentos que um mesmo sujeito passivo tenha auferido em resultado da atividade desenvolvida em país estrangeiro. Com efeito, se a lei contempla, para efeito do lançamento da derrama em cada município, a exclusão de rendimentos obtidos num outro município, com base num critério de territorialidade, há de forçosamente pretender excluir outros rendimentos que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam esse mesmo regime, como é o caso de rendimentos que são gerados fora do território português (cfr., quanto ao argumento a fortiori, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 186).

 

IV. 2. B. 3. Autonomia da derrama e exclusão dos rendimentos de fonte estrangeira

 

   O Código do IRC estabelece, no artigo 4.º, n.º 1, o princípio da universalidade, segundo o qual as entidades residentes são tributadas numa base universal, com a totalidade dos rendimentos que concorrem para o lucro tributável, independentemente de serem obtidos em Portugal ou no estrangeiro. Ao contrário, os não residentes sem estabelecimento estável ficam sujeitos a imposto exclusivamente segundo uma base territorial, apenas sendo fiscalmente relevados os rendimentos alcançados no território português, que corresponde ao princípio da territorialidade (cfr. sobre este ponto, Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Coimbra, 2019, págs. 40-41).

No entanto, mesmo que, segundo o referido princípio da universalidade, as pessoas coletivas e entidades com sede e direção efetiva em território português se encontrem sujeitas a IRC relativamente à totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nada permite considerar, numa interpretação literal e consentânea com a unidade do sistema jurídico, que os rendimentos auferidos no exterior relevem para o apuramento da derrama, quando esta se encontra - como se deixou evidenciado - diretamente correlacionada com os rendimentos gerados na área geográfica do município. Ou seja, se a tributação apenas incide sobre a proporção do rendimento realizado pelos sujeitos passivos na respetiva circunscrição municipal, não tem qualquer cabimento que devam ser também considerados os rendimentos provenientes de fonte estrangeira, ainda que estes concorram para a formação do lucro tributável, uma vez que, em qualquer caso, não se trata de rendimentos gerados na área do município.

Aliás, a interpretação veiculada pela Administração Tributária, para além de não ter correspondência com as regras de hermenêutica jurídica, depara-se com outra dificuldade.

Tendo em consideração o critério de repartição de receita relativamente a sujeitos passivos com estabelecimento estável ou representação local em mais de um município, que resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 73/2013, e assenta no lucro tributável imputável à circunscrição de cada município, será de perguntar como seria possível efetuar a partilha entre municípios relativamente aos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no estrangeiro, quando a norma é clara ao estabelecer um critério de imputação a cada município com base num princípio de proporcionalidade no âmbito do território nacional.

Resta considerar que no sentido da desconsideração, para o apuramento da derrama municipal, dos rendimentos obtidos fora do território nacional, tal como se propugna na presente decisão arbitral, se pronunciou o acórdão do STA de 13 de janeiro de 2021, no Processo n.º 03652/15.

Finalmente, quanto aos argumentos expendidos pela Requerida quanto ao incumprimento do lado da Requerente do ónus da prova que lhe compete, uma vez que, no entender daquela, não são juntos quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado naquelas operações realizadas com origem no estrangeiro, discordamos totalmente. Na verdade, não só a Requerente apresentou os valores no estrito cumprimento do ónus da prova que lhe compete, fornecendo elementos sobre os quais a Requerida não conseguiu (ou melhor, não quis!) contradizer, com também estamos perante um mero argumento de secretaria inadmissível, uma vez que dependendo o IRC de uma declaração e autoliquidação, o próprio Modelo 22 devia contemplar para efeitos declarativos a desagregação dos valores dos rendimentos auferidos no território nacional e estrangeiro, o que não o faz.

Por conseguinte, o pedido arbitral mostra-se ser totalmente procedente.

 

IV. 2. B. 4. Quanto ao reembolso do imposto liquidado e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

Relativamente ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, rege o artigo 43.º da LGT, nos termos de cujo número 1 se define que “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” No presente caso, não foi apresentada impugnação judicial nem reclamação graciosa, mas sim:

a.     A 8 de julho de 2024, por não se conformarem com os atos tributários sub judice, as Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa, em sede do qual peticionaram a anulação (parcial) daqueles atos tributários, na parte referente à derrama municipal incidente sobre rendimentos (lucro tributável) de fonte estrangeira.

b.     A 25 de setembro de 2024, a 1.ª Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Ora, a revisão oficiosa dos atos tributários é um instituto distinto do da reclamação graciosa e do da impugnação judicial, não podendo, pois, o presente caso, ser integrado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas sim, na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”. In casu, a revisão do ato tributário ocorreu a 25.09.2024, quando o pedido tinha sido efetuado a 08.07.2024. Portanto, não chegou a decorrer o ano previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT como condição para o pagamento de juros indemnizatórios em caso de revisão oficiosa, pelo que se indefere o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

   V.         DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;

b)    Julgar procedente o presente pedido arbitral, e consequente anulação da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apreciação da legalidade das autoliquidações de IRC plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declarações Modelo 22”) n.ºs ..., ... e ..., referentes ao exercício de 2019, das quais resultou o montante total a pagar de 1.829.234,11 EUR, e nas declarações Modelo 22 n.os..., ... e ..., referentes ao exercício de 2020, das quais resultou o montante total a pagar de 1.140.425,91 EUR;

c)    Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida em juros indemnizatórios; e 

d)    Condenar a Requerida ao reembolso das quantias pagas indevidamente.

 

 VI.         VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 363.019,74, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII.         CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 6.120,00, a pagar 99% pela Requerida e 1% pela Requerente, na proporção do decaimento, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 21 de maio de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

 

(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)

 

 

 

(Amândio Silva) 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] E seguindo de perto a decisão proferida no processo nº 948/2023-T, deste Centro, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=1&id=7945.