Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1028/2024-T
Data da decisão: 2025-05-12  IRS  
Valor do pedido: € 47.436,07
Tema: IRS – Liquidação corretiva. Declaração de substituição. Convolação em reclamação graciosa. Revogação do ato tributário impugnado.
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SUMÁRIO:

1.   {C}{C}Em alternativa à reclamação graciosa, o sujeito passivo pode, nos termos da norma do ponto II da alínea b) do n.º 3 do CPPT, optar por apresentar declaração de substituição, a qual, quando a AT não proceder à sua liquidação, deve ser, nos termos do n.º 5 do artigo 59.º do CPPT, convolada em reclamação graciosa.

2.   {C}{C}A reclamação graciosa resultante de convolação de declaração de substituição deve ser resolvida no prazo previsto nas normas dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, o qual é contado a partir da apresentação da declaração de substituição.

3.   {C}{C}Atento os princípios da diligência, da celeridade, da cooperação e boa-fé processual, a não revogação dos atos impugnados no prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT não preclude o direito da AT de proceder à sua revogação em momento posterior, desde que tal revogação seja notificada ao Tribunal em momento prévio à prolação da decisão arbitral.

4.   {C}{C}A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, isto é, sempre que por facto ocorrido na pendência da instância (decisão da Requerida), a continuação da lide não tenha qualquer utilidade (art.º 287 e) do CPC), dado que a pretensão da Requerente se encontra satisfeita.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.    {C}{C}RELATÓRIO

I.1 Enquadramento

1.  {C}{C}A contribuinte A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em Rua ..., n.º ..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).

2.  {C}{C}No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 02.09.2024, a Requerente peticiona que seja declarado ilegal o despacho de indeferimento tácito da reclamação graciosa (por convolação de declaração de substituição) apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Liquidação n.º 2023..., datada de 20.12.2023, referente ao período de tributação do ano de 2020, e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2023 ... /Compensação n.º 2023..., de 22.12.2023, ambas no valor de € 47.436,07, que inclui juros compensatórios, no valor de € 3.844,70.

3.  {C}{C}A Requerente pede a anulação da referida liquidação de IRS e pede, ainda, que seja declarada a ilegalidade decorrente da omissão da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, que constitui o objeto imediato da ação e que deverá ser anulado por violação de lei.

4.  {C}{C}Em virtude da Requerente não ter procedido ao pagamento da liquidação de IRS no prazo de pagamento voluntário, em 20.02.2024, os serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira procederam, nos termos do artigo 88.º do CPPT, à extração da respetiva certidão de dívida para efeitos de cobrança coerciva.

5.  {C}{C}Com base na referida certidão de dívida foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2024... . Em 14.03.2024, a Requerente procedeu ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, no valor de € 47.662,19.

6.  {C}{C}A Requerente, na sequência da apresentação da declaração de substituição com vista a ser sindicada a legalidade da referida liquidação corretiva de IRS, para não ter de proceder, nos termos previstos nos artigos 169.º e 199.º do CPPT, à constituição de garantia procedeu ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, conforme acima referido.

7.  {C}{C}Em 04.09.2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 24.10.2023 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

8.  {C}{C}Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 13.11.2024, verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.

9.  {C}{C}Em 13.11.2024 foi proferido despacho arbitral para a Exm.ª Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT. 

10. {C}{C}Em 17.12.2024, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. À guisa de conclusão a Requerida salienta que i) devem as exceções dilatórias suscitadas proceder e a Requerida ser absolvida da instância; ii) Assim não se entendendo, deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, a Requerida absolvida dos pedidos e a liquidação impugnada mantida na ordem jurídica.

11. {C}{C}Em 28.01.2025, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), não obstante as exceções suscitadas pela Requerida, considerando a prova documental junta aos autos pelas partes e a natureza das questões a decidir, o Tribunal decidiu: i) Dispensar a produção de prova testemunhal; ii) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; iii) Conhecer da exceção suscitada pela Requerida na decisão arbitral; iv) Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, sucessivas, no prazo de 20 dias a contar da notificação do presente despacho, sendo que o prazo para a Requerida correrá após o termo do prazo da Requerente, por aplicação conjunta do previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, e no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do RJAT; v) Determinar que a decisão arbitral será proferida até ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.

12. {C}{C}Em 12.02.2025, a Requerente veio apresentar requerimento a solicitar a extinção da instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide, por ter já obtido a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o pedido de pronúncia arbitral, e requer que seja determinada a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, com custas a cargo da Requerida.

13. {C}{C}Em 26.02.2025, a Requerida veio manifestar a sua discordância com o pedido da Requerente no sentido do pedido de pronúncia arbitral ser extinto com fundamento em inutilidade superveniente e com o pedido de condenação da Requerida no pagamento da custas arbitrais.

 

I.2   Da posição do Requerente

14.      A requerente considera que o ato de liquidação de IRS do ano de 2020, resultante de correção realizada pelos serviços da AT, enferma de erro, porquanto não levou em consideração dois factos que impactam com a mais-valia liquidada através da liquidação de IRS em crise, e que a Requerente fez refletir na sua declaração de substituição de IRS entregue em 02.02.2024.

15. A Requerente considera que se verificou o indeferimento tácito da reclamação graciosa, uma vez que a declaração de substituição apresentada em 02.02.2024, devia ter sido convolada em reclamação graciosa.

16. A referida declaração de substituição foi apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2023..., datada de 20.12.2023, referente ao exercício de 2020 e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2023.../Compensação n.º 2023..., de 22.12.2023, sendo esta última no valor a pagar de € 47.436,07, valor que inclui juros compensatórios de € 3.844,70 – cfr. Docs. 2-a 4 juntos ao ppa.

17. A Requerente salienta que omitiu na declaração de IRS do ano de 2020, a alienação que fez da sua quota-parte no imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... da freguesia e concelho de ..., imóvel sito na Rua..., nº ...,  ..., e alienou a quota que a Requerente detinha na sociedade com o NIPC..., tudo decorrência do divórcio e partilha com o seu ex-marido B... .

18. A Requerente sublinha que, em relação ao Processo ...2023..., no âmbito do qual tal a AT corrigiu a Declaração de IRS da Requerente em relação à omissão de declaração da mais-valias, bem como foi corrigido o Anexo G, quadro 9, quanto às datas e valores de aquisição e alienação da quota que a Requerente detinha na sociedade com o NIPC ..., quanto a esta última correção nada tem a reclamar ou a impugnar.

19. A Requerente refere que na declaração de substituição de IRS apresentada em 02.02.2024 fez refletir no quadro 5 do Anexo G a sua quota-parte (metade) o valor da amortização bancária da casa vendida, isto é, o valor de € 90.736,41, quando em bom rigor até deveria ter feito constar € 91.439,79 (€110.709,11 + € 72.170,47 = € 182.879,58 : 2) e ainda o reivestimento de € 30.000,00 na aquisição da sua nova habitação própria e permanente uma vez que os restantes € 100.000,00 foram pagos com recurso a crédito bancário hipotecário. 

20. A Requerente considera que a liquidação impugnada é ilegal pelo que deverá ser anulada com as legais consequências, devendo a liquidação substitutiva ser emitida em conformidade com a declaração de substituição de IRS apresentada em 02.02.2024, que reflete, por um lado, o seu direito de, para efeitos de cálculo da mais-valia obtida com a venda de um imóvel, em 2020 ser possível usar o dinheiro obtido com a venda para a amortização do empréstimo da casa vendida e, por outro lado, serem dedutíveis os gastos com obras e comissão da mediadora imobiliária.

21. A Requerente salienta que a Reclamação graciosa consubstanciada na Declaração de substituição é tempestiva e é dever da AT admiti-la, na certeza de que, ainda que não fosse tempestiva - o que não é o caso - sempre a declaração de substituição, com fundamento no artigo 52.º do CPPT, deveria ser convolada oficiosamente em pedido de revisão oficiosa, visto ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 78.º da LGT.

22. Uma vez que a AT não convolou a declaração de substituição em reclamação graciosa, a Requerente invoca a omissão dessa convolação que considera ser também fundamento de impugnação judicial, na certeza de que, de acordo com o princípio da impugnação unitária dos atos de liquidação, consagrado no artigo 54.º do CPPT, pode ser invocada no presente pedido de pronúncia arbitral qualquer ilegalidade anteriormente cometida. Para tanto invoca a jurisprudência firmada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 29.09.2015.

23. A Requerente sublinha que sendo a Declaração de substituição convolável em Reclamação Graciosa, impunha-se que a AT a tivesse decidido no prazo legal de quatro meses a contar da sua apresentação, isto é, em 02.02.2024, pelo que, em face dos normativos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, o prazo de decisão era de quatro meses, e assim sendo a formação do indeferimento tácito ocorreu em 02.06.2024, em conformidade com o disposto no artigo 279.º, alínea c) do Código Civil.

24. A Requerente refere que procedeu ao pagamento da quantia exequenda e acrescido, no valor de € 47.662,19, com o intuito de evitar a cobrança coerciva da dívida em crise, porquanto a mesma deu origem à certidão de dívida 2024/... que serviu de título executivo para a instauração do processo de execução fiscal (PEF) n.º ...2024... .

25. Em face das razões aduzidas e de todos os elementos probatórios apresentados, a Requerente considera que os ato em matéria tributária de indeferimento da reclamação graciosa, bem como os atos tributários de liquidação oficiosa de IRS e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2020, são ilegais, não podendo subsistir na ordem jurídica, pelo que devem ser anulados e produzidos os subsequentes efeitos legais, isto é, ser ordenada a restituição do valor de € 47.662,19, acrescido de juros indemnizatórios, compensado com o valor a ser objeto da correta liquidação do imposto devido.

 

I.3   Da posição da Requerida

26. A Requerida formula a sua defesa por exceção e por impugnação. Em termos de exceção invoca a incompetência do Tribunal arbitral para apreciar a alegada omissão da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa.

27. A Requerida sublinha que se constata que no presente ppa o pedido principal (e do qual decorreria a tempestividade para a impugnação da declaração de IRS que pretende ver anulada e “objeto da correta liquidação do imposto devido”), centra-se na invocada ilegalidade decorrente da omissão da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa.

28. A Requerida considera que o ato de convolação da Declaração de substituição em reclamação graciosa está, nos termos da lei, excluído do âmbito da competência material do CAAD não podendo o Tribunal Arbitral dele conhecer e/ou pronunciar-se sobre ele.

29. A Requerida salienta que a incompetência material configura uma exceção dilatória, que deve determinar a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

30. A Requerida considera que o ato impugnado no ppa só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação para condenação à prática de ato devido (ato omitido que a Requerente considera devido, isto é, a convolação da declaração apresentada em Reclamação graciosa e subsequente apreciação), prevista e regulada no CPTA, sendo inquestionável que o ppa apresentado pela Requerente não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão.

31. E que a impropriedade do meio consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

32. A Requerida salienta que a liquidação n.º 2023..., datada de 20.12.2023, referente ao ano de 2020 e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2023 .../Compensação n.º 2023..., de 22.12.2023, ambas no valor a pagar de € 47.436,07, que inclui juros compensatórios de € 3.844,70 conforme liquidação de juros n.º 2023..., de 22.12.2023, resultou do processo de divergências instaurado no serviço de finanças de ... .

33.E que estava em causa uma mais-valia mobiliária que a requerente tinha realizado com a alienação da quota que detinha na sociedade “C..., Lda”, e uma mais-valia imobiliária resultante da alienação do imóvel sito na freguesia e concelho de ..., com o n.º..., no âmbito da partilha do património, aquando do divórcio, que a requerente não tinha declarado na declaração modelo 3 de IRS.

34.O SF de ... verificou que a Requerente, no quadro 4 do anexo G, da Modelo 3 do ano de 2020, não tinha declarado qualquer alienação de bens imóveis, pese embora tenha sido comunicado à AT, através da respetiva Modelo 11, que, em 24.01.2020, interveio como outorgante, na alienação da quota parte que detinha sobre o imóvel urbano, inscrito na matriz sob o artigo ..., localizado na Rua ..., ..., da freguesia e concelho de ..., pelo preço global de € 230.000,00.

35. Em face das divergências encontradas foram efetuadas as respetivas correções, dando, assim, lugar à realização da liquidação de IRS impugnada.

36. Discordando com a liquidação realizada, a Requerente submeteu duas declarações de substituição, uma em 26.12.2023, e outra em 02.02.2024.

37. A Requerida sublinha que a alienação do imóvel inscrita no quadro 4 do anexo G não deu lugar a qualquer mais-valia, visto que se se aplicar o coeficiente de correção monetária previsto na Portaria n.º 220/2020, de 21 de setembro, para o ano de 2020, (1.12), obtém-se o valor de € 124.880, sendo este valor superior ao valor de realização (€ 115.000), dando, assim, lugar a uma menos-valia.

38. E, desta forma, não existindo mais-valia tributável, não há qualquer valor a excluir de tributação ao abrigo do regime do reinvestimento do valor de realização, previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

39.E que tendo sido apurada uma menos-valia, do preenchimento no Quadro 5 do Anexo G na Declaração de substituição, não emergem quaisquer repercussões sobre a liquidação impugnada.

40.A Requerida salienta que inexistindo mais-valia a tributar (sendo que a Requerente e Requerida concordam nos valores de aquisição/realização), inexiste mais-valia a excluir de tributação e, consequentemente, o pedido formulado pela Requerente manifesta-se sem qualquer efeito útil, dada a inexistência de mais-valia tributada e/ou a excluir de tributação.

41.Em face das razões enunciadas na sua resposta, a Requerida conclui que i) devem as exceções dilatórias suscitadas proceder e a Requerida ser absolvida da instância; ii) deve a ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, e a Requerida absolvida dos pedidos e a liquidação impugnada mantida na ordem jurídica.

 

II.  {C}{C}SANEAMENTO

42. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

43. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

44. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

45. O processo não enferma de nulidades.

46. Em face do requerimento da Requerente apresentado em 12.02.2025 ficaram prejudicadas as exceções invocadas pela Requerida, porém, o Tribunal não deixará de se pronunciar, bem como sobre o pedido da Requerente.

 

III.    {C}{C}FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

47. Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:

47.1  A Requerente é um sujeito passivo de IRS, que em face da liquidação n.º 2023..., datada de 20.12.2023, referente ao ano de 2020 e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2023 .../Compensação n.º 2023 ... de 22.12.2023, ambas no valor a pagar de € 47.436,07, que inclui juros compensatórios de € 3.844,70 conforme Liquidação de juros n.º 2023..., de 22.12.2023, apresentou duas declarações de substituição, uma em 26.12.2023 e outra em 02.02.2024 – Informação da AT, de 15.07.2024, elaborada no processo n.º ...2024...– cfr. Doc. 1 Requerimento da Requerida apresentado em 26.02.2025 e Docs. 2, 3, 4 e 6 junto ao ppa;

47.2. A declaração de substituição apresentada em 02.02.2024 foi convolada em reclamação graciosa - Informação da AT, de 15.07.2024, elaborada no processo n.º ...2024... – cfr. Doc. 1 Requerimento da Requerida apresentado em 26.02.2025;

47.3 A AT considerou que ocorreu erro imputável aos serviços, visto que somente foi preenchido o campo 9601 do quadro 9 da Declaração oficiosa, inclusivamente, foi reconhecido que a Requerida tinha direito a juros indemnizatórios, uma vez que da liquidação a efetuar, resultará um imposto inferior ao que foi pago, e a reclamante tem direito a juros indemnizatórios, calculados relativamente ao valor pago em excesso - Informação da AT, de 15.07.2024, elaborada no processo n.º ...2024... – cfr. Doc. 1 Requerimento da Requerida apresentado em 26.02.2025;

47.4  A Requerente apresentou a Declaração de Rendimentos-modelo 3-IRS do ano de 2020, em 15.07.2021, identificada sob o n.º ...-2020-...;

47.5  Por contrato de compra e venda de 24 de janeiro de 2020, a Requerente vendeu a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à habitação no rés-do-chão e andar, garagem, lavandaria e arrumos A-1, na cave, e logradouro A-2, ao nível do rés-do-chão – Rua ..., ... e ..., destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ... – cfr. Doc. 9 junto ao ppa;

47.6  Por contrato de compra e venda de 24 de janeiro de 2020, a Requerente comprou a fração autónoma designada pela letra “V” do prédio sito em Rua ..., ..., da freguesia de ..., concelho de ...– cfr- Doc. 10. Junto ao ppa;

47.7  A Requerente pagou no processo de execução fiscal n.º ...2024..., a quantia exequenda e acrescido no valor de € 47.662,19 – Docs. 15 e 16 juntos ao ppa;

47.8  Em 02.09.2024, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.

 

III.1.2. Factos não provados

48. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

49. A matéria controvertida no presente pedido de pronúncia arbitral é relativa a liquidação de IRS resultante de correções efetuadas pelo Serviço de Finanças de ..., por efeito de divergências identificadas entre a declaração apresentada pelo sujeito passivo e os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira detinha e que no âmbito de cruzamento de informação e de controlo da coerência formal e material da declaração identificou.

50. A Autoridade Tributária e Aduaneira procede, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

51. Deste modo, em face da informação disponível os Serviços competentes da AT, em relação ao ano de 2020, efetuaram a liquidação de IRS Liquidação n.º 2023.., datada de 20.12.2023, referente ao ano de 2020 e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2023 .../Compensação n.º 2023..., de 22.12.2023, de que resultou IRS a pagar no valor de € 47.436,07.

52. Para reagir contra a referida liquidação de IRS, a Requerente em 02.02.2024, apresentou uma declaração de substituição, identificada sob o n.º..., e com o código de validação n.º ..., a qual veio a ser convolado em reclamação graciosa pelos serviços da AT, ao abrigo da norma do n.º 5 do artigo 59.º do CPPT.

53. Para reagir contra o ato de liquidação supra identificado a Requerente podia ter apresentado uma reclamação graciosa, porém, em alternativa, ao abrigo da norma do ponto II, da al. b) do 3 do artigo 59.º do CPPT, o sujeito passivo pode apresentar declaração de substituição, desde que daí não resulte a ampliação dos prazos de reclamação graciosa ou revisão do ato tributário.

54. Em face da matéria controvertida, importa sublinhar que o pedido principal formulado pela Requerente não era a omissão da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, mas sim a apreciação da legalidade do ato de liquidação de IRS e de juros compensatórios, supra identificados, no valor de € 47.436,19.

55. Aliás, através dos factos provados nos presentes autos de arbitragem tributária constata-se que a declaração de substituição apresentada pela Requerente em 02.02.2024 foi convolada pela AT em reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º ...2024..., e no âmbito da qual foi elaborada a informação n.º ...2024..., de 15.07.2024, e foi corrigida a situação tributária da Requerente, com a anulação parcial da liquidação de IRS supra identificada, e reconhecida que na realização da mesma se verificou a prática de erro imputável aos serviços da AT.

56. Nesta conformidade, importa sublinhar que as exceções invocadas pela Requerida ficaram prejudicadas, quer a que se refere à competência do CAAD, quer a relativa à impropriedade do meio de reação, que se suportavam na alegação de que o pedido principal da Requerente era a omissão da convolação da declaração de substituição em reclamação, quando, na verdade, o pedido principal da Requerente e objeto do presente ppa era a apreciação da legalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2020 acima identificado.

57. Há que sublinhar que, atento o disposto na norma do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de tributos, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade tenha sido suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

58. Os Serviços da AT não procederam à revogação dos atos impugnados no prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, mas só em momento posterior à constituição do Tribunal arbitral, o qual foi constituído em 13.11.2024, porquanto, a informação n.º ...2024..., de 15.07.2024, elaborada na reclamação graciosa n.º ...2024..., e no âmbito da qual foi corrigida a situação tributária e dado acolhimento à pretensão da Requerente.

59. Há que sublinhar que a partir do articulado do ppa é possível concluir que, pese embora a Requerente tivesse impugnado a totalidade da liquidação de IRS, no valor de € 47.436,19, era sua convicção que seria devido IRS, porquanto, o pedido da Requerente formulado no ppa é no sentido de “Ser ordenada a restituição do montante já pago de € 47.662,19 acrescido de juros compensatórios, compensado com o valor a ser objeto da correta liquidação do imposto devido”.

60. Portanto, é necessário concluir que a correção da liquidação de IRS, do ano de 2020, que foi efetuada no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2024... correspondeu à pretensão da Requerente formulada no ppa, pelo que é pertinente e adequado o requerimento que apresentou em 12.02.2025, a solicitar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

61. Considerando que, nos termos da norma do n.º 5 do artigo 13.º do RJAT, é atribuído à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, e que, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, se aplicam subsidiariamente ao processo de arbitragem tributária os normativos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, dever-se-á entender ser admissível que os órgãos competentes da AT procedam à revogação dos atos impugnados no pedido de pronúncia arbitral em momento posterior à constituição do Tribunal arbitral, designadamente em sede de preparação do processo administrativo e apresentação da respetiva resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT, à semelhança do que ocorre no âmbito do processo de impugnação judicial, nos termos dos artigos 111.º e 112.º do CPPT.

62. Inclusive, atento os princípios da diligência e da celeridade aplicáveis no âmbito do procedimento tributário e dos princípios processuais ínsitos no artigo 16.º do RJAT que regem o Tribunal arbitral, designadamente os princípios da igualdade das partes e da cooperação e boa-fé processual, dever-se-á entender que os serviços da Requerida possam proceder à revogação dos atos impugnados a todo o tempo, desde que o Tribunal seja notificado dessa decisão em momento anterior à prolação da decisão arbitral.

63. Em face da revogação dos atos impugnados caberá ao Tribunal arbitral verificar se os pedidos formulados no pedido de pronúncia arbitral estão todos abrangidos pela decisão revogatória e se assim for verificar-se-á a perda de objeto do ppa, pelo que restará ao Tribunal, em face da norma da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, declarar extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide.

64. Há que considerar que através de Requerimento apresentado em 26.02.2025, a Requerida veio manifestar oposição à declaração de extinção da instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide, entendimento que o tribunal não acolhe, porquanto se verificou o indeferimento tácito da reclamação graciosa e no âmbito da mesma foi reconhecido que na liquidação de IRS impugnada houve erro imputável aos serviços da AT.

65. Importa sublinhar que, se a reclamação graciosa resultante da convolação da declaração de substituição apresentada pela Requerente em 02.02.2024 tivesse sido decidida no prazo previsto nas normas dos n.ºs 1 e 5 doi artigo 57.º da LGT, a Requerente não tinha tido necessidade de interpor o pedido de pronúncia arbitral, pelo que importa concluir que a causa da ação resultou da omissão de decisão por parte dos serviços da AT.

66. Considerando que o processo de arbitragem tributária está sujeito ao pagamento de custas processuais nos termos dos normativos do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que, genericamente, são designadas por taxa de arbitragem, compreendendo todas as despesas resultantes da condução do processo arbitral e os honorários dos árbitros e a cujo regime se aplica subsidiariamente o Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

67. Deste modo, a fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efetuada na decisão arbitral que vier a ser proferida pelo Tribunal arbitral tal como disposto no n.º 2 do artigo 12.º do RJAT, pelo que, atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, o Tribunal deve condenar no pagamento das custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou aproveitamento.

68. Considerando que, em face do procedimento tributário de reclamação e, ainda, do conhecimento do pedido de pronúncia arbitral, os serviços da Requerida dispunham de todos os elementos e informação necessários à adequada análise e decisão da matéria controvertida, pelo que a revogação do ato impugnado podia ter sido efetuada em momento anterior à constituição do Tribunal arbitral e não no momento em que se veio a verificar, impõe-se concluir que quem deu causa à presente ação de arbitragem tributária foram os serviços da Requerida e, assim, sendo o encargo das custas processuais tem de recair sobre esta.

69. Importa salientar que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.

70. Neste contexto, atento o Requerimento apresentado pela Requerente em 12.02.2025, declara-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

 

IV.   {C}{C}DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a)  {C}{C}Declarar extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente do pedido de pronúncia arbitral;

 

b)  {C}{C} Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

V.      {C}{C}VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC), fixa-se o valor do processo em € 47.436,07 (Quarenta e sete mil quatrocentos e trinta e seis euros e sete cêntimos), valor que corresponde à liquidação de IRS impugnada.

 

VI. {C}{C}CUSTAS 

O valor das custas é fixado em € 2.142.00 (dois mil cento e quarenta e dois euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de maio de 2025

 

O Árbitro

 

Jesuíno Alcântara Martins