Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 16/2025-T
Data da decisão: 2025-05-14  IVA  
Valor do pedido: € 42.480,44
Tema: IVA – IVA – Verba 2.23 da Lista I Anexa do Código do IVA – Exigência de certificação da ORU pela Câmara Municipal para efeitos de aplicação de taxa reduzida de IVA relativa a empreitada em ARU.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

 

I – A jurisdição arbitral não tem poderes para ordenar a prática de atos de natureza inspetiva, mas isso não impede que a AT, vinculada à decisão arbitral, reavalie o reembolso indeferido à luz da anulação da liquidação subjacente;

II - O tribunal considera-se incompetente para ordenar a reabertura de um procedimento inspetivo já concluído, por força do princípio da irrepetibilidade desses procedimentos, conforme reiterado nos processos arbitrais n.º 14/2012-T e 172/2016-T;

III - Reconhece que a AT está vinculada à execução do julgado arbitral e, nesse contexto, pode e deve reapreciar a situação tributária do contribuinte, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, o que inclui a eventual reapreciação do indeferimento de pedidos de reembolso de IVA. Esta reapreciação, inserida na execução do julgado, não equivale a uma reabertura do procedimento inspetivo, sendo antes uma consequência direta da anulação da liquidação com base na qual o reembolso foi indeferido;

IV - A revogação parcial do ato tributário pela AT tornou inútil a continuação do processo quanto à parte revogada, dado que, no momento da decisão, essa parte já não subsistia na ordem jurídica; 

V - A parcial inutilidade superveniente da lide constatada nos autos é da responsabilidade da Requerida, na medida em que, não só não revogou parcialmente o ato tributário de liquidação sindicado antes da constituição do tribunal arbitral e nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 13º do RJAT; como só veio a revoga-lo, em boa parte, posteriormente, constituindo-se aquela, portanto, como responsável pelo pagamento das custas em função da parte revogada na pendência do processo arbitral;

VI - A aplicação da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, exige a verificação de dois requisitos: (i) estarmos perante empreitada de reabilitação urbana e (ii) o imóvel estar localizado em ARU delimitada nos termos legais e estar aprovada e em vigor uma ORU. A exigência da aprovação de ORU assenta na lógica do RJRU, que prevê que apenas com tal aprovação existe um verdadeiro quadro normativo de reabilitação urbana. A ARU delimita o espaço; a ORU estrutura a ação pública e legitima o benefício fiscal;

VII - Nesse sentido, invoca-se jurisprudência do CAAD e do STA, como a que se pode intuir da leitura do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido no Processo n.º 12/24.9BALSB e das seguintes decisões arbitrais que já reconheciam a exigência de ORU para efeitos de se mostrar legitimada a aplicabilidade da Verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA e que são elas as que foram prolatadas, v.g., nos Processos números 295/2022-T e 93/2023-T;

VIII - Não estando provada nos autos a existência de ORU aprovada e em vigor para a área da empreitada em causa, considera-se que não estão preenchidos os requisitos legais de aplicabilidade da Verba 2.23, pelo que se conclui pela legalidade da liquidação adicional de IVA à taxa normal (23%), na parte não revogada;

IX - O valor da ação foi fixado não apenas tendo em consideração o valor constante das liquidações adicionais impugnadas, pois a Requerente também pediu a reabertura do procedimento inspetivo com vista à reapreciação do reembolso de IVA indeferido, pelo que, a cumulação de pedidos não pode deixar de impor que o valor da utilidade económica do pedido se apresente como o somatório do valor das liquidações sindicadas (apurado por compensação com parte do reembolso solicitado) com o valor das correções controvertidas que resultaram do procedimento inspetivo.

 

I. RELATÓRIO:

 

1.     A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... ..., apresentou, em 03.01.2025, um pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do regime previsto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) e considerando a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à sua jurisdição por força do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira. 

2.     No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

3.     Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

4.     Em 21.02.2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

5.     Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 11.03.2025 para apreciar e decidir o objecto do processo.

6.     {C}{C}No dia 11.03.2025, o Tribunal Arbitral Singular proferiu despacho com o seguinte teor: “Nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 17.º do RJAT, notifique-se o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária, para, no prazo de trinta dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando-se que deve ser remetido ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do art.º 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.(...).”

7.     {C}{C}A Requerida, mediante requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 21.03.2025, informou que por despacho de 16.03.2025, do Exmº Senhor Subdiretor-Geral, foram parcialmente revogados os atos objeto de impugnação, conforme consta da Informação n.º 2025 ... da DSIVA, datada de 12.03.2025 e que se encontrava anexa ao aludido requerimento, i.e., já depois de esgotado o prazo previsto no n.º 1 do art.º 13º do RJAT, donde, depois de decorridos os 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral. Nesse Requerimento Superveniente a Requerida suscita ainda incidente sobre o valor da ação, dizendo: “(...) 1. Nos presentes autos, impugna a Requerente, as correcções resultantes do procedimento de inspeção tributária e aduaneira (PIT) ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 012023... . No âmbito daquele procedimento foram detetadas irregularidades, em sede de IVA, no montante de € 41.788,42 (Cfr. quadro de correções aritméticas do Relatório de Inspeção Tributária e Aduaneira – RIT – a págs. 5 do RIT). 3. Assim, salvo melhor opinião, deve o valor da causa ser corrigido para o valor do interesse económico da Requerente em agir e, que corresponde à anulação das correcções acima referidas, ou seja, a € 41.788,42 e, não, a €  11.587,36,  o que desde já se Requer.”

8.     {C}{C}Na sequência daquele requerimento apresentado pela Requerida, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o despacho de 26.03.2025, onde se dizia: “[A] Requerida, por requerimento apresentado no SGP do CAAD em 21.03.2025, já após a constituição do tribunal arbitral, veio informar de que por despacho de 16.03.2025 do Exm.º Senhor Subdiretor-geral, foi revogado parcialmente o ato objeto de impugnação, conforme consta da Informação n.º 2025..., de 12.03.2025, da DSIVA. Suscita ainda a questão do valor da causa, considerando que deve ser corrigido para o valor económico do pedido e que, sustenta, deve corresponder ao valor das correções cuja anulação é pretendida pela Requerente. Nessa conformidade, DECIDE-SE notificar a Requerente para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Requerida e, atenta a referida revogação meramente parcial, se mantém interesse no prosseguimento dos autos no que tange à parte dos atos sindicados não revogada. Notifique-se. (...).”      

9.     {C}{C}Subsequentemente e em resposta ao despacho de 26.03.2025 do Tribunal Arbitral Singular, apresentou o Requerente o requerimento entrado no SGP do CAAD em 27.03.2025 e que refere: “(...) 1° Ao contrário do que a Requerida afirma nos presentes autos a Requerente não impugna as correções resultantes do procedimento de inspeção tributária e aduaneira (PIT) ao abrigo da Ordem de Serviço n.° 0I202... 2° Impugna sim a liquidação Adicional do IVA referente ao período de 202212T, emitida nos termos do Artigo 87° do CIVA Número Liquidação 2024 ...- Número Documento 2024 ... e a liquidação de Juros de IVA referente período de 202212T, juros calculados nos termos do artigo 96° do CIVA e dos arts. 350 e 44° da Lei Geral Tributária. 3° São estas duas liquidações que diretamente se impugna sendo o valor das liquidações adicionais do IVA o concreto valor do interesse económico da Requerente em agir. 4º É verdade que os factos relevantes para efeitos da decisão arbitral são não os constantes da totalidade do PIT ao abrigo da Ordem de Serviço n.° OI2023..., mas sim os factos constantes da parte do mesmo que sustenta e fundamenta a pretensa legalidade da aplicação das referenciadas liquidações adicionais do IVA. 5º É sobre esses factos que fundamentam a pretensa legalidade da decisão de aplicação das referenciadas liquidações adicionais do Iva que incide a prova da Requerente mediante a documentação junta com o pedido de Impugnação e Pronúncia e o próprio pedido, no sentido da demonstração de que a fundamentação para a decisão de aplicar as referenciadas liquidações adicionais do IVA não tem conforto nem nos factos, nem na lei. 6° Sendo certo que, decidindo favoravelmente como consta do pedido “a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de Liquidação Adicional do IVA referente ao período de 202212T, emitida nos termos do Artigo 87° do CIVA -  Número Liquidação 2024 ... - Número Documento 2024 ...e de Liquidação de Juros de IVA referente período de 202212T, juros calculados nos termos do artigo 96° do CIVA e dos arts. 35° e 44.º  da Lei Geral Tributária.”, 7° Tal, forçosamente, terá que resultar no pedido consequente, formulado, de “que a AT deva reabrir o procedimento inspetivo registado sob a Ordem de Serviço no 012023..., ao abrigo da declaração anterior, decidindo em conformidade e apreciando o reembolso de IVA entretanto indeferido.” 8° Pelo que não subsiste qualquer inutilidade superveniente da ide porque o que se visa com a mesma é, reafirma-se, conforme consta do pedido “a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de Liquidação Adicional do IVA referente ao período de 2022 12T, emitida nos termos do Artigo 87° do CIVA - - Número Liquidação 2024...- Número Documento 2024... e de Liquidação de .Juros de IVA referente período de 202212T, juros calculados nos termos do artigo 96° do CIVA e dos arts. 35° e 44.º da Lei Geral Tributária.” 9º Sendo o valor do interesse económico da Requerente em agir, no âmbito deste mesmo pedido, o correspondente ao valor da soma dos valores exarados em ambas as guias de liquidação adicional de IVA, ou seja, € 11.587,36 (onze mil quinhentos e oitenta e sete euros e trinta e seis cêntimos). 10° Assim, conclui-se, dizendo: a) A revogação meramente parcial no âmbito do procedimento de inspeção tributária e aduaneira (PIT) ao abrigo da Ordem de Serviço n.° OI20230... não é objeto dos presentes autos; b) 0 valor do interesse económico da Requerente em agir não se encontra indexado ao PIT ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023...; c) 0 valor do interesse económico da Requerente em agir encontra-se indexado à soma da liquidação Adicional do IVA referente ao período de 202212T, emitida nos termos do Artigo 87° do CIVA —Número Liquidação 2024 ...- Número Documento 2024 ... e a Liquidação de Juros de IVA referente período de 2022 12T, juros calculados nos termos do artigo 96° do CIVA e dos arts. 35° e 44° da Lei Geral Tributária; d) 0 que é pedido é a declaração de ilegalidade e anulação destes atos de liquidação adicional de IVA e não a declaração de ilegalidade e anulação dos atos referentes ao PIT ao abrigo da Ordem de Serviço no 012023...; e) Não existe qualquer inutilidade superveniente da lide, devendo a lide continuar, para efeitos de Impugnação e Pronúncia Arbitral nos moldes e para os efeitos delimitados pela causa de pedir e pelo pedido. (...).”

10.  Em 22.04.2025, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação, refutando os vícios imputados pela Requerente à liquidação adicional de IVA n.º 2024 ...,  referente ao período 2022/12T, emitida nos termos do art.º 87.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e ainda à liquidação de juros compensatórios de IVA n.º 2024 ... e à liquidação de juros moratórios n.º 2024..., calculados nos termos do art.º 96.º do mesmo compêndio normativo e que se cifravam, respetivamente, em 10.786,88 € e 800,48 € e ora colocadas em crise.

11.  Em 23.04.2025, foi proferido e inserido no Sistema de Gestão Processual do CAAD (doravante SGP) despacho que, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de atos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) dispensava a reunião prevista no art.º 18º do RJAT; e ii) dispensava igualmente a apresentação de alegações finais.

12.  A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade e anulação do ato de Liquidação Adicional do IVA referente ao período de 202212T, emitida nos termos do Artigo 87° do CIVA (Número Liquidação 2024 ... e ainda do ato de liquidação de Juros de IVA, referente período de 202212T, calculados nos termos do artigo 96° do CIVA e dos artºs. 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles atos de liquidação, a reabertura do procedimento inspetivo instaurado na sequência da emissão da Ordem se Serviço n.º OI2023..., decidindo-se em conformidade e apreciando-se o reembolso de IVA entretanto indeferido. 

13.  Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações da Requerente:

 

A)   {C}{C}No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa a Requerente por dizer que é uma sociedade com contabilidade organizada e sede em território nacional, dedicada à construção civil (executando obras a empresas e a particulares),  encontrando-se, frequentemente, em situação de crédito de IVA.

B)   {C}{C}Prossegue aduzindo no sentido de que apresentou um pedido de reembolso de IVA no valor de 31.001,54 €, reportado ao 4.º trimestre de 2022, que foi sujeito a inspeção tributária tendente à aferição da sua legitimidade.

C)   {C}{C}Referindo a Requerente que no âmbito daquele procedimento inspetivo, a AT detetou alegadas irregularidades em sede de IVA, no montante de 41.788,42 €, divididas entre: i) IVA não liquidado: 41.679,96 € (por aplicação indevida da taxa reduzida da verba 2.23); ii) IVA indevidamente deduzido: 108,46 €.

D)   {C}{C}Dá de seguida nota a Requerente de que a AT, fundada nas correcções propostas no RIT, indeferiu o pedido de reembolso e empreendeu liquidação adicional de 10.786,88 €.

E)   {C}{C}Esclarece a Requerente que o IVA não liquidado de 41.679,96 € (acima identificado em i)), resultou da aplicação indevida da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA (taxa reduzida) a duas empreitadas de reabilitação urbana realizadas a clientes particulares, ou seja, a B... (Cascais) e a C... (Lisboa).

F)    {C}{C}A Requerente alega ainda ter sido informada pelos próprios clientes de que os imóveis estavam em Área de Reabilitação Urbana (ARU) e integravam Operações de Reabilitação Urbana (ORU).

G)   {C}{C}Aduz ainda como segue: “(...) No dia 06-11-2024 foi pela Requerente rececionada a certidão da Câmara Municipal de Cascais referente ao cliente C... datada de 20-10-2024, tendo a mesma sido remetida para a Autoridade Tributária.” Tal certidão está junta ao PPA como Documento 3.

H)   {C}{C} Refere ainda a Requerente que “(...) a Autoridade Tributária entendeu que não tinha que ter a certidão referida em atenção porque “embora esta certidão, certifique a taxa reduzida com a existência de ARU e ORU, apenas vale para empreitadas posteriores à sua emissão e não justifica a taxa reduzida - verba 2.23 da Lista I do CIVA, na data dos factos ocorridos em 2022, atendendo a que as referidas deliberações são de 2024.” Intuindo-se daqui que a AT desconsiderou liminarmente a referida certidão junta ao PPA como Documento n.º 3 por aquela não se reportar à data dos factos, ou seja, por não fazer qualquer referência ao ano de 2022.

I)     {C}{C}A Requerente concluiu que desnecessário seria juntar ao procedimento a certidão emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, referente ao seu cliente C... e junta ao PPA como Documento 4, pois, acaso tal junção se efetivasse, a sua desconsideração liminar  igualmente ocorreria.

J)    {C}{C}Sustentando a Requerente que ambas as empreitadas aqui em causa preenchiam os requisitos legais para aplicação às respetivas operações da taxa reduzida (6%), nos termos da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA.

K)   {C}{C}Transcrevendo a Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, diz a Requerente que tal norma prevê a aplicação da taxa reduzida a empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis localizados em ARU ou no âmbito de operações de requalificação de interesse público.

L)   {C}{C}Advogando aquela que a noção de empreitada deve ser extraída do artigo 1207.º do Código Civil e o conceito de reabilitação urbana do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009.

M)  {C}{C}De seguida a Requerente, tendo em vista definir “reabilitação urbana”, transcreve a aliena j) do art.º 2.º do RJRU, dizendo que ela corresponde à “(...) forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios.”

N)   {C}{C}Intuindo a Requerente dali que “(...) o legislador tributário quis abranger, na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana.” E mais: “[E]ssas áreas de reabilitação urbana são delimitadas pelos municípios e na maioria, senão mesmo na totalidade das vezes, objeto de diplomas legais delimitadores publicados em Diário da República ou, pelo menos, Diário Municipal.”

O)   {C}{C}Dando se seguida nota de que “As obras realizadas ao abrigo do contrato de empreitada tiveram em vista uma renovação e beneficiação geral do edifício e/ou fração.”

P)    {C}{C}Aduzindo ainda que os edifícios em causa estão situados em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU), legalmente delimitadasa saber: i) B..., NIF..., imóvel sito na Rua ... n.º ... e ..., ...-..., união das freguesias de ... e  ...com o n.º da matriz predial..., com a fração autónoma U, localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) ... - Cascais, com delimitação em vigor aprovada pela deliberação em Assembleia Municipal de 22 de julho e 2024 e publicada em Diário da República pelo Aviso n.º 17377/2024/2, de 14 de Agosto; e ii) C..., NIF..., imóvel sito na ..., n°...–..., da freguesia do ..., em Lisboa, se integra em Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Lisboa, publicada no Diário da República, 2.ª Série, n° 148, de 31 de julho de 2015, através do Aviso no 8391/2015.

Q)   {C}{C}A Requerente entende que: i) O requisito da localização em ARU se encontra verificado; ii) A data da certidão não é condição essencial para aplicação da taxa reduzida; iii) A AT incorreu em erro ao considerar indevida a aplicação da verba 2.23; e, finalmente iv) Não existe fundamento legal para a liquidação adicional de IVA.

R)   {C}{C}Em breve síntese se dirá que a Requerente contesta a liquidação adicional de IVA e, implicitamente, o indeferimento do reembolso com base na legalidade da aplicação da taxa reduzida ao abrigo da verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, sustentando que os imóveis aqui em causa estão localizados em Áreas de Reabilitação Urbana válidas e que não é exigível a existência de uma ORU aprovada à data das respetivas faturas que estão a titular as prestações de serviços de empreitada, nem que a certidão emitida pela respetiva edilidade seja anterior aos factos tributários.

S)    {C}{C}Peticiona a Requerente como segue: “[N]estes termos e nos mais de direito que V. Exa. se dignará suprir a Requerente requerer a) a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de Liquidação Adicional do IVA referente ao período de 202212T, emitida nos termos do Artigo 87° do CIVA - Número Liquidação 2024 ... - Número Documento 2024 ... e de Liquidação de Juros de IVA referente período de 202212T, juros calculados nos termos do artigo 96° do CIVA e dos artºs. 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária; e b) Consequentemente, que a AT deva reabrir o procedimento inspetivo registado sob a Ordem de Serviço no 012023..., ao abrigo da declaração anterior, decidindo em conformidade e apreciando o reembolso de IVA entretanto indeferido.”

T)   {C}{C}Em resposta ao despacho de 26.03.2025 do Tribunal Arbitral Singular e tal como já acima referido, o Requerente apresentou requerimento superveniente, entrado no SGP do CAAD em 27.03.2025, onde exerce o contraditório relativamente à posição expendida pela Requerida no seu requerimento de 21.03.2025 e cujo teor acima se transcreveu. 

14.  A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:

 

I.B) Alegações da Requerida:

 

A)   {C}{C}Na Resposta, a Requerida começa por defender que a aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA exige, cumulativamente, dois pressupostos essenciais: (i) que o imóvel objeto da empreitada esteja localizado em Área de Reabilitação Urbana (ARU), devidamente delimitada nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU); e (ii) que a empreitada esteja enquadrada numa Operação de Reabilitação Urbana (ORU) formalmente aprovada e em vigor.

B)   {C}{C}Trazendo à colação o texto da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, que referindo-se à aplicação da taxa reduzida diz: “empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana, delimitadas nos termos legais.”, sustenta a AT que a remissão para “termos legais” exige que se interprete o conceito de reabilitação urbana à luz do regime jurídico que a regula – o RJRU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, na redação atual.

C)   {C}{C}Defendendo a Requerida que nos termos desse regime, não é suficiente a mera delimitação cartográfica de uma ARU para que se configure juridicamente uma reabilitação urbana. 

D)   {C}{C}E prossegue dizendo que o artigo 7.º, n.º 4 do RJRU estabelece que a delimitação de uma ARU caduca automaticamente ao fim de três anos se, nesse período, não for aprovada uma ORU correspondente. 

E)   {C}{C}E daí infere a Requerida que tal regra evidencia que a ARU tem natureza potencial e condicional, e que só se concretiza plenamente com a aprovação de uma operação programática (ORU) que defina os termos e os objetivos da reabilitação. 

F)    {C}{C}Para a Requerida, a aprovação de uma ARU, por si só, é uma condição necessária, mas não suficiente de aplicabilidade da Verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA.

G)   {C}{C}A AT salienta que a ORU é o verdadeiro instrumento jurídico e técnico que confere densidade e legitimidade às ações de reabilitação urbana. 

H)   {C}{C}Sem uma ORU aprovada, inexiste uma política pública estruturada, e a eventual aplicação de benefícios fiscais, como a taxa reduzida de IVA, careceria de base programática e legal. 

I)     {C}{C}A ORU é o meio através do qual se assegura que a empreitada integra um plano de reabilitação com objetivos definidos, enquadramento financeiro, contrapartidas e, eventualmente, obrigações para os proprietários.

J)    {C}{C}Adicionalmente, a AT recusa a tese da Requerente segundo a qual a exigência de uma ORU não tem cobertura legal por não estar expressamente mencionada na verba 2.23. 

K)   {C}{C}Para a Requerida, essa leitura ignora que o benefício fiscal remete para um conceito jurídico indeterminado(“reabilitação urbana”) que só pode ser preenchido à luz da legislação urbanística – o RJRU. 

L)   {C}{C}Ora, esse regime define, de forma clara, que a reabilitação urbana é uma operação urbanística formalmente estruturada, que depende da aprovação de uma ORU (artigos 7.º, 13.º e 15.º do RJRU).

M)  {C}{C}Com base nestes fundamentos, a Requerida defende que a interpretação literal isolada da verba 2.23 não é suficiente, devendo ser complementada pelos critérios sistemáticos e teleológicos de interpretação jurídica (cf. artigos 9.º do Código Civil e 11.º da LGT). 

N)   {C}{C}Cita ainda a jurisprudência mais recente e relevante sobre o tema, destacando o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – Processo n.º 12/24.9BALSB, que expressamente decidiu que a taxa reduzida de IVA só é aplicável a empreitadas inseridas em ARU e no quadro de ORU aprovada.

O)   {C}{C}A AT reforça essa posição com várias decisões arbitrais, designadamente os processos n.º 404/2022-T, 295/2022-T, 93/2023-T, 3/2023-T e 517/2023-T, nas quais se concluiu pela impossibilidade de aplicar a verba 2.23 sem a demonstração da existência de uma ORU aprovada e eficaz. 

P)    {C}{C}Acrescenta ainda a existência de orientações internas e informações vinculativas, como a Informação Vinculativa n.º 22521/2021, que confirma esta interpretação.

Q)   {C}{C}No caso concreto, a Requerida salienta que, embora o imóvel esteja localizado em ARU, não foi demonstrado que existia uma ORU aprovada à data da execução da empreitada. 

R)   {C}{C}Assim, considera a Requerida que não se encontram reunidos os pressupostos legais para a aplicação da verba 2.23, sendo por isso aplicável a taxa normal de IVA (23%).

S)    {C}{C}Esta interpretação, defende a Requerida, está conforme com os princípios da legalidade tributária, da segurança jurídica e da coerência do sistema fiscal com o ordenamento jurídico urbanístico.

T)   {C}{C}Conclui, portanto, que a sua atuação, ao indeferir o pedido de reembolso com base na inaplicabilidade da taxa reduzida, está em consonância com o direito vigente e com a orientação jurisprudencial fixada pelo STA, não se verificando qualquer vício de violação de lei.

U)   {C}{C}Peticionando seja julgado improcedente o PPA por não provado e, consequentemente, devendo ser absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.   

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

15.  {C}{C}thema decidendum reporta-se à questão de saber se: i) para efeitos de aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, basta a circunstância dos imóveis se encontrarem localizados em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) ou se é igualmente necessária a aprovação prévia de uma Operação de Reabilitação urbana (ORU); ii) foi demonstrado que existia uma ARU aprovada à data da execução da empreitada no momento da exigibilidade do IVA aqui em causa, determinada em conformidade com o disposto no art.º 7.º e 8.º do respetivo compendio normativo; iii)  no âmbito do contencioso tributário arbitral, o Tribunal pode ordenar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a reabertura de um procedimento inspetivo previamente concluído, designadamente quando da decisão resulta a anulação de uma liquidação que teve por base esse mesmo procedimento. 

16.  {C}{C}Reporta-se ainda ao incidente da determinação do valor da ação suscitado pela Requerida e finalmente, sobre o eventual decretamento da parcial inutilidade superveniente da lide, já que a Requerida, por despacho de 16.03.2025, revogou parcialmente o ato objeto de impugnação, conforme consta da Informação n.º 2025 ... da DSIVA, datada de 12.03.2025. 

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

17.  {C}{C}O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IVA e JC ora impugnadas, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

18.  {C}{C}As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

19.  {C}{C}A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

20.  {C}{C}O processo não enferma de nulidades. 

21.  {C}{C}Não foram identificadas questões que obstassem ao conhecimento do mérito.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

22.  {C}{C}Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respetiva decisão:

 

A)   {C}{C}A Requerente está enquadrada em IVA no regime normal, de periodicidade trimestral, tendo como atividade principal a construção de edifícios residenciais e não residenciais (CAE 41220), e atividades secundárias a compra e venda de imóveis (CAE 68100), Ativ. Engenharia e Tec. Afins (CAE 71220) e Outras Ativ. Consultoria Científica, Tec. e Similares NE (CAE 74900). (Cfr. Art.º 2.º do PPA e fls. 8 e 9 do RIT junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

B)   {C}{C}Tem como atividade efetiva a realização obras de construção civil a empresas e particulares. (Cfr. Art.º 3.º do PPA e fls. 9 do RIT junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

C)   {C}{C}Atenta a atividade exercida, encontra-se frequentemente em situação de crédito de imposto para efeitos de IVA. (Cfr. Art.º 4.º do PPA e fls. 9 do RIT junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

D)   {C}{C}A Requerente apresentou o pedido de reembolso de IVA n.º..., reportado ao período de tributação de  2022/12T, no montante de €31.001.54. (Cfr. Art.º 5.º do PPA e fls. 9 do RIT junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

E)   {C}{C}O pedido de reembolso de IVA referido no ponto “D)” do probatório, foi objeto de procedimento de inspeção tributária, desencadeado na sequência da abertura da Ordem de Serviço n.º OI2023..., emitida em 2023-05-08. (Cfr. Art.º 6.º do PPA e fls. 9 do RIT, junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

F)    {C}{C}No âmbito do qual foram detetadas alegadas irregularidades, em sede de IVA, que vieram a estribar correções que se cifram em 41.788,42 € e que respeitam a: - IVA não liquidado - Faturas de venda cujo imposto foi incorretamente liquidado à taxa reduzida - €41.679,96 (Cf. Anexo 1 ao RIT); e - IVA indevidamente deduzido, nos termos da alínea a) do n.º 1, do art.º 21.º do CIVA - 108,46 €. (Cf. quadro de correções aritméticas do Relatório de Inspeção Tributária e Aduaneira, a fls. 6, junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

G)   {C}{C}As correções efetuadas no decurso do procedimento inspetivo referido na alínea “E” do probatório e constantes do Relatório, encontram-se justificadas como segue: “Foram emitidas diversas faturas aos clientes particulares B..., NIF ... e C..., NIF..., com Liquidação à taxa reduzida, nos termos da verba 2.23 da Lista I do CIVA, respeitante a serviços do construção civil (Anexo 1). É de referir que nas faturas emitidas a estes clientes não é mencionado a verba da Lista I que justifique o motivo para a aplicação da taxa reduzida. No entanto, a liquidação do imposto à taxa reduzida, a ser, nos termos da verba 2.23, da Lista I do CIVA, não cumpre com o disposto na informação vinculativa n.º 21440, de 2021-07-01, nomeadamente nos pontos III e IV. Na referida informação vinculativa, as Câmaras Municipais devem certificar que na morada da empreitada está em causa: 1) Uma Operação do Reabilitação urbana (ORU) e 2) A operação se encontra dentro de Área do Reabilitação Urbana (ARU). No caso do cliente B..., o sujeito passivo apresentou uma respetiva certidão incompleta, emitida pola Câmara Municipal do Cascais, em que apenas certifica que a obra situada na R. ..., n.º ..., em Cascais, se encontra dentro do Área do Reabilitação Urbana (ARU), mas não certifica a existência uma Operação do Reabilitação Urbana (ORU) (Anexo 2). No caso do cliente C..., o sujeito passivo apresentou uma certidão incompleta, emitida pela Câmara Municipal do Lisboa, em que apenas certifica que a obra situada na ..., ...- ..., em Lisboa, se encontra dentro do Área do Reabilitação Urbana (ARU), mas não certifica a existência uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) (Anexo 2). Face ao exposto será corrigido o imposto não liquidado que corresponde à diferença entre a taxa normal (23%), nos termos da alínea c) do n.º 1, do artigo 18.° do CIVA e a taxa reduzida (6%), sobre os serviços prestados a estes clientes, no ano do 2022. Assim, o total de imposto a corrigir por aplicação incorreta da taxa reduzida, às faturas descritas atinge um total de €41.679,96, Conforme Anexo 1. Foram consideradas as notas de crédito emitidas resultantes de anulação dos adiantamentos.” (Cf. fls. 12 e 13 do RIT, junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

H)   {C}{C}Nos termos e para efeitos do disposto no n.º1 do artigo 60.º do RCPITA, conjugado com a alínea e) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, foi a Requerente notificada para o exercício do direito de audição prévia. Esse direito foi exercido por e-mail de 23.09.2024 e por escrito em 30.09.2024 – Registo postal n.º 2024... (Cf. fls. 15 do RIT, junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf” e seu Anexo 3);

I)     {C}{C}A dado passo do ponto X. do RIT, que tem por epígrafe “Direito de Audição”, diz-se:  No âmbito do processo inspetivo, o sujeito passivo foi notificado via CTT, em 2023-05-29, nos termos do art,° 59.°, n.° 4 da LGT (Lei Geral Tributária) e do art.° 48.° do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de inspeção Tributária e Aduaneira), do pedido de elementos/esclarecimentos referente ao pedido de reembolso. No ponto 4 dessa notificação é solicitada a justificação para o uso da verba da Lista I do CIVA, que justifica a utilização da taxa reduzida de imposto nas faturas emitidas. Para os clientes B... e C..., nunca nos foram enviados os elementos necessários e completos para a justificação do uso da verba 2.23 da Lista I do CIVA, nomeadamente as certidões emitidas pelas Camaras Municipais da existência de uma Operação de Reabilitação urbana (ORU) e qua a operação se encontra dentro de Área de Reabilitação Urbana (ARU). É da obrigação do sujeito passivo, antes da emissão de faturas com liquidação de imposto à taxa reduzida, que no caso destes clientes ocorreu em 2022, ter na sua posse elementos considerados legalmente obrigatórios, que justifiquem a taxa reduzida utilizada. Salienta-se que, tendo o procedimento inspetivo aqui em causa, para efeitos de análise do Pedido de Reembolso, referente ao período de 2022.12T, no montante do € 31.001,54, se iniciado em 2023-05-18, verifica-se que ao longo destes mais de 15 meses, já o procedimento de inspeção excedeu todos os prazos procedimentais disponíveis, conforme dispõe o Regime Complementar do Procedimento de inspeção Tributária a Aduaneira (RCPITA) e a Lei Geral Tributária (LGT). Verifica-se ainda, que o sujeito passivo, dispôs de um tempo bastante alargado para obter as provas e justificações aqui em causa. Após o envio da notificação via postal das conclusões do relatório final, em 2024-11-05, para o domicilio profissional do mandatário (oficio n.º ... -  registo c/aviso de receção n.º RL ... PT) e que se deu conhecimento para a sede do sujeito passivo, através do oficio n.º ... -  registo n.º  RL ... PT), o sujeito veio juntar em termos do direito de audição previa, via email, em 2024.11.06, um documento, relativamente à taxa reduzida aplicada, nos termos da verba 2.23, nas faturas emitidas ao cliente B... (Anexo 4). O documento agora junto (certidão emitida pela Camara Municipal de Cascais, em 2024.10.29) confirma que a morada (Av. Infante D. Henrique n.º  676, 7.º C, em Cascais) se Localiza numa zona ARU, com delimitação em vigor aprovada por deliberação da Assembleia Municipal em 22 de julho de 2024 e publicado no Diário do Republica pelo Aviso n.º 17377/2024/2, de 14 de agosto e que Irá realizar-se uma empreitada de reabilitação de edifício. No entanto, embora esta certidão, certifique a taxa reduzida com a existência do ARU e ORU, apenas vale para empreitadas posteriores a sua emissão e não justifica a taxa reduzida — verba 2.23 da Lista I do CIVA, na data dos factos ocorridos em 2022, atendendo a que as referidas deliberações são de 2024. Assim, o documento junto pelo mandatário, não prova as condições da informação vinculativa n.º 21440, de 2021-07-01, que permite a utilização da verba 2.23 da Lista I do CIVA, à data dos factos em 2022 e, portanto, não altera as correções efetuadas no relatório do inspeção. Assim, decorre da análise do direito de audição, que a sujeito passivo não trouxe factos novos a considerar, pelo que as correções aritméticas descritas no ponto V deste relatório são convoladas em definitivas. A correção aritmética no valor de € 41.788,42 dá origem a que a pedido do reembolso seja indeferido, por insuficiência de crédito e a anulação do crédito de imposto inicialmente apurado pelo sujeito passivo, no valor de € 31.001,54 e originando uma liquidação adicional de € 10.786,88 = (€ 41.788,42 - € 31.001,54). (Cf. fls. 17 e 18 do RIT, junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

J)    {C}{C}O Anexo 1 ao RIT é um quadro que contém discriminadas todas as faturas que estão a titular as empreitadas aqui em causa, bem como as respetivas notas de crédito que regularizaram adiantamentos realizados pela Requerente. Em relação ao Cliente B..., NIF..., no período que mediou entre 25.01.2022 e 28.10.2022, foram emitidas catorze faturas que totalizavam 50.509,05 € e que evidenciavam IVA liquidado à taxa de 6%, ou seja, um valor que se cifrava em 3.030,54 €, referindo-se ainda ali o valor da correção proposta de 8.586,54 €.  (Cf. Anexo 1 ao RIT, a fls. 21, junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

K)   {C}{C}No que tange à parte da correção respeitante a IVA não liquidado, a AT considerou que o mesmo foi indevidamente liquidado à taxa reduzida, nos termos da verba 2.23 da Lista I do CIVA, respeitante a serviços de construção civil, prestados a dois clientes particulares, a saber: a) B..., NIF ...; e b) C..., NIF ..., 

L)   {C}{C}A Requerente junto dos clientes B... e C..., obteve mera informação (não documentada) de que os imóveis objeto das obras de recuperação para as quais foram emitidas as respetivas faturas: a) Eram Operações de Reabilitação Urbana (ORU); e b) Que as operações se encontravam dentro de Área de Reabilitação Urbana (ARU). (Facto não controvertido - Cf. Art.º 12.º do PPA);  

M)  {C}{C}Relativamente ao cliente   C..., a Requerente solicitou junto da Câmara Municipal de Lisboa o documento comprovativo de que se tratava de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) e que a operação se encontrava dentro de Área de Reabilitação Urbana (ARU) delimitada pelo Município (Cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA). 

N)   {C}{C}A Câmara Municipal de Lisboa respondeu que “o pedido tem que ser em nome do proprietário.” (Cf. Doc. n.º 2 junto ao PPA); 

O)   {C}{C}No dia 06.11.2024, foi pela Requerente rececionada a Certidão da Câmara Municipal de Cascais referente ao cliente B..., datada de 29-10-2024, tendo a mesma sido remetida para a Autoridade Tributária. ( Cfr. Certidão junta ao PPA como Doc. n.º 3); 

P)    {C}{C}A certidão referida no ponto “O” do probatório, refere o seguinte: “(...) NUNO FRANCISCO PITEIRA LOPES, VICE PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS CERTIFICA, para efeitos de tributação do IVA, à taxa reduzida de 6%, ao abrigo do art.º 18 º, ponto 1, alínea a), com remissão para o ponto 2.23, da Lista I, do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84 de 26 de Dezembro, na sua redação atual, em sequência do requerimento com o registo ..., apresentado por B..., com o NIF ..., com domicílio na ..., n.º..., apartamento..., .../..., União das Freguesias de .../..., que no imóvel sito na Rua ..., n.º ... – ..., .../..., União das Freguesias de .../..., com o n.º da matriz predial..., com a fração autónoma U, localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU)...– Cascais, com delimitação em vigor aprovada pela deliberação em Assembleia Municipal de 22 de Julho de 2024 e publicada em Diário da República, pelo Aviso nº 17377/2024/2, de 14 de Agosto, irá realizar-se uma empreitada de reabilitação de edifício, nos termos do Decreto Lei nº 307/2009, de 23 de Outubro, que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. Paços do concelho de Cascais, 29 de Outubro de 2024. (...)”

Q)   {C}{C}O Aviso 14079/2021, de 26 de Julho, publicado no Diário da República n.º 143/2021, Série II, de 26.07.2021, refere o seguinte: “Sumário: Redelimitação de 34 ARU - áreas de reabilitação urbana do município de Cascais. Redelimitação de 34 ARU - Áreas de Reabilitação Urbana do Município de Cascais. Carlos Carreiras, Presidente da Câmara Municipal de Cascais, torna público que a Assembleia Municipal de Cascais, em sessão ordinária realizada no dia 28 de junho de 2021, deliberou aprovar por maioria, a proposta da Câmara Municipal de Cascais relativa à Redelimitação de 34 ARU - Áreas de Reabilitação Urbana do Município de Cascais, nos termos do artigo 7.º e dos n.ºs 1, 2 e 6 do artigo 13.º do Decreto-Lei 307/2009, de 23 de outubro, na redação dada pela Lei 32/2012, de 14 de agosto (RJRU - Regime Jurídico da Reabilitação Urbana). Mais se informa que, nos termos do n.º 4 do artigo 13.º do RJRU, os elementos que acompanham a Redelimitação de 34 ARU - Áreas de Reabilitação Urbana do Município de Cascais, podem ser consultados na página eletrónica da Câmara Municipal de Cascais (www.cascais.pt) e nas suas instalações, no Departamento de Reabilitação Urbana, na Divisão de Planeamento e Gestão, localizada no Edifício S. José, Piso 4, na Alameda Combatentes da Grande Guerra, mediante agendamento através do endereço reabilitacao.urbana@cm-cascais.pt. 8 de julho de 2021. - O Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras.” (Cfr. https://dre.tretas.org/dre/4602735/aviso-14079-2021-de-26-de-julho ). 

R)   {C}{C}O Aviso 17377/2024/2, de 14 de Agosto, publicado no Diário da República n.º 157/2024, Série II, de 14.08.2024, refere o seguinte: Redelimitação de 34 ARU - Áreas de Reabilitação Urbana. Carlos Carreiras, Presidente da Câmara Municipal de Cascais, torna público que a Assembleia Municipal de Cascais, em sessão ordinária realizada no dia 22 de julho de 2024, deliberou aprovar por maioria, a proposta da Câmara Municipal de Cascais relativa à Redelimitação de 34 ARU - Áreas de Reabilitação Urbana do Município de Cascais, nos termos do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 307/2009, de 23 de outubro, na redação atual (RJRU - Regime Jurídico da Reabilitação Urbana). Mais se informa que, nos termos do n.º 4 do artigo 13.º do RJRU, os elementos que acompanham a Redelimitação de 34 ARU - Áreas de Reabilitação Urbana do Município de Cascais, podem ser consultados na página eletrónica da Câmara Municipal de Cascais (www.cascais.pt) e nas suas instalações, no Departamento de Reabilitação Urbana, na Divisão de Planeamento e Prospeção de Projetos, localizada no Edifício S. José, Piso 4, na Alameda Combatentes da Grande Guerra, n.º 247, em Cascais, mediante agendamento através do endereço reabilitacao.urbana@cm-cascais.pt. 25 de julho de 2024. - O Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras.” (Cfr. https://dre.tretas.org/dre/5852469/aviso-17377-2024-2-de-14-de-agosto).

S)    {C}{C}A AT entendeu que deveria desconsiderar a certidão referida no ponto “O” do probatório porque “embora esta certidão, certifique a taxa reduzida com a existência de ARU e ORU, apenas vale para empreitadas posteriores à sua emissão e não justifica a taxa reduzida -  verba 2.23 da Lista I do CIVA, na data dos factos ocorridos em 2022, atendendo a que as referidas deliberações são de 2024.”;

T)   {C}{C}Partindo do conhecimento da decisão referida no ponto “S” do probatório, a Requerente considerou que não fazia sentido proceder à junção, no âmbito do procedimento inspetivo, da Certidão emitida pela Câmara Municipal de Lisboa e referente ao cliente C..., (Cf. art.º 19.º do PPA);  

U)   {C}{C}A certidão referida nos pontos “O” e “P” do probatório é composta por 3 folhas e integra, a fls. 3, uma planta que insere o imóvel sito na ..., n.º..., em Lisboa, freguesia do Areeiro e onde, a dado passo, refere a informação n.º 23217/INF/UCT_UITC_BLXC/GESTURBE/2024 o seguinte: “[A]través do processo n.º .../DOC/2024, vem a requerente D..., com o NIF no..., requerer à Câmara Municipal do Lisboa a Certificação no sentido de atestar quo o imóvel localizado na ..., n.º ... - ..., da Freguesia do ... em Lisboa, se integra em Área de Reabilitação Urbana da Estratégia de Reabitação Urbana publicada no Diário da República 2.ª Série, em 26 de março de 2012, através do Aviso n.º 5876/2012 e posterior alteração à delimitação da Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Lisboa, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.° 148, de 31 do julho de 2015, através do aviso n.º 8391/2015, a fim de ser apresentada à Autoridade Tributária e Aduaneira. O referido imóvel localiza-se em Área de Reabilitação Urbana com Operação de Reabilitação Urbana Simples em vigor, conforme extrato da planta que se junta em anexo e que faz parte integrante da presente informação. O requerente indica para os devidos efeitos o processo camarário de Comunicação Prévia n.º e-EDI/2020/504, que foi Deferido a 4.10.2022 e que licencia a reabilitação geral do imóvel com a reorganização dos espaços e a renovação do cozinha a casas de banho. Do exposto, e não se referenciando Inconvenientes na emissão da certidão solicitada, submete-se à consideração superior a presente informação e planta anexa. O Técnico (...).” Cf. Doc. 4 junto ao PPA);

V)   {C}{C}Sobre a referida informação identificada no ponto “P” do probatório, recaiu o despacho do Diretor do departamento de 08.11.2024 que refere:  “[A] Consideração da Sri. Diretora da UCT. Em caso de concordância superior, propõe-se o envio do presente processo a DRMP/DA para emissão da certidão requerida, certificando-se que, nos termos da alínea J) do n. 92 do Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 do outubro, e para efeitos do disposto no ponto 2.23 do CIVA, na sua atual redação, o imóvel sito na ..., ..., ..., sobre o qual incide a operação urbanística, se localiza em Área de Reabilitação Urbana (publicada através do Aviso n.98391/2015, de 31 de julho) e está Integrada numa Operação de Reabilitação Urbana Simples, aprovada através da Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011-2024 conforme respetiva planta que faz parte integrante da p. informação. A certidão a emitir com o presente teor vê restringida a sua aplicação à  finalidade do requerimento apresentado(...).” (Cf. Doc. 4 junto ao PPA);

W) {C}{C}Sobre a referida informação identificada no ponto “P” do probatório, recaiu ainda despacho da Exm.ª Senhora Chefe de Divisão de Atendimento e despacho concordante da Exmª Senhora Diretora Municipal. (Cf. Doc. 4 junto ao PPA);  

X)   {C}{C}A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), corrigindo o IVA a liquidar e o IVA indevidamente deduzido na declaração periódica (DP) do pedido de reembolso (2022/12T), anulou o crédito de imposto inicialmente apurado, no valor de 31.001,54 €, o que originou uma liquidação adicional de IVA (aqui sindicada) de €10.786,88 = (€41.788,42 - €31.001,54). A AT decidiu-se ainda pelo indeferimento do pedido de reembolso e emitiu as liquidações adicionais cuja legalidade aqui se sindica. (Cfr. Art.º 9.º do PPA e fls. 18 do RIT, junto ao PA, ficheiro “RIT_OI2023...-NotiMandatário_Postal.pdf”);

Y)   {C}{C}A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º 2024...,  referente ao período 2022/12T, emitida nos termos do art.º 87.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e ainda notificada da consequente liquidação de juros compensatórios de IVA n.º 2024... e da liquidação de juros moratórios n.º 2024..., calculados nos termos do art.º 96.º do mesmo compêndio normativo. ( Cf. pdf’s das liquidações juntos ao PPA e que estão no SGP do CAAD).

Z)   {C}{C}Em 03.01.2025, pelas 19:11 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);

AA)                {C}{C}O pedido foi aceite em 07.01.2025, pelas 12:35 horas (Cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

IV.B) Factos não provados:

 

23.  Não se provou que a obra de que foi objeto o imóvel aqui em causa (sito em Cascais) e no contrato de empreitada outorgado entre o dono de obra e a Requerente, fossem realizadas no âmbito de uma ORU aprovada pela Câmara Municipal de Cascais e em vigor à dada da realização dos respetivos serviços. 

24.  Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

25.  Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

26.  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

27.  {C}{C}A convicção sobre os factos dados como provados e não provados (acima explicitados) assentou na análise crítica da prova e fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e, nomeadamente, na prova documental junta aos autos pela Requerente e nas informações oficiais e nos documentos constantes do PA junto aos autos, conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório, sendo indicado expressamente em cada um daqueles pontos o(s) documento(s) que contribuíram para a extração do correspondente facto.

28.  {C}{C}A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais, sendo de salientar que as informações oficiais, fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se se basearem em critérios objetivos. (Cfr. artigos 76º, n.º 1 da LGT e 115º, n.º 2 do CPPT).

 

IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):

 

IV.D.1) Valor da Causa:

 

29.  A Requerida impugna o valor da causa por entender que, no caso, a Requerente, na sua causa de pedir alinhada no PPA, ataca as correções resultantes do procedimento de inspeção tributária iniciado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 012023.... E tendo sido, no âmbito daquele procedimento inspetivo,  detetadas irregularidades, em sede de IVA, no montante de € 41.788,42 (Cf. quadro de correções aritméticas do Relatório de Inspeção Tributária e Aduaneira – RIT – a págs. 5 do RIT), deve o valor da causa ser corrigido para o valor do interesse económico da Requerente em agir e, que corresponde à anulação das correções acima referidas, ou seja, a € 41.788,42 e, não, a € 11.587,36.  

30.  {C}{C}Já a Requerente refuta tal hermenêutica, referindo que o valor do seu interesse económico em agir se encontra indexado ao somatório da liquidação adicional de IVA, referente ao período de tributação de 2022.12T, emitida nos termos do art.º 87.º do CIVA [n.º de liquidação 2024...], com a liquidação de juros de IVA, referente ao mesmo período de tributação de 2022.12T, emitida nos termos do art.º 96.º do CIVA e art.ºs 35.º e 44.º da LGT, num total de 11.587,36 €. Aduzindo ainda que o que consta do pedido é a declaração de ilegalidade e anulação daqueles atos de liquidação adicional e não a declaração de ilegalidade e anulação dos atos referentes ao procedimento inspetivo instaurado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023..., reiterando, ainda que implicitamente, que o valor da ação corresponde ao que foi indicado aquando da apresentação do PPA, ou seja, o valor de 11.587,36 €, coincidente como o somatório das liquidações acima melhor identificadas. 

31.  {C}{C}Adiante-se, desde já, não tem razão a Requerente. Vejamos,

32.  {C}{C}A Requerente, no seu PPA, a final, peticiona: “[N]estes termos e nos mais de direito que V. Exa. Se dignará suprir a Requerente requer a) a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IVA referente ao período de 202212T, emitida nos termos do art.º 87.º do CIVA – Número Liquidação 2024...– Número Documento 2024 ... e de liquidação de juros de IVA referente ao período de 202212T, juros calculados nos termos do art.º 96.º do CIVA e dos art.ºs 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária; e b) Consequentemente, que a AT deva reabrir o procedimento inspetivo registado sob a Ordem de Serviço n.º OI2023..., ao abrigo da declaração anterior, decidindo em conformidade e apreciando o reembolso de IVA entretanto indeferido.” 

33.  {C}{C}Face ao que dispõe o artigo 306.º do CPC, aqui aplicável ex vi do disposto na alínea e) do art.º 29.º do RJAT, é ao Tribunal que cabe fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação do mesmo que impende sobre as Partes.

34.  {C}{C}A tal propósito e em sede administrativa vigora o n.º 1, do art.º 31.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), que estatui no sentido de que “[A] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do processo.

35.  {C}{C}O Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) prevê, de forma expressa, no seu artigo 3.º, n.º 2 que o “valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

36.  {C}{C}Já o art.º 97.º-A do CPPT, com relevância para a questão em análise, dispõe no sentido de que: “[1] - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado; c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado; […]”.

  1. A este propósito, Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário”, Volume II, Coimbra,  2017, pág. 171, dizem: “(...) no que diz respeito ao valor da causa em sede de impugnação judicial serão relevantes as alíneas a) a c) do n.º1, do art.º 97.º-A do CPPT, bem como o seu n.º 3. Assim, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º-A do CPPT, quando seja impugnado um ato de liquidação, o valor da causa corresponderá ao da importância cuja anulação se pretende. Isto significa que caso se pretenda a anulação total do ato, o valor da causa corresponderá ao valor da própria liquidação e se, pelo contrário, se pretender apenas anulação parcial, corresponderá ao valor da parte impugnada.”

38.  {C}{C}A aferição do valor da utilidade económica do processo é imprescindível, atendendo a que, por um lado, deve constar do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, e, por outro, como esclarece Carla Castelo Trindade[1], porque “é importante para aferir: (1) a competência do tribunal arbitral e (2) o valor a pagar a título de taxa de arbitragem inicial ou de taxa de arbitragem.”

39.  {C}{C}Na verdade, a utilidade económica do processo é “um critério transversal de determinação do valor de um pedido ou de uma causa, quer em matéria civil ou administrativa”, como referido na decisão arbitral (no âmbito do CAAD) n.º 698/2019-T. Em matéria civil, o artigo 296.º, n.º 1 do CPC prevê que “[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do processo.”

  1. Trazendo-se à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, Processo n.º 62/18.4BCLSB e estando aqui em causa atos de liquidação de IVA e JC, cuja anulação in totum se peticiona e tendo em vista determinar-se qual o valor da ação, é a disposição prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT que tem de ser levada na devida conta e dilucidará a questão sub studi
  2. Partindo da transcrição daquele preceito acima empreendida e a propósito da interpretação a dar àquela norma, o Acórdão do TCAS de 17.1.2019, diz o seguinte: “Nos casos em que a causa de pedir é construída em torno da alegada ilegalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponderá, por direta aplicação desta norma, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, consoante se peça, respetivamente, a sua anulação total ou parcial. E ainda que sejam cumulados pedidos que traduzam uma utilidade económica diversa daquela que resulta da mera anulação da liquidação (por exemplo, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa será  sempre o valor da liquidação na parte impugnada. Nesta situação (da cumulação de pedidos), não há uma correspondência exata entre a utilidade económica imediata do pedido e o valor da causa. O que, aliás, sucede noutros casos em que se cumulam outros pedidos com expressão monetária com a impugnação da liquidação, designadamente pedidos de impugnação do ato de fixação da matéria coletável ou de impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais. Todavia, para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada. É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria coletável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero. Dito de outro modo, no sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria coletável (...). Em todo o caso, esta norma é a que mais se aproxima do conceito de utilidade económica imediata do pedido, porque nas normas seguintes [alíneas b) e c)], o valor da causa pode não ter equivalência com o valor da vantagem económica fiscal que o interessado pode obter com a procedência da ação.” 
  3. Partindo da jurisprudência transcrita, diga-se que, do ponto de vista deste Tribunal, não podia deixar de se considerar aqui que o valor da causa seria, em princípio, o coincidente com o valor das liquidações que se pretendiam ver anuladas, ou seja, como visto, 11.587,36 €, correspondente ao imposto sindicado e cuja anulação se pretendia. 
  4. Não devendo olvidar-se que, in casu, foram aqueles atos de liquidação de IVA e JC, reportados ao período de tributação de 2023.12T que foram impugnados, sendo, incontornavelmente, tal valor de 11.587,36 €, o valor controvertido e sindicado.
  5. Não obstante, não tem razão a Requerente quando afirma que “(...) o que é pedido é a declaração de ilegalidade e anulação daqueles atos de liquidação adicional e não a declaração de ilegalidade e anulação dos atos referentes ao procedimento inspetivo instaurado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023... (...).”
  6. Desde logo porquanto, tal procedimento inspetivo visava verificar o cumprimento das obrigações fiscais por parte da Requerente, identificando eventuais erros, omissões e inexatidões e, em última instância, ser respaldo, em termos de fundamentação, para a concretização de eventuais liquidações adicionais, no pressuposto de que, no âmbito da sua atuação, o contribuinte estava a cometer alguma ilegalidade, o que, in casu, terá alegadamente ocorrido, referindo-se ali que a Requerente estava a aplicar indevidamente a Verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA. 
  7. O relatório de inspeção fornece as informações necessárias para que a AT, sendo caso disso, empreenda as liquidações adicionais necessárias a corrigir eventuais ilegalidades constatadas em sede inspetiva. Se o relatório de inspeção apontar diferenças, omissões ou irregularidades nas declarações fiscais do contribuinte, isso servirá de base/fundamentação para as liquidações adicionais. 
  8. As liquidações sindicadas e cuja anulação se peticiona, são, por isso, um desdobramento lógico e natural do procedimento inspetivo, sendo a fase que a AT, com base nas conclusões da fiscalização, apura o valor de imposto a ser cobrado ou restituído ao contribuinte. 
  9. Nessa conformidade, quando a Requerente está a atacar as liquidações adicionais colocando em causa os fundamentos que estão plasmados no relatório de inspeção que adveio em resultado da Ordem de Serviço n.º OI2023..., ou seja, colocando em causa a inaplicabilidade à sua situação concreta da Verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, está necessariamente a suscitar também a declaração de ilegalidade e anulação dos atos referentes ao procedimento inspetivo. 
  10. No entendimento deste Tribunal, não podem cindir-se, assim, os atos de liquidação que resultaram do procedimento inspetivo dos atos referentes ao procedimento inspetivo propriamente dito. 
  11. A ilegalidade de que eventualmente enfermem os atos referentes ao procedimento inspetivo (in casu, por alegada aplicação (i)legal de uma determinada verba da lista I Anexa ao CIVA) não pode deixar de se comunicar aos atos de liquidação adicional que resultaram desse procedimento de inspeção.    
  12. Mais: a causa de pedir alinhada pela Requerente e que igualmente integra as correções empreendidas em sede de procedimento inspetivo, comtempla não só o valor das liquidações que poderá ser objeto de anulação por parte do Tribunal em caso de procedência das pretensões formuladas pela Requerente no seu petitório, mas sim e também o valor da parte da liquidação de IVA que foi compensado com o valor do reembolso pedido, ou seja, o montante de 31.001,54 €.

52.  {C}{C}E tanto assim que há no processo uma efetiva cumulação de pedidos. Senão vejamos: no pedido formulado pela Requerente que a seguir se volta e transcrever aquela diz: ““[N]estes termos e nos mais de direito que V. Exa. Se dignará suprir a Requerente requer a) a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IVA referente ao período de 202212T, emitida nos termos do art.º 87.º do CIVA – Número Liquidação 2024...– Número Documento 2024... e de liquidação de juros de IVA referente ao período de 202212T, juros calculados nos termos do art.º 96.º do CIVA e dos art.ºs 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária; e b) Consequentemente, que a AT deva reabrir o procedimento inspetivo registado sob a Ordem de Serviço n.º OI2023..., ao abrigo da declaração anterior, decidindo em conformidade e apreciando o reembolso de IVA entretanto indeferido.” ou seja, no pressuposto de que procediam as pretensões anulatórias da Requerente, a reabertura do procedimento inspetivo era uma consequência ou mera decorrência da anulação dos atos de liquidação adicionais sindicados, mas ainda assim a pressupor que a utilidade económica subjacente ao pedido de pronúncia arbitral devesse levar em conta o valor compensado. 

  1. E tendo a Requerente formulado dois pedidos autónomos (em cumulação simples): i) a anulação do ato tributário; e ii) a reabertura do procedimento inspetivo para eventual legitimação à posteriori do reembolso do IVA peticionado e não pago (sem prejuízo de se avaliar subsequentemente se o Tribunal tem competência material para condenar a Requerida a tal reabertura), no entendimento deste Tribunal não podem deixar tais pedidos, identificados em i) e ii), de relevar para efeitos de determinação do valor da causa, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT. 
  2. A própria Requerente implicitamente o admite quando alude à circunstância da reabertura do procedimento inspetivo, tendente à restituição dos montantes de imposto não reembolsado, se justificar na medida da procedência do PPA, ou seja, na medida da anulação das liquidações de IVA e JC de 2023.12T, sendo que, o respetivo valor dessas liquidações era, como visto, de montante global que se cifrava em 11.676,33 € e, assim sendo, entende o Tribunal que o valor correspondente ao montante (compensado) a reembolsar de 31.001,54 €, não pode deixar de relevar para efeitos da determinação do valor da ação.

55.  {C}{C}Repisando-se no sentido de que a inclusão do pedido de reapreciação do reembolso não pode deixar de influenciar, no entendimento deste Tribunal, a determinação do valor da ação. 

56.  {C}{C}Se a Requerente apenas pedisse a anulação das liquidações adicionais de IVA e JC, reportadas ao período de tributação de 2023.12T, no montante total de 11.587,36 €  l, o valor da ação seria coincidente com esse montante.

57.  {C}{C}Contudo e não obstante, ao pedir também a reabertura do procedimento inspetivo e a reapreciação do reembolso de IVA indeferido n.º..., reportado ao período de tributação de 2022.12T, no montante de 31.001,54 €, o valor da ação não pode deixar de ser o que resulta do somatório dos 11.587,36 €, correspondente ao somatório das aludidas liquidações adicionais, com os 31.001,54 € do reembolso indeferido e compensado, num total de 41.788,42 €. Senão vejamos,

58.  {C}{C}O valor da ação, em princípio, corresponde ao montante máximo que pode resultar procedência da ação impugnatória. 

59.  {C}{C}Assim, se a Requerente está a contestar não só as liquidações adicionais de IVA e de JC, reportadas ao período de tributação de 2023.12T, mas também o indeferimento do reembolso (por via do seu pedido de reapreciação), o valor da ação não pode deixar de ser superior ao das liquidações impugnadas, devendo ser acrescido àquele o que resulta da respetiva cumulação de pedidos.

60.  {C}{C}Pesa-embora os tribunais arbitrais possam não ter competência para apreciar atos de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA (do que cuidaremos adiante), a inclusão do valor do reembolso indeferido na determinação do valor da ação depende da natureza dos pedidos apresentados: se a impugnação incluir tanto a anulação das liquidações adicionais quanto a reapreciação do reembolso indeferido (e vimos, face ao petitório apresentado pela Requerente acima transcrito, que assim era), o valor da ação, em princípio, não pode deixar de corresponder à soma dos respetivos montantes.

  1. Estamos aqui perante uma daquelas situações em que há correspondência entre a utilidade económica imediata do pedido e o valor da causa, ou seja, admitindo-se que o valor a reembolsar possa integrar o valor da utilidade económica do pedido, ele não pode deixar de relevar para efeitos de determinação do valor da ação, sendo mais um dos casos em que, face ao disposto no art.º 97.º-A do CPPT, há coincidência entre tais valores, devendo prevalecer, por si só, tal questão da utilidade económica imediata do pedido que foi sobejamente explicitada e enfocada acima. 
  2. É que, com respaldo no o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, Processo n.º 62/18.4BCLSB, tal cumulação de pedidos, não obstante poder traduzir utilidade económica diversa daquela que resulta da mera anulação das liquidações aqui em causa, não poderia deixar de produzir efeitos na determinação do valor da causa, i.e., esse valor sempre continuaria a ser o das liquidações, adicionado do valor do reembolso compensado em face do que acima se deixou sobejamente explicitado. 

63.  {C}{C}Tendo em consideração o pedido e a causa de pedir formulados nos presentes autos, o valor contestado é o montante de 42.480,44 €, correspondente à importância das liquidações adicionais sindicadas (11.587,36 €), adicionado do valor do reembolso de IVA compensado (31.001,54 €) pela AT, deduzido da parcela que foi aceite (não sindicada) pela Requerente (108,46 €). Procedendo ao cálculo: 11.587,36 € + 31.001,54 € - 108,46 € = 42.480,44 €. 

64.  {C}{C}À face do exposto, determina-se a alteração do valor atribuído à presente ação e fixa-se o valor da causa no montante de 42.480,44 €, havendo lugar ao pagamento pelo Requerente do valor remanescente da taxa de arbitragem em correspondência com o valor da causa fixado, com as legais consequências. 

 

IV.D.2) Da (in)competência do CAAD para ordenar a reabertura do procedimento inspetivo iniciado na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2023... e a Reapreciação do Reembolso de IVA entretanto indeferido: 

65.  {C}{C}No âmbito do contencioso tributário arbitral, tem vindo a colocar-se a questão de saber se o tribunal arbitral pode ordenar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a reabertura de um procedimento inspetivo previamente concluído, designadamente quando da decisão resulta a anulação de uma liquidação que teve por base esse mesmo procedimento, destacando-se a importância da continuidade e irrepetibilidade desses procedimentos. 

66.  {C}{C}É certo que os tribunais a funcionar sob a égide do CAAD podem analisar a legalidade dos atos tributários contestados, mas, diga-se desde já, não têm competência para ordenar à Autoridade Tributária a reabertura de um concreto procedimento inspetivo.​

67.  {C}{C}Neste sentido, veja-se a decisão arbitral tirada no âmbito do Processo n.º 172/2016-T, onde se enfatizou que o procedimento inspetivo deve ser contínuo e concluído dentro dos prazos legais estabelecidos. 

68.  {C}{C}A ampliação do procedimento deve ser fundadamente decidida antes de seu término e não há fundamento legal que permita uma reabertura de um procedimento já finalizado. 

69.  {C}{C}Naquela decisão o Tribunal destacou que não há base legal para, após a conclusão do procedimento de inspeção, se realizar outro procedimento sobre os mesmos factos, efetuando uma reanálise dos elementos recolhidos anteriormente. 

70.  {C}{C}Essa prática violaria o princípio da irrepetibilidade do procedimento inspetivo.

71.  {C}{C}Além disso, no Processo n.º 14/2012-T, o CAAD concluiu que a reanálise dos documentos produzidos durante uma inspeção anterior, resultando em novas liquidações com base nos mesmos factos, é ilegal. 

72.  {C}{C}O tribunal afirmou que não há previsão legal para reabrir, modificar ou adicionar a relatórios de inspeção já finalizados, destacando a violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento inspetivo.

73.  {C}{C}Essas decisões sublinham que, embora o CAAD possa avaliar a legalidade dos atos tributários emitidos pela AT, não tem competência para ordenar a reabertura de procedimentos inspetivos já concluídos. 

74.  {C}{C}A irrepetibilidade e a continuidade são princípios fundamentais que regem os procedimentos inspetivos, garantindo a segurança jurídica dos contribuintes. 

75.  {C}{C}Se é certo que os tribunais a funcionarem no âmbito do CAAD não têm competência para ordenar a reabertura de procedimentos inspetivos já concluídos,  não é, no entanto, despiciendo distinguir entre tal reabertura e a reapreciação da situação tributária do contribuinte no contexto da execução do julgado arbitral, nos termos legais. 

76.  {C}{C}A reapreciação da situação tributária do contribuinte no contexto da execução do julgado arbitral, encontra fundamento no disposto no n.º 1 do art.º 24.º do RJAT que dispõe como segue: “[1] - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; c) Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente; d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.”

77.  {C}{C}Deste preceito resulta o princípio da autoridade do julgado arbitral, vinculando a AT à sua execução. 

78.  {C}{C}A questão deve também ser analisada à luz da delimitação da competência material dos tribunais arbitrais,consagrada no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece: “[A] competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (...).”

79.  {C}{C}Intuindo-se da letra daquela norma que a jurisdição arbitral se encontra materialmente limitada à apreciação da legalidade de atos tributários concretos e à sua eventual anulação, não incluindo no âmbito da sua competência poderes para ordenar a prática de atos administrativos de natureza inspetiva, nem para determinar a reabertura de procedimentos inspetivos, cuja disciplina está reservada ao quadro legal e regulamentar próprio da atividade da inspeção tributária.

80.  {C}{C}Esta posição foi sustentada na acima citada decisão arbitral tirada no Processo n.º 14/2012-T, onde, a dado passo se afirma: “Não compete ao tribunal arbitral ordenar a reabertura do procedimento inspetivo, inexistindo base legal para tal e sendo, aliás, vedada a repetição dos procedimentos inspetivos, salvo nos casos expressamente previstos na lei.” De igual modo, no Processo n.º 172/2016-T, reafirma-se que a AT não pode ser obrigada por decisão arbitral a repetir ou renovar uma inspeção tributária, sob pena de violação dos princípios da estabilidade e da segurança jurídica.

81.  {C}{C}Ainda assim e não obstante, a exclusão da possibilidade de reabertura do procedimento inspetivo não impede, antes impõe, que a AT dê cabal cumprimento à decisão arbitral em respeito pela legalidade vigente. Quando o tribunal arbitral declara a ilegalidade de uma liquidação, e essa liquidação serviu de fundamento para o indeferimento de um pedido de reembolso de IVA, a AT tem o dever de reapreciar a situação tributária do sujeito passivo à luz do julgado arbitral.

82.  {C}{C}Tal reapreciação - que pode implicar o reexame de elementos anteriormente analisados - não se traduz numa reabertura formal do procedimento inspetivo, mas sim numa atividade administrativa de execução voluntária da decisão arbitral, em conformidade e por subsunção no disposto no n.º 1 do art.º 24.º do RJAT.

83.  {C}{C}Neste sentido, é hoje entendimento consolidado que, anulada uma liquidação considerada ilegal, a AT está vinculada a eliminar os efeitos colaterais dessa liquidação, incluindo a revisão de indeferimentos de reembolsos que nela se basearam, sob pena de inexecução ilegal da decisão arbitral.

84.  {C}{C}A reapreciação da situação tributária do contribuinte, determinada como consequência da anulação de um ato tributário por decisão arbitral, integra-se na execução voluntária do julgado e não consubstancia, em si mesma, uma reabertura do procedimento inspetivo vedada pela lei ou uma atuação fora do âmbito da jurisdição arbitral.

85.  {C}{C}Acaso venham a ser anuladas as liquidações sindicadas com fundamento na ilegalidade da correção inspetiva,  ou seja, reconhecendo, in casu, o Tribunal Arbitral Singular que a AT não poderia ter exigido o IVA não liquidado com fundamento na inaplicabilidade da verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, então, o fundamento que levou ao indeferimento do reembolso (a correção inspetiva) deixará de existir.

86.  {C}{C}E se assim for, a Requerida deverá, em sede de execução voluntária do julgado, ter de reapreciar a situação tributária do contribuinte, ou seja, por esta via, terá de reapreciar a decisão que indeferiu o pedido de reembolso. 

87.  {C}{C}Sendo que, se a AT não o fizer, a Requerente pode requerer a execução do julgado, invocando o artigo 173.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para que aquela dê cumprimento aos efeitos da decisão arbitral.

88.  {C}{C}Neste sentido traga-se aqui à colação a decisão tirada no Processo arbitral n.º 576/2022-T, onde se discutiu a duplicação de um reembolso de IVA efetuado em execução de uma decisão arbitral anterior. O tribunal analisou a legalidade dos atos da AT na sequência da execução do julgado, evidenciando a relevância de um cumprimento adequado das decisões arbitrais.

89.  {C}{C}Traga-se igualmente à discussão a jurisprudência que resulta da decisão prolatada no Processo n.º 324/2021-T, na qual o Tribunal se declarou incompetente para apreciar diretamente o deferimento de um pedido de reembolso de IVA, sublinhando que a sua jurisdição se limita à apreciação de atos de liquidação. Contudo, reconheceu que, caso a impugnação de uma liquidação adicional se mostre procedente, a AT deverá dar cumprimento às consequências legais, o que pode incluir a reapreciação de pedidos de reembolso em sede de execução do julgado. ​

90.  {C}{C}Estas decisões demonstram que, embora o CAAD possa não ter competência para ordenar diretamente a AT a reabrir procedimentos inspetivos ou deferir pedidos de reembolso, as consequências das suas decisões podem implicar a necessidade de a AT rever a situação tributária do contribuinte em sede de execução do julgado.​

91.  {C}{C}Isto dito e face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, o Tribunal não pode deixar de se declarar incompetente para ordenar à Requerida a prática de atos administrativos de natureza inspetiva nem para determinar a reabertura de procedimentos inspetivos, cuja disciplina está reservada ao quadro legal e regulamentar próprio da atividade da inspeção tributária, sendo que só esta interpretação assegura o respeito pelos princípios da legalidade, da vinculação da AT à decisão jurisdicional, e da proteção da confiança e segurança jurídica dos contribuintes, salvaguardando simultaneamente os limites próprios da jurisdição arbitral e os princípios estruturantes da inspeção tributária.

 

IV.D.3) Inutilidade superveniente da lide meramente parcial: 

 

92.  {C}{C}Os n.ºs 1 e 2 do art.º 13º do RJAT, dizem: 1 – Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º. 2 – Quando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.

93.  {C}{C}A Requerida não procedeu à revogação parcial das liquidações sindicadas no prazo previsto no n.º 1 do acima transcrito art.º 13º do RJAT. 

94.  {C}{C}Assim sendo, resulta meridianamente claro que o regime previsto naquele normativo não tem aqui aplicação. 

95.  {C}{C}A Requerida, por despacho de 16.03.2025, revogou parcialmente o ato objeto de impugnação conforme consta da Informação n.º 2025 000312 da DSIVA, datada de 12.03.2025 e que se encontrava anexa ao aludido requerimento superveniente junto ao SGP do CAAD em 21.03.2025, i.e., já depois de esgotado o prazo previsto no n.º 1 do art.º 13º do RJAT, donde, depois de decorridos os 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral. 

96.  {C}{C}Atenta a revogação parcial dos atos tributários de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, tornava-se, assim, inútil o prosseguimento da presente lide no que respeitava à pretensão anulatória do ato tributário sindicado na parte em que ele já havia sido revogado pela Requerida, atendendo a que no momento em que cumpria proferir decisão já tal ato, em boa parte, se não se mantinha na ordem jurídica, tendo sido revogado antes pela Requerida, sendo que, na parte em que se mantinha, apresentou a Requerente pedido no sentido de que mantinha interesse no prosseguimento da lide. 

97.  {C}{C}Não obstante, por revogação meramente parcial, os presentes autos perderam, ainda assim, parte do seu objeto. 

98.  {C}{C}Verificando-se a inutilidade superveniente da lide na parte em que a AT revogou os atos de liquidação aqui sindicados. Ou seja, a impugnação perde utilidade nessa parte, pois o ato administrativo já foi corrigido pela Requerida.

99.  {C}{C}Na decisão arbitral tirada no Processo n.º 781/2020-T, a AT revogou administrativamente o ato de liquidação adicional de IVA durante a pendência do processo arbitral. O tribunal considerou que, com a anulação do ato impugnado, apenas subsistia o pedido de restituição do IVA e juros indemnizatórios, reconhecendo a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de anulação do ato. 

100.                {C}{C}Adequado se mostrando trazer aqui à colação a decisão arbitral tirada no Processo n.º 672/2018-T, consultável in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA0MjIxMTIzMDEwLlA2NzJfMjAxOFQgLSAyMDE5LTAzLTI1IC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEgLnBkZg%3D%3De onde a dado passo de diz: “(...) Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil). Como referem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”. Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide. Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal do acto sindicado, ficou prejudicada porquanto a supressão desse acto e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância. Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação da liquidação impugnada (cfr. art.º 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.”

101.                {C}{C}A inutilidade superveniente da lide (aqui meramente parcial) ficava, assim, incontornavelmente demonstrada nos presentes autos.

102.                {C}{C}No que tange, agora, estritamente à questão da responsabilidade pelas custas, estatui o n.º 3 do art.º 536.º do CPC como segue: Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.”

103.                {C}{C}Nessa conformidade,  sustenta este Tribunal que a inutilidade superveniente da lide (meramente parcial) é da responsabilidade da Requerida, na medida em que, não só não revogou parcialmente o ato tributário de liquidação sindicado antes da constituição do tribunal arbitral e nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 13º do RJAT; como só veio a revogá-lo (em boa parte) posteriormente, constituindo-se esta (a Requerida), portanto, como responsável pelo pagamento das custas em função da parte revogada na pendência do presente processo arbitral, i.e., na parte que em termos de expressão material representa o montante revogado que se cifra em 33.093,42 €. 

104.                {C}{C}E constatada a revogação meramente parcial dos atos tributários sindicados, relativamente à parte não revogada, os presentes autos terão de prosseguir para apreciação do mérito. 

 

IV.D.4) Aplicação da verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA: 

 

105.                {C}{C}Partindo da delimitação do objeto das questões a decidir, comecemos, então, pela questão de saber foi demonstrado que existia uma ARU aprovada à data da execução da empreitada, ou seja, no momento da exigibilidade do IVA determinada em conformidade com o disposto no art.º 7.º e 8.º do respetivo compendio normativo. 

106.                {C}{C}Levando-se em conta os factos dados como provados nos pontos “U”, “V” e “W” do probatório, importa dizer que a delimitação de uma ARU rege-se pelo Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU)aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009de 23 de outubro. 

107.                {C}{C}O n.º 1 do artigo 13.º refere que compete à assembleia municipal deliberar sobre a delimitação da ARU e o seu n.º 6 dispõe no sentido de que a publicitação dessa deliberação é feita mediante publicação na 2.ª série do Diário da República.

108.                {C}{C}Com base no aviso n.º 14079/2021, de 26 de julho, publicado no Diário da República n.º 143/2021, Série II, de 26.07.2021 e referido no ponto “Q” do probatório, temos que, em 28 de junho de 2021, a Assembleia Municipal de Cascais aprovou a delimitação de 34 ARU, incluindo a que veio a ser identificada como ARU 09 – Cascais.

109.                {C}{C}Do disposto no Aviso n.º 17377/2024/2, de 14 de agosto, publicado no Diário da República n.º 157/2024, Série II, de 14.08.2024 e referido no ponto “R” do probatório, intui-se que, em 22 de julho de 2024, houve uma redelimitação dessa ARU, aprovada também em Assembleia Municipal. Esta redelimitação foi publicada no Diário da República n.º 157/2024, Série II de 14 de agostoatravés do Aviso n.º 17377/2024/2. Importando salientar que a nova deliberação de 2024 não criou ex novo a ARU 09, mas sim redelimitou uma ARU já existente desde 2021, i.e., a ARU 09 já se mostrava válida e eficaz desde a deliberação de 2021.

110.                {C}{C}Esta redelimitação resultou de um processo que visou a atualização das 34 Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) do Município de Cascais (Cf. ponto “R” do probatório), inicialmente aprovadas pela Assembleia Municipal em 28 de junho de 2021, nos termos do artigo 7.º e dos n.ºs 1, 2 e 6 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, na sua redação atual (RJRU – Regime Jurídico da Reabilitação Urbana). ​

111.                {C}{C}Resultando meridianamente claro que a ARU 09 já existia desde 2021 e foi posteriormente redelimitada em 2024. A data relevante para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA, ao abrigo da verba 2.23 da Lista I do CIVA, será a da delimitação inicial da ARU, ou seja, 28 de junho de 2021.

112.                {C}{C}Assim sendo e atendendo a que a empreitada aqui em causa e respeitante ao imóvel sito em Cascais, se realizou após a deliberação de 28 de junho de 2021, na medida em que em face do que está no Anexo 1 ao RIT as faturas que estão a titular as prestações de serviços de empreitada e aqui em causa foram emitidas no período que mediou entre o dia 25.01.2022 e o dia 28.10.2022 (Cf. ponto “J” do probatório), o correspondente imóvel já se encontrava formalmente incluído numa ARU, não obstante não se mostrar provado que para aquela área se encontrava aprovada uma ORU. 

113.                {C}{C}A deliberação de 2024, ao redelimitar a ARU, não invalida nem suspende os efeitos da anterior, apenas a atualiza ou ajusta.

114.                {C}{C}A posição sustentada no RIT (secundada na Resposta) e que ia no sentido de que, relativamente ao imóvel referido no ponto “P” do probatório,  no período em que foi sendo realizada a empreitada (entre 25.01.2022 e 28.10.2022) ainda não existia ARU, na perspetiva deste tribunal, revela-se materialmente errada, salvo se se demonstrasse que o imóvel não estava incluído na ARU aprovada em 2021, sendo que, a tal propósito, nada foi provado pela Requerida.

115.                {C}{C}Concluindo-se, assim, que a ARU 09 de Cascais é juridicamente eficaz desde a sua aprovação em 2021 e releva para efeitos da aplicabilidade da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA (sem cuidarmos por ora de saber que efeitos podem resultar no que tange a tal aplicabilidade no pressuposto de que não há ORU aprovada, ou, ao menos, que essa aprovação não está provada nos autos, do que trataremos adiante), sendo que a redelimitação de 2024, não tem efeitos retroativos invalidantes, nem é necessária para conferir eficácia à anterior, donde, a empreitada realizada após 28 de junho de 2021, em imóvel incluído na ARU 09 de Cascais, poderia, ao menos em tese, ou seja, sem prejuízo da ressalva acima explicitada, beneficiar da taxa reduzida de IVA, nos termos da verba 2.23 do CIVA.

116.                {C}{C}Assim sendo, falece, liminarmente, esta parte do argumentário esgrimido pela Requerida e que sustentava a inaplicabilidade da Verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA fundada na circunstância de não existir uma ARU aprovada à data da execução da empreitada, i.e., no momento da exigibilidade do IVA determinada em conformidade com o disposto nos artigos 7.º e 8.º do respetivo compendio normativo. 

117.                {C}{C}Resolvida esta questão, voltemo-nos agora para a questão de saber se para efeitos de aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, basta a circunstância dos imóveis se encontrarem localizados em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) ou se é igualmente necessária a aprovação prévia de uma Operação de Reabilitação urbana (ORU). Vejamos,

118.                {C}{C}O ponto crucial reside em determinar se, para que opere a taxa reduzida de IVA (6%), basta a mera localização do imóvel numa Área de Reabilitação Urbana (ARU) ou se a lei exige a aprovação de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU).

119.                {C}{C}A verba 2.23 prevê a aplicação da taxa reduzida de IVA a: "Empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana, delimitadas nos termos legais".

120.                {C}{C}A verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA tem sido, nos últimos anos, objeto de divergência interpretativa, sobretudo no que diz respeito à questão de saber se basta a aprovação de uma ARU ou se a aplicabilidade de tal verba está igualmente na dependência de haver sido aprovada uma ORU. A controvérsia centra-se na interpretação da expressão “localizados em áreas de reabilitação urbana, delimitadas nos termos legais”: deve esta ser entendida em sentido estrito, bastando a mera aprovação de uma ARU (Área de Reabilitação Urbana)? Ou exige a norma também que as empreitadas estejam enquadradas numa operação de reabilitação urbana (ORU) aprovada nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU)?

121.                {C}{C}Uma parte relevante da jurisprudência que vem sendo prolatada no âmbito do CAAD perfilhava a leitura de que bastaria que o imóvel estivesse localizado numa ARU legalmente delimitada para que se pudesse beneficiar da taxa reduzida de IVA. 

122.                {C}{C}Essa orientação baseava-se numa interpretação excessivamente literal da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, sustentada no artigo 11.º da Lei Geral Tributária, que privilegia a letra da lei como primeiro critério hermenêutico. Parte da jurisprudência prolatada no âmbito do CAAD sustentava que da letra daquela norma se deveria inferir a existência de um requisito (literal) que necessariamente nos remeteria para a circunstância do imóvel estar localizado numa ARU, calando a norma quanto à questão da aprovação de uma ORU e, face a essa ausência, por interpretação meramente literal, se advogava bastar a aprovação de uma ARU. Nessa conformidade, a jurisdição arbitral vinha em várias decisões considerando que a aplicação da taxa reduzida de IVA não exigia, necessariamente, a aprovação de uma ORU, bastando a localização do imóvel numa ARU. 

123.                {C}{C}Adequado se mostrando trazer aqui à colação decisões arbitrais que alinham no sentido de que a aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 não exigia a aprovação prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU), sendo suficiente que a empreitada de reabilitação urbana ocorresse em imóvel localizado em Área de Reabilitação Urbana (ARU) legalmente delimitada.​ A tal propósito veja-se, v.g., a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 947/2023-T, cujo sumário refere: “[1.] A verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação anterior à Lei n.º 56/2023, de 06.10.2023, tem aplicação quando se verifiquem as seguintes condições: (a) estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, conforme legalmente definida e (b) a empreitada de reabilitação urbana realizar-se em imóvel ou espaços públicos localizados em Área de Reabilitação Urbana (ARU), legalmente delimitada. 2. Para além das condições referidas, nem da letra, nem do espírito da Lei, resulta qualquer outra exigência para a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da mencionada verba 2.23, designadamente a prévia aprovação de uma operação de reabilitação urbana (ORU) para o território em causa.”​

124.                {C}{C}Esta interpretação foi reiterada em diversas outras decisões arbitrais, como seja nos processos n.ºs 932/2023-T, 660/2023-T e 255/2024-T, onde se afirma que a exigência de uma ORU não encontra suporte legal para a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da verba 2.23.​

125.                {C}{C}Contudo, essa linha interpretativa foi formal e decisivamente afastada pelo Supremo Tribunal Administrativo, através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido no Processo n.º 12/24.9BALSB

126.                {C}{C}Neste aresto, o STA procedeu a uma análise articulada, sistemática e teleológica daquela norma, invocando fundamentos de ordem legislativa, urbanística, fiscal e funcional, para concluir que não basta a existência de uma ARU para aplicação da taxa reduzida, sendo  também imprescindível a aprovação de uma ORU.

127.                {C}{C}No acórdão em referência, o STA parte da constatação de que a norma fiscal (Verba 2.23) remete para um conceito jurídico indeterminado, ou seja, a questão era saber o que deve ser entendido por “áreas de reabilitação urbana, delimitadas nos termos legais”, para efeitos de se determinar qual o alcance do âmbito de aplicação daquele norma. Assim, a expressão “nos termos legais” não se esgota na aprovação cartográfica de uma ARU, mas obriga a integrar no seu sentido o regime jurídico que regula a reabilitação urbana,  ou seja, o RJRU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro.

128.                {C}{C}É dentro desse regime - e não fora dele - que devem ser compreendidos os conceitos de ARU, ORU e reabilitação urbana. 

129.                {C}{C}O STA recusa, por isso, a leitura isolada e estritamente literal da norma fiscal, por a considerar insuficiente para captar o alcance funcional e normativo da disposição, afirmando que a aplicação da taxa reduzida deve ter um quadro jurídico-material que justifique a concessão do benefício fiscal.

130.                {C}{C}E assim sendo, olhemos para a estrutura normativa do RJRU, retirando dele, diga-se desde já, que a ARU e a ORU são instrumentos complementares e que dificilmente se podem cindir ou desconsiderar mutuamente, estando intimamente interligados, o que não pode deixar de ter consequências em termos da adequada hermenêutica a realizar sobre o alcance da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA. Vejamos,

131.                {C}{C}Nos termos dos artigos 7.º, 13.º e 15.º do RJRU, o processo de reabilitação urbana inicia-se com a delimitação de uma ARU, que é da competência da assembleia municipal. No entanto, a ARU, por si só, não materializa uma operação de reabilitação, definindo apenas o perímetro onde essa operação pode ocorrer.

132.                {C}{C}Sendo que uma ARU é uma zona delimitada pelo município onde se pretende incentivar a reabilitação urbana. Apenas depende de uma delimitação formal pela Câmara Municipal e permite acesso a incentivos fiscais.

133.                {C}{C}A ORU, por sua vez, configura-se como sendo um plano de ação específico dentro de uma ARU que define obras e intervenções concretas. Depende de aprovação formal e pode ser simples (caso apenas conceda incentivos) ou sistemática (se impuser obrigações de reabilitação).

134.                {C}{C}A distinção entre ORU simples e sistemática está prevista no artigo 16.º do RJRU, que estabelece: “[A]s operações de reabilitação urbana são aprovadas através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, que contêm: a) A definição do tipo de operação de reabilitação urbana; e b) A estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática.”

135.                {C}{C}Na decisão arbitral tirada no Processo n.º 3/2023-T, o Tribunal Arbitral analisou a natureza das operações de reabilitação urbana, esclarecendo que: “ (...) O que, ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16.º da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja ela simples ou sistemática. (...).”

136.                {C}{C}A reabilitação urbana só ganha densidade programática, objetivos definidos, instrumentos de atuação e obrigações específicas com a aprovação de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU), que, como visto, pode ser: i) Simples, quando apenas prevê a atribuição de incentivos e instrumentos de promoção da reabilitação; ou ii) Sistemática, quando impõe obrigações aos proprietários e intervenientes.

137.                {C}{C}A ORU é, assim, o verdadeiro instrumento de gestão urbanística que ativa a reabilitação urbana dentro da ARU, nos termos do artigo 16.º do RJRU. 

138.                {C}{C}É também ela que define a forma como os incentivos fiscais e urbanísticos (incluindo o IVA a taxa reduzida) podem ser aplicados e a quem se destinam.

139.                {C}{C}A leitura do STA (que vai no sentido de se exigir, para efeitos de aplicabilidade da verba 2.23, a aprovação de uma ARU e também de uma ORU) assenta num critério funcional e teleológico: a concessão de um benefício fiscal, como a taxa reduzida de IVA, deve corresponder a um compromisso com uma política pública concreta— neste caso, com os objetivos da reabilitação urbana previstos no RJRU. Assim, uma empreitada localizada numa ARU, mas não integrada numa ORU aprovada, poderá ser uma mera obra de construção civil, sem ligação a qualquer programa público de reabilitação urbana. 

140.                {C}{C}O STA sublinha que a finalidade da norma fiscal não é fomentar a atividade construtiva em geral, mas sim apoiar financeiramente a execução de políticas públicas de reabilitação urbana integradas e programadas, como previsto na legislação urbanística.

141.                {C}{C}E assim sendo, tal benefício fiscal deve estar subordinado à existência de um quadro normativo de reabilitação urbana - materializado na ORU - que justifique e legitime essa vantagem fiscal.

142.                {C}{C}Sem ORU, não há reabilitação urbana em sentido jurídico e funcional, pelo que a taxa reduzida prevista na Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA  não pode aplicar-se.

143.                {C}{C}O acórdão uniformizador estabelece como premissa interpretativa fundamental que a verba 2.23 não pode ser interpretada de forma descontextualizada do RJRU, nem se pode permitir que o seu benefício seja aplicado sem controlo normativo, com base apenas numa localização geográfica em ARU.

144.                {C}{C}O STA reconhece que a norma não menciona expressamente a ORU, mas sustenta que a remissão para “áreas delimitadas nos termos legais” implica a aplicação integral do RJRU e, com ele, da exigência de ORU. 

145.                {C}{C}É uma posição que valoriza o sistema jurídico como um todo, e não a letra isolada de uma norma e, por isso, o STA uniformiza jurisprudência no sentido de que: “A aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I do CIVA exige que a empreitada de reabilitação urbana seja realizada no quadro de uma operação de reabilitação urbana aprovada, e não apenas em imóvel situado em área de reabilitação urbana delimitada.”

146.                {C}{C}À luz da interpretação uniforme ora fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo, não restam dúvidas de que a mera delimitação de uma ARU não basta para justificar a aplicação da Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. 

147.                {C}{C}A exigência de uma ORU aprovada não constitui um requisito adicional criado pela Administração Tributária, mas sim um pressuposto lógico e jurídico que resulta da interpretação sistemática e funcional do regime aplicável à reabilitação urbana

148.                {C}{C}A aplicação da taxa reduzida de IVA neste contexto está, pois, dependente de que a empreitada esteja formal e substancialmente inserida numa operação de reabilitação urbana validamente aprovada, nos termos do RJRU. 

149.                {C}{C}Tal interpretação assegura coesão normativacontrole na concessão de benefícios fiscais e alinhamento com os objetivos de política pública que justificam o regime de incentivo previsto na Verba 2.23.

150.                {C}{C}Volvendo para o caso dos autos, dir-se-á que a AT sustenta no RIT (o que veio secundado na Resposta da Requerida) que apenas obras abrangidas por uma ORU podem beneficiar da taxa reduzida. 

151.                {C}{C}A Requerente rechaçando tal interpretação, defende que: i) Basta que a obra esteja numa ARU para beneficiar da taxa reduzida; ii) A exigência de uma ORU não tem suporte legal, pois o texto da verba 2.23 apenas menciona ARU; aludindo ainda que sempre atuou de boa-fé, donde, não pode colocar-se em causa a aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA.

152.                {C}{C}Para além do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido no Processo n.º 12/24.9BALSB que aqui seguimos de perto, adequado se mostra trazer à colação as seguintes decisão arbitrais que já reconheciam a exigência de ORU para efeitos de se mostrar legitimada a aplicabilidade da Verba n.º 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA e que são elas as que foram prolatadas, v.g., nos Processos números 295/2022-T e 93/2023-T.

153.                {C}{C}Não vislumbrando este tribunal razões para dissentir das decisões acima trazidas à colação, alinhamos a nossa hermenêutica com elas, onde, aliás, nos respaldamos, pelo que, atendendo a que a empreitada de reabilitação urbana aqui em causa (e que não está abrangida pela revogação parcial operada pela AT) ocorre, é certo, dentro de uma ARU, mas não estando provado nos autos que estava aprovada e em vigor uma ORU para a área onde se localiza o respetivo imóvel,  não pode deixar de ficar comprometida a fruição por parte da Requerente do benefício fiscal previsto na verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, com a correspondente aplicação da taxa reduzida de IVA. 

154.                {C}{C}Consequentemente, o ato tributário (na parte não revogada) que pressupõe a verificação de uma tal condição da exigência de uma ORU aprovada e em vigor não enferma de qualquer ilegalidade com base na interpretação da Verba 2.23 que preconizamos como boa e fundada na jurisprudência do CAAD  e do STA acima sobejamente explicitada.

155.                {C}{C}Assim sendo, há que concluir que a liquidação sindicada (na parte não revogada pela Requerida) deve manter-se na ordem jurídica por não estar enfermada do vício de violação de lei que lhe é assacado pela Requerente. 

 

V. DECISÃO: 

 

Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:

 

A)    {C}{C}Fixar o valor do processo em 42.480,44 € com respaldo no que acima se explicitou a tal propósito, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 1 do o art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT);

B)    {C}{C}Face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, declarar-se incompetente para ordenar à Requerida a reabertura de procedimento inspetivo já encerrado e, nessa conformidade, não conhecer do pedido acessório de reabertura do procedimento inspetivo registado sob a Ordem de Serviço n.º OI2023..., ao abrigo da declaração anterior, decidindo em conformidade e apreciando o reembolso de IVA entretanto indeferido, por se inscrever dentro das competências da AT no âmbito dos atos e operações de execução deste julgado anulatório; 

C)    {C}{C}Declarar parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide decorrente da eliminação voluntária da ordem jurídica de parte do ato de liquidação impugnado por revogação parcial decidida pela Requerida;

D)    {C}{C}Julgar improcedente o pedido arbitral com a consequente manutenção parcial na ordem jurídica das liquidações adicionais de IVA, Juros Compensatórios e moratórios, respeitantes ao período de tributação de 2022.12T e melhor identificadas no ponto “Y” do probatório, respetivamente, de 10.786,88 € e de 800,48 €, na medida do imposto adequadamente liquidado em resultado da desconsideração da verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA e que venha a resultar do apuramento a realizar em execução da presente decisão.

 

V. CUSTAS:

 

Fixo o valor das Custas em 2.142,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido, a cargo da Requerente e da Requerida em função do respetivo decaimento e que se fixa, respetivamente, em 22,00% e em 78,00%, nos termos acima expostos e em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 e art.º 536, n.º 3 ambos do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14  de maio de 2025.

 

O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do n.º 5, do art.º 131.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e), do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT.

 

 

O Árbitro,

 

(Fernando Marques Simões)

 



[1] In Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, anotado, 2016, Almedina, p. 275.