SUMÁRIO:
I – A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como «imposto» e não como «contribuição», pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
II – Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR e já não de atos de repercussão daquele imposto.
III – A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido arbitral.
IV – A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Carla Castelo Trindade, Dr. Alberto Amorim Pereira e Dr. António Manuel Melo Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A., com o NIPC ..., com sede em Rua ..., n.º... ... ...-... Leiria, doravante identificada como Requerente, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que instituiu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
2. Tal pedido foi efetuado na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado na Alfândega de Peniche, em 03.04.2024, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante Requerida ou AT, com base na ilegalidade das liquidações dos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022 do seu fornecedor de combustíveis B..., Lda, e bem assim dos atos de repercussão dessa mesma CSR consubstanciados nas faturas de aquisição de produtos ao referido fornecedor.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente em 04.11.2024, foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
4. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:
- Em 03.04.2024, apresentou um pedido de revisão oficiosa da CSR dos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, não tendo o mesmo sido objeto de decisão no prazo legalmente estabelecido, formando-se um ato de indeferimento tácito do pedido.
- Tem por base a ilegalidade das liquidações de CSR relativas às aquisições de gasóleo e gasolina que efetuou à empresa sua fornecedora de combustíveis, B..., Lda. a qual repercutiu o valor da CSR, tal como legalmente se encontrava obrigada, de que resultou o pagamento de uma CSR de 65 728,76 €.
- Para a demonstração deste montante junta uma tabela de fornecimentos, em que consta a data e o n.º da fatura do fornecedor, o montante em euros inerente ao fornecimento de cada tipo de combustível, a CSR que considera incluída na transação, e o cálculo de juros a 4 % com menção da data de contagem até 27.02.2024, de que resulta um pedido de restituição de 65 202,77 € em CSR de gasóleo, 525,99 € em CSR de gasolina e 7707,76 € de juros.
- Não obstante a designação da CSR ser «contribuição», na realidade é um imposto, conforme essa distinção é amplamente explicada na jurisprudência nacional e europeia, devendo o intérprete ater-se ao conteúdo específico do tributo e não à sua denominação. Cita, a este propósito o Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre o tema, defendendo que a contribuição financeira tem uma estrutura para-comutativa, dirigida à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários, o que não é o caso, pois a Infraestruturas de Portugal I.P. é que é a titular da respetiva receita, não sendo os destinatários da atividade deste instituto, as empresas que se dedicam à comercialização de combustível rodoviário.
- O ISP, enquanto imposto especial de consumo, antes do desdobramento, louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que os preços dos combustíveis não internalizavam. A partir do momento em que teve a designação de CSR passou a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo.
- Para o Tribunal de Justiça o tributo instituído pela lei portuguesa constitui um imposto, porquanto, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suscetível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118 e deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a administração tributária possa fundamentar a recusa de reembolso de um imposto indireto contrário à referida diretiva na presunção de que o imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
- Apesar da Requerente não ser sujeito passivo da CSR, tal facto não a afasta da titularidade de direitos e legitimidade para efetuar o pedido, uma vez que assume a natureza de repercutido legal, na medida em que foi a Requerente que suportou o imposto em causa.
- A repercussão no consumidor advêm de imposição legal conforme resulta do artigo 2.º do CIEC quando refere que «os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária», tendo tal alteração introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, natureza interpretativa.
- A Requerente refere que é consensual o entendimento dos tribunais, designadamente os arbitrais, de que nos casos em que é o sujeito passivo quem pugna pela anulação das liquidações, é à AT que incumbe a prova da existência da repercussão.
- Para que a aqui repercutida possa ver restituído o imposto indevidamente cobrado e por ela indevidamente suportado impõe-se a anulação das liquidações respeitantes à CSR do fornecedor da Requerente, sendo essa liquidação ilegal devida a erro imputável aos serviços, devendo, com a restituição do imposto, serem pagos os respetivos juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), calculados no montante de 8342,92 €.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. A Requerente foi notificada dessa designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
6. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 09.01.2025, nesse mesmo dia foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
7. Em 12.02.2025, a Requerida apresentou resposta nos termos seguintes:
- Num ponto prévio sumariou as questões jurídicas resultantes da apresentação do pedido à luz do enquadramento fáctico-normativo da CSR, que descreve, destacando, desde logo, a inexistência de coincidência temporal no processamento das DIC e na emissão de faturas de vendas posteriores, não sendo as mesmas emitidas necessariamente pelo mesmo operador económico, sendo dois tipos de documentos diferentes sem qualquer relação jurídica ou de correspondência biunívoca.
- A questão jurídica relacionada com a legalidade da CSR tem vindo a ser suscitada na via administrativa, judicial e arbitral com identificação em concreto das DIC e dos atos de liquidação em causa, pelo que, na falta de identificação das DIC e dos respetivos atos de liquidação, há o risco de uma possível multiplicação de pedidos de reembolso da mesma quantia liquidada de CSR por parte dos intervenientes no circuito de comercialização.
7.1 Em termos de defesa por exceção, a Requerida veio dizer o seguinte:
7.1.1. O tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido, dado que independentemente do nomen júris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é por definição um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112‑A/2022, de 22 de março (Portaria de Vinculação);
- Para sustentar este entendimento, cita diversa jurisprudência arbitral e também constitucional, para concluir que a vinculação da Administração Tributária se reporta apenas à apreciação de pretensões relativamente a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição. Mesmo que se viesse a entender que a CSR reveste a natureza de imposto, a competência da Requerida está circunscrita unicamente aos impostos que estão sob a sua administração;
- Não obstante a remissão para o CIEC para efeitos de liquidação, cobrança e pagamento, tal aplicação não afasta a natureza da CSR enquanto tributo que se destinava a ser atribuído a outra entidade, pelo que, não pode, consequentemente, considerar-se que a CSR fosse, à data dos factos, um tributo (imposto ou não) administrado pela AT;
- Por isso, conclui que a decisão arbitral padece do vício de pronúncia indevida, previsto na 1.ª parte da alínea c), do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT, por, em razão da matéria, ter decidido para além do âmbito da jurisdição arbitral;
- Mesmo que se viesse a considerar essa competência para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação do ISP/CSR nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos tributários;
- Tais atos não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto, entendimento defendido por alargada jurisprudência arbitral, para o que identifica e transcreve a este propósito excertos das decisões dos tribunais arbitrais proferidas nos processos n.ºs 364/2023-T, e 467/2023-T;
- Neste sentido, nos termos do vertido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, verifica-se exceção dilatória que prejudica o conhecimento do mérito da causa.
7.1.2 Uma segunda exceção reside na ilegitimidade processual e substantiva da Requerente.
- Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, pelo que a intervenção num processo contencioso tem de ser lida à luz da lei geral, nomeadamente do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e Código de Processo Civil (CPC), por força do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT;
- Apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago;
- E, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução no consumo;
- Pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados;
- Com efeito, nos termos do artigo 15.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º e que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto;
- O que significa que de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não tem legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;
- No caso concreto, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade para apresentar pedidos de revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na sua esfera jurídica;
- O que não pode é vir a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado, não ficando a mesma desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra a sua fornecedora, se reunir os devidos pressupostos;
- A condição de repercutido legal pode ser relevante face ao disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, segundo a qual, é conferido o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronuncia arbitral a quem, não sendo sujeito passivo, suporte o encargo do imposto por repercussão legal, todavia, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismos de repercussão legal associado à CSR, pelo que a sua legitimidade só poderá ser aferida pela qualidade de mera repercutida de facto;
- É perante a ausência de referência sobre quem deverá recair o encargo da CSR que resulta que a repercussão meramente económica depende em exclusivo da decisão dos sujeitos passivos, que, no âmbito das suas relações comerciais, regidas pelo direito civil, podem decidir transferir, ou não, e de forma total ou parcial, a carga fiscal para outrem – os seus clientes; tal como ocorre nos designados impostos especiais de consumo em que o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço, matéria prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na politica de definição dos preços de venda;
- Não resulta provado de qualquer elemento junto aos autos que a Requerente tenha sido o consumidor final, isto é que tenha pago/suportado a final o encargo da alegada repercussão da CSR, tendo-se limitado a juntar aos autos as faturas emitidas pela sua fornecedora de combustíveis, as quais, no entanto, não corporizam atos de repercussão, apenas titulando as operações de compra e venda de combustíveis;
- Os adquirentes de combustíveis que desenvolvem uma atividade orientada à prestação de serviços, como é o caso da Requerente, procuram repassar todos os gastos em que incorrem, por forma a repartir os custos dos serviços prestados pelos seus clientes, pelo que as entidades potencialmente oneradas com o encargo da CSR são os consumidores finais de tais serviços prestados pela Requerente e não pela própria;
- A repercussão fiscal não representa em si mesma, uma questão linear, pois será legal ou económica pelo que se entende que o legislador se quis referir apenas aos repercutidos legais no âmbito da alínea a), do n.º 4, do artigo 18.º da LGT que diz respeito aos sujeitos da relação tributária, não atribuindo legitimidade procedimental a processual a quem venha eventualmente a suportar o encargo do imposto;
- Donde, entende a Requerente que apenas os sujeitos passivos do imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para apresentar o pedido de revisão oficiosa e consequentemente o pedido de pronúncia arbitral tendo em vista solicitar o reembolso do valor pago, o que não é o caso da Requerente, entendimento defendido em numerosas decisões arbitrais que identifica;
- A aceitar-se que a Requerente tenha legitimidade para efetuar o pedido de revisão e de anulação parcial das liquidações de ISP (não identificadas, nem identificáveis), reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, para além de se estar sem fundamento perante a violação de normas da constelação normativa dos IEC poder-se ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo;
- Tal não configuraria uma real situação de reembolso nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º n.º 2 do CIEC, mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional, como vem evidenciado no voto de vencido da Professora Doutora Carla Castelo Trindade, proferido no processo n.º 491/2023-T, de que transcreve excertos do respetivo voto.
7.1.3 A terceira exceção respeita à ineptidão da petição inicial, quer por falta de objeto, quer pela ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir.
- Nos termos da alínea b), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT impunha-se à Requerente a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido, o que não foi feito, pois limitou-se a identificar faturas de aquisição de combustíveis ao seu fornecedor sem identificar qualquer ato tributário de liquidação, o que determina a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância por verificação da exceção de ineptidão da petição inicial, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.º 1 e 2, 577.º alínea b) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT;
- A Requerida faz alusão a atos tributários, sem que, em momento algum, identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR, nem as DIC submetidas pelo(s) efetivo(s) sujeito(s) passivo(s), limitando-se a identificar faturas de aquisição de combustível à sua fornecedora, que não comprovam qualquer ato tributário;
- Não só não estão identificadas as declarações de introdução no consumo nem os atos de liquidação como se desconhece quem terá suportado originária e efetivamente o encargo da liquidação da CSR, não tendo as transações que ocorrem após a introdução no consumo por base um ato de liquidação específico, donde ser impossível à Requerente identificar o ato de liquidação subjacente à declaração dos produtos para consumo, que vão sendo transacionados ao longo da cadeia de comercialização;
- Considera a Requerida que não sendo possível a identificação dos atos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial, identificando um conjunto numeroso de decisões arbitrais decididas no mesmo sentido e fazendo uma alargada transcrição alargada dos votos de vencido proferidos nas Decisões Arbitrais n.º 491/2023-T e 128/2024-T;
- Ainda no âmbito desta exceção, nos termos da alínea b), do artigo 577.º do CPC, salienta a contradição entre o pedido e a causa de pedir, suscetível de nos termos do n.º 1, do artigo 185.º do CPC, conduzir à nulidade de todo o processo. Com efeito, face à causa de pedir baseada na ilegalidade dos atos de liquidação à luz do direito europeu, daí infere a ilegalidade das alegadas repercussões, não estabelecendo o nexo causal necessário entre o pedido e a causa de pedir, transcrevendo em apoio deste entendimento um alargado trecho da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 364/2023-T.
7.1.4 Por último, em termos de exceção, a Requerida refere a caducidade do direito de ação, em razão da intempestividade do pedido, o que constitui uma exceção perentória que, nos termos dos artigos 576.º n.º 3 e 579.º do CPC, extingue o direito potestativo a pedir judicialmente o direito que se arroga e importa a absolvição do pedido, ou a exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para os efeitos do disposto na alínea k), do n.º 4 e n.ºs 1 e 2 do artigo 89.º do CPTA. Com efeito:
- A falta de identificação dos atos de liquidação impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e a contagem do respetivo prazo inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação global;
- Não estando os referidos atos tributários identificados desconhece-se a data a partir da qual se inicia a contagem, não sendo possível estabelecer qualquer correspondência entre as datas de emissão das faturas de aquisição com as datas dos atos de liquidação praticados a montante em datas anteriores;
- Tomando por referência o alegado pela Requerente e as faturas de aquisição anexas ao PPA emitidas no período de 17.01.2019 a 15.12.2022, em 04.04.2024 há muito que se encontrava ultrapassado o prazo de reclamação graciosa de 120 dias, tendo a Requerente, por isso, invocado erro dos serviços, para poder beneficiar do prazo de 4 anos previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. E ainda que se admitisse o erro dos serviços, em face dos artigos 15.º a 20.º do CIEC, na referida data já teria sido ultrapassado o prazo de 3 anos previsto no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso, ou mesmo ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º o prazo de 4 anos, tomando por referência as aquisições efetuadas antes de 04.04.2020, esclarecendo que sobre este mesmo sentido interpretativo, houve pronúncias nos processos arbitrais n.ºs 491/2023-T (voto de vencido) e 710/2023-T.
7.2 A par das exceções, a Requerida defende-se igualmente por impugnação, invocando que a Requerente não logra fazer prova sobre o alegado facto de a fornecedora de combustível ter repercutido integralmente o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque, sendo que de acordo com o artigo 344.º do Código Civil, as regras do ónus da prova só se invertem quando haja presunção legal.
- Afirma que não se sabe quem suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR liquidado pelos efetivos sujeitos passivos de ISP/CSR (não identificados, nem identificáveis), e que a fornecedora de combustível alegadamente suportou a montante e repercutiu a jusante nas respetivas faturas, sendo que o fornecedor de combustíveis atuou como mero intermediário, citando a este propósito o entendimento da decisão arbitral n.º 467/2023-T em caso idêntico ao dos autos;
- A Requerida impugna a repercussão da CSR liquidada pelos efetivos sujeitos passivos, o teor da listagem de faturas do fornecedor de combustíveis junta ao pedido e o teor das próprias faturas, porquanto as mesmas apenas indicam os valores de aquisição dos combustíveis, com menção do IVA, sem qualquer referência à CSR;
- No entender da Requerida, a Requerente nem sequer demonstrou ter diligenciado junto da sua fornecedora de combustíveis pela recolha de informações ou pistas de rastreabilidade que permitisse aferir se existiu repercussão a montante e jusante, desde a introdução no consumo até à aquisição pela Requerente, citando, sobre este tipo de falta de provas, textos da jurisprudência arbitral dos processos n.ºs 36372023-T e 452/2023-T e identificando numerosos processo decididos no mesmo sentido;
- Especificamente sobre o Despacho do TJUE proferido no processo C-460/21, considera que em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR, inexistindo qualquer decisão judicial transitada em julgado que julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária que determine a respetiva devolução;
Particularmente relevante o acórdão do TJUE de 20.10.2011, proferido no processo C-94/10, sobre reembolso e repercussão no âmbito dos IEC, em que um Estado Membro pode-se opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou ás autoridades fiscais, desde que nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido por parte deste último não seja na prática impossível ou excessivamente difícil.
7.3 Finalmente, em matéria de juros indemnizatórios, defende a Requerida que, a proceder o pedido de pronúncia, os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa e não desde a data do pagamento do imposto.
8. Em 14.02.2025, foi proferido Despacho Arbitral a notificar a Requerente para, no prazo de dez dias, querendo, exercer o direito ao contraditório quanto à matéria das exceções invocadas pela Requerida, tendo a Requerente respondido em 28.02.2025, em síntese, nos seguintes termos:
8.1 Quanto à questão da incompetência do Tribunal em razão da matéria, refere que a Portaria de Vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações. Refere-se a pretensões «relativas a impostos», de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Assim, a vinculação reporta-se a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT que respeitem a impostos – com a exclusão de outros tributos – e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
8.1.1 À luz de tal entendimento coloca-se a questão da natureza da CSR, sobre a qual a doutrina tem divergido entre a qualificar como imposto e contribuição, a qual, tendo em conta o seu regime e à luz dos conceitos doutrinários subjacentes, dificilmente se poderá concluir que é uma contribuição financeira, uma vez que não tem como pressuposto uma prestação a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva, como se assinala nos processos arbitrais n.º 269/2021.T e 304/2022-T.
8.1.2 Os sujeitos passivos não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal, referindo o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 que o «Financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da E.P- Estradas de Portugal, E.P (…) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.».
8.1.3 Com efeito, não existe qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos, pelo que se afirma, da mesma forma, que «para o Tribunal de Justiça, o tributo instituído pela lei portuguesa – e que este designou por «contribuição» - constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suscetível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118». Nestes termos, considera que a exceção deve ser julgada improcedente.
8.2 Em matéria de ilegitimidade processual e substantiva, a Requerente refere que a sua legitimidade ativa se encontra coberta pela norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT e também pelo artigo 9.º, n.º 1 do CPPT.
A Requerente, muito embora não seja o sujeito passivo da relação tributária subjacente à repercussão, enquanto entidade repercutida, pode impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através dos referidos meios procedimentais ou processuais, como forma de reagir à ilegalidade da repercussão.
Acha inusitado que a AT, nos processos em que os sujeitos passivos são os requerentes de reembolso, se defenda dizendo que é prática uniforme e reiterada a sua repercussão na esfera dos adquirentes e agora entre em total contradição e sustente o contrário.
Para impedir uma possível multiplicação de pedidos de reembolso das quantias liquidadas a título de reembolso, compete à Requerida a demonstração, nos procedimentos administrativos ou nas ações processuais instauradas pelos sujeitos passivos, que se verificou a repercussão efetiva do imposto indevidamente liquidado com base na situação de enriquecimento sem justa causa. Nestes termos a exceção deve ser julgada improcedente.
8.3 Acerca da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente refere que não só identifica as faturas emitidas pelo fornecedor de combustível em que houve a repercussão da CSR como também indica a quantia global suportada a esse título.
Acrescenta que não sendo a Requerente o sujeito passivo, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os atos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto, estando impossibilitada de obter outros elementos de informação que estão na posse de terceiros.
É a AT que nos seus poderes inquisitórios está em condições de realizar as diligências necessárias a apurar a realidade subjacente às operações em causa. Exigir à Requerente a identificação dos atos de liquidação com este recorte constituiria uma interpretação dos normativos sob apreciação em desalinho com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da CRP.
Por outro lado, considera que não existe ininteligibilidade do pedido nem contradição entre este e a cauda de pedir, pelo que, anuladas que sejam as liquidações, igualmente são eliminadas as consequências que com base nelas se hajam produzido, mormente os atos de repercussão legal na sua esfera jurídica.
8.4 Finalmente, quanto à exceção da caducidade do direito de ação, afirma que não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo antes à AT que impende o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitam verificar a existência de os atos de liquidação do imposto. Tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 03 de abril de 2024 e reporta-se a atos de repercussão da CSR no período compreendido entre os anos de 2019 e 2022, no momento da apresentação não tinha decorrido o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78.º n.º 1 da LGT.
9.1 Em 11.03.2025, a Requerente solicitou a junção aos autos de um documento emitido pela fornecedora de combustíveis B..., Lda, o qual foi admitido, tendo sido dado um prazo de 10 dias à Requerida para, no âmbito do exercício do direito ao contraditório, se pronunciar sobre o mesmo.
9.2 Esse direito foi exercido nesse mesmo dia, 11.03.2025, tendo a Requerida afirmado que embora a referida empresa tivesse estatuto fiscal não estava habilitada, durante os anos em causa (de 2019 a 2022), a introduzir no consumo gasolina nem gasóleo rodoviário, e como tal nunca poderia ter sido o efetivo sujeito passivo que introduziu no consumo e liquidou o respetivo ISP e CSR relativamente ao combustível que veio a vendar à Requerente.
No entender da Requerida a referida declaração era irrelevante do ponto de vista fiscal e só tinha relevância em sede penal, para o que requereu a emissão de certidão.
9.3 Notificada a Requerente sobre este pedido da Requerida, veio a mesma, em 25.03.2025, pugnar pela sua total improcedência, por falta de fundamento legal para os efeitos pretendidos, devendo a Declaração da B... ser atendida nos presentes autos, em face inclusive da ponderação concreta dos interesses em discussão.
10. Em 28.03.2025, a Requerida solicitou a junção ao processo de documento extraído das suas bases de dados em matéria de sujeitos passivos no âmbito dos IECs em que pretende comprovar a irrelevância fiscal da declaração oferecida pela Requerente, tendo esta, no âmbito do contraditório, impugnado o documento e desconhecer a sua veracidade. fidelidade e fidedignidade.
11. Em despachos arbitrais de 14.04.2025 e 16.04.2025, veio o Tribunal Arbitral a admitir o documento apresentado pela Requerida em 28.03.2025, a esclarecer a forma de ser obtida a certidão nele mencionada e, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º, e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, a dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, dispensando-se a prova testemunhal, uma vez que a posição das Partes está definida.
II – SANEAMENTO
12. O Tribunal Coletivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas.
13. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções invocadas pela Requerida de:
(i) incompetência do Tribunal Arbitral;
(ii) ineptidão do pedido de pronúncia arbitral;
(iii) ilegitimidade da Requerente, e
(iv) caducidade do direito de ação por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.
III – MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
14. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade de direito português com sede em Portugal;
b) Entre 17.01.2019 e 15.12.2022, a Requerente adquiriu 566 145.11 litros de gasóleo rodoviário e 4792,32 litros de gasolina;
c) No referido período vigorou uma taxa de CSR de 87 €/1000 litros para a introdução no consumo do produto de combustível gasolina e uma taxa de CSR de 111 €/1000 litros para a introdução no consumo do produto de combustível gasóleo rodoviário;
d) Em 04.04.2024, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa na Alfândega de Peniche onde suscitou a revisão dos atos tributários de CSR e, consequentemente, dos atos de repercussão daquele imposto, alegadamente consubstanciados nas faturas que lhe foram emitidas pela sua única fornecedora, B... Lda.;
e) As faturas emitidas por esta mencionam o tipo de combustível, a quantidade em litros, o preço por litro acrescentado do IVA a 23% e, nas mais recentes, também um «Resumo da taxa ISP» com a mesma quantidade de litros multiplicada por uma taxa e o respetivo total.
f) As faturas que consubstanciam os documentos apresentados a instruir o pedido de pronúncia e a sustentar o pedido de reembolso da CSR estão numeradas de 03 a 157 e foram as seguintes:
Data N.º fatura Litros Produto N.º Ordem
17.01.2019 119/139 4405 Gasóleo 06
29.01.2019 119/208 6007 Gasóleo 05
31.01.2019 119/301 40,00 Gasolina 04
09.02.2019 119/400 5999 Gasóleo 03
26.02.2019 119/555 6005 Gasóleo 07
28.02.2019 119/647 75,24 Gasolina 08
15.03.2019 119/781 5001 Gasóleo 09
25.03.2019 119/851 6001 Gasóleo 10
31.03.2019 119/1000 74,00 Gasolina 12
31.03.2019 119/1000 30 Gasóleo 12
10.04.2019 119/53 6004 Gasóleo 11
15.04.2019 119/1139 100,00 Gasolina 15
26.04.2019 119/1259 6001 Gasóleo 13
30.04.2019 119/1356 105,00 Gasolina 16
14.05.2010 118/1435 9003 Gasóleo 14
30.05.2019 119/1601 6002 Gasóleo 19
31.05.2019 119/1691 100,00 Gasolina 17
15.05.2019 119/1837 95,00 Gasolina 18
18.06.2019 119/1880 6000 Gasóleo 21
28.06.2019 119/1948 6002 Gasóleo 23
12.07.2019 119/2143 5004 Gasóleo 20
15.07.2019 119/2170 75,00 Gasolina 22
24.07.2019 119/2262 3000 Gasóleo 25
05.08.2019 119/2372 11000 Gasóleo 24
15.08.2019 119/2501 60,00 Gasolina 27
20.08.2019 119/246 6058 Gasóleo 29
31.08.2019 119/2649 129.10 Gasolina 26
05.09.2019 119/2702 6004 Gasóleo 28
15.09.2019 119/2785 76,00 Gasolina 30
19.09.2019 119/2835 6021 Gasóleo 31
22.10.2019 119/3191 6001 Gasóleo 33
06.11.2019 119/3397 6010 Gasóleo 32
15.11.2019 119/3480 165,00 Gasolina 35
15.11.2019 119/3461 5999 Gasóleo 34
30.11.2019 119/3700 75,00 Gasolina 37
30.11.2019 119/3630 6001 Gasóleo 36
19.12,2019 119/3918 6003 Gasóleo 38
31.12.2019 119/4055 72,20 Gasolina 39
14.01.2020 120/84 5996 Gasóleo 40
27.01.2020 120/204 6004 Gasóleo 41
31.01.2020 120/319 90,00 Gasolina 42
10.02.2020 120/412 5999 Gasóleo 43
15.02.2020 120/474 75,00 Gasolina 44
24.02.2020 120/567 6006 Gasóleo 46
29.02.2020 120/79 135,00 Gasolina 45
09.03.2020 120/658 4001 Gasóleo 47
17.03.2020 120/774 5002 Gasóleo 48
13.04.2020 120/1059 5000 Gasóleo 49
15.04.2020 120/1093 140,00 Gasolina 50
28.04.2020 120/138 6000 Gasóleo 51
30.04.2020 120/1247 70,00 Gasolina 52
13.05.2020 120/1368 7003 Gasóleo 53
15.05.2020 120/1420 90,00 Gasolina 53
27.05.2020 120/1521 6006 Gasóleo 55
13.06.2020 120/1693 5998 Gasóleo 59
15.06.2020 120/1716 120,00 Gasolina 58
16.06.2020 120/1736 4008 Gasóleo 56
24.06.2020 120/1804 4009 Gasóleo 57
06.07.2020 120/1992 5999 Gasóleo 60
22.07.2020 120/2123 4977 Gasóleo 61
31.07.2020 120/2255 105,46 Gasolina 62
04.08.2020 120/2305 2998 Gasóleo 79
07.08.2020 120/2333 5708 Gasóleo 80
15.08.2020 120/2395 110,00 Gasolina 78
19.08.2020 120/2436 10260 Gasóleo 77
04.09.2020 120/2629 6002 Gasóleo 75
15,09.2020 120/2712 105.80 Gasolina 76
22.09.2020 120/2770 3996 Gasóleo 74
30.09.2020 120/2906 105,85 Gasolina 73
03.10.2020 120/2965 6003 Gasóleo 65
15.10.2020 120/3055 90.45 Gasolina 63
20.10.2020 120/3110 5999 Gasóleo 70
04.11.2020 120/3309 5998 Gasóleo 72
10.11.2020 120/3352 3997 Gasóleo 64
16.11.2020 120/3412 90.98 Gasolina 66
25.11.2020 120/3501 6007 Gasóleo 68
30.11.2020 120/3618 105,00 Gasolina 67
15.12.2020 120/3745 18,38 Gasóleo 69/71
15.01.2021 121/95 90,00 Gasolina 96
31.01.2021 121/279 150,00 Gasolina 97
02.02.2021 121/320 5999 Gasóleo 98
15.03.2021 121/657 90,52 Gasolina 100
16.03.2021 121/89 10000 Gasóleo 99
39.03.2021 121/161 6000 Gasóleo 101
31,03.2021 121/775 95,00 Gasolina 102
16.04.2021 121/258 4998 Gasóleo 104
28.04.2021 121/346 5998 Gasóleo 103
30.04.2021 121/956 59,85 Gasolina 105
15.05.2021 121/462 6003 Gasóleo 106
27.05.2021 121/542 6005 Gasóleo 107
08.06.2021 121/628 4000 Gasóleo 108
14.06.2021 121/681 5001 Gasóleo 110
15.06.2021 121/1223 75,80 Gasolina 109
23.06.2021 121/751 5001 Gasóleo 112
30.06.2021 121/1332 45,00 Gasolina 111
06.07.2021 121/845 5999 Gasóleo 113
15.07.2021 121/1427 111,33 Gasolina 114
19.07.2021 121/944 6002 Gasóleo 115
31.07.2021 121/1531 583,73 Gasóleo 116
31.07.2021 121/1531 182.65 Gasolina 116
02.08.2021 121/1047 10001 Gasóleo 93
15.08.2021 121/1605 80,52 Gasolina 94
21.08.2021 121/1168 6000 Gasóleo 95
02.09.2021 121/1246 4006 Gasóleo 86
18.09.2021 121/1362 5998 Gasóleo 87
06.10.2021 121/1498 4932 Gasóleo 91
15.10.2021 121/1956 90,17 Gasolina 88
18.10.2021 121/1593 4005 Gasóleo 90
27.10.2021 121/1615 6504 Gasóleo 89
04.11.2021 121/1711 5998 Gasóleo 82
17.11.2021 121/1802 6000 Gasóleo 81
30.11.2021 121/2220 152,00 Gasolina 92
30.11.2021 121/1903 4004 Gasóleo 117
13.12.2021 121/1987 3000 Gasóleo 84
14.12.2021 121/2002 7000 Gasóleo 83
28,12.2021 121/2092 4998 Gasóleo 85
14.01.2022 312122/72 6000 Gasóleo 148
15.01.2022 259122/39 119,13 Gasolina 157
31.01.2022 259122/136 90,00 Gasolina 155
02.02.2022 312122/202 6005 Gasóleo 147
28.02.2022 259122/291 60,01 Gasolina 156
03.03.2022 312122/445 6001 Gasóleo 146
05.03.2022 312122/482 4002 Gasóleo 144
31.03.2022 259122/476 60,00 Gasolina 154
05.04.2022 312122/669 6001 Gasóleo 143
30.04.2022 259122/642 75,00 Gasolina 153
04.05.2022 312122/850 4001 Gasóleo 142
07.05.2022 312122/899 3000 Gasóleo 141
24.05.2022 312122/1019 5998 Gasóleo 140
15.06.2022 259122/909 90.09 Gasolina 152
20.06.2022 312122/1242 5000 Gasóleo 138
23.06.2022 312122/582 6000 Gasóleo 145
29.06.2022 312122/1300 3999 Gasóleo 139
30.06.2022 259122/1516 75,00 Gasolina 151
11.07.2022 312122/1376 5001 Gasóleo 137
26.07.2022 312122/1501 3999 Gasóleo 136
04.08.2022 312122/1586 3001 Gasóleo 133
08.08.2022 312122/1607 5005 Gasóleo 134
11.08.2022 312122/1636 5999 Gasóleo 135
15.08.2022 312122/1653 170,02 Gasolina 119
29.08.2022 312122/1747 2998 Gasóleo 132
06.09.2022 312122/1797 5000 Gasóleo 128
19.09.2022 312122/1887 3003 Gasóleo 131
28.09.2022 312122/1951 4001 Gasóleo 130
08.10.2022 312122/2056 400 Gasóleo 124
08.10.2022 312122/2055 11014 Gasóleo 125/126
15.10.2022 259122/1593 75,00 Gasolina 150
15.10.2022 259122/1593 20 Gasóleo 129 (impercetível)
24.10.2022 312122/2191 6003 Gasóleo 127
08.11.2022 312121/2283 4999 Gasóleo 123
15.11.2022 259122/1772 100,15 Gasolina 149
22.11.2022 31212/23184 4000 Gasóleo 122
05.12.2022 312122/2487 4002 Gasóleo 120
15.12.2022 315122/634 80,00 Gasolina 118
15.12.2022 315122/631 11102 Gasóleo 121
g) Do exposto resulta que no período de 2019 a 2022 a Requerente adquiriu um total de 4792,32 litros de gasolina e um total de 566 145,11 litros de gasóleo;
h) A alfândega de Peniche não proferiu decisão expressa de indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa;
i) A gerência da sociedade B..., Lda, em 13.01.2025, emitiu uma declaração com o seguinte teor:
« B... Lda, registada com o número de pessoa coletiva 502911930, sede na Rua ... n.º ..., ..., ...-... ..., pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do estado, por referência ao combustível fornecido à sociedade comercial C..., SA. registada com o número de pessoa coletiva ..., sede em Rua ..., ... nos anos de 2019 a 2022 foi por si integralmente repercutido na esfera da referida empresa.»;
j) A Direção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo e do Imposto sobre Veículos da AT, através de mail de 27.03.2025, sobre a declaração supra, informou que não consta das suas aplicações qualquer informação sobre a «B..., Lda.» ter agido na qualidade de sujeito passivo, não tendo estado habilitada a introduzir no consumo produtos petrolíferos e energéticos, e não dispondo de qualquer estatuto fiscal no âmbito dos IEC;
l) Em 31.10.2024 a Requerente apresentou o pedido arbitral que deu origem aos presentes autos.
§2 – Factos não provados
15. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
1) A B..., Lda, entregou ao Estado enquanto sujeito passivo da relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela AT com base nas DIC apresentadas por depositário autorizado não identificado;
2) No período compreendido entre 17.01.2019 e 15.12.2022 a Requerente suportou a título de CSR a quantia global de 65 728,76 €, sendo 65 202,77 € referente a gasóleo rodoviário e 525,99 € referente a gasolina, que lhe foi repercutido nas aquisições que efetuou à sua fornecedora de combustível;
3) O cálculo da CSR, conforme consta do mapa resumo de faturas anexo ao pedido de pronúncia arbitral, tenha sido efetuado nos termos legais;
4) A Requerente adquiriu à sua fornecedora combustível no valor de 4263,41 €, titulado pela fatura 312122/787, de 23.04.2022;
5) A Requerente é a consumidora final dos combustíveis rodoviários adquiridos à fornecedora de combustível, não tendo repercutido o encargo económico da CSR no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
16. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
17. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
18.1 Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 1), considerou este Tribunal Arbitral que a declaração junta pela Requerente é uma declaração genérica que não faz qualquer associação a faturas concretas e determinadas, e está desacompanhada das DIC globalizadas, dos consequentes atos de liquidação e dos respetivos comprovativos de pagamento, não sendo possível certificar a efetiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário e gasolina referidas no ponto a) da matéria de facto dada como provada.
18.2 Por outro lado, é expressamente contrariada pela Requerida que, através da respetiva unidade orgânica responsável pelos IEC, assegurou que a referida empresa não pode ter sido o sujeito passivo das liquidações de CSR nem a responsável pela entrega dos montantes correspondentes ao Estado, em relação aos produtos fornecidos entre os anos de 2019 a 2022.
19. Quanto ao facto dado como não provado no ponto 2) supra, impõe-se desde logo registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.
20. Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:
“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
45 Não se pode, no entanto, admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).
46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42). (…)
48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaques nossos)
21. Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.
22. O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399: “A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida. A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transação”.
23. Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido desejada na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários fatores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.
24. Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limita a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.
25. Quanto à fornecedora de combustível, cuja qualidade de sujeito passivo primário durante o período visado nos autos é controvertida, a repercussão é pura e simplesmente presumida pela Requerente, que se limita a juntar faturas por aquela emitidas, como se de tal facto decorresse sem mais a prova da repercussão e uma declaração referida na alínea g) do n.º 14 da matéria de facto provada, nas quais a fornecedora de combustível se limitou a afirmar de forma genérica e abstrata que repercutiu o encargo da CSR.
26. Sucede que das faturas e da referida declaração não decorre, sem mais, a prova da repercussão. É que tal declaração não versa sobre as concretas transações realizadas entre a fornecedora de combustível e a Requerente; não faz a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transacionados; não estabelece a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstra a incorporação do encargo da CSR nas faturas de venda de gasóleo rodoviário à Requerente, nem tão pouco em que grau e/ou medida tal incorporação se processou. Na verdade, não ficou sequer provado que a fornecedora de combustível, quando atuou como mera intermediária na cadeia de abastecimento/distribuição, suportou ela própria o encargo da CSR que alega ter repercutido na esfera da Requerente.
27. Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados aos seus clientes que podem situar-se no circuito ou cadeia económico‑comercial como os verdadeiros consumidores finais. Foi por isso que não se deu como provado o facto constante do ponto 3) acima mencionado relativo aos factos não provados.
28. Quanto ao facto dado como não provado no ponto 3) supra, a Requerente calculou a CSR implícita nas aquisições de combustível que efetuou à sua fornecedora com base em taxas incidentes sobre o valor dos produtos que adquiriu, quando nos termos do artigo 91.º do CIEC, a unidade tributável é de taxas sobre os 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15,º Celsius, pelo que não se dá por provado o indicado valor da causa. Por outro lado, no ponto 4, no resumo de faturas é mencionado o n.º de uma fatura reportada a uma data, que não integrou o acervo de cópias de faturas.
29. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1. Questões prévias – saneamento
§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral
30. Quanto à apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral para conhecer do pedido formulado pela Requerente, seguem-se aqui de muito perto as conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral na decisão arbitral proferido em 29 de julho de 2024, no processo n.º 1062/2023-T, em que foi relatora a Presidente deste Coletivo, e que, como no mesmo assinalou, já seguira de perto a orientação decorrente da Decisão Arbitral proferida no processo 467/2023-T, de 29 de fevereiro de 2024, cujo coletivo também tinha integrado.
31. Relativamente à questão de apurar se o pedido apresentado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária, importa conjugar os termos em que a mesma é fixada no RJAT e na Portaria de Vinculação para que o mesmo remete.
32. Preceitua o artigo 2.º do RJAT o seguinte:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)
33. Por seu lado, a Portaria de Vinculação estabelece o objeto da vinculação nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
34. A resposta à questão da arbitralidade dos atos de liquidação de contribuições não se afigura linear parecendo ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação, com reflexos na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria, daqui não resultando, todavia, que possa ficar em causa a inclusão no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos.
35. Por isso, importa qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, no sentido de se poderem extrair as necessárias consequências quanto à competência material para a pronúncia deste Tribunal Arbitral.
Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
36. Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:
“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos. No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”
Mais recentemente, no domínio desta mesma CSR, as decisões arbitrais n.ºs 853/2024-T, de 30.12.2024, 898/2024-T, de 16.12.2024, 864/2024-T, de 18.11.2024 e 808/2024- , 24.10.2024, apontaram no mesmo sentido da falta de vinculação da Requerida à jurisdição arbitral.
37. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T e, mais recentemente, 930/2024-T, 853/2024-T e 850/2024-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável.
Por todos, cita-se nesta sede a decisão arbitral proferida em 24 de outubro de 2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto. Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT. Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa). Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo. Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…) Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza. Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”
Neste mesmo sentido o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 24.10.2024, processo 128/23.9BCLSB, considerou os tribunais arbitrais como competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de CSR.
38. Cabendo tomar posição, e evitando repetições desnecessárias e contrárias à economia processual que se exige, acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência que qualifica a CSR como um imposto, já que este é um tributo que efetivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Por conseguinte, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos
39. Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar o concreto pedido formulado pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.
40. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticiona a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação da CSR relativamente ao seu identificado fornecedor, por lhe ter sido repercutido o pagamento de um imposto (ainda que tenha sido denominado de contribuição) por si suportado pelo pagamento das faturas que juntou, tudo, porque as liquidações se encontram feridas de ilegalidade, por violação das normas jurídicas que mencionou.
Está assim em causa, a apreciação pelo tribunal arbitral, por um lado dos atos tributários de liquidação, e, por outro, a jusante, os atos de repercussão do imposto pago.
41. Nesta sede, importa referir que a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.
Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399.
Esse fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).
Com efeito, independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão – i.e., saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada – certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (neste sentido vide SERENA CABRITA NETO e CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
Este é, de resto, o entendimento que tem sido defendido pela jurisprudência que se pronunciou sobre o tema, concretamente pelos Tribunais Arbitrais constituídos nos processos n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T, 408/2023-T e 467/2023-T.
Por todos, reproduz-se nesta sede em reforço das considerações já realizadas, o excerto das conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 1 de fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023-T:
“III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem atos de repercussão Como os Coletivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar diretamente – e sem mais – atos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais atos ocorrem a jusante dos atos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos atos de liquidação. Isso decorre diretamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.” Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito ativo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito ativo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.” Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses atos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.
42. Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
43. Por outro lado, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas à sociedade fornecedora de combustível, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas pelos sujeitos passivos primários a quem foi liquidada e por quem foi paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência, mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.
§2 – Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral
44. Reconhecendo-se o Tribunal competente para apreciar o pedido referente aos atos de liquidação de CSR nos termos acabados de fixar, cumpre então verificar se o pedido da Requerente apresenta deficiências ou irregularidades que implicam a sua ineptidão.
45. A título de contextualização, importa sublinhar que o contencioso tributário é um contencioso de plena jurisdição que confere aos particulares uma tutela jurisdicional efetiva quanto a todas as lesões de direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária. Ainda assim, esta plena jurisdição é “mitigada”, porquanto reconhece limitações no que respeita aos poderes condenatórios e substitutivos que assistem aos Tribunais.
No que em concreto respeita ao domínio da impugnação judicial e da arbitragem tributária que lhe é alternativa, o contencioso tributário continua a ser essencialmente de mera anulação, com exceção dos poderes condenatórios de reembolso do imposto indevidamente pago, de condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
Para além disso, no domínio daqueles meios processuais o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objetivista”, que tem no ato tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, páginas 292 e 293).
46. Significa isto que a impugnação judicial e o pedido arbitral são meios processuais que não visam uma tutela da relação jurídico-tributária globalmente considerada, mas tão só dos concretos atos tributários contestados. Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado ato tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objeto do processo, cuja anulação ou declaração de nulidade ou inexistência se requer.
Neste mesmo sentido, referiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 16 de dezembro de 2020, proc. n.º 0545/13.2BEVIS, que “o contencioso tributário é de mera apreciação da legalidade, consistindo na formulação de um pedido jurisdicional tendo em vista a anulação de um ato jurídico (tributário – liquidação) da administração, ou seja, é um contencioso de anulação, e não de substituição”.
47. Dada a primazia que assume o ato tributário, torna-se particularmente relevante o cumprimento pelos particulares dos requisitos da petição inicial e do pedido de constituição de Tribunal Arbitral/pedido de pronúncia arbitral no que respeita à identificação dos atos de liquidação contestados.
Preceitua o CPPT, em matéria de requisitos da petição inicial, o seguinte:
“Artigo 108.º
Requisitos da petição inicial
1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”. (destaque nosso)
48. Por seu turno, o artigo 10.º do RJAT estabelece o seguinte;
“Artigo 10.º
Pedido de constituição de tribunal arbitral
(…)
2 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
(…) b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;”. (destaque nosso)
49. Compreende-se que, em concretização do princípio do dispositivo, a lei faça recair o ónus de identificação dos atos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um ato de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poder-se-ia verificar o prosseguimento de uma ação com um objeto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado. Tal hipótese não pode ser admitida.
Por um lado, porque é em função do objeto processual que o Tribunal afere o cumprimento dos pressupostos que lhe permitem apreciar o mérito, designadamente a competência material, a legitimidade das partes, a tempestividade do pedido e a competência em razão do valor.
Por outro lado, porque sem objeto o processo será inútil, já que no limite a ação poderá prosseguir sem que o Tribunal consiga aferir perante o concreto ato de liquidação contestado a verificação dos vícios invocados pelo impugnante. Isto sem contar que a final a decisão não terá efeito útil prático, já que o Tribunal não poderá declarar a ilegalidade e consequente anulação de um ato que desconhece.
50. A este propósito, pronunciou-se o STA no acórdão de 07 de fevereiro de 2018, proc. n.º 01400/17 da forma seguinte:
“A única questão a decidir consiste em saber se está correta a decisão ora sindicada que se decidiu pelo indeferimento liminar da petição de impugnação com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objeto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual entendeu ser do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT. (…)
A impugnante não identificou o ato impugnado e, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado. Ocorre total ausência de indicação do ato de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial e daí decorre a falta de objeto da impugnação e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial. A ora recorrente concede, aliás que a sua petição inicial era imprecisa (vide supra conclusão e)), mas nada fez, nem quando notificada para a tornar precisa, desde logo neste elemento essencial – indicação do ato lesivo para si ou seja o ato impugnado que constituiria o objeto da ação que dirigiu ao tribunal. É exato que atenta a falta de objeto da impugnação e, bem assim, a ininteligibilidade do pedido formulado na petição inicial, o tribunal “a quo” nunca poderia emitir primeiro uma decisão sobre a tempestividade da impugnação, que obedece aos prazos previstos no artigo 102º do CPPT e depois, caso se verificasse a tempestividade da mesma, uma decisão de mérito, por não ter sido materializado o ataque a um qualquer ato de liquidação de um tributo com indicação de causa(s) de pedir inteligíveis. Esta é uma situação bem distinta de outros casos apreciados por este STA onde se expressou que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Mas no presente caso nem sequer estamos imediatamente numa situação de evidência da improcedência da pretensão do autor. Estamos ainda a montante, na omissão de identificação do próprio ato impugnado e daí que o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, sendo que a concretizar-se redundaria em manifesto desperdício de atividade judicial. Nestas circunstâncias não se contraria o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.
(…) Acresce referir que atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, que, necessariamente, o deveria instruir, por parte da Impugnante, não se impunha à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra que interviesse de novo, no processo antes de proferir o despacho ora sindicado pois que o convite foi feito logo com a cominação do que sucederia caso não fosse satisfeito o convite formulado. Em consequência, não houve qualquer decisão surpresa para a ora recorrente e também não ocorreu violação do princípio da cooperação. Finalmente cremos que o Mº Juiz não violou qualquer dever de «gestão processual», princípio que permite ao juiz dirigir ativamente o processo, tomando as providências necessárias ao seu andamento célere e legal, o que inclui a adoção dos atos indispensáveis à regularização da instância. É que, perante petição inicial, ostensivamente deficiente de elementos exigidos por lei, tomou a iniciativa própria e adequada traduzida na notificação/convite para identificação/junção aos autos do acto impugnado lesivo dos direitos da impugnante. Saíram goradas as suas diligências, por manifesta falta de colaboração da própria impugnante que erradamente entendeu que podia transferir para o Tribunal a obrigação de juntar aos autos um documento que não identificou, e não alegou que estivesse em poder da parte contrária, atinente ao ato impugnado também não identificado, sendo que a existir a sua junção estava no âmbito do princípio do dispositivo que à parte assiste não sendo caso para aplicação do disposto no artº 429º do novo CPC. Nestas circunstâncias muito bem andou a Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Sintra, ao decidir indeferir liminarmente a presente petição de impugnação judicial.”. (destaque nosso)
51. Constata-se que a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de CSR praticados pela AT, porém, não identifica quais os específicos e concretos atos em causa nem junta aos autos qualquer prova, rectiusdocumental, onde tal identificação seja feita.
Dos elementos probatórios produzidos pela Requerente apenas constam faturas que titulam aquisições de gasóleo rodoviário e gasolina, bem como uma declaração da entidade fornecedora de combustível onde esta afirma que repercutiu integralmente a totalidade do encargo do imposto na Requerente.
52. Por muito que as faturas e a mencionada declaração da fornecedora de combustível titulem atos de repercussão de CSR – o que não ficou provado –, certo é que aquelas não são atos de liquidação, o que significa que a Requerente não cumpriu o ónus legal que lhe é imposto pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
Tal como se referiu, o dever de identificação das liquidações impugnadas recai sobre a Requerente por força do princípio do dispositivo associado ao impulso processual de impugnação (artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT), sem contar que o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra a Requerente por ser esta que têm de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT).
53. Em todo o caso, e sem prejuízo de não existir fundamento para transferir para a AT a obrigação de identificação e junção aos autos das liquidações contestadas, inexistem elementos no processo que permitam à AT – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as faturas que alegadamente titulam a repercussão da CSR e as liquidações que lhe estão a montante.
Para além de ser controvertida nos autos a posição assumida pela fornecedora de combustível na cadeia comercial e de não ter sido feita qualquer correspondência entre as DIC globalizadas submetidas nas alfândegas pelos efetivos sujeitos passivos de imposto e as faturas juntas aos autos pela Requerente, a liquidação e pagamento da CSR situam-se no circuito económico a montante das vendas de combustíveis rodoviários efetuadas à Requerente, inexistindo uma necessária correspondência temporal entre liquidações e faturas emitidas.
54. Refira-se ainda que no giro comercial é comum que um operador económico declare para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal produtos que são propriedade de outro fornecedor de combustíveis. Nestas situações, o operador económico que apresenta a DIC é o sujeito passivo a quem é liquidada a CSR, ainda que seja o outro fornecedor de combustíveis quem irá vender, através do Entreposto Fiscal do sujeito passivo que apresentou a DIC, os produtos aos seus clientes. Portanto, as faturas a que alude a Requerente poderiam no limite respeitar a liquidações de que foi objeto qualquer outro fornecedor de combustíveis a quem aquela possa ter solicitado a declaração para introdução no consumo.
55. Conclui-se, assim, que a identificação dos atos de liquidação pela AT seria excessivamente difícil ou até mesmo inviável, já que as faturas juntas pela Requerente aos autos poderiam corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas e a qualquer uma das liquidações emitidas nas diferentes alfândegas no período compreendido entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022. Isto, sem contar que poderá nem sequer existir coincidência entre o sujeito passivo de CSR e a fornecedora de combustível à Requerente, que pode não ter sido a responsável pela introdução no consumo e pelo pagamento da CSR liquidada. A identificação dos atos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo e sobre os quais este Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível recorrer ao regime previsto no artigo 429.º do CPC.
56. Esta impossibilidade prática de identificação dos atos de liquidação pela Requerente é mais facilmente compreensível se for tido em consideração, em primeiro lugar, que nos termos do artigo 15.º do CIEC a legitimidade para contestar a legalidade das liquidações de CSR apenas assiste aos sujeitos passivos deste imposto e, em segundo lugar, que o ordenamento jurídico prevê formas específicas de tutela dos direitos dos repercutidos, concretamente através de ações de repetição do indevido contra os repercutentes. É este, de resto, o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência arbitral, designadamente nos processos n.ºs 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T já citados.
57. A Requerente não logrou identificar os atos de liquidação de CSR cuja legalidade pretende contestar e a impugnação apenas pode ser feita pelos sujeitos passivos a quem as liquidações foram dirigidas, sendo tal restrição justificada pelas dificuldades práticas que resultariam de uma atribuição irrestrita de legitimidade. Resulta, assim que mesmo que a Requerente lograsse identificar os atos de liquidação de CSR, sempre lhe faltaria legitimidade processual para contestar a respetiva legalidade por força do disposto no artigo 15.º do CIEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT. Solução que, conforme se referiu, não obsta à efetivação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, concretizada através de ação de restituição do indevido.
58. Posto isto, deve dar-se por verificada a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a ineptidão da petição inicial por falta de objeto, o que consubstancia uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de exceção dilatória, nos termos conjugados do artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do artigo 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos artigos 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.
59. A questão do cálculo da CSR peticionado pela Requerente, efetuado com uma base tributável inadequada, poderia igualmente relevar para a ineptidão, mas o Tribunal Arbitral cinge os seus efeitos apenas ao cálculo do valor do processo, pelo que relativamente a esta como às demais questões suscitadas no processo, porque inúteis, fica prejudicada a sua apreciação.
V. DECISÃO
60. Termos em que se decide julgar:
a) Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR e, em consequência, absolver parcialmente a Requerida da instância;
b) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;
c) Julgar procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
d) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
61. A Requerente indicou como valor da causa 74 071,86 €, correspondente à soma das liquidações que por via da repercussão impugna, de 65 728,76 €, acrescido de 8 342,92 € de juros indemnizatórios, valor não contestado pela Requerida.
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, os valores atendíveis para efeitos de custas ou outros previstos na lei para as ações que decorram nos tribunais tributários, nos casos de impugnação da liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.
Assim, o valor da causa não pode ser considerado.
Sucede, todavia, que, por erro, a Requerente calculou o valor da causa a partir da aplicação das taxas de CSR em vigor para a gasolina e o gasóleo rodoviário sobre o valor da mercadoria, quando a norma legal de tributação estabelece a aplicação das taxas sobre as quantidades, pelo que o valor a considerar é o correspondente ao produto de 4792,32 litros de gasolina por 87 €/1000 litros, adicionado do produto de 566 145,11 litros de gasóleo por 111 €/1000 litros, tudo somado correspondente a 63 259,02 € (sessenta e três mil duzentos e cinquenta e nove euros e dois cêntimos), sendo este o valor da causa.
VII. CUSTAS
62. Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.448,00, (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros) a suportar pela Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de Maio de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade (Presidente)
Alberto Amorim Pereira
(com voto de vencido)
António Manuel Melo Gonçalves
(relator com declaração)
No uso da faculdade concedida pelo artigo 22.º, n.º 1 do RJAT, relativa a pronúncias parciais, tenho o entendimento que a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR poderia ter prevalecido.
O artigo 2.º da Portaria de Vinculação, ao referir que os serviços e organismos (de administração de impostos) se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, mencionados no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a nosso ver, só fará sentido à luz da Lei Orgânica da AT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, a qual estabelece as missões e o quadro geral de atuação dos diversos serviços técnico-normativos, com a tipicidade e especificação próprias da administração de cada tributo, e da portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, e respetivas sucessivas alterações, que enformam e dão suporte ao poder de administração dos impostos.
A ligação da AT à CSR surge apenas em resultado da incumbência da prestação de serviço de cobrança, pela qual é especificamente remunerada, donde o quadro classificativo atribuído pelo legislador à CSR, enquanto tributo, parece-nos, deveria ser respeitado e não afastado, sem mais, pelo intérprete. Mas, mesmo que assim não fosse, e a mesma fosse considerada imposto, os termos em que se encontra estabelecida a vinculação afastaria a sua inclusão na jurisdição arbitral, em razão de não pertencer a um tributo do universo dos impostos administrados pela AT na aceção da respetiva lei orgânica e portarias regulamentadoras.
António Manuel Melo Gonçalves
DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO
Não posso subscrever a posição que fez vencimento, quer no que diz respeito à questão da natureza da repercussão da CSR, quer no que diz respeito à questão da ineptidão da petição inicial nem à questão da ilegitimidade da Requerente.
Quanto à questão da natureza da repercussão, entendeu-se, na posição que fez vencimento, que a repercussão não é um ato tributário, nem em sentido lato, nem em sentido estrito.
Com o que não posso concordar.
Isto porque entendo que a repercussão dos atos em causa nos autos, traduzida nas faturas emitidas pelos fornecedores de combustível, envolve o efetivo apuramento da matéria coletável/tributável, tornando certa, líquida e exigível a obrigação tributária através de uma operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada.
Pelo que entendo que a repercussão da CSR é um verdadeiro ato tributário impugnável, quer em sentido lato, quer em sentido estrito.
Por outro lado, no que diz respeito à ineptidão da petição inicial, também não posso concordar com a posição que fez vencimento.
Ao invés, entendo que a falta de identificação das liquidações subjacentes às faturas juntas pela Requerente está perfeitamente justificada, não sendo sequer exigível ou possível à Requerente a sua identificação. A Requerente identificou os atos impugnados da única forma que lhe era possível, isto é, através da identificação das faturas emitidas pelos fornecedores, as quais consubstanciam a repercussão do imposto na sua esfera jurídica.
Da mesma forma, a indicação das liquidações não é essencial para que o tribunal aprecie a legalidade da cobrança de CSR. Isto porque, através da análise das faturas, é possível ao tribunal determinar, por simples cálculo aritmético, o valor da CSR que lhe está subjacente, atento o valor de CSR devido por cada litro de combustível, fixado no artigo 4º nº 2 da Lei nº 55/2007, de 31 de agosto.
Questão diferente é a prova do efetivo pagamento da CSR por parte da Requerente, que não resultou demonstrada.
Por último, não posso igualmente concordar com a posição que fez vencimento quanto à ilegitimidade da Requerente.
Tal como tenho vindo a defender, entendo que o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR e de reembolso dos valores pagos pode ser formulado quer pelo sujeito passivo do imposto, quer pelas entidades repercutidas, em função da existência ou não de repercussão – cfr. artigos 18º nº 4 a) da LGT e 9º nº 1 do CPPT.
Nos termos do disposto no artigo 9º nº 1 do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, prescrevendo o número 4 do mesmo preceito que, no processo judicial tributário, têm legitimidade, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.
O termo “contribuintes”, utilizado pela referida norma tem o significado de “sujeitos passivos”, utilizado pelo artigo 18º nº 3 da LGT - a pessoa singular ou coletiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.
Tendo havido repercussão do imposto, é o repercutido o único lesado pela liquidação, pelo que é este quem tem, em nome do princípio constitucional do reconhecimento do direito à impugnação de atos de natureza administrativa ao lesado por tal ato, previsto no artigo 268º nº 4 da CRP, legitimidade para impugnar os respetivos atos.
Em face do exposto, julgaria demonstrada a repercussão, improcedentes todas as exceções, incluindo a de ineptidão da petição inicial e ilegitimidade da Requerente e não demonstrado o pagamento da CSR, pelo que concluiria, por aí, pela improcedência do pedido de reembolso da CSR.
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira