Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 874/2024-T
Data da decisão: 2025-05-20  IRC IVA  
Valor do pedido: € 4.904.997,14
Tema: IRC; IVA – liquidações adicionais; gastos fiscalmente aceites – artigo 23.º do CIRC e artigos 19.º, 20.º 36.º, n.º 5 b) do CIVA.
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SUMÁRIO: 

1. O artigo 23.º do CIRC especifica que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. 

2. O Tribunal de Justiça já decidiu que, no contexto do regime de autoliquidação, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.

3. Os gastos com os serviços prestados e titulados pelas faturas relativos a campanhas de promoção/venda dos produtos da Requerente nas lojas da D..., são dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC, tendo como suporte os contratos celebrados entre a Requerente e a D... .

O preço, ou contrapartida, são os descontos de natureza comercial nas vendas da Requerente. Tal desconto surge em faturas da C..., no papel de representante da D... . 

4. As faturas que titulam os serviços prestados à Requerente cumprem com os requisitos legais previstos no artigo 23.º, n.º 4, a), b) d) e e) do CIRC.  

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ... ...a “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 6.º, n.º 2, alínea b), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, tendo em vista apreciação do ato consubstanciado no despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada em 27 de dezembro de 2023, que teve por objeto o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2019 e o Imposto sobre o Valor Acrescentado dos anos de 2019 a 2021, exarado no Ofício n.º .../2024, de 8 de abril de 2024, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém. 

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”)

 

1.1. Do pedido

A Requerente formaliza o pedido nos seguintes termos:

(...) solicita respeitosamente a Requerente a este Douto Tribunal que o pedido de pronúncia arbitral objeto do presente requerimento seja julgado integralmente procedente, determinando-se, em conformidade, a anulação da Decisão de Indeferimento e das subjacentes Liquidações Adicionais de IRC e de IVA relativas aos anos de 2019, 2020 e 2021, e bem assim das liquidações de juros que lhes correspondem, com a necessária restituição do montante de € 3.267.933,68 indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT e 24.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do RJAMT, e bem assim se digne condenar a AT no pagamento de indemnização pelos custos em que a Requerente incorreu e irá incorrer com a prestação indevida de garantia bancária para suspensão dos processos executivos, nos termos do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

O objeto imediato deste PPA consta do Despacho do indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., proferido pelo Exmo. Chefe de Direção de Finanças de Santarém, de 08.04.2024.

O objeto mediato:

- A liquidação adicional de IRC n.º 2023..., de 10-07-2023 referente ao período de 2019, e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023... e correspondente demonstração de acerto de contas;

- As liquidações adicionais de IVA os atos de liquidação adicionais em sede de IVA, referentes aos períodos de 1901, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908, 1909, e ainda, as liquidações de IVA de períodos dos anos de 2020 e 2021 a que corresponde a seguinte identificação:

- As liquidações de IVA n.ºs 2023..., 2023..., 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023..., referentes, respetivamente, aos períodos entre janeiro e dezembro de 2019,

- As Liquidações de Juros Compensatórios de IVA n.ºs 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023..., referentes, respetivamente, ao IVA dos períodos entre janeiro e dezembro de 2019,

- As Liquidações Adicionais de IVA n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., referentes, respetivamente, aos períodos de janeiro, abril, maio, junho e novembro de 2020;

- As Liquidações adicionais de IVA n.ºs 2023... e 2023..., referentes, respetivamente, aos períodos de julho e agosto de 2020;

- A Liquidação adicional de IVA n.º 2023..., referente ao período de novembro de 2021;

-  A Liquidação de Juros n.º 2023..., referente ao IVA do período de novembro de 2021; 

 

O montante das liquidações adicionais de IVA ascende a € 2.297.655,84, totalizando, em conjunto com as liquidações referentes a IRC, o valor de € 4.904.997,14.

 

1.2. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16-07-2024.

A Requerente procedeu à pela designação de árbitro, tendo nomeado o Prof. Doutor António Martins.

A 09-08-2024, a Requerida designou representantes processuais os juristas Drs. ... e ... e a 13-09-2024, e designou como árbitro o Dr. Henrique Fiúza, os quais aceitaram a designação.

Os árbitros designados pelas partes remeteram para o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do Presidente do Tribunal Arbitral.

A 17-10-2024, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou para Presidente do Tribunal Arbitral a Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, que, na mesma data, aceitou o encargo.

Em 17-10-2024, foram as partes notificadas da designação dos árbitros a que não se opuseram.

Assim, em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 06-11-2024.

Notificada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida em 11-12-2024, apresentou Resposta e juntou o Processo Administrativo.

Em 20-12-2024 foi proferido o despacho previsto no artigo 18.º do RJAT em que

o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

Em 09-01-2025 a Requerente apresentou um requerimento em que solicitou que a Requerida juntasse aos autos o PA completo e a documentação adicional junta pela Requerente durante a inspeção e em sede de audiência prévia, que enumerou.

 Em 21-01-2025 a Requerente apresentou requerimento a solicitar a prorrogação do prazo para apresentar as alegações finais escritas, considerando a falta da junção do PA completo.

O Tribunal Arbitral proferiu despacho em 23-01-2025, (inserido no SGP e comunicado ao CAAD por e-mail enviado às 14:24, Notificação n.º 87206 - 2025-01-23 14:48 - enviada via SGP) em que notificou a AT para juntar aos autos todos os documentos constantes do RIT e: “Convidar a Requerente, para no mesmo prazo, juntar ao processo toda a documentação e informação demonstrativa da razão dos gastos postos em causa pela IT, bem como do cumprimento das obrigações de faturação impostas pelo código do IRC, em especial da imposição prevista no n.º 3 do artigo 23º e dos elementos que as faturas devem conter descritos no n.º 4 do mesmo artigo” e  decidiu a prorrogação por 15 dias a apresentação das alegações escritas.

Na mesma data, (Notificação n.º 87205 - 2025-01-23 14:44 - enviada via SGP) a Requerida apresentou um requerimento em se pronunciou sobre a prorrogação do prazo para as alegações, concordando e “adere ao pedido de prorrogação do prazo de apresentação das alegações finais, ficando, assim, a aguardar a prolação de despacho arbitral sobre esta questão e sobre os requerimentos apresentados pela Requerente”. Concorda com a dispensa da produção de prova testemunhal e discorda “ao argumento da violação do princípio do contraditório por falta de oportunidade de consultar ou contraditar o Processo Administrativo”, considerando que a Requerente teve oportunidade de consultar e contraditar o Processo Administrativo em sede de Reclamação Graciosa.

Na mesma data o Tribunal Arbitral mais se decidiu manter a decisão de indeferir a produção da prova testemunhal: “Por requerimento de 14-01-2025 veio a Requerente requerer a admissão da produção de prova testemunhal requerida e que foi dispensada por despacho arbitral de 20-12-2024. Entende este Tribunal Arbitral que a prova testemunhal dos factos alegados pela Requerente não é relevante para a decisão a proferir. Mais se considera que a decisão a proferir depende exclusivamente de meios de prova documental pelo que a produção de prova testemunhal constituiria um ato processualmente inútil e, nessa medida, legalmente inadmissível, nos termos do artigo 130.º do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, pelo que se decide manter o despacho de 20-12-2024”.

Por requerimento de 28-01-2025 a Requerida veio aos autos juntar documentos. 

Em 05-02-2025 e 06-02-2025 a Requerente veio aos autos juntar os documentos solicitados pelo Tribunal Arbitral.

A 12-02-2025 a Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas.

 

2. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos n.º 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a)             A Requerente é uma sociedade que tem como objeto o abate de carne, tendo iniciado a sua atividade no ano de 1989, encontrando-se registada para o exercício de diversas atividades, tendo como CAE principal o CAE10110 - Abate de Gado (Produção de Carne); (cfr. art.º 9 do PPA, art.º 5 da Resposta e RIT).

b)            A Requerente anteriormente com a designação social de B... S.A., mantendo o NIF ... alterou em 17-03-2017 a firma para A... SA; (cfr. doc. 54 junto com o PPA – publicação de atos societários).

c)             A Requerente adquire e abate os animais, no caso suínos, e vende as carcaças (partes) à C..., SA; (facto não controvertido).

d)            A C... desmancha e embala as carnes, em embalagens personalizadas como produtos ..., e vende essas carnes à D..., SA; (facto não controvertido).

e) Os gastos suportados pela A... com descontos efetuados, e registados com “publicidade e propaganda” e com “descontos comercias - rappel” foram titulados por faturas emitidas pela C..., umas com a descrição “Topos”, outras com a descrição “Línea-linear”, e ainda outras com a descrição “CPROM – Cooperação comercial”; (cfr. PPA e PA). Acresce que, quanto ao descritivo ou denominação usual dos bens ou serviços, todas as faturas (e respetivos contratos associados) contêm uma das três seguintes formas de descrição (cfr. faturas e contratos juntos aos autos):

a)              “Cooperação comercial”, Divulgação-CPROM”; “Loja D...” ou “Outras insígnias”; “Artigo- Suíno”, 

b)              “Divulgação-Topos”, “Topos”; “D...” ou “Outras insígnias”; “Artigo - suíno”.

c)             “Divulgação-Línea- Linear”; “D...” ou “Outras insígnias”; “Artigo – Suíno

f)          A Requerente celebrou em 2017 um contrato quadro, com a D... SA  (D...), ainda com a denominação de B... SA - 2017-..., (cfr. anexo 1 junto no âmbito do direito de audição) lê-se, entre o mais o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“2.3. À Primeira Contraente pode vender a qualquer uma das suas representadas todos ou alguns dos Produtos, fazendo reverter, total ou parcialmente, quaisquer descontos que lhe sejam concedidos pela Segunda a favor das suas representadas, se assim o entender.

2.4. Os descontos previstos na cláusula 2.3 podem ser os que constam do Contrato, de quaisquer outros contratos ou acordos adicionais que a Primeira Contraente (por si e/ou em nome das suas representadas) venha a celebrar com a Segunda Contraente, ou ainda das faturas que esta emita em nome daquela.

6.1. Os preços e demais condições comerciais aplicáveis aos Produtos fornecidos ao abrigo do presente Contrato são os mencionados no Anexo I, ou, na falta desta menção, os preços previamente negociados entre a Primeira Contraente ou as suas representadas, e a Segunda Contraente, os quais, sem prejuízo de outros acordos, designadamente promocionais ou de parceria comercial, que venham a ser celebrados entre as Contraentes, refletem as concretas condições comerciais acordadas entre as Contraentes e especificamente aplicáveis aos fornecimentos destinados à Primeira Contraente e às suas representadas no período de vigência do Contrato

9.2. No caso de a Primeira Contraente e/ou as suas representadas promoverem qualquer tipo de campanha promocional, no âmbito das "Feiras Nacionais ou Regionais” ou outro tipo de campanha, designadamente de descontos "em cartão", na totalidade ou parte dos seus estabelecimentos, a Segunda Contraente será convidada a participar nas mesmas, nos termos a condições específicas a negociar, caso a caso, entre as Contraentes.

23.3. É desde já acordado que eventuais acordos promocionais, como tal se entendendo os que, tendo carácter excecional ou esporádico e temporário, se destinam a incentivar as compras dos Produtos pela Primeira Contraente e suas representadas e assim venham a ser expressamente denominados pelas Contraentes, apenas poderão ser celebrados por Acordo Escrito pelos respetivos representantes orgânicos, ou pelas pessoas indicadas na cláusula 23.2 no que concerne à Primeira Contraente e desde que nos termos aí previstos, ou na cláusula 22.4, ou ainda pelas pessoas que, relativamente a cada uma das Contraentes, exerçam as seguintes funções, bem corro quaisquer outras que sejam previamente indicadas por qualquer uma das Contraentes à outra:

(a) Primeira Contraente: Gestor Comercial;

(b) Segunda Contraente: Administrador e Encarregado Geral/Comercial.”

 

g)    Posteriormente em 2019 a Requerente e D... SA (D...) celebraram novos contratos referentes a ações de promoção:

h)           

 

 

 

B...

C...

 

 

D...

 

 

 

 

B...

 

C...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            

 

 

 

B...

 

 

 

C...

D...

 

 

 

 

 

B...

C...

 

 

D...

 

 

 

i)              Constam do RIT as faturas em análise que se dão por reproduzidas integralmente. Nomeadamente a fatura emitida em 28-02-2019 pela C..., que consta do RIT:

j)             

 

 

 

 

 

 

 

B...

 

 

 

 

 

C...

 

k)            A C..., pertencente ao Grupo E..., é a entidade do grupo que intermedeia as relações entre a D..., S.A. (“D...”) e osfornecedores de carnes e produtos congéneres, nomeadamente a A... .

l)              Através do contrato celebrado entre a C... e a D..., a primeira entidade está incumbida pela segunda de transmitir as condições negociais aos fornecedores para a aquisição dos produtos pela D..., que a mesma subsequentemente disponibiliza ao consumidor nos supermercados do Grupo E...; (cfr. doc. 40 junto com o PPA).

m)           O contrato constante do doc. 40 junto com o PPA, estabelece de que forma a C... S.A. intervém na concretização dos negócios entre a Requerente e a D... contém as seguintes cláusulas, na concretização do anteriormente citado “Contrato quadro”:

 

D...

D

D...

D...

D...

D...

D...

 

 

 

D.

D

C...

C...

D...

L...

 

K...

 

 

 

 

D...

C...

J...

 

I...

 

 

 

 

C...

 

D

D

D

D...

C..

C..

D

D...

D

C..

D...

D...

C...

C...

D...

D...

C...

L...

J...

 

K...

D...

 

I...

C...

 

 

n)            Sendo que as condições comerciais praticadas se encontram inteiramente no controlo da D..., empresa que, em função da sua estratégia interna relativamente a promoções, campanhas de baixa de preços, descontos em cartão, organização de loja, objetivos periódicos, etc., define semanalmente a quantidade de cada produto que será encomendada para os supermercados e as demais condições comerciais das aquisições a efetuar, incluindo em particular os respetivos descontos a ser aplicados.

o)             A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva interna, desenvolvida pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Santarém, a coberto da Ordem de Serviço Interna n.º OI2022..., de âmbito parcial de IRC que incidiu sobre o período tributário de 2019 e de IVA que incidiu sobre o período tributário de 2019 a 2021; (cfr. RIT).

p)            As liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2020 e 2021 devem-se ao mecanismo de crédito de imposto do IVA as correções determinadas em sede de IVA de 2019; (cfr. PA). 

q)            Procedimento esse que decorreu entre 4 de novembro de 2022 e 29 de junho de 2023, tendo por objeto o resultado fiscal do exercício de 2019; (cfr. PPA e PA).

r)             Na sequência da notificação do projeto de relatório de inspeção, exarado no Ofício n.º SIIT – ..., de 3 de abril de 2023, a Requerente exerceu o correspondente direito de audição por meio de requerimento recebido pelos competentes serviços da AT em 3 de maio de 2023; (cfr. docs. 4 e 5 juntos com o PPA e RIT).

s)             Em sede do Direito de Audição, para além de avançar diversos argumentos que, no seu entendimento, justificavam a anulação de parte das correções propostas, juntou também documentação adicional, designadamente:

1. Mapa de apoio ao preenchimento da Declaração Modelo 22 de IRC de 2019;

2. Cópia dos 10 (dez) documentos de maior valor registados nas contas 6222 –Publicidade e Propaganda, 6261 – Rendas e Alugueres, 6813 – Taxas;

3. Cópias dos documentos de suporte ao Goodwill em depreciação no ano de 2019;

4. Detalhe relativo aos ativos fixos tangíveis e respetivas depreciações anuais;

5. Cópias dos documentos de suporte de movimentos registados na contabilidade, para mais de 40 movimentos;

6. Cópias de contratos e orçamentos que suportem as faturas liquidadas aos fornecedores da Requerente;

7. Justificação para movimentos na rubrica 781674 – Outros Rendimentos – IVA devido pelo adquirente;

8. Cópia das faturas emitidas pela A... à C... S.A. (“C...”), acompanhadas dos respetivos contratos e justificação dos gastos;

9. Cópias das faturas emitidas a favor da A... pela C...;

10. O Contrato de Fornecimento celebrado entre a A... e a C...;

11. Comunicações entre a A... e a C..., via correio eletrónico, relativas aos custos pagos pela A...  relativos a publicidade e descontos comerciais, entre outros; (cfr. PPA e RIT).

t)              Os SIT mantiveram as correções que haviam proposto efetuar.

u)            Foram propostas no RIT da Inspeção as seguintes correções:

 Quanto ao IRC de 2019: Gastos fiscalmente não aceites, no valor de € 8.869.773,29;

Quanto ao IVA de 2019, 2020 e 2021: foram efetuadas correções relativas a IVA por considerarem indevidamente deduzido, correspondente a gastos fiscalmente não aceites em sede de IRC, no valor de € 2.029.523,97; (cfr. PPA e PA)

Na sequência dessa inspeção a Requerente foi notificada das liquidações adicionais:

de liquidação adicional de IRC n.º 2023..., referente ao exercício de 2019, a Liquidação de Juros Compensatórios de IRC n.º 2023..., e a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., todas referentes ao IRC do período de 2019, cujo montante ascende a € 2.607.341,30; (cfr. doc. 6 junto com o PPA).

As liquidações adicionais de IVA n.ºs 2023..., 2023..., 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023..., referentes, respetivamente, aos períodos entre janeiro e dezembro de 2019; (cfr. docs. 7 a 18 juntos com o PPA e PA).

v)             As liquidações de juros compensatórios de IVA n.ºs 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023..., referentes, respetivamente, ao IVA dos períodos entre janeiro e dezembro de 2019, (cfr. docs. 19 a 30 juntos com o PPA e PA).

w)           As liquidações adicionais de IVA n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., referentes, respetivamente, aos períodos de janeiro, abril, maio, junho e novembro de 2020; (cfr. docs. n.ºs 31 a 35 juntos com o PPA e PA).

x)             As liquidações adicionais de IVA n.ºs 2023... e 2023... referentes, respetivamente, aos períodos de julho e agosto de 2020; (cfr.Doc. n.ºs 36 e 37 juntos com o PPA e PA).

y)              A liquidação adicional de IVA n.º 2023..., referente ao período de novembro de 2021; (cfr.doc. n.º 38 junto com o PPA e PA).

z)             A liquidação de Juros n.º 2023..., referente ao IVA do período de novembro de 2021; (cfr. doc. n.º 39 junto com o PPA e PA).

aa)          O montante das liquidações adicionais e juros compensatórios ascende a € 2.297.655,84, totalizando, em conjunto com as liquidações referentes a IRC, € 4.904.997,14; (cfr. PPA e PA).

bb)         A Requerente em 27 de dezembro de 2023 apresentou Reclamação Graciosa; (cfr. doc. 2 junto com o PPA e PA).

cc)          Através do Ofício n.º ...2024, de 8 de abril de 2024, da Direção de Finanças de Santarém, o Requerente foi notificado em 15 de abril de 2024 da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. doc. 1 junto com o PPA e PA).

dd)         Da liquidação reclamada em sede de IRC foi emitido documento de cobrança com data limite de pagamento no documento de cobrança de 2023-08-31; (cfr. PPA e PA).

ee)          Por não ter sido efetuado o pagamento dentro do prazo de pagamento, a 2023-09-16 foi instaurado Processo de Execução Fiscal (PEF) ...2023...; (cfr. PPA e PA).

ff)            Da tramitação do PEF ...2023... há a considerar:

-Instauração a 2023-09-26;

- Citação pessoal a 2023-10-05;

- Pedido de prestação de garantia a 2023-11-15;

- Pagamento a 2024-01-16 no valor total de 913.804,94 euros:

-Quantia Exequenda – 835.270,68 euros; 

Juros de Mora – 52.278,06 euros;

- Apresentação de Reclamação Judicial a 2024-01-26 por indeferimento da prestação de garantia; (cfr. PA).

gg)          O PEF ...2023..., à data de 13-03-2023, está registado para cobrança dos valores remanescente: imposto de 1.500.941,95 euros; juros compensatórios de 271.128,67 euros, e demais acrescidos legais – juros de mora e custas processuais; (cfr. PA).

hh)         A Requerente apresentou, em 10 de outubro de 2023, requerimento de suspensão dos Processos Executivos mediante prestação de garantia sob a forma de penhor de ações, tendo apresentado requerimentos subsequentes em 17 e 23 de outubro de 2023; (cfr. doc. 43 junto com o PPA).

ii)            Na pendência de decisão do Requerimento de Suspensão, a AT ordenou a realização de penhoras, através dos Registos de penhora n.º ...2023..., n.º ...2023... e n.º ...2023... e do Depósito de penhora n.º ...2023...; (cfr. artº 70 do PPA).

jj)            Em 30 de novembro de 2023, a Requerente foi notificada do Despacho proferido para levantamento/cancelamento das Penhoras, proferido pela Direção de Finanças de Santarém; (cfr. doc. n.º 44 junto com o PPA).

kk)         Apesar da emissão do Despacho, e do envio de cópia do mesmo, por e- mail, à mandatária da Requerente, foi a mesma informada de que as entidades destinatárias das ordens de penhora não foram atempadamente notificadas do respetivo levantamento.

ll)            Em resultado da falta de emissão de tais notificações, as ordens de penhora incorretamente lançadas foram efetivamente executadas, tendo a Caixa de Crédito Agrícola penhorado efetivamente os saldos bancários da Requerente; (cfr. doc. 45 junto com o PPA).

mm)      A Requerente apresentou a reclamação judicial a 15 de dezembro de 2023, que foi deferida por despacho de 22 de dezembro de 2023; (cfr. docs. 46 e 47 juntos com o PPA).

nn)         A Requerente prestou a garantia bancária com o n...., de 17 de abril de 2024, emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., no valor de € 1.305.432,72, e o seguro-caução com a apólice n.º..., de 6 de maio de 2024, emitida pela F..., S.A., pelo montante de 909.655,55, num total de € 2.215.088,27, (cfr. doc. n.º 50 junto com o PPA).

oo)          Das liquidações reclamadas, de imposto e juros compensatórios, em sede de IVA, foram emitidos os respetivos Documentos de cobrança, com data-limite no documento de cobrança a 2023-08-31; (cfr. PA).

pp)         Por não sido efetuado o pagamento dentro do prazo de pagamento, foram instaurados Processo de Execução Fiscal (PEF); (cfr. PA).

qq)         A AT executou uma medida cautelar de arresto sobre diversos bens da então Executada, ora Requerente, e do seu Administrador G..., nomeadamente:

• Em 21 de dezembro de 2023, a A... foi informada, pelas instituições bancárias Banco BIC Português, S.A., Banco Santander Totta, S.A., Bankinter, S.A. – Sucursal em Portugal, Millennium bcp, Caixa Económica Montepio Geral, da Caixa Geral de Depósitos, S.A. e Banco Bilbao Viscaya Argentaria, S.A., e Novobanco, S.A. do arresto dos saldos das contas de que aí é titular;

• O Administrador foi informado, na mesma data, pela Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, do arresto do saldo da conta de que aí é titular;

• E bem assim, foi a A... e o seu Administrador informados do arresto de sete imóveis, e de 6 veículos da sua propriedade. Sem ainda ter decidido o requerimento de suspensão dos Processos Executivos por meio de prestação de garantia sob a forma de penhor de ações, a AT determinou o arresto de saldos de contas e bens móveis e imóveis da A..., no valor de € 2.178.032,76, e bens do seu Administrador no valor de € 37.055,52, perfazendo um montante total de € 2.215.088,28 (dois milhões, duzentos e quinze mil e oitenta e oito euros e vinte e oito cêntimos).

rr)          A Requerente apresentou oposição. E no procedimento cautelar de arresto, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (processo n.º 990/23.4BELRA), veio a ser proferida sentença favorável à A... em 29 de abril de 2024; (cfr. doc. 48 junto com o PPA).

ss)            o Tribunal considerou que o fundado receio de diminuição da garantia dos créditos tributáveis, invocado pela AT, não se verificava, determinando, assim, o levantamento do arresto sobre todos os bens e o cancelamento dos registos que haviam sido efetuados.

tt)            Apesar de o Tribunal ter ordenado o levantamento do arresto, os bens da sociedade e do seu Administrador se mantiveram arrestados entre dezembro de 2023 e início de julho de 2024.

uu)         Em 15 de janeiro de 2024, a A... procedeu ao pagamento de € 3.267.933,68; (cfr. guias de pagamento - doc. 49 junto com o PPA)

vv)          Em 17 de abril e 2023 foi prestada a garantia bancária n.º..., emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., no valor de € 1.305.432,72, e o seguro-caução com a apólice n.º..., de 6 de maio de 2024, emitida pela F..., S.A., pelo montante de 909.655,55, num total de € 2.215.088,27; (cfr. doc. 50 junto com o PPA).

ww)       Em 16 de maio de 2024 foi proferido o despacho que aceitou as garantias em causa, através do Ofício n.º ... do Serviço de Finanças de Santarém; (cfr. doc. n.º 51, junto com o PPA).

xx)          Com a prestação e manutenção das garantias, a A... incorreu já em custos no valor de € 24.475,96; (cfr. faturas-recibo emitidas a respeito das garantias prestadas - doc. n.º 52 junto com o PPA).

yy)          No RIT os SIT fizeram constar, nomeadamente o seguinte:

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

V. 1. –IRC

Tendo em conta que nos termos do artº 1º do CIRC “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, nos termos deste Código.

E ainda que de acordo com o art.º 3º do CIRC: “O IRC incide sobre: a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.

Ver-se-á que o sujeito passivo no exercício de 2019 infringiu, através consideração indevida de gastos, aquelas disposições legais, conforme de seguida se relata.

 

V. 1. 1. –Gastos fiscalmente não aceites

Para efeitos de determinação do seu lucro tributável os SP’s de IRC, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC devem considerar “dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados (…) para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Acrescenta ainda aquele diploma legal, no n.º 3 do seu artigo 23.º, que “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.

(...)

Efetivamente, conforme se retira da Lei, há necessidade de comprovar a efetiva realização dos gastos contabilizados pelo SP, nomeadamente, através de documento de suporte válido que demonstre a efetiva aquisição de bens/serviços pela entidade que se encontra a considera-los para efeitos fiscais.

A prova documental relativa aos gastos contabilizados pelo SP é condição sine qua non para a respetiva aceitação fiscal, dessa prova terá que resultar evidência absoluta não só da efetiva ocorrência do gasto, da sua conexão com a atividade do SP, mas sobretudo que o mesmo foi suportado pelo próprio e não por terceiro, tal como resulta da sentença proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, concretamente no Processo 04690/11 que mereceu Acórdão com data de 07-02-2012.

Verificou-se, no decurso do presente procedimento inspetivo, que o SP contabilizou, a título de diversas tipologias, conforme refletido nos subpontos que se seguem, gastos cujo suporte documental não apresenta características suficientes para que lhes possa ser reconhecida relevância fiscal, em face da falta de detalhe dos respetivos contornos e particularidades de destrinça.

Os gastos da empresa constituem, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem incorridos para a obtenção ou realização dos rendimentos da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração o dos referidos movimentos como gastos fiscalmente aceites.

 

V. 1. 1. 1. 1.–C... S A

Do trabalho prévio de preparação aos atos inspetivos aqui em relato, verificou-se que o SP declarou ter incorrido em gastos com publicidade e propaganda no valor de 2.187.816,52€, como se retira do preenchimento que fez da sua IES de 2019, que se reproduz parcialmente:

Dada a materialidade dos gastos em questão, foram solicitadas cópias dos documentos de suporte aos 10 movimentos de maior valor registados naquela conta e incluídos naquele valor, o que se concretizou através da notificação via CTT a que coube o nº SIIIT ... de 07-11-2022.

Dos elementos enviados pelo SP retirou-se que, 8 daqueles documentos, num total de 2.158.137,00€, respeitam a faturas emitidas pela empresa C... S A., NIPC ... . Todas aquelas 8 faturas são relativas aos meses de novembro e dezembro de 2019. A empresa fez acompanhar aquelas faturas de cópia dos contratos mencionados nas mesmas. Da leitura quer daquelas faturas quer dos respetivos contratos, não é percetível que tipo de serviços de publicidade é que se encontram ali incluídos, de que forma foram quantificados ou valorizados individualmente.

Por consulta ao sistema informático da AT, em concreto com recurso aos dados constantes da aplicação “Visão integrada do contribuinte” foi possível atestar que a C... se encontra registada para o exercício das atividades de seguida indicadas:

 

Em face da constatação de que esta empresa se dedica ao Abate de Gado (produção de carne) e à Fabricação de produtos à base de carne, fica ainda mais difícil compreender que tipo de serviços de publicidade poderia a mesma ter prestado ao SP.

Para tentar perceber a ligação entre aqueles gastos e os rendimentos obtidos pelo SP, com recurso aos dados à disposição da AT, em especial a base de dados E-Fatura, constatou-se que a C... é simultaneamente cliente da A... .

(...)

Nem se identificando um acréscimo acentuado dos rendimentos fruto associado ao elevado aumento nos gastos em publicidade.

Paralelamente, com recurso às aplicações informáticas ao dispor da AT, em concreto o E-Fatura, foi possível detetar que a A... foi mencionada como cliente da empresa C... S A., NIPC ... em 126 faturas a que correspondem um valor líquido no total de 9.457.695,15€.

Assim, numa tentativa de trazer mais informação ao processo e maior clareza às operações aqui em avaliação, entendeu-se ser pertinente estender a análise a uma amostra de maior dimensão. Pelo que se decidiu solicitar cópia de mais faturas emitidas pela C... a favor do SP. Pedido concretizado na notificação eletrónica efetuada a 13-12-2022 a que coube o nº SIIIT ..., onde se requereu em concreto:

Cópia das faturas emitidas a favor da A... pelo fornecedor/prestador de serviços C... S A, NIPC ... de valor acima de 100.000,00€, acompanhadas dos respetivos contratos e justificação dos gastos nos termos do artº 23º do CIRC;”

Da análise aos elementos remetidos via mail, a 22-12-2022, pela A... foi possível apurar que o SP contabilizou várias das faturas emitidas a seu favor pela empresa C... S A., NIPC..., contabilizadas a débito da conta 71841 - Desc.Com.- Rappel. 

Constatando-se que os teores dos novos documentos são muito semelhantes aos anteriores.

Sabendo à partida que o Rappel é um desconto comercial usualmente utilizado como forma de premiar o cliente pelo volume de negócios alcançado, facilmente se percebe que quanto maior o volume de vendas maior o desconto, isto é, maior a percentagem de desconto sobre as compras do cliente, uma vez que o Rappel é um desconto progressivo que evolui no mesmo sentido das vendas.

Normalmente, este tipo de desconto funciona como crédito, a favor do cliente, por conta de compras futuras e é suportado em notas de crédito emitidas ao cliente, devendo aí ser indicadas as faturas a que o mesmo se refere, nomeadamente para que se possa efetuar a correspondente regularização do imposto liquidado em excesso.

Nos casos dos documentos enviados, verifica-se que se tratam de faturas e não de notas de crédito, que mencionam ser referentes a campanhas promocionais, sem se perceber exatamente de que campanhas se trata, como foram apurados os valores a pagar pela A... ou quais os documentos de faturação que se encontram na base daqueles descontos. Ficando-se, inclusive, na dúvida se se estará efetivamente perante um desconto comercial, tipo Rappel.

Dado que, apesar de solicitada, o SP não remeteu qualquer justificação circunstanciada para a ocorrência daqueles gastos, nomeadamente atendendo ao disposto no art.º 23º do CIRC, além de não ter feito juntar ao processo todos os elementos previamente solicitados, procedeu-se a nova notificação eletrónica, a 09-01-2023, a qual mereceu o nº SIIIT... . Ali solicitavam-se:

“Cópia das faturas emitidas a favor da A... pelo fornecedor/prestador de serviços C... S A, NIPC..., acompanhadas dos respetivos contratos, bem como de justificação dos gastos incorridos e demonstração da sua conexão com os rendimentos obtidos, nos termos do artº 23º do CIRC, que suportam os lançamentos de seguida identificados:

30_...

30_...

30_...

30_...

30_...

Cópia das faturas emitidas a favor da A... pelo fornecedor/prestador de serviços C..., NIPC ..., cujos contratos foram remetidos anteriormente, acompanhadas de justificação dos gastos incorridos e demonstração da sua conexão com os rendimentos obtidos, nos termos do artº 23º do CIRC, que suportam os lançamentos de seguida identificados:

30_...

30_...

30_...

30_...

30_...

30_...”

Na sua resposta de 20/01/2023, o SP declara:

“Os contratos cujas cópias se anexam justificam a emissão das faturas pela C... à A... .

Demonstra-se a conexão dos gastos com os rendimentos obtidos nos termos do artigo 23.º do Código do IRC uma vez que tais gastos são incorridos ou suportados pela A... para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Em bom rigor, a A..., para vender à C... os produtos que comercializa no âmbito da respetiva atividade, isto é, a carne de porco, contrata condições de cooperação comercial com o C... em representação da C... .

Ao abrigo dos contratos em questão, a C... emite os débitos referentes a ações promocionais e de divulgação da carne de porco, as quais têm subjacentes as vendas de carne de porco, neste caso, nos D... .

Além disso, estando em causa grandes superfícies, as vendas da A... são fortemente exponenciadas.

A este respeito, note-se e sublinhe-se que a C... é o maior cliente da A... .

em termos de volume de vendas, as quais determinam ganhos sujeitos a IRC.

De referir que a A... contrata, aceita e pratica os termos e condições estabelecidos nos citados

contratos com a C... porque se o não fizesse não venderia carne de porco nas Lojas D..., impedindo a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.

Por outro lado, tais contratos são objetivamente celebrados entre a C... e outros fornecedores de carne de porco no mercado, pelo que, só a celebração de tais acordos promocionais permite garantir à A... e aos demais players no mercado obterem os respetivos rendimentos sujeitos a IRC.

De referir que, não obstante a conhecida força negocial das grandes superfícies junto dos seus fornecedores, sendo a A... uma entidade não relacionada com a C..., os termos e condições dos contratos de cooperação em apreço são idênticos aos normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes.” (sublinhados e negritos nossos)

 

Começa a empresa por declarar que:

- as faturas em causa são justificadas pelos contratos a que respeitam. Ora, não sendo as faturas claras no seu teor, nem os contratos a que as mesmas respeitam, permanece por conhecer pela AT qual a ligação efetiva entre os gastos e os rendimentos do SP naquele exercício;

De seguida afirma que:

- pelo facto de a C...  ser sua cliente, obtendo dessas operações rendimentos sujeitos a IRC, os gastos em questão encontram automaticamente justificação nos termos do art.º 23º do CIRC. Novamente as declarações do SP não acrescentam qualquer esclarecimento quanto às naturezas e determinações das operações em causa.

Estando aquele equivocado, quando assume que qualquer valor faturado por um cliente possa ser relevante do ponto de vista fiscal.

Adiante, menciona ainda que:

- contrata condições de cooperação comercial e que, “a C... emite os débitos referentes a ações promocionais e de divulgação da carne de porco, as quais têm subjacentes as vendas de carne de porco”. Reitera-se que, se por um lado o SP assume tratarem-se de ações promocionais, por outro admite estar-se perante acordos comerciais que têm subjacente as vendas de carne de porco. Conclui- se que a própria empresa, à semelhança do que já se havia verificado a propósito dos registos contabilísticos, não consegue identificar a natureza das operações, não justificando os valores faturados, nem relacionando objetivamente aqueles gastos com os rendimentos auferidos.

Perante a justificação apresentada e acima reproduzida, a 07-02-2023, foi estabelecido contacto telefónico, na pessoa da Contabilista Certificada, Drª H..., onde se dava conta da necessidade de ser apresentada uma justificação cabal que permitisse relacionar inequivocamente os gastos em apreço com os rendimentos auferidos em função da respetiva ocorrência. Foi facilitada uma extensão do prazo de resposta, para que os elementos em causa pudessem ser reunidos e devidamente apresentados. Contudo, até à presente data, nenhuma outra informação ou esclarecimento, relativamente a esta matéria, foram facultados.

Num novo esforço para compreensão das situações descritas, procedeu-se ao acompanhamento daqueles gastos globais comparativamente aos rendimentos auferidos a partir dos negócios com a C... . Construiu-se o gráfico abaixo:

 

C...

 

Tratando-se de contratos/faturas mensais, desde logo se estranha que a evolução dos rendimentos não acompanhe a evolução dos gastos. Efetivamente, na maioria dos meses, quando os gastos diminuem os rendimentos aumentam, ou vice-versa, tendência que contraria tanto a lógica da hipotética campanha promocional como do eventual desconto rappel, já que, em ambas as situações, seria expectável que quanto maior o gasto, maior o rendimento, o que aqui não se confirma.

Sublinhe-se ainda que os gastos com a C... se mantêm estabilizados ao longo de 2019, não denunciando grandes flutuações, enquanto que, como já antes visto, os rendimentos apresentam um crescimento pronunciado.

Desta análise não se retira qualquer evidência que permita confirmar que tipo de gastos estão subjacentes à faturação em causa (Serviços publicitários? Descontos comerciais? Outros? Quais?), como foram calculados os valores a cobrança, a que respeitam efetivamente ou sequer se os mesmos encontram justificação no âmbito da atividade exercida pelo SP.

Perante a ausência de detalhe e informação evidenciados no teor de cada uma daquelas faturas e contratos correspondentes, bem como da falta de apresentação de conveniente justificação e demonstração da conexão com o exercício da sua atividade, por parte do SP, há que analisar em pormenor cada um daqueles documentos com o fim de tentar retirar indícios que aclarem toda a situação.

Em primeiro lugar, para que se tenha presente a dimensão da problemática, bem como da sua contextualização contabilística, apresentam-se os lançamentos efetuados com base naquelas faturas, tal como se transcreve de imediato:

 

 

 

 

 

 

Daqui retira-se que, através da consideração, para efeitos de apuramento do resultado do exercício, destes documentos e gastos, o SP diminuiu a sua matéria coletável em sede de IRC, havendo que confirmar se os mesmos têm relevância fiscal e qual o enquadramento legal correspondente.

Assim, haverá que ter presente os documentos de suporte em si mesmos, pelo que se passa desde já à sua análise. Apresentando-se de seguida um quadro resumo com a informação relevante constante de cada um dos documentos remetidos pelo SP:

 

 

 

 

 

De notar que os contratos associados às faturas em apreço e apresentados pela empresa não identificam a A... . De facto, em cada um daqueles contratos, a contraparte da C... vem identificada com o nome “B...-Talho”, sem indicação de qualquer número de identificação fiscal, não permitindo desta forma conhecer, de forma inequívoca, o destinatário do mesmo.

(...)

Efetivamente revela-se ininteligível, dos documentos de suporte e justificações apresentadas pelo SP, que tipo de serviços a C... possa ter prestado, de facto, ao SP. Em que proporção foram prestados cada um desses serviços? De que forma contribuiram para os rendimentos declarados pela A...? Qual a base de cálculo ou como foram determinados os respetivos valores a pagamento? Questões que se mantêm sem resposta.

Incumprimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, conjugada com n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, ambos do CIRC, que impede a avaliação da operação por parte da AT, o que não se vê sanado.

(...)

Perante os factos acima descritos, procurou a AT recolher mais informação, nomeadamente junto da própria empresa emitente das faturas indicadas. Enviou-se, via postal, o Ofício nº ..., a 14-02-2023, onde se notificava a C... para apresentar:

“Cópia dos documentos de faturação, de valor superior a 100.000,00€, emitidos, ao longo do ano de 2019, a favor do vosso cliente A... SA, NIPC..., devidamente acompanhados dos documentos que permitam conhecer as correspondentes descrições circunstanciadas (fatura a fatura) dos bens/serviços subjacentes às respetivas emissões, com indicação dos elementos que identifiquem objetivamente os itens ali incluídos e demonstrem o cálculo dos preços praticados.”

A resposta àquela solicitação chegou por mail a 28-02-2023, resumindo-se a cópia de faturas emitidas pela C... à A..., em 2019, com as referências que se resumem:

De imediato resulta que as faturas apresentadas pela C... divergem, na numeração, na descrição e no lay out, das apresentadas pela A... . Destas faturas não consta indicação da existência de qualquer contrato associado, contudo existe coincidência de valores totais faturados, continuando-se a desconhecer quais os serviços incluídos em cada uma daquelas faturas.

Da observação do teor destes documentos, verifica-se que faz referência a um nº de fornecedor (...) diferente daquele que vem mencionado nos documentos de faturação enviados pelo SP (...). Para além disso, da comparação entre versões de documentos, constata-se ainda que o nº das faturas previamente apresentadas pela A... encontram reflexo no campo “Referência” dos documentos apresentados pela C... .

Limitam-se, esta novas faturas, a descrever o objeto de faturação de cada uma delas da forma genérica “FTRF- FATURA SERV AO FORNECEDOR”, o que é ainda menos revelador do que os elementos de que se dispunha anteriormente.

(...)

De facto, dadas as evidências físicas de cada uma das faturas de suporte em validação no presente ponto deste relatório, conclui-se que não só os documentos de suporte enfermam de vícios ao nível do preenchimento dos requisitos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, conjugada com n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, ambos do CIRC, como o SP não logrou demonstrar de forma cabal que aqueles gastos cumprem com o disposto no art.º 23º, nº 1 do CIRC.

Em face da análise efetuada e aqui relatada, conclui-se que, nos termos da legislação acima indicada, não poderão ser fiscalmente aceites os gastos em causa, no montante de 8.869.773,29€ (= 9.370.514,01€ - 500.740,72€), pelo que é proposto o seu acréscimo à matéria coletável apurada e declarada pelo SP, como se resume:

 

V. 2. –IVA

(...)

Na sequência da consulta aos lançamentos contabilísticos efetuados pelo SP na conta 71841 - Desc.Com.- Rappel, verificou-se que os registos a crédito da mesma nos valores de 328.149,56€, 125.000,00€ e 47.591,16€, deram origem a regularizações de imposto a favor do Estado nos valores de 28.750,00€, 10.945,97€ e 75.474,40€, no período de 201902, as quais terão de ser aqui consideradas.

Nesse sentido, o valor da proposta de correção para aquele período de imposto será de 93.278,43€, o qual corresponde à diferença entre o valor de imposto indevidamente deduzido (208.448,80€) e o valor de IVA daquela forma regularizado (115.170,37€).

Em face da insuficiência de informação vertida naqueles documentos com as falhas anteriormente apontadas vidé ponto V.), conclui-se que as mesmas obstam à tomada de conhecimento por parte da AT da génese de cada um daqueles negócios, inviabilizando a correlação dos mesmos com os níveis de atividade exercida e evidenciada pelo SP no ano de 2019, não permitindo a verificação do cumprimento do disposto no art.º 20º do CIVA.

Constatando-se ainda do incumprimento do disposto na alínea b) do nº 5 do art.º 36º do CIVA, o que por força do nº 6 conjugado com o nº 2, ambos do art.º 19º daquele mesmo diploma legal implica a sua desconsideração para efeitos de apuramento da situação liquida do SP perante o Estado, isto é, não poderá aquele imposto ser deduzido, pelo que se propõem as correções respetivas nos montantes apurados e evidenciados no quadro anterior.

Resta apresentar, por período de imposto, o resumo global das correções aqui propostas em sede de IVA: Base Tributável IVA indevidamente deduzido

 

 

X. Direito de Audição

Foi efetuada notificação eletrónica ao SP a que coube o nº SIIIT - ..., em 03-04-2023, do projeto de relatório relativo à Ordem de Serviço aqui em causa, servindo o mesmo também para efeitos do exercício do seu direito de audição prévia preconizado no artigo 60º da Lei Geral Tributária e do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira.

(...)

A 03-05-2023, via mail, o SP apresentou o direito de audição, do qual faziam parte a petição e 11 anexos.

No que se refere aos anexos, importa resumir a que se referem os mesmos:

Anexo 1 – Cópia de Contrato nº ...(o qual se junta em anexo II);

Anexo 2 – Certidão Permanente da A...;

Anexo 3 – Cópia de E-mail remetido ao grupo E..., em 2019, a comunicar a alteração da designação social de B..., SA para A..., SA;

Anexo 4 – Cópia de e-mail remetido ao grupo E..., em 8 de janeiro de 2020, a solicitar ajuda sobre a designação que consta das faturas da C... em novembro e dezembro. É questionado o seguinte:  “Quando contém a menção de “TOPOS”, como podemos considerar este tipo de ação? Publicidade ou Extra-Contrato?”

Anexo 5 – Documento excel com o resumo de lançamento de documentos e indicação e com o título “Contabilização Rappel”;

Anexo 6 – Cópia de e-mail, remetido ao grupo E... em 12 de abril de 2019 com contratos assinados. Importa aqui referir que estes contratos são semelhantes aos apresentados no decurso do procedimento inspetivo, ou seja, não possuem informação capaz de abalar as anomalias constantes das faturas;

Anexo 7 – Documentos promocionais das lojas ...;

Anexo 8 – Cópia de e-mail remetido ao grupo E... em 21 de abril de 2023, a solicitar a confirmação do nº de fornecedor;

Anexo 9 – Cópia de um contrato, fatura e nota de crédito. De referir que se trata de um contrato semelhante aos já apresentados anteriormente, ou seja, sem conter informação que permita colmatar os elementos em falta nas faturas;

Anexo 10 – Cópia de e-mail, datado de 21-04-2023 , no qual consta o grupo E... a referir o seguinte: “De facto o início do ano a descrição era LINEA, depois passou para Cprom e por fim TOPOS, tal deve-se simplesmente a um procedimento interno, visto que todos querem referir as negociações existentes e aprovadas por ambas as partes”

Anexo 11 – Cópia de contrato e respetiva fatura. De salientar que no que respeita ao contrato apresentado neste anexo, o mesmo é semelhante aos apresentados anteriormente.

 

Análise do Direito de Audição

(...)

Conclusão:

Em face da análise do direito de audição, conclui-se que: o SP apresentou como documentos de suporte aos gastos desconsiderados, faturas que mencionam determinados contratos, como anteriormente referido;

- o prestador de serviços corroborou a informação prestada pela empresa, apresentando os mesmos contratos subjacentes à faturação em observação;

- em momento algum ou em qualquer documento é feita referência a qualquer dos acordos a que o SP vem referir-se em sede de direito de audição;

- o primeiro destes contratos é composto por 28 páginas, sendo que a informação hipoteticamente relevante consta de uma 29ª;

- o segundo desses contratos não é apresentado;

- no cúmulo dos contratos (os mencionados nas faturas e com elas apresentados, por ambos os intervenientes, e os trazidos ao processo já em sede de audição prévia), deve relevar aquele que é expressamente mencionado na fatura;

- Não obstante nas faturas não constar qualquer referência aos contratos invocados em sede de exercício de audição prévia, importa salientar que o contrato agora apresentado não reúne informação suficiente que permitisse, caso a elas dissessem respeito, suprir as falhas das faturas de suporte em questão;

- os valores faturados pela C... não acompanham a explicação do SP, divergindo daqueles que a cada momento seriam eventualmente devidos;

- as importâncias determinadas pela empresa desprezam os valores constantes da sua contabilidade, baseando-se, em termos globais, nos valores que declarou à AT para efeitos de E-Fatura, onde foram detetadas divergências relativamente aos primeiros;

- o SP não demonstrou que as faturas subjacentes às correções propostas cumprem com os dispositivos legais anteriormente invocados;

- da mesma forma, também não provou que os documentos complementares daquelas faturas (contratos) permitem conhecer os elementos em falta nas faturas;

- as explicações apresentadas pelo SP não contribuíram para aclarar a natureza dos negócios subjacentes àquelas faturações;

- mantêm-se sem resposta questões como: que relação apresentam aqueles gastos com a atividade do SP? De que tipo de gastos se tratam efetivamente e a que respeitam? Qual a sua base de cálculo? Entre outras.

- Ou seja, em face da análise do exercício do direito de audição, continua a AT a desconhecer elementos obrigatórios a constar das faturas, estipulados nas alíneas c) e d) do nº 4 do artigo 23º do código do IRC e nas alíneas b) e c) do no nº 5 do artigo 36º do código do IVA. Das conclusões acima resumidas apenas se pode retirar que o SP não demonstrou de forma clara e inequívoca que as faturas subjacentes às correções propostas em sede de IRC e IVA respeitam, por um lado o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, conjugada com n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, ambos do CIRC, ficando comprometida a demonstração do cumprimento do art.º 23º, nº 1 também do CIRC, e por outro lado o disposto na alínea b) do nº 5 do art.º 36º do CIVA, o que por força do nº 6 conjugado com o nº 2, ambos do art.º 19º daquele mesmo diploma legal é impedimento à dedução do IVA ali incluído.

Assim, são de manter as correções propostas no projeto de relatório, de desconsideração dos gastos daquela forma contabilizados e do IVA indevidamente deduzido, precisamente pelo incumprimento dos dispositivos legais acima mencionados.”

 

3.2. Factos não provados

Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados. Não tem de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, conforme previsto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Os factos considerados provados resultaram da análise da prova documental apresentada pela Requerente, a qual foi avaliada pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, tendo em conta a ausência de contestação especificada pelas partes. Este procedimento está conforme o artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Matéria de direito

4.1. Thema decidendum

A questão a decidir nos presentes autos consiste em decidir sobre “a desconsideração para efeitos fiscais de gastos contabilísticos, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, por desrespeito dos requisitos exigidos nos n.º 3, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC e a indevida dedução do IVA por não respeitarem os normativos legais para que o IVA neles liquidado seja fiscalmente aceite nos termos da alínea a) do no 2 do artigo 19.º do CIVA, bem como do incumprimento do disposto no artigo 20º do CIVA e da a alínea b) do no 5 do artigo 36.º do CIVA, por força do n.º 6 conjugado com o n.º 2, ambos do artigo 19.º CIVA, em concreto de custos alegadamente incorridos pela Requerente a título de descontos e contrapartidas associadas a campanhas promocionais levadas a cabo nos supermercados D....”

O cerne da questão ora em apreço, conforme seguidamente se descreverá, consiste na desconsideração para efeitos fiscais, pela AT, dos custos efetivamente incorridos pela Requerente, a título de descontos e como contrapartida por campanhas promocionais levadas a cabo nos supermercados D... .

Em sede de IRC as questões a apreciar dizem respeito a saber se está ou não cumprido pela Requerente o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC? Ou seja, as operações tituladas pelas faturas inserem-se ou não no propósito empresarial da Requerente? 

Enfermam os documentos de suporte aos gastos de vícios de preenchimento dos requisitos previstos no artigo 23.º, n.ºs 3 e 4, do CIRC que obstem à respetiva dedução das quantias neles inscritas ao lucro tributável da Requerente?

 

A. As correções em sede de IRC

a) Posição da Requerente

I-             Sobre a dedutibilidade dos gastos em IRC

 

1.             Questões em apreço

São duas as questões em apreço, que se encontram aliás sintetizadas nas peças processuais da Requerida (Autoridade Tributária, ou AT) da seguinte forma:

i)“os documentos de suporte enfermam de vícios ao nível do preenchimento dos requisitos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, conjugada com n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, ambos do CIRC,

ii) o SP não logrou demonstrar de forma cabal que aqueles gastos cumprem com o disposto no art.º 23º, nº 1 do CIRC”.

As questões a dirimir em sede do IRC são:

A)           Está ou não cumprido pela Requerente o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC? Ou seja, as operações tituladas pelas faturas inserem-se ou não no propósito empresarial da Requerente? 

B)            Enfermam os documentos de suporte aos gastos de vícios de preenchimento dos requisitos previstos no artigo 23.º, n.ºs 3 e 4, do CIRC que obstem à respetiva dedução das quantias neles inscritas ao lucro tributável da Requerente?

Analisemos tais questões pela ordem que se indicou.

 

2. Está ou não cumprido pela Requerente o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC?

2.1 A posição da Inspeção Tributária

A Requerida alega, em síntese, que:

“(...) permanece por conhecer pela AT qual a ligação efetiva entre os gastos e os rendimentos do SP naquele exercício”.

“existem faturas com descritivos idênticos, respeitando a categoria, períodos de ação e tipos de divulgação iguais ou equivalentes, cujo valor faturado difere de umas para as outras, e para as quais, apesar das semelhanças, os SIT não alcançaram a razão da diferença de valores apurados, já que se desconhece quais os bens e/ou serviços que estão na sua génese”, daqui decorrendo, a questão de que se desconhece, igualmente, em que medida aqueles gastos contribuíram, se é que contribuíram para os níveis de atividade evidenciadas pela ora Requerente.”

“O que em jeito de conclusão se retira que a própria empresa, à semelhança do que já se havia verificado a propósito dos registos contabilísticos, não consegue identificar a natureza das operações, não justificando os valores faturados, nem relacionando objetivamente aqueles gastos com os rendimentos auferidos”.

“o SP não logrou demonstrar de forma cabal que aqueles gastos cumprem com o disposto no art.º 23º, nº 1 do CIRC”.

 

2.2 Análise jurisprudencial sobre o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC

A fim de analisar a questão, vejamos, primeiramente, que interpretação faz a jurisprudência do requisito previsto do n.º 1 do artigo 23.º. Depois, que documentação probatória se apresenta no processo quanto ao tema em apreço.

Quando vigorava no dito preceito do CIRC o requisito da “indispensabilidade” (o que, como se sabe, após 2014 deixou de ser o caso) o STA expressou da seguinte forma como se deveria interpretar o requisito da indispensabilidade - Processo n.º 0779/12, de 24/9/2014 - (negrito e sublinhado nosso):

 “No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como gastos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar rendimentos).”

Em jurisprudência sobre a redação posterior a 2014, na qual se preceitua, no artigo 23.º, n.º 1, que: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”,

Cite-se o Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01716/17.8BESNT, de 7/4/2021 (negrito e sublinhado nosso): 

“Num primeiro momento e para efeitos de dedutibilidade fiscal em ordem ao apuramento do lucro tributável, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, terão de passar pelo crivo geral do disposto no citado artº.23, do C.I.R.C.

Na nova redacção introduzida no preceito pela Lei 2/2014, de 16/01, são de considerar gastos e perdas para efeitos fiscais todos os que, contabilizados, visam, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto. 

A dedutibilidade fiscal é uma decorrência do princípio da capacidade contributiva do sujeito passivo, mas não é exigido para a relevância dos gastos ou perdas que eles tenham sido geradores de proveitos, sendo bastante que sejam suportados no interesse do sujeito passivo, com a intenção de obter, ou garantir, os rendimentos sujeitos a I.R.C.”

 

2.3 Prova documental existente

Existe nos autos (anexo 1 ao Direito de Audição) o contrato quadro assinado entre a D... SA (D...) e a B... SA (a qual, mantendo o NIF ... mudou posteriormente a designação para  A... SA, aqui Requerente).

Nesse Contrato quadro 2017-80623, lê-se, entre o mais, que (negrito nosso): 

 “A Segunda Contraente pretende fornecer a Primeira e/ou as suas representadas, pretendendo estas adquirir junto àquela, produtos alimentares e não alimentares para posterior revenda ao público nos estabelecimentos destas ou através de outras plataformas, designadamente, on-line, bem como a outros distribuidores, grossistas ou retalhistas;

A relação negocial ora estabelecida entre a Primeira Contraente e as suas representadas, por um lado, e a Segunda Contraente, por outro, tem carácter tendencialmente duradouro, pretendendo reger de forma coerente e abrangente as compras e vendas que entre elas se venham a realizar;

A presente relação contratual destina-se a promover o interesse da Segunda contraente em assegurar o escoamento dos seus produtos e o interesse da Primeira Contraente e das suas representadas em garantir o abastecimento dos mesmos;”

Os termos deste “Contrato-quadro”, de que acima se citou uma muito pequena parte das suas cláusulas, mostra que existe uma relação contratual entre as duas entidades que é também concretizada no interesse, ou no âmbito da atividade económica, da A... .

É no contexto deste contrato, de longa duração, que os produtos (carnes) da A... são vendidos à primeira contratante (D... S.A.), ou suas representadas como a C..., e expostos nos seus hipermercados e outras superfícies comerciais. Existindo, sem margem para dúvidas, um business purpose, uma relação com a atividade, que está espelhada neste contrato.

Acresce que o documento 40, anexo aos autos, estabelece, de maneira que proporciona conclusões nítidas, de que forma a C... S.A. intervém na concretização dos negócios entre a Requerente e a D... .

Vejamos.

Destaquem-se as seguintes cláusulas desse acordo entre a C... e a D..., que permite efetivar o que o anteriormente citado “Contrato quadro” estabelece:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Entre

C..., S.A., com sede na ..., ..., freguesia de ... e ..., concelho de Santarém, matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com o capital social de €4.680.000,00, aqui representada por I... e por J..., na qualidade de Procuradores, com poderes para o ato, adiante designada por C..., e D..., S.A., com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com o capital social de €79.360.000,00, aqui representada por K... e por L..., na qualidade de Procuradores, com poderes para o ato, adiante designada por D...”,

 

D...

D...

D...

D...

D...

D...

D...

 

 

 

D...

C...

D...

C...

 

 

“CLÁUSULA PRIMEIRA

ÂMBITO

1. A D... incumbe a C... de, em nome próprio da C... e por conta da D... ou em nome e por conta da D..., reclamar e perceber dos Fornecedores por si indicados as receitas comerciais (adiante, Serviços) que aqueles Fornecedores tenham acordado com a D..., em virtude de qualquer das hipóteses mencionadas no Considerando E) supra.” 

 

A C..., tendo funções operacionais e administrativas na relação entre a D... e os fornecedores, é assim incumbida pela D... para agir de forma que conduz à faturação pela C... à A... das importâncias controvertidas neste Processo em resultado do tipo de ações (promocionais, ente outras) levadas a cabo pela D... que se expõem no Considerando E, acima transcrito.

Os contratos específicos que vão corporizando o já referido contrato quadro e as faturas remetidas pela C... (entidade, tal como D..., integrante do Grupo E...) à A... só existem em função de uma relação comercial contratualizada que se integra na atividade operacional da Requerente com a D..., mas que é intermediada no plano operacional (aquisição de bens – vide considerandos A, B e F acima citados do documento nº 40) e administrativo (faturação de contrapartidas de campanhas promocionais nas lojas do Grupo - vide considerandos C, D, E, e  cláusula 1ª, acima citados do documento 40) pela C... . 

Quer dizer: os serviços prestados traduzem-se em promoção/venda dos produtos da Requerente nas lojas da D... . O preço, ou contrapartida, são os descontos de natureza comercial nas vendas da Requerente, em virtude de campanhas que podem ser de baixa de preços nas lojas D..., descontos em cartão, como se afirma no contato quadro (cláusula 9.2). Tal desconto surge em faturas da C..., no papel de representante da D..., o que está provado nos autos pelas faturas e contratos celebrados entre a Requerente e a sua cliente.

Exemplificando com uma situação hipotética (que adiante se mostrará num plano detalhado e real) se, no momento 1, a requerente vende uma importância de 1.000, e no momento 2 a D... com ela acorda uma redução do valor das vendas (desconto) no valor de 50 (5% sobre 1000), tal redução de preço decorre de uma determinada campanha promocional, levada a cabo nas lojas da D... . Tal serviço implica uma contrapartida financeira a suportar pela Requerente, faturada pela C... pelos motivos já documentalmente analisados, mas que, no plano comercial se corporiza numa relação entre um fornecedor de carnes (a Requerente) e o cliente-vendedor (as lojas D...), intermediada pela C... .

Com base na prova documental existente, não se vê como pode a AT afirmar o que expressa sobre a inserção dos gastos controvertidos no requisito previsto no art.º 23, nº 1 e ainda que “não entende que serviço pode a C... prestar”. Quem presta o serviço (exposição e venda dos produtos da Requerente) é a D..., quem o fatura, estando para tal contratualmente habilitada, é a C... . Basta o Considerando E, e a cláusula 1ª, do documento 40 supramencionado para o mostrar.

Tais gastos passam o teste de dedutibilidade previsto no CIRC. Como se mostrou, e no dizer do STA, “sendo bastante que sejam suportados no interesse do sujeito passivo, com a intenção de obter, ou garantir, os rendimentos sujeitos a I.R.C.”.

O que se comprova, no caso. É, aliás, a Requerida que na apreciação do Direito de Audição afirma: 

“O contrato agora apresentado, trata-se de um contrato-quadro (cfr. ponto 2.3. do mesmo) onde são definidas as condições gerais do fornecimento dos produtos pelas B..., S.A (agora A..., S.A) ao grupo D..., SA. Assim sendo, não vêm ali previstas ou determinadas as condições específicas aplicáveis a cada situação ou operação individualizadas de qualquer forma.”

O que reconhece a relação económica com a Requerente (clarificando até a questão da designação desta), inserindo-se o fornecimento de produtos na respetiva atividade ou propósito empresarial, o que basta para cumprir o exigido pelo artigo 23.º, n.º 1, conforme interpretação doutrinária e jurisprudencial bem assente e que a Requerida não pode desconhecer.

Por fim, a Requerente, no PPA afirma que remeteu à Requerida: 

“Cópia das faturas emitidas pela A... à C... S.A. (“C...”), acompanhadas dos respetivos contratos e justificação dos gastos; 

Cópias das faturas emitidas a favor da A... pela C...”.

O que a AT não nega e até usa para fundamentar determinados quadros no RIT, como seja o da evolução da faturação da requerente à C.... O que leva a formular a convicção de que a Requerida detém documentos de prova que confirmam essa relação comercial inserida na atividade da A..., aqui Requerente. E que foram juntos aos autos pelas partes.

E, pese embora a argumentação da Requerida sobre uma “incompreensão dos negócios”, “se tiveram ou não lugar”, o facto é que a mesma afirma que, na resposta ao direito de audição que: “Conclui-se que o acordo agora apresentado, não obstante não se encontrar o mesmo referenciado em qualquer fatura subjacente às correções propostas, verifica-se que estipula condições gerais do negócio, ...”.

Ou seja, os negócios são reconhecidos (nem se vendo como, perante a documentação existente, o não pudessem ser) e o que se aponta são falhas nas faturas que os titulam. 

Vejamos de perto as cláusulas contratuais que mais concretamente se referem à relação comercial entre a requerente e a D... (via C..., como decorre do Documento 40 referido em 3.1., e dos contratos específicos que subjazem a cada fatura) e seus traços distintivos, em especial quanto aos gastos incorridos pela A... que decorrem dessa relação contratual e que aqui se discutem.

“2.3. À Primeira Contraente pode vender a qualquer uma das suas representadas todos ou alguns dos Produtos, fazendo reverter, total ou parcialmente, quaisquer descontos que lhe sejam concedidos pela Segunda a favor das suas representadas, se assim o entender.

2.4. Os descontos previstos na cláusula 2.3 podem ser os que constam do Contrato, de quaisquer outros contratos ou acordos adicionais que a Primeira Contraente (por si e/ou em nome das suas representadas) venha a celebrar com a Segunda Contraente, ou ainda das faturas que esta emita em nome daquela.

6.1. Os preços e demais condições comerciais aplicáveis aos Produtos fornecidos ao abrigo do presente Contrato são os mencionados no Anexo I, ou, na falta desta menção, os preços previamente negociados entre a Primeira Contraente ou as suas representadas, e a Segunda Contraente, os quais, sem prejuízo de outros acordos, designadamente promocionais ou de parceria comercial, que venham a ser celebrados entre as Contraentes, refletem as concretas condições comerciais acordadas entre as Contraentes e especificamente aplicáveis aos fornecimentos destinados à Primeira Contraente e às suas representadas no período de vigência do Contrato

9.2. No caso de a Primeira Contraente e/ou as suas representadas promoverem qualquer tipo de campanha promocional, no âmbito das "Feiras Nacionais ou Regionais” ou outro tipo de campanha, designadamente de descontos "em cartão", na totalidade ou parte dos seus estabelecimentos, a Segunda Contraente será convidada a participar nas mesmas, nos termos a condições específicas a negociar, caso a caso, entre as Contraentes.

23.3. É desde já acordado que eventuais acordos promocionais, como tal se entendendo os que, tendo carácter excecional ou esporádico e temporário, se destinam a incentivar as compras dos Produtos pela Primeira Contraente e suas representadas e assim venham a ser expressamente denominados pelas Contraentes, apenas poderão ser celebrados por Acordo Escrito pelos respetivos representantes orgânicos, ou pelas pessoas indicadas na cláusula 23.2 no que concerne à Primeira Contraente e desde que nos termos aí previstos, ou na cláusula 22.4, ou ainda pelas pessoas que, relativamente a cada uma das Contraentes, exerçam as seguintes funções, bem corro quaisquer outras que sejam previamente indicadas por qualquer uma das Contraentes à outra:

(a) Primeira Contraente: Gestor Comercial;

 (b) Segunda Contraente: Administrador e Encarregado Geral/Comercial.”

 

Das cláusulas 2.3., 2.4., 6.1. e 23.3. (supracitadas) se retira que no âmbito dessa relação poderão existir descontos efetuados pela A... à sua cliente, que visam que esta incremente as compras dos produtos da Requerente. Das cláusulas 6.1., 9.2. e 23.3. resulta que, além dos descontos, poderão existir campanhas promocionais em que a A... deverá participar; ou seja, sendo-lhe imputados gastos derivados da promoção dos seus produtos, dando como exemplo campanhas de baixa de preço por descontos em cartão.

A cláusula 2.4. refere explicitamente as várias origens possíveis dos descontos aqui em causa: o contrato quadro, quaisquer outros contratos, acordos adicionais, ou simplesmente as faturas que a C... emita à Requerente. A cláusula 2.4 mostra, assim, que o fundamento e concretização documental dos descontos que a Requerente suporta para que as suas carnes sejam vendidas nas lojas D... podem ser múltiplos.

O contrato torna ainda nítido que as efetivas condições de aplicação dos descontos e os gastos com as campanhas promocionais são acordados entre as áreas comerciais das duas entidades, mediante negociações levadas a cabos pelos responsáveis das correspondentes equipas.

A Requerente afirma, com fundamento documental, dado o que acima se transcreveu, que a natureza dos custos incorridos e registados pela A... tem por referência geral o contrato quadro de fornecimento. Este prevê a celebração regular de acordos/contratos que qualificam e quantificam os gastos resultantes de descontos aplicados. Esses acordos podem ter caráter esporádico e temporário, acompanhando o ritmo económico do comércio de produtos alimentares, em especial em grandes superfícies do ramo da distribuição, de que a D... é exemplo.

A Requerente incorre em descontos comerciais (gastos contabilizados na conta 71.8 como descontos em vendas) em decorrência da comercialização dos seus produtos realizada em campanhas promocionais da D... . Sendo essa uma contrapartida/preço a pagar pelo (potencial) incremento dos rendimentos resultante da estratégia comercial determinada pela D... com impacto na atividade da Requerente. 

Perante as cláusulas contratuais que se têm vindo a reproduzir e que constam de 3.1., e os contratos e faturas delas resultantes, é incompreensível que a Requerida refira que não consegue identificar a natureza das operações económicas efetuadas (e dos gastos promocionais e dos descontos que para a A... delas decorrem em sequência de contratos firmados e faturas deles decorrentes). 

E que sustente ainda que não tem meio de aferir se as operações de promoção dos produtos da Requerente se inserem numa relação potencial com os rendimentos obtidos pela A... por via da venda de produtos comercializados pela D... . O desenho jurídico-económico dessas operações, e dos gastos que delas advêm, é contratualmente claro, e não suscita dúvidas sobre a existência da relação comercial e dos objetivos que as partes interessadas (a Requerente, a D..., e a C... como representante da D... no plano operacional e administrativo) dela esperam.

Acresce que toda a jurisprudência que a Requerida cita em abono de sua tese acerca do alcance do artigo 23.º, n.º 1 está hoje ultrapassada. E, a AT, por certo, não o desconhece. Não se exige, como os Acórdãos antes citados bem ilustram, na interpretação jurisprudencial atual e consolidada do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, qualquer obrigatório nexo de causalidade entre um custo e um proveito; não se exige uma correlação demonstrada entre os gastos e efetiva obtenção de rendimentos. Não se obriga que o contribuinte mostre que a certo tipo de gastos correspondeu um necessário e consequente incremento de rendimentos. Igual sentido interpretativo segue, desde há muito, a doutrina.[1]

A atividade económico-empresarial implica riscos, evoluções imponderáveis, é afetada por acontecimentos fora do controlo da gestão, que tornariam impossível a demonstração que a AT procura impor na interpretação do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC. 

Em suma: perante a prova exibida (contrato quadro, contratos específicos e as respetivas faturas) que a AT recebeu da Requerente relativas a todas as operações sob escrutínio, a Requerida não tem fundamento para dizer que desconhece se, e como, tais operações estão enquadradas na atividade e no interesse da requerente e se cumprem o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

 

3. Enfermam os documentos de suporte de vícios de preenchimento dos requisitos previstos no do artigo 23.º, n.º 3 e 4, do CIRC? 

3.1 Posição da Requerida

A AT alega, em síntese o seguinte:

“pela necessidade de comprovar a efetiva realização dos gastos contabilizados pelo SP, nomeadamente através de documento de suporte válido que demonstre a efetiva aquisição de bens/serviços pela entidade que se encontra a considera-los para efeitos fiscais”.

“gastos cujo suporte documental não apresenta características suficientes para que lhes possa ser reconhecida relevância fiscal, em face da falta de detalhe dos respetivos contornos e particularidades de destrinça”

para além do reconhecimento dos gastos de publicidade em resultado da faturação emitida pela C... (€2.158.137,00), foram contabilizadas a débito da conta 71841 - Desc.Com.- Rappel, faturas emitidas pela C..., constatando que os teores dos novos documentos eram muito semelhantes aos anteriores”

“o referido desconto (rappel) “é suportado em notas de crédito emitidas ao cliente, devendo aí ser indicadas as faturas a que o mesmo se refere, nomeadamente para que se possa efetuar a correspondente regularização do imposto liquidado em excesso”

“O que verdadeiramente não veio a confirmar-se pela documentação remetida pela ora Requerente, por se ter constatado não se tratar de notas de crédito emitidas por aquela, mas sim de faturas emitidas pela C..., cujo descritivo “mencionam ser referente a campanhas promocionais”.

“Não se logrando qualquer evidência que permitisse confirmar que tipo de gastos estavam subjacentes a tais faturas.”

Vem referir o aludido contrato n.º 2017-..., que “[…] a fatura deverá mencionar o preço de custo unitário, o número de unidades fornecidas em cada caixa faturada, quando a unidade faturada for a caixa, todos os descontos e pagamentos acordados pelas contraentes, caso existam, resultantes do contrato bem como de outros acordos ou documentos complementares;” (alínea (d) do §6.3. do contrato).

Aqui chegados, estamos em vista de faturas que documentam gastos reconhecidos em resultados e, consequentemente, contribuíram para o resultado tributável, que remetem para “contratos” que para além de desrespeitarem o formalismo exigido – no sentido de comprometer as partes envolvidas e poder-se relacionar diretamente com as faturas emitidas –, não identificam devidamente a Requerente

 “Também a aqui Requerente não esclarece a natureza dos referidos gastos, referindo apenas como descritivo: “TOPOS” (reconhecidos na rubrica #62221 gastos com publicidade), “Linea -Linear” e “CPROM- Cooperação Comercial” (reconhecidos na rubrica #71841 “descontos comercial Rappel), desrespeitando os requisitos exigidos no disposto nos n.º 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC.”

“a própria empresa, à semelhança do que já se havia verificado a propósito dos registos contabilísticos, não consegue identificar a natureza das operações, não justificando os valores faturados, nem relacionando objetivamente aqueles gastos com os rendimentos auferidos”

“Em vista disto, é legitimo perguntar: 

• De que gastos publicitários estamos a tratar? 

• Estamos a falar de cartazes que aludem ao produto carne de suíno ou à exposição da carne no topo dos expositores? 

• Em que loja? 

• A publicidade do produto só ocorre no final do ano?”

 

“Não é de todo possível afirmar, diante dos elementos oferecidos pela Requerente em sede de procedimento inspetivo: 

- quais as prestações de serviço efetivamente prestadas, isto é, como e onde foram prestadas; 

-  como foram calculados os valores cobrados a título de descontos comerciais-rappel e qual a sua relação com vendas efetuadas; 

- que a Requerente incorreu naqueles gastos na prossecução da sua atividade, ou seja, se os gastos estão ou não relacionados com a atividade da Requerente, se foram incorridos tendo em vista o interesse societário da empresa e não no interesse de terceiros (administradores das empresas envolvidas, …), isto é, se são passíveis de serem considerados essenciais para a Requerente vir a “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, e como tal, avaliar a sua dedutibilidade fiscal nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.”

 

3.2 Análise sobre o disposto no artigo 23.º, n.º 4 do CIRC, na redação em vigor após 2014

-A lei e sua interpretação

 

Vejamos o texto da lei:

Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC: 

 “No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; 

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; 

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; 

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; 

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

 

O Tribunal Central Administrativo do Sul, em Acórdão relativo ao processo n.º 892/20.7BELRA, de 4/4/2024, sobre um caso a que se aplicava a redação da norma após a mudança da mesma operada pela reforma do IRC de 2014, afirma: (sublinhado nosso):

“A redação aplicável aos autos é a que resulta da grande reforma de que foi objeto o CIRC, operada pela Lei nº 2/2014, de 16 de janeiro.

Tal com já decorria da anterior redação do art. 23º, foi sempre exigível que os gastos fiscalmente dedutíveis teriam de ser documentalmente comprovados.

Sempre foi entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que essa prova poderia ser efetuada por documento que, ainda que dotado de algumas insuficiências, poderia ser complementado por outros meios de prova, quer documental, quer testemunhal.

Não obstante, e tal como já foi defendido num acórdão deste tribunal (de 19/12/2023, tirado no proc. 1357/16.7 BELRA) no qual nos revemos sem reservas, tais exigências não afastam a possibilidade da demonstração de certos elementos ser efetuada através doutros meios de prova. Significa isto que sempre que as faturas apresentadas pelos sujeitos passivos deste imposto não contenham os elementos ali definidos, este pode lançar mão doutros elementos probatórios para atestar a veracidade das mesmas.

Como se afirma no acórdão supra mencionado “se, para efeitos de IVA (imposto em cuja disciplina, por força das suas próprias caraterísticas, há uma importância muito mais proeminente do papel do cumprimento dos requisitos exigidos às faturas), o entendimento é no sentido de, em respeito pelo princípio da neutralidade, se admitir a dedução, quando, designadamente através de meios complementares de prova documental, são demonstradas as exigências substantivas da operação, consideramos que, por maioria de razão e em respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real, semelhante raciocínio tem de ser aplicável em sede de IRC”.

 

A jurisprudência afirma primordialmente o cumprimento de exigências materiais ou substantivas e, estando estas cumpridas, secundariza as exigências formais. Prevalece, pois, a substância sobre a forma. Porém, para o caso em apreço, e como a seguir se mostrará, mesmo as exigências formais estão, no essencial, satisfeitas. 

 

3.3 A prova existente sobre gastos e sua dedutibilidade

3.3.1. Prova existente

Encontra-se, no RIT, o seguinte quadro que é o suporte da argumentação da AT sobre o incumprimento dos requisitos dos documentos em que se encontram valorizados os gastos contabilizados pela requerente e aqui controvertidos. Durante o exercício de 2019, a C... SA faturou à requerente a quantia de 9 370 514,01 €, constante de 31 faturas que se apesentam no quadro seguinte:

 

Valor Liquido

 n°

Faturas segundo a forma de denominação a), b) ou c) abaixo descrita 

                  441 672,89 € 

37

Línea - linear

                 125 000,00 € 

102

Línea – linear 

                     125 000,00 € 

157

CPROM - Cooperação Comercial

                     328 149,56 € 

103

Línea - linear

                     328 149,56 € 

155

CPROM - Cooperação Comercial

                     766 264,00 € 

220

CPROM - Cooperação Comercial

                     135 209,00 € 

221

CPROM - Cooperação Comercial

                     160 560,00 € 

248

CPROM - Cooperação Comercial

                     115 614,00 € 

286

CPROM - Cooperação Comercial

                     391 862,00 € 

285

CPROM - Cooperação Comercial

                     425 943,00 € 

346

CPROM - Cooperação Comercial

                     295 523,00 € 

347

CPROM - Cooperação Comercial

                     414 438,00 € 

404

CPROM - Cooperação Comercial

                     277 465,00 € 

405

CPROM - Cooperação Comercial

                     446 442,00 € 

473

CPROM - Cooperação Comercial

                       89 539,00 € 

474

CPROM - Cooperação Comercial

                     515 639,00 € 

538

CPROM - Cooperação Comercial

                     241 806,00 € 

539

CPROM - Cooperação Comercial

                     213 491,00 € 

614

CPROM - Cooperação Comercial

                     200 000,00 € 

615

CPROM - Cooperação Comercial

                     467 143,00 € 

616

CPROM - Cooperação Comercial

                     200 000,00 € 

686

CPROM - Cooperação Comercial

                     507 467,00 € 

685

CPROM - Cooperação Comercial

                     229 054,00 € 

759

Topos

                       89 916,00 € 

760

Topos

                     589 373,00 € 

761

Topos

                     200 000,00 € 

762

Topos

                     629 291,00  € 

834

Topos

                     328 991,00 € 

835

Topos

                       45 756,00 € 

867

Topos

                       45 756,00 € 

8

Topos

                  9 370 514,01 € 

 

 

 

 

- Essas faturas identificam nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário: respetivamente a C... SA e a requerente. (B... SA e A... SA, que surgem nas faturas têm o mesmo NIF, sendo a mesma entidade fiscal. Ver adiante).

- Essas faturas identificam número de identificação fiscal de ambos os intervenientes: respetivamente, ... e ... .

- Essa faturas (e respetivos contratos associados) contêm o valor da contraprestação, designadamente o preço, também aí designado por “Valor” ou “Desconto.” 

- Essas faturas estão associadas a contratos específicos, com determinada referência numérica, que são referidos e também numerados com essa referência numérica nas faturas a que se associam. 

- Essas faturas têm uma data referente a 2019, e mostram o período de ação - o mês desse ano de 2019 - em que ocorreu a cooperação comercial. Os contratos específicos subjacentes a cada fatura foram celebrados entre D... e a Requerente descrevem o “período da ação promocional abrangido pelo contrato”.

- Quanto ao descritivo ou “denominação usual dos bens ou serviços”, todas as faturas (e respetivos contratos associados) contêm uma das três seguintes (a, b ou c) formas de descrição:

zz)            “Cooperação comercial”, Divulgação-CPROM”; “Loja D...” ou “Outras insígnias”; “Artigo- Suíno”, 

aaa)         “Divulgação-Topos”, “Topos”; “D...” ou “Outras insígnias”; “Artigo - suíno”.

bbb)        “Divulgação-Línea- Linear”; “D...” ou “Outras insígnias”; “Artigo – Suíno”.

 

Vejamos, mais em detalhe dois “pares” desses referidos contrato-fatura, constantes do PA.

 

Trata-se, em primeiro lugar, do contrato..., e respetiva fatura n.º 157, no valor de 125.000 euros, que lhe está associada. Pese embora alguma perda de nitidez dos dizeres, por via da várias cópias e reproduções do ficheiro, é ainda assim possível averiguar os seus traços. Adiante faremos essa análise.

 

 

 

B...

C...

 

 

 

D...

 

 

 

 

B...

 

 

C...

 

 

 

 

C...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

B...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3.3.2 Análise ao artigo 23.º, n.º 4 a partir da prova existente 

Analisemos as deficiências, que já antes se citaram a partir do RIT, que a Requerida imputa aos documentos, quanto ao disposto no artigo 23.º, n.º 4 do CIRC.

 

“Deficiência 1-“

Afirma a AT:

“pela necessidade de comprovar a efetiva realização dos gastos contabilizados pelo SP, nomeadamente através de documento de suporte válido que demonstre a efetiva aquisição de bens/serviços pela entidade que se encontra a considera-los para efeitos fiscais”.

 

Tomando como base os dizeres da fatura nº 157, antes transcrita, relativa ao contrato..., no valor de 125.000 euros, este documento mostra, quando analisado à luz do artigo 23.º, n.º 4 do CIRC:

 

o nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário:

respetivamente C... S.A. e B... S.A.. Tal informação consta também do contrato correspondente. 

Que a C... seja a emitente da fatura está documentalmente provado por que o deveria ser; ou seja, em decorrência do contrato que assinou com a C..., cliente final ou (vendedora última) dos produtos da Requerente. Que “B...” e “A...” são a mesma entidade económica, com o mesmo NIF, tendo existido apenas mudança de denominação, está, como adiante se verá, demonstrado nos autos; e a própria AT o reconhece no RIT, como antes se referiu.

 

número de identificação fiscal de ambos

Que são, respetivamente, ... e ..., constantes da fatura. (A informação quanto ao NIF de C... consta também do contrato, quanto à B.../A..., consta desse contrato o nº de fornecedor atribuído pela C..., que resulta, como adiante se mostrará, de procedimentos internos de atribuição de códigos de fornecedor).

 

valor da contraprestação, designadamente o preço:

Observa-se, na fatura, o preço de 125.000 euros, a que acresce IVA. Tal informação consta também do contrato.

 

data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados:

Consta da fatura a data de 28 de fevereiro de 2019. O mesmo de verifica no contrato. O contrato e a fatura mostram o “período da ação” 1 a 28 de fevereiro de 2019.

 

por fim, a quantidade e denominação usual dos serviços prestados.:

A fatura correspondente menciona: “CPROM”, “Cooperação comercial”, “Suíno”, “...”.

O contrato refere “Ação promocional”, “CPROM”, “Suíno”, “Loja ...”. 

A fatura associa-se a um contrato, que está numerado naquela.

 

Bastaria isto para que, perante o “contrato quadro” antes referido, se possa concluir, sem necessidade de grande esforço, que sendo atividade da A... aquela que a AT conhece, e tendo contratado com a D... o que contratou e antes se citou, se trata de gastos (descontos em vendas) relativos a campanha promocional nas lojas D..., relativa a carne de suíno, e que é  faturada da pela C... no âmbito dos poderes de representação que a D... lhe conferiu. 

A fatura a que no vimos referindo contém, pois, elementos bastantes para que cumprir os requisitos exigidos.

 

Se tomarmos um outro “par” fatura-contato, por exemplo o Contrato N° .../ 00 e fatura nº 221, temos exatamente a mesmas conclusões, pois aí se discriminam:

 

o nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário:

respetivamente C... e B... S.A. (atualmente A..., S.A.).

 

número de identificação fiscal de ambos:

Que são, respetivamente, ... e ... . 

 

valor da contraprestação, designadamente o preço:

Observa-se, na fatura, o preço de 135.209 euros, a que acresce IVA. Tal informação consta também do contrato.

 

data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados:

Consta da fatura a data de 31 de março de 2019. O mesmo de verifica no contrato. O contrato e a fatura mostram o “período da ação” 1 a 31 de março de 2019.

 

por fim, a quantidade e denominação usual dos serviços prestados

A fatura correspondente menciona: “CPROM”, “Cooperação comercial”, “Suíno”, “D...”.

O contrato refere “Ação promocional”, “CPROM”, “Suíno”, “Loja D...”. 

A fatura associa-se a um contrato, que está numerado naquela.

 

Ou seja: os requisitos legais estão claramente cumpridos no que respeita às alíneas: a), b), d) e e) do artigo 23.º, n.º 4 do CIRC. Os elementos que constam nas faturas são bastantes para assim se conclua.

 

Quanto à alínea c), “Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados”, pode questionar-se: qual é quantidade e denominação usual de um desconto derivado de uma campanha promocional, associada a baixa de preços ou descontos em cartão,  na qual um cliente contratou que um fornecedor participe, praticando descontos? 

Uma formulação que julgamos apropriada seria, por exemplo, “desconto comercial derivado de campanha promocional de carne de suíno nas lojas D...”, entre muitos outros descritivos que podem se alvitrar ou antever. 

Pode observar-se que o descritivo que consta das faturas não é detalhado. E poderia ser mais esclarecedor. 

Mas não há, nesta alínea c), um determinismo e um grau de objetividade comparável às outras alíneas dessa norma. 

Os descritivos “campanha promocional”, “ação promocional” “suíno”, “loja ...” quando apreciados no contexto de tudo quanto se sabe dos autos, cumprem o objetivo mínimo de descrever o tipo de serviço prestado e pelo qual se originaram gastos.

 

Essas ações promocionais podem, em face do que consta do “Contrato quadro”, resultar em redução do valor de vendas líquidas da Requerente. Tal decorre de descontos feitos pela A... à D... (faturados via C...) e registados na conta 71.8 como descontos em vendas, extra-fatura, para que a D... promova os produtos da A... nas suas lojas ou hipermercados - traduzindo-se em faturação da C... pelos motivos contratuais já antes explicitados - quando a D... decide baixas de preços em campanhas comerciais nas lojas. Sublinhe-se, é a decisão de baixa de preços (campanha) nas lojas D..., decisão essa tomada pela D..., que determina que exita uma repercussão (via descontos em vendas) no preço da carne adquirida à requerente. São esses descontos que constam das faturas aqui em análise.

Ou, podem ainda, esses descontos em vendas derivar da exposição de produtos em locais privilegiados nas lojas D..., pelos quais a Requerente suporta também um valor promocional, que operacionalmente ocorre na D... e lhe é faturado pela C... .  

Trata-se, em qualquer caso, de gastos associados a uma relação comercial, e sempre resultantes de custos em que a A... incorre para que a D... execute ações tendentes a promover/incrementar as vendas dos produtos da aqui Requerente. No plano substancial trata-se, pois, de gastos incorridos no contexto económico uma relação comercial, que visam, sempre, incrementar a atividade e o potencial lucrativo da requerente. 

Adicionalmente, é de referir que a análise a todos os elementos estabelecidos no artigo 23.º, n.º 4, não é um analise do tipo “existe ou não existe; 0 ou 1”. 

Para o demonstrar basta mencionar que a jurisprudência acolhe generalizadamente a possibilidade de recurso a meios de prova complementares em casos nos quais a questão decidenda é semelhante. Quando o documento exibido contém alguns elementos, mas que podem ficar aquém de um modelo descritivo mais exigente, então essas falhas podem ser complementadas por outros meios de prova.

 

É certo que, por exemplo, na alínea b): Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário” o NIF existirá ou não. 

E, mesmo aqui, realce-se que, mesmo neste tipo de requisito, a decisão do TCAS, de 26-09-2024 no Processo 3/11.0BELRS foi do seguinte teor:

IV - As exigências formais que a lei impõe às faturas não podem ser entendidas como um fim em si mesmo, na medida em que a sua ratio está concatenada com as finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal.

V - Não tendo sido posta em causa a substancialidade da operação, ou seja, nunca tendo sido contestado e assumido como assente que as operações foram realizadas, pagas e declaradas tal implica que não pode ser recusado o direito ao reembolso do IVA suportado, apenas por requisitos formais, no caso concreto falta de indicação do NIF do adquirente na fatura.”

 

Se assim é para efeitos de IVA, por maioria de razão de terá de o ser para efeitos de IRC, como adiante se explanará com detalhe.

A alínea c) da citada norma “denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados” não tem uma distribuição binária, do tipo “0 ou 1”. Na verdade, podem existir “graus de explicitação” diversos. E não é isso que torna impossível a dedução do gasto em IRC (ou do IVA suportado.)

“Ação promocional” e “Cooperação comercial” cumpre, no contexto global de toda a informação que existe no processo, a designação suficiente para que saiba que a Requerente suportou descontos associados a campanhas de promoção/venda dos seus produtos (o serviço prestado, cfr. doc. 40 junto com o PPA e referido em 3.1.), previstas no contrato quadro.

A jurisprudência largamente predominante de tribunais superiores não atribui a descritivos menos desenvolvidos uma inevitável denegação do direito a deduzir um gasto, desde que se prove que as transações materialmente se realizaram. O que in casu, se dá como provado.

De mencionar que muito antes da reforma do IRC de 2014, já o TJE, para efeitos de IVA (imposto tão ou mais exigente no plano da dedutibilidade do que o IRC) afirmava taxativamente, no caso Nidera Handelscompagnie, o TJUE veio declarar, em 21 de outubro de 2010, que (negrito nosso): 

“o Tribunal de Justiça já decidiu que, no contexto do regime de autoliquidação, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdãos de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C95/07 e C96/07, Colect., p. I3457, n.° 63, e de 30 de Setembro de 2010, Uszodaépítö, C392/09, Colect., p. I0000, n.° 39). Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transacções em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito” 

E que, depois dessa reforma ter introduzido mudanças no artigo 23.º n.º 4, no caso Barlis, tenha afirmado:

“43 Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitarse ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo.”

 

Se assim é em IVA, por maioria de razão o será em IRC como a jurisprudência nacional reconhece.[2]

Veja-se, por fim, o Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 24 de Maio de 2023, Proc. nº C-690/22, tendo-se aqui afirmado o seguinte

“O artigo 178º, alínea a), o artigo 219º e o artigo 226º, ponto 6, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que: se opõem a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo facto de faturas que contêm menções como «Serviços de desenvolvimento de aplicações» não serem conformes com os requisitos formais previstos nesta última disposição.”

 

Ainda quanto aos descritivos, matéria à qual a Requerida aponta defeitos que, segundo ela, invalidam os respetivos documentos como suporte de gastos dedutíveis, e no caso concreto que aqui se analisa, o Tribunal entende que os descritivos, quando analisados à luz dos contratos, da realidade que as faturas titulam, das operações comerciais e da lógica do negócio, são suficientes, uma vez que os pares contrato-fatura sobre a temática analisada permitem concluir que o que é exigido pelo artigo 23.º, n.º 4 do CIRC se pode aferir e provar a partir dos documentos juntos aos autos, e que antes se explanou, pois que “campanha promocional”, “lojas ...”, “suíno”, contem o suficiente, ou o mínimo,  para que se conclua do que se trata, embora se possa aceitar que o descritivo poderia ser mais detalhado.

 

“Deficiência 2-“

 

Afirma a AT:

 “gastos cujo o suporte documental não apresenta características suficientes para que lhes possa ser reconhecida relevância fiscal, em face da falta de detalhe dos respetivos contornos e particularidades de destrinça

 

Quanto a este ponto vale o que já se disse relativamente o que designamos como “Deficiência 1”. Porém, deve acrescentar-se, por que se concorda com essa perspetiva, o que afirma a requerente na sua Petição.

“E, bem assim, o nível de detalhe que a AT pretende impor à Requerente e à C..., a respeito da identificação das ações comerciais mais não é do que uma impossibilidade prática. 

De facto, considerando o volume de vendas ora em causa, e a multiplicidade de ações promocionais levadas a cabo especificamente em cada superfície comercial localizada nas mais variadas localizações do país, a inclusão do detalhe de cada ação comercial nas faturas levaria a centenas (se não milhares) de linhas por cada fatura, detalhando algo como “no D... de Albufeira os produtos da A...  encontram-se por X dias no topo do corredor Y”, ou “no D... do Alto do Lumiar realizou-se uma ação comercial de pague 1 leve 2 nas bifanas da A..., entre os dias X e Y, tendo-se vendido X quantidade”, e assim por diante nas mais de mil lojas da D… 

Não só a inclusão do detalhe exemplificado nas faturas é impraticável como a necessidade de afetação de tempo de recursos humanos a tão inútil tarefa seria incomportável.

E essas formalidades ficam cumpridas pela “mera” mas plenamente suficiente indicação da descrição do bem/serviços, mesmo que essa descrição seja de apenas “Cooperação comercial”, sendo que, in casu, a emissão das faturas encontra ainda respaldo em contratos celebrados mensalmente, que indicam (i) a duração da ação, (ii) a loja, (iii) o tipo de divulgação, e (iv) o respetivo valor.”

Acrescente-se, num outro exemplo hipotético, que se admitirmos um cenário em que a empresa de comunicações proprietária da estação televisiva SIC passar uma fatura de serviços promocionais à M..., que detém as marcas..., ... e ..., caso a fatura refira, eventualmente, “Serviços de publicidade na SIC das marcas da M... durante fevereiro de 2019”, é de admitir que tal baste como requisito no plano descritivo, e que não se exija algo do género:

“- 30 segundos de publicidade da ... antes do jogo Portugal- Irlanda de 20 de fevereiro, K1 euros; 

- 2 minutos publicidade à ... antes do telejornal de 4 de fevereiro, K2 euros”

O que a AT apelida de “contornos e particularidades de destrinça” não deve ser levado a um extremo de impraticabilidade. Deve permitir aferir de que serviços se trata e se são suportados por uma relação comercial existente. O que, in casu, se dá como provado (ver análise à “Deficiência 1”).

 

“Deficiência 3-“

Afirma a AT:

para além do reconhecimento dos gastos de publicidade em resultado da faturação emitida pela C... (€2.158.137,00), foram contabilizadas a débito da conta 71841 - Desc.Com.- Rappel, faturas emitidas pela C..., constatando que os teores dos novos documentos eram muito semelhantes aos anteriores”

“O que verdadeiramente não veio a confirmar-se pela documentação remetida pela ora Requerente, por se ter constatado não se tratar de notas de crédito emitidas por aquela, mas sim de faturas emitidas pela C..., cujo descritivo “mencionam ser referente a campanhas promocionais”.

 

Sobre este tema devem referir-se alguns pontos que no entender deste Tribunal Arbitral, desfazem as dúvidas que a AT suscita.

 

Assim:

a)             No processo existem faturas e contratos, com os contornos já vistos. Da conjugação do contrato quadro com os quadros que no RIT se apresentam, tanto referentes à A... como à C..., e que mencionam as faturas, os totais são, como se refere a AT, coincidentes entre fornecedor e cliente.

b)             Existem faturas cujas quantias foram levadas a gastos com publicidade, ou seja, a débito da conta 62.221. Outras faturas, com dizeres semelhantes, estão a débito da conta 71.8. Porém, isso em nada altera a substância do gasto (todos se relacionam com campanhas promocionais no âmbito de uma relação comercial), nem o respetivo impacto no lucro tributável. 

O efeito das opções contabilísticas da requerente sobre o lucro contabilístico e tributável é neutro. No primeiro caso (uso da conta 71.8-descontos em vendas), há uma redução de rendimentos (equivalente à contabilização de um gasto) no segundo (uso da 62.2-publicidade) contabiliza-se um gasto. Em qualquer caso, há uma redução exatamente igual (contabilística e fiscal) do lucro tributável. E existem razões para se considerar provado que as faturas cumprem os requisitos formais exigidos como mínimos, como já acima se explanou. 

Acrescente-se que um eventual equívoco em registos contabilísticos, na condição de que esse equívoco não afete o resultado fiscal, não é motivo para desconsideração pura e simples do gasto que lhe subjaz. 

De salientar que um desconto do tipo rappel, na sua descrição habitual e forma de registo pela Requerente, não traduz o que usual e tecnicamente constituem as caraterísticas documentais e contratuais desse desconto. Que normalmente se baseia em quantidades e se incrementa com o aumento dessas quantidades transacionadas. Nesse plano, considera-se que a conta 71.8 é apropriada, mas não deveria ter a designação de “rappel”. Aqui a requerente deveria ter usado a subconta 71.8, mas não a designar “rappel”.

Porém, a conta 71.8 – “Descontos e abatimentos em vendas”, como é designada no SNC, não serve apenas para descontos do tipo rappel, e existem descontos comerciais (a registar também na conta 71.8) que não se esgotam na modalidade “rappel”. 

A doutrina contabilística sobre o conteúdo da conta 71.8 afirma que nela cabem vários tipos de descontos comerciais. Com efeito, António Borges e Martins Ferrão[3] afirmam que na conta 71.8 se incluem (em itálico e negrito a transcrição de trechos da obra):

 

- Descontos do tipo rappel

- Descontos promocionais, “que são descontos pontuais, com validade de uma semana, um mês”, para embaratecer um produto

- Bónus - que são “uma variedade de descontos promocionais

- Despesas de trade promotion- que são “custos suportados para ter o produto à venda em determinados pontos, como topos de gôndola, etc.”

 

Quer isto dizer que se a requerente contabilizasse na 71.8, como fez, e em vez de designar como “rappel”, seguisse uma alternativa de reconhecer todos os gastos registados (tanto na 71.8 como na 62.2) na conta 71.8 com a designação geral de “71.8- Descontos - descontos promocionais”, tal procedimento seria consistente com a natureza idêntica dos documentos de base, que seriam então todos registados na mesma conta. 

Com esta contabilização alternativa, apenas na forma de designar uma subconta (71.8) – e que em nada mudaria o impacto no resultado - ficaria sanada a deficiência que a AT aponta, pois que a idêntica natureza de documentos corresponderia idêntica subconta do SNC.

Mas não é apenas a doutrina a pugnar pelo uso da conta 71.8. As normas contabilísticas (SNC) também o afirmam. Vejamos.

“Norma Contabilística e de Relato Financeiro 20 - Rédito

 

Mensuração do rédito

 9 — O rédito deve ser mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber. 

 

10 — A quantia de rédito proveniente de uma transação é geralmente determinada por acordo entre a entidade e o comprador ou utente do ativo. É mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber tomando em consideração a quantia de quaisquer descontos comerciais e de quantidades concedidos pela entidade”.

 

Seja como for, uma ou outra opção contabilística não altera a substância do gasto e a sua natureza, e mais importante, não afeta o lucro tributável.

Mencionando-se nas faturas “campanhas promocionais”, tendo na sua posse um contrato quadro que prevê tais campanhas nas lojas da D..., tendo o contrato no qual a D...  delega as tarefas de faturação desses serviços promocionais na C... (relativa aos gastos a imputar à A...),  e perante o que se disse acima na análise da “Deficiência 1”, não se percebe como pode AT afirmar que “não sabe de que serviços se trata”.

Existem gastos imputados à A..., que resultam de campanhas promocionais nas lojas D..., cuja opção de contabilização (71.8 ou 62.2) não afeta nem o resultado contabilístico, nem o lucro tributável, e que está suportado em contatos específicos a que correspondem a faturas específicas. 

Nem se trata de vício contabilístico, mas sim, quando muito de um descritivo da subconta 71.8 que, para AT, fica aquém do que Requerida entende necessário. E da designação de uma subconta (como “rappel”) que deveria ser diversa, mas que não influenciaria o lucro tributável, nem a correta imagem da situação patrimonial da Requerente.

Nada disto deve obstar à dedução gastos, desde que a contabilização reflita, em substância, a realidade material das operações e seu impacto fiscal, o que aqui se verifica.

Acrescente-se que a jurisprudência não atribui a um possível erro contabilístico (que neste caso nem existe, apenas a indevida designação de “rappel” na subconta 71.8, a qual seria sempre usada neste caso, embora o devesse ser com outra designação, tal como “descontos em campanha promocionais”)[4] um automático impacto fiscal de denegação de efeitos.[5]

c)             Para o Tribunal Arbitral a documentação de suporte cumpre o que alínea c) do artigo 23.º, n.º 4 prevê. Os documentos que existentes (contratos e faturas) mostram-se adequados a demonstrar que a natureza dos gastos advém de um contato quadro, e de contratos específicos, negociados em circunstâncias periodicamente variáveis, que originam faturas emergentes desses contratos específicos, que cumprem o disposto no artigo 23.º, n.º 4, do CIRC.

 

“Deficiência 4-“

 

Afirma a AT:

“Não se logrando qualquer evidência que permitisse confirmar que tipo de gastos estavam subjacentes a tais faturas.” 

“a própria empresa, à semelhança do que já se havia verificado a propósito dos registos contabilísticos, não consegue identificar a natureza das operações, não justificando os valores faturados, nem relacionando objetivamente aqueles gastos com os rendimentos auferidos”

 

O que acima se afirmou na apreciação das deficiências 1 e 3 basta para aclarar esta questão e afirmar que existe evidência da natureza dos gastos.

Sobre o registos contabilísticos e justificação dos valores faturados, note-se que:

a)             O texto do artigo 23.º, n.º 4, alínea d) refere: “Valor da contraprestação, designadamente o preço”. 

Tal norma não estabelece que “tem de se conhecer como se forma o preço”.

Como a Requerente nota, seria impraticável que a fatura referisse que o a AT parece exigir. Afirma-se no PPA:

“De facto, considerando o volume de vendas ora em causa, e a multiplicidade de ações promocionais levadas a cabo especificamente em cada superfície comercial localizada nas mais variadas localizações do país, a inclusão do detalhe de cada ação comercial nas faturas levaria a centenas (se não milhares) de linhas por cada fatura, detalhando algo como “no D... de Albufeira os produtos da A... encontram-se por X dias no topo do corredor Y”, ou “no ... do Alto do Lumiar realizou-se uma ação comercial de pague 1 leve 2 nas bifanas da A..., entre os dias X e Y, tendo-se vendido X quantidade”, e assim por diante nas mais de mil lojas da D… “

Esta impraticabilidade é aliás reconhecida e validada por jurisprudência, como a seguir se mostra. No Processo 00770/16.4BEAVR- TCAN, Acórdão de 13-04-2023, afirma-se (negrito nosso):

“Acrescente-se que é comummente conhecido que a decisão de gestão sobre o grau de discriminação das referências dos ativos em inventário é frequentemente difícil, dada a relação direta existente entre o aumento do grau de detalhe da referenciação e o aumento de custos administrativos a ele associados.”

 

b)             O que existe é um preço, previamente contratado, entre agentes de ambas as partes (D.../C... e A...) que é coincidente com a faturação. O requisito mínimo de prova do art.º 23, nº 4, alínea d) está satisfeito.

Se, como a AT refere no RIT, com a descrição detalhada de certos “contornos e particularidades de destrinça” se pretende combater a fraude, deveria mostrar como o procedimento da requerente a tal poderia conduzir, dado que existe uma entidade C... que fatura um valor total de Z euros e o dá à tributação em IRC; e outra entidade independente da C...  (a A...) que deduz o mesmo o montante Z euros.  Tudo isto confirmado e controlado pela AT e expresso no RIT. Onde estaria, no caso concreto, a possibilidade de fraude (ou de evasão) que a AT aventa, é algo que se não alcança. 

Se os contratos que suportam cada fatura contêm o preço a faturar;  e a fatura, em si  mesma, evidencia um preço que coincide com o do contrato específico que lhe está associado, não bastam  AT para considere satisfeito o requisito do art.º 23º, nº 4 al. d) que estabelece que o documento conterá o “Valor da contraprestação, designadamente o preço”, não se sabe que “contornos de destrinça” seriam necessários em cada documento que analisou. 

Porventura descritivos mais completos e desenvolvidos, mas como já antes se mostrou a jurisprudência não o exige, e o que existe nos documentos permite identificar as operações.

 

Existem graus de liberdade nos descritivos, não existindo regras legais taxativas. “Denominação usual” é uma expressão que permite alguma margem de flexibilidade, como já antes se evidenciou. 

Não aceitar como suficiente o descritivo que consta nas faturas do caso em apreço, perante o contato quadro, os contratos específicos e as faturas, é levar o objetivo de maximização do rédito fiscal a limites não razoáveis.

 

“Deficiência 5-“

Afirma a AT:

Vem referir o aludido contrato n.º... , que “[…] a fatura deverá mencionar o preço de custo unitário, o número de unidades fornecidas em cada caixa faturada, quando a unidade faturada for a caixa, todos os descontos e pagamentos acordados pelas contraentes, caso existam, resultantes do contrato bem como de outros acordos ou documentos complementares;” (alínea (d) do §6.3. do contrato).

As faturas controvertidas resultam de gastos promocionais, que resultam da imputação à A... de encargos com campanhas relacionadas com os produtos que vende ao D... .  A deficiência que se parece descortinar deste trecho do RIT, face às transações em causa, refere-se ao que as faturas de artigos da A... para a D.../via C...(que são a base dos rendimentos registados pela A...) devem conter. Isso não está diretamente em causa no processo, e se, porventura estivesse, a AT não dá tais faturas como prova nos autos, inviabilizando uma qualquer comprovação (que neste específico ponto se julga irrelevante, por ser assunto não integrante da causa) por parte deste tribunal.

Pode, todavia, aventar-se que a AT imputa a esta deficiência o facto de fatura da A... à D.../C... não conter os descontos (que foram debitados na conta 71.8.) Já acima aludimos a isso (ver deficiência 3).

Porém, face ao que se menciona no contrato quadro, onde a possibilidade de existirem tais descontos, como se expressa na seguinte cláusula:

 

 

Mostra que a origem dos descontos não tem forçosamente que emergir das faturas que a AT aqui refere.

O espírito das restantes cláusulas do contrato quadro, supracitadas, é o mesmo. Conclui-se a partir do “Contrato quadro” que os descontos tanto poderiam constar de faturas, como de negociação específica que leve a acordos adicionais (extra-fatura) que depois se traduzam nos contratos específicos que servem de base à faturação. Estes conduzem, assim, a faturas posteriores da D.../C... à A..., uma vez que esse tipo de descontos se não encontram apurados e calculados na faturação prévia da A... à sua cliente.

Além disso, este desenho contratual das operações passíveis de originar descontos pode explicar por que no mesmo período se encontrem faturas diferentes, com valores diferentes. Este é um outro problema que a AT suscita. 

Se estivermos em presença de promoções diversas, em diferentes semanas do mês, com produtos específicos diferenciados, não surpreende que existam negociações concretas ou casuísticas, que conduzam a descontos extra-fatura referentes ao caso específico, dentro do mesmo mês do ano e que implicam um “par contrato -fatura” da C... para a A.. .

Concretizando, é inteiramente possível[6], face aos tipos, valores e datas das operações que constam dos autos e no RIT, que num certo mês a requerente fature à D.../C... uma hipotética quantia de 4 milhões de euros de produtos derivados de suínos. 

É ainda provável que na semana 1 desse mês exista uma promoção de certa parte do suíno (e.g., lombo) no qual a D... baixou os preços de venda ao público em certa percentagem e faz repercutir, após negociação pontual entre responsáveis, x% de desconto sobre a A..., via faturação da C... . É assinado um contrato específico e enviada a fatura especifica no valor, hipotético mas realista, face ao que se conhece, de 150.000 euros de descontos, que, naturalmente, têm a natureza de descontos “extra fatura” original da A... (que se assumiu de 4 milhões de euros) e não assume a natureza de “rappel”. 

Na semana 3 do mesmo mês, pode existir uma outra promoção (e.g., de entrecosto), e com base em idêntico raciocínio, e novamente com base em descontos negociados extra fatura, há novo contacto e fatura da C... à A... de 100.000 euros.  

Ou seja, a A... acolhe os efeitos, nas faturas de descontos que lhe são remetidas, de negociação feita ao abrigo contrato quadro, que gera contratos específicos ou casuísticos e a respetiva faturação, caso a caso. 

Os documentos que constam nos autos, complementados com o que a Requerente descreve como traços dos negócios no Direito de Audição e no PPA, permite que assim se possa concluir, ou, pelo menos, formar uma forte convicção sobre a periodicidade das faturas, clarificando a dúvida da AT.

 

“Deficiência 6-“

 

Afirma a AT:

“Aqui chegados, estamos em vista de faturas que documentam gastos reconhecidos em resultados e, consequentemente, contribuíram para o resultado tributável, que remetem para “contratos” que para além de desrespeitarem o formalismo exigido – no sentido de comprometer as partes envolvidas e poder-se relacionar diretamente com as faturas emitidas –, não identificam devidamente a Requerente”.

Vale a pena respigar do PPA as seguintes passagens, que se julgam clarificadoras, se é que tal ainda seja necessário, sobre a identificação da Requerente:

“Sucede, porém, que a referência à entidade “B...” é facilmente justificável: a Requerente, ora denominada A.,.., detinha, até março de 2017, a firma B... S.A., conforme print da informação societária constante do portal do Ministério da Justiça, de que se junta cópia como Doc. n.º 54.”

E, com efeito, esse documento 54 comprova essa alteração.

“É tão somente uma alteração de denominação social, devidamente registada com as entidades competentes (incluindo a AT, refira-se!), como resulta claro do facto de a Requerente ter naturalmente mantido o mesmo NIF.

Mais a mais, saliente-se que, no procedimento cautelar de arresto movido contra a ora Requerente, a própria AT, aquando da apresentação da respetiva Petição Inicial (cujo comprovativo de submissão se junta como Doc. n.º 55) identificou a ora Requerente precisamente como “B..., S.A.”. 

Esse documento 55 prova o que se alega.

É até a própria AT que, no final do RIT, como já se disse neste texto, escreve:

 

D...

A...

B...

 

 

Ademais, o NIF que a AT, no RIT, usa para designar a A... (...) é precisamente o mesmo que consta das faturas que se analisaram na “Deficiência 1-“. E também o mesmo NIF que no contrato quadro se atribui a B.... Em suma, a entidade fiscal não se alterou, apenas a designação societária. 

Veja-se ainda o anexo 3 ao Direito de audição, junto aos autos, que constitui também evidência documental sobre este assunto.

Perante tudo isto, afirmar, como a AT o faz, que a Requerente não é devidamente identificada não se pode aceitar.

 

“Deficiência 7-“

Afirma a AT:

“Também a aqui Requerente não esclarece a natureza dos referidos gastos, referindo apenas como descritivo: “TOPOS” (reconhecidos na rubrica #62221 gastos com publicidade), “Linea -Linear” e “CPROM- Cooperação Comercial” (reconhecidos na rubrica #71841 “descontos comercial Rappel), desrespeitando os requisitos exigidos no disposto nos n.ºs 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC.”

 

Para iniciar, cita-se uma passagem do RIT na qual a Inspeção Tributária afirma:

“O que verdadeiramente não veio a confirmar-se pela documentação remetida pela ora Requerente, por se ter constatado não se tratar de notas de crédito emitidas por aquela, mas sim de faturas emitidas pela C..., cujo descritivo “mencionam ser referente a campanhas promocionais”. 

A Requerente esclareceu de forma clara, no entender do Tribunal, a natureza dos gastos perante a solicitação da Requerida.

Já antes se concluiu que são gastos derivados de campanhas promocionais, geradoras de descontos que a requerente suporta para poder vender os seus produtos em campanhas específicas nas Lojas D....

Cuja origem pode ser diversa, diferentemente negociada e faturada, face ao que se dispõe no contrato quadro (ver, supra, diversas alíneas desse contrato citadas supra, em análise de várias deficiências).

Quando, na gíria comum dos negócios e da vida dos consumidores, ocorrem nas grandes superfícies comerciais eventos como “Feiras de Queijo”, Feiras de Vinho”, “Semana do bacalhau”, “Mês do Arroz”, etc., essas grandes superfícies cobram certas importâncias às entidades fornecedoras para que estas estejam presentes nesses eventos. A forma como negoceiam e faturam tais montantes não tem de seguir o mesmo padrão. 

A simples exposição de produtos de um certo fornecedor, em detrimento de outros fornecedores concorrentes, tem geralmente associado um custo para o fornecedor selecionado, fruto de negociação na qual a grande superfície tem um poder de determinar condições que o fornecedor não tem por ser, em regra, de muito menor dimensão e poder financeiro, tal como se explica, com fundamento que julgo correto, na Petição.

In casu, a A... regista rendimentos totais da ordem das dezenas de milhões de euros anuais, a E... obtém rendimentos da ordem de milhares de milhões de euros. Não se vê a A... a impor condições procedimentais ou administrativas à E.../D... . Nem como poderia a A... determinar o lay out das faturas da D... .

As grandes superfícies podem, e têm forte capacidade para o fazer, determinar que num desses eventos antes exemplificados, o fornecedor efetue descontos, para que na campanha promocional de queijos, bacalhau, arroz, etc., o preço final de venda ao consumidor seja mais baixo, e por isso mais atrativo.

Como refere Cátia Sousa, em trabalho de investigação, “As promoções-retalhista são ações dos retalhistas, embora possam ser financiadas, direta ou indiretamente, pelos fornecedores, de forma a atingir o consumidor final”.[7]

A exposição privilegiada de produtos e as reduções de preço tem o potencial de incrementar o negócio do fornecedor, o qual efetua uma análise custo (quantia a suportar com a ação promocional) com o benefício potencial (incremento esperado de vendas). Isto está, a nosso ver, bem explicado na Petição da requerente. 

 

Quanto aos “Topos”, vejamos seguinte par-contato fatura:

 

 

 

A...

C...

 

 

 

D...

 

 

 

 

 

B...

 

C...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A...

 

 

 

 

 

 

 

 

C...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A fatura refere expressamente: “Divulgação-Topos”, “...” “Artigo- suíno”.

No direito de audição, a requerente detalha deste modo o que são e para que servem os “topos”:

 

 

O resultado de uma simples pesquisa on line[8] permite esclarecer que:

Os topos de gondolas são elementos dinamizadores da placa de venda.  A elaboração de uma placa de venda passa pela definição de um layout e forçosamente pela definição do melhor circuito de deslocação dos clientes para dinamizar a totalidade do espaço de venda. 

Os topos de gôndolas, elementos técnicos situados nas extremidades das gôndolas, reforçam a atratividade das diferentes zonas da loja e dos corredores que a compõem. “

Ademais, veja-se o seguinte documento, provindo da cliente D.../E..., em anexo 10 ao direito de audição:

 

A...

 

A...

 

 

E...

 

 

 

Perante o que já se disse, faz inteiro sentido o que a Petição menciona, quando oferece informação que permite apreender alguns dizeres que AT coloca em causa. 

Vejamos:

“Sendo mais provável que tais produtos se encontrem em localizações de destaque nos supermercados – nos frigoríficos “dos topos”dos corredores, por exemplo – em alturas de maior calor ou quando ocorrem festas populares.

E, evidentemente, a exposição em lugares de destaque de determinados produtos – em detrimento de outros – tem um custo associado, que é em parte imputado aos fornecedores como a A..., que veem o benefício de os seus produtos terem um aumento de vendas junto dos consumidores, e, consequentemente, obtêm mais encomendas por parte da superfície comercial.” 

De sublinhar, ainda, como se disse na anterior análise à “deficiência 3” a doutrina contabilística sobre o conteúdo da conta 71.8 afirma que nela cabem vários tipos de descontos comerciais. António Borges e Martins Ferrão (antes citados) afirmam que na conta 71.8 se incluem:

 

- Descontos do tipo rappel

- Descontos promocionais, “que são descontos pontuais, com validade de uma semana, um mês”, para embaratecer um produto

- Bónus - que são “uma variedade de descontos promocionais

- Despesas de trade promotion- que são “custos suportados para ter o produto à venda em determinados pontos, como topos de gôndola, etc.”

 

Significa isto que, na terminologia contabilística, gastos com a exposição de produtos em “topos”, nas superfícies comerciais, é um fenómeno reconhecido, usual e com uma denominação técnica precisa, que a AT não pode desconhecer pela função inspetiva e pelo conhecimento contabilístico que tal impõe. 

A Requerida parece entender que “topos” é algo de abstruso, que em nada permite descortinar o tipo de realidade, ou de natureza económica do gasto, que está subjacente a esta designação. Porém, isso não só ignora os esclarecimentos que a Requerente lhe prestou, como não procurou ela própria esclarecimentos adicionais, facilmente disponíveis numa consulta às características do comércio das grandes superfícies e à doutrina contabilística. 

Ora como decidiu o Tribunal de Justiça Europeu, no caso Barlis, cujo sentido decisório é aqui aplicável:

“Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos. A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitarse ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo.”

Com efeito, a realidade económica das transações empresariais, na vertente em que os documentos de suporte aos registos contabilísticos são peças importantes para a dedução dos gastos em sede do IRC, não permite que se possa afirmar que os elementos de uma fatura - designadamente a “denominação usual dos bens ou serviços” - estejam, ou não estejam, sempre e absolutamente, provados por documento. Em primeiro lugar, porque há gradações nesses descritivos, com conteúdos informativos diversos, que não se prestam uma análise de “sim ou não”, como já antes se demonstrou.

Em segundo lugar, existe jurisprudência consolidada sobre este tema.

A jurisprudência vai mais longe, afirmando, como já se viu, que estando provada a materialidade das operações, mesmo a falta de alguns itens previstos no artigo 23.º, n.º 4 não obsta a dedução do gasto.

Por fim, refira-se que mesmo sustentando que a descrição “topos” poderá configurar um descritivo com um certo grau de insuficiência formal, o certo é que a realidade material foi explicada à Requerida e consta dos autos. Tal realidade é totalmente compatível com a natureza do facto económico (exposição de produtos em topos de gondola) e com as condições contratuais subjacentes às faturas (vide contrato quadro). O próprio descritivo da fatura: “Topos –...- suíno”, tem dizeres suficientes mínimos que, enquadrados no contexto do que a Requerente deu a conhecer do negócio, permite concluir do que se trata.

Mais se diga que a jurisprudência que afirma esta linha interpretativa tanto a acolhe para os casos anteriores à reforma de 2014, como aos posteriores. Veja-se o Acórdão Tribunal Central Administrativo do Sul, relativo ao processo n.º 892/20.7BELRA, de 4/4/2024, já antes citado e onde se expressa:

“A redação aplicável aos autos é a que resulta da grande reforma de que foi objeto o CIRC, operada pela Lei nº 2/2014, de 16 de janeiro.

Tal com já decorria da anterior redação do art. 23º, foi sempre exigível que os gastos fiscalmente dedutíveis teriam de ser documentalmente comprovados.

Sempre foi entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que essa prova poderia ser efetuada por documento que, ainda que dotado de algumas insuficiências, poderia ser complementado por outros meios de prova, quer documental, quer testemunhal.”

 

Como se afirma no acórdão supra mencionado “se, para efeitos de IVA (imposto em cuja disciplina, por força das suas próprias caraterísticas, há uma importância muito mais proeminente do papel do cumprimento dos requisitos exigidos às faturas), o entendimento é no sentido de, em respeito pelo princípio da neutralidade, se admitir a dedução, quando, designadamente através de meios complementares de prova documental, são demonstradas as exigências substantivas da operação, consideramos que, por maioria de razão e em respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real, semelhante raciocínio tem de ser aplicável em sede de IRC”.

 

Ou seja, a densificação do conteúdo dos documentos de prova dos gastos operada pela reforma do IRC de 2014 não implica que se passe a exigir uma observância milimétrica, ou absoluta e incontornável, de tais dizeres. 

Bem antes da reforma de 2014, e constando, desde 1986, no artigo 36.º do CIVA, os dizeres que a dita reforma introduziu no artigo 23.º, n.º 4 do CIRC, já o TJUE se referia à prevalência dos requisitos substanciais sobre os formais da dedução do IVA. Além disso, a literalidade não é, como bem se sabe, o único critério de aplicação da lei. In casu, a justiça material, a tributação lucro real e a comprovada substância das operações, são elementos que, em nosso entender, se elevam acima da alegada incompletude de descritivos de faturas, porque o mínimo essencial que a lei exige consta dessas faturas e poderia ainda ter sido eventualmente clarificado por meios complementares.

 

Deficiência 8-

Afirma A AT:

 

Em vista disto, é legitimo perguntar: 

• De que gastos publicitários estamos a tratar? 

• Estamos a falar de cartazes que aludem ao produto carne de suíno ou à exposição da carne no topo dos expositores? 

• Em que loja? 

• A publicidade do produto só ocorre no final do ano?”

 

Quanto à primeira questão, trata-se de gastos derivados de campanhas promocionais, que a D... imputa à Requerente, sendo faturada via C..., como já se explanou e está provado por documento junto aos autos. A Requerente incorre em tais gastos tendo em vista um esperado ou potencial incremento da respetiva atividade. Tudo isto está documentado com contratos e faturas. A questão da contabilização desses gastos já foi escalpelizada.

No contexto do Contrato-quadro, na sua cláusula 6.1, entre outras, determina-se que “os preços e demais condições comerciais aplicáveis aos Produtos fornecidos ao abrigo do presente Contratos são os mencionados no Anexo I, (…) sem prejuízo de outros acordos, designadamente promocionais ou de parceria comercial, que venham a ser celebrados entre as Contraentes

A simples leitura da cláusula 1 (já antes reproduzida) do contrato entre a D...e a C... (documento 40), na qual a D... e a C... acordam que a C... aja em nome da D..., bem como os respetivos considerandos (também já reproduzidos) mostram que os gastos publicitários e promocionais traduzem custos que a D... imputa aos fornecedores no contexto de campanhas promocionais de produtos que estes lhe fornecem, mas que é a C... a entidade que intermedeia esta relação. 

Pelo exposto, não se vislumbra como pode a AT questionar-se de que gasto se trata, como faz no RIT, quando afirma, face ao objeto social da C..., que tipo de serviço esta lhe poderia ter prestado. Quem presta o serviço de promoção comercial é a D... . A C... é a intermediária de uma relação de faturação, por delegação contratual da D... provada nos autos.

A segunda questão (das quatro acima citadas) é irrelevante para a dedutibilidade de tais gastos. Nenhuma norma fiscal exige tal detalhe. À terceira questão respondem as faturas: foram promoções, (e.g., campanhas de baixa de preços), em lojas da D... .

À terceira questão respondem as faturas: foram promoções em lojas da D... .

A última questão é irrelevante. Quando ocorre a publicidade e se na verdade existe alguma correlação estatística, quantificada ou quantificável, entre a publicidade e um forçoso aumento de vendas nada tem que ver com a aplicação e interpretação doutrinal e jurisprudencial do artigo 23.º do CIRC.

 

“Deficiência 9-“

Afirma a AT:

“não é de todo possível afirmar, diante dos elementos oferecidos pela Requerente em sede de procedimento inspetivo: 

- quais as prestações de serviço efetivamente prestadas, isto é, como e onde foram prestadas;

- como foram calculados os valores cobrados a título de descontos comerciais-rappel e qual a sua relação com vendas efetuadas; 

- que a Requerente incorreu naqueles gastos na prossecução da sua atividade, ou seja, se os gastos estão ou não relacionados com a atividade da Requerente, se foram incorridos tendo em vista o interesse societário da empresa e não no interesse de terceiros (administradores das empresas envolvidas, …), isto é, se são passíveis de serem considerados essenciais para a Requerente vir a “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, e como tal, avaliar a sua dedutibilidade fiscal nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.”

 

A primeira das questões acima citadas está inteiramente tratada anteriormente.

Quanto á segunda, veja-se o que se disse aquando da análise á deficiência 3:

“Porém, a conta 71.8 não serve apenas para desconto do tipo rappel, e existem descontos comerciais que não se esgotam na modalidade “rappel”. 

A doutrina contabilística sobre o conteúdo da conta 71.8 afirma que nela cabem vários tipos de descontos comerciais.”

Para mais, a descrição ou a comprovação da negociação subjacente ao preço, e como este se forma, não é exigida pela lei. Caso se tratasse de averiguação de preços de plena concorrência comparativamente a preços praticados entre entidades relacionadas, aí sim, poderia fazer sentido a exigência da Requerida, face ao disposto no artigo 63.º do CIRC. Todavia, entre entidades independentes, o artigo 23.º, n.º 4, não constitui norma que determine essa exigência adicional de detalhe descritivo. Saber se o preço que consta nas faturas da C... à A... resulta de descontos de 5%, 10% ou 15% não é preceituado pela lei fiscal, nem pelas circunstâncias jurídico -económicas, e seu relevo tributário, das transações aqui em apreço. 

A modalidade “rappel” não traduz o tipo de desconto comercial que aqui se trata. Mas, como antes se mostrou, não é isso que num plano contabilístico -fiscal deve obstar à dedução dos gastos.

E mesmo que se tratasse de um típico desconto rappel, a ligação ás faturas e vendas que a AT suscita, tem no Ofício Circulado da AT, nº 30141/2013, o seguinte tratamento:

 

Mesmo que se tratasse de um típico rappel, o período temporal estaria indicado nas faturas aqui em causa, o valor tributável também o estaria e o imposto surge igualmente apurado. Trata-se, assim, de uma questão suscitada pela Requerida cuja doutrina administrativa que a mesma emitiu, conjugada com os dizeres das faturas, respondem facilmente.

 

Sobre a última questão da AT antes citada, chegados a este ponto não se vislumbra como tal dúvida pode subsistir. Com efeito, a requerente apresentou à AT:

i                Todas as faturas que titularam as operações desconsideradas pela AT, emitidas pela C...; 

ii               Todos os contratos (contrato-quadro e contatos específicos) subjacentes a essas faturas; 

iii              O acordo geral de fornecimento celebrado com a C..., junto como Doc. n.º 1 ao Direito de Audição Prévia; e 

iv              Uma explicação detalhada da natureza das relações comerciais e as vendas de bens e serviços prestados entre a Requerente e a C..., constante das páginas 3 a 5 do Direito de Audição Prévia. 

v               O documento 40 suprarreferido, onde consta a relação de representação entre D... e C..., bem como a sua tradução na relação operacional e administrativa da C... com fornecedores como a A... .

E a AT fez controlo cruzado com a C..., como a seguir se verá com mais detalhe, e pode confirmar operações e valores.

Acresce que, como antes se mostrou, no RIT e nas conclusões do direito de audição, AT reconhece a existência de uma relação comercial traduzida no fornecimento de produtos, que o contato quadro detalha e as condições dos negócios em causa.

Em face do que se disse sobre as ditas deficiências, denegar a aceitação de tais gastos com campanhas promocionais, de produtos de carne (atividade que no RIT se atribui à requerente, pela análise da CAE), realizadas em locais que são concretizados, em períodos temporais especificados, com preços explicitados,  é absolutamente incompreensível que a AT refira que tem dúvidas “se os gastos estão ou não relacionados com a atividade da Requerente, se foram incorridos tendo em vista o interesse societário da empresa e não no interesse de terceiros”.

Acolher a denegação da dedutibilidade dos gastos em causa, perante tudo o que fica provado quanto aos requisitos materiais e formais das operações, conduziria a tributar um lucro que a requerente não obteve, com desprezo da verdade material provada.

 

3.3.4 Uma última nota sobre a efetividade das operações 

A AT apresenta, no RIT, os dois quadros que se seguem sobre as operações espelhadas na A... e, por outro lado, na C... . Para daí concluir que o controlo cruzado com a C... “só acrescentou desinformação”.

Vejamos o primeiro quadro, onde a AT resume o que supomos serem os elementos de que dispõe.

Quadro 1- Informação remetida pela A..., segundo alega a AT

 

 

 

 

 

 

Quadro 2- Informação remetida pela C..., segundo alega a AT

 

 

 

 

 

C

 

A AT, perante a leitura e análise deste quadro nº 2, conclui que:

 

C

 

 

Ainda assim, e com o simples fito de se analisar a conclusão da AT, vejamos o “Par fatura n.º 157 e contato nº 12891410/00”, no valor de 125.000 euros, junto pela requerente (ver análise da “deficiência 1”, supra).

No quando 1 consta:

 

 

 

 

 

 

 

 

Do quadro 2, consta, por sua vez:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não só a análise global e detalhada dos quadros mostra a coincidência das operações, em termos de valores, contratos, descritivos, períodos temporais, como as supostas deficiências que a AT encontra no quadro 2 não têm os efeitos que lhe assaca, como a seguir se verá.

Com efeito, a primeira (de duas) deficiência concreta que a Requerida aponta no RIT a estes dois quadros, é ela própria que a desfaz, anulando uma correção de 500.740,72 euros, com base nas Notas de crédito constantes do quadro 2- referente à C... .

A segunda crítica que AT aponta refere-se ao facto de existem contratos com valores diversos, mas com a mesma evidencia temporal, o que AT afirma que não entende. 

Ora, na análise da “deficiência 5” já se abordou e explicou tal questão (que tem fundamento no contrato quadro e no modus operandum das champanhas promocionais da D...).

Acresce que a Requerida tem ainda, no e-fatura, maneira de clarificar as dúvidas que menciona. E afigura-se que se na C... existe hipoteticamente diferença entre “nº de fatura “e “referência” tal só pode dever-se ao efeito de software diferenciado, em programas de faturação e de reporte, como a Requerente menciona no direito de audição. 

A Requerida procura colocar em causa a realidade material de operações, que, alem de fundadas em contatos e faturas, foram alvo de controlo cruzado e produziram os dois quadros que AT reproduziu no RIT. Não se vislumbra como é possível concluir como a AT conclui. Se alguma coisa tais quadros provam é uma coincidência quantitativa e qualitativa da realidade e das transações económicas que existem entre cliente (C.../D...) e fornecedor (A... ).  

Os comentários que a AT efetua no RIT são desprovidos de fundamento, e não conduzem à conclusão que acima se citou do RIT.

 

Por fim, a AT refere que:

“O que em jeito de conclusão se retira que a própria empresa, à semelhança do que já se havia verificado a propósito dos registos contabilísticos, não consegue identificar a natureza das operações, não justificando os valores faturados, nem relacionando objetivamente aqueles gastos com os rendimentos auferidos”.

 

Vejamos, também em jeito de conclusão:

·               a própria empresa não consegue identificar a natureza das operações.

Está demonstrado que se trata de gastos (descontos facultados ao cliente) com campanhas promocionais no contexto de uma relação comercial contratualizada.

·               não justificando os valores faturados

Os valores faturados derivam de descontos efetuados, com natureza distinta ou casuística. Os valores constam de faturas e contratos.  Caso se esteja no contexto do artigo 23.º do CIRC a AT não tem de exigir conhecer o mecanismo de formação do preço (desconto). O reconhecimento contabilístico (que não foi a escolha adequada, mas é fiscalmente inócuo) na conta 71.8 a que se atribuiu a designação de “rappel”, não determina que a AT tenha de obter um qualquer algoritmo de apuramento de valores que não derivam do mecanismo usual ou clássico do rappel e sim de negociação casuística. Mesmo a conta 71.8 está bem utilizada, apenas se poderá considerar pouco adequada a designação de “rappel”.

·               à semelhança do que já se havia verificado a propósito dos registos contabilísticos

Está esta questão amplamente dilucidada na análise á “deficiência 3”. 

O registo que a A... efetuou, se bem que possa ter lapsos formais, não altera a verdade material das operações e seu impacto fiscal.

·               nem relacionando objetivamente aqueles gastos com os rendimentos auferidos”.

É a asserção mais incompreensível da AT, perante a relação comercial entre A... e C... (via C...) que decorre do contrato quadro, dos contratos específicos, das faturas e seus elementos constitutivos, e do controlo cruzado que a AT fez com os dados da C... . E mostra que a Requerente, para vender os seus produtos nas superfícies da D... , tem de suportar os gastos aqui em causa.

 

B. B. As correções em matéria de IVA

 

II-           Sobre e dedutibilidade do IVA suportado nas faturas

4. A posição da Requerida

Do RIT extrai-se que a AT sustenta que (subl. daAT): 

“Das conclusões acima resumidas apenas se pode retirar que o SP não demonstrou de forma clara e inequívoca que as faturas subjacentes às correções propostas em sede de IRC e IVA respeitam, por um lado o disposto na alínea c) do n. 1 do artigo 23-A, conjugada com n.ºs  3 e 4 do artigo 23º, ambos do CIRC, ficando comprometida a demonstração do cumprimento do artº 23º, nº 1 também do CIRC, e por outro lado o disposto na alínea b) do nº 5 do art.º 36º do CIVA, o que por força do nº 6 conjugado com o nº 2, ambos do artº 19º daquele mesmo diploma legal é impedimento à dedução do IVA ali incluído.

As exigências relativas à emissão de faturas, elencadas no n. 5 do artigo 36.º do CIVA, visam evitar a fuga e evasão fiscais e daí terem sido estabelecidos, de uma forma pormenorizada, vários requisitos que devem na integra ser respeitados aquando do preenchimento das faturas sob pena de não ser possível a dedução do IVA nelas liquidado.”

 

Para fundamentar a sua posição a Requerida cita os seguintes acórdãos:

A) Em igual sentido já foi decidido em diferentes processos pelo Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA, Sul) e pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) conforme transcrições parciais dos acórdãos a seguir descritos:

- «Ora a forma legal, já se viu, é a do artigo 35. º n.º 5 (...). A "forma legal" é a que satisfaça todas as imposições da norma legal que as indica. § Assim sendo a fatura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 35.º n.º 5 do CIVA não está passada "em forma legal" e, consequentemente, não permite deduzir o respetivo imposto.» (in Ac. TCASul, Processo 187/ 04 de 09-01-2007)

B) "Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) só confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado o imposto mencionado em faturas e documentos que observem a forma legal.

A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos faturas tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as faturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade "ad substanciam", insuscetível de substituição por um qualquer outro meio de prova. As faturas em causa, nos termos em que se apresentam, não revelam a quantificação/extensão das prestações de serviços, o que, pelas razões explicadas no acórdão, compromete definitivamente a possibilidade de a Administração Tributária controlar a base tributável e o apuramento do imposto.

No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado faturado as faturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo que haja duplicação de faturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido." (in Ac. TCANorte, Processo 01645/09.9 de 15-04-2021).

 

5. A posição da Requerente

Por seu lado, a Requerente cita, no PPA:

No caso Nidera Handelscompagnie, o TJUE veio declarar, em 21 de outubro de 2010, que (negrito nosso): 

“o Tribunal de Justiça já decidiu que, no contexto do regime de autoliquidação, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdãos de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C95/07 e C96/07, Colect., p. I3457, n.° 63, e de 30 de Setembro de 2010, Uszodaépítö, C392/09, Colect., p. I0000, n.° 39). Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transacções em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito” 

A linha jurisprudencial consolidada do TJUE, antes referida, é seguida, entre muitos outros, no caso Barlis. Nessa decisão, o TJUE concluiu que (negrito nosso): 

43 Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitarse ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.”

 

Veja-se ainda a jurisprudência constante do caso Salomie e Oltean, no qual se concluiu que:

“sancionar o não cumprimento das obrigações contabilísticas e declarativas do sujeito passivo com a negação do direito de dedução vai claramente além do que é necessário para atingir o objetivo de assegurar a correta aplicação destas obrigações, tanto mais que o direito da União não impede os Estados‑Membros de aplicarem, sendo caso disso, multas ou sanções pecuniárias proporcionadas à gravidade da infração.

Atente-se, ainda, que no “Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 24 de Maio de 2023, Proc. nº C-690/22, esta posição do TJUE foi confirmada, tendo-se aqui afirmado o seguinte: “O artigo 178º, alínea a), o artigo 219º e o artigo 226º, ponto 6, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que: se opõem a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo facto de faturas que contêm menções como «Serviços de desenvolvimento de aplicações» não serem conformes com os requisitos formais previstos nesta última disposição”.[9]

“A jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo, no seu recente acórdão de 12/13/2023, tirado no proc.º 02922/12.7BELRS, inverteu a sua posição, face à jurisprudência até aqui dominante, coadunando-se com o defendido pelo TJUE, tendo deixado sumariado o seguinte:

 “I - É jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certos requisitos formais, sendo que a posse de uma factura com as menções previstas no artigo 226º da Directiva IVA constitui um requisito formal e não um requisito material do direito à dedução do IVA.

II - Assim, não poderá ser recusado o direito à dedução do IVA pelo simples facto de uma factura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, ponto 6, da Directiva IVA, se existirem dados suficientes para verificar se os requisitos materiais relativos a esse direito estão preenchidos, pois que a aplicação estrita do requisito formal de apresentar facturas colidiria com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade, uma vez que teria por efeito impedir de maneira desproporcionada o sujeito passivo de beneficiar da neutralidade fiscal relativa às suas operações, sendo que, naturalmente, cabe ao sujeito passivo que pede a dedução do IVA provar que preenche os requisitos para dela beneficiar”.[10]

Neste contexto, sublinhem-se as conclusões do acórdão arbitral proferido no processo n.º 531/2018-T, datado de 5 de setembro de 2019:

“A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo Sérgio Vasques, «[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem de liberdade que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado» – cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345 (excerto de p. 341). 

(…)

Se é assim para efeitos de IVA, imposto em que a fatura é fundamental, pois é nela que se procede à liquidação do imposto, à repercussão (jurídica) ao destinatário, e é a base do exercício do direito à dedução (“um cheque sobre o Tesouro”), sendo o método subtrativo indireto do IVA denominado de “método da fatura”, por maioria de razão o há de ser em IRC.”

 

6. Análise

No caso aqui em apreço a materialidade, ou substancialidade, das operações está assente num contrato-quadro, em contratos específicos e, acima de tudo, em faturas relativas a gastos promocionais que a A... incorreu com o objetivo de incrementar rendimentos por via da venda de carne nas lojas da D... . 

Trata-se, como se mostrou, de transações efetuadas no interesse económico da requerente. O que decorre, acrescente-se, do controlo efetuado na C... . Os descritivos que a AT põe em causa são suficientes para que se perceba o tipo de operações a que se referem.

A jurisprudência do TJUE não deixa margem para dúvidas que, em tais circunstâncias, negar a dedução do IVA viola as regras básicas do imposto e a sua finalidade económico-empresarial.

Como se refere no Processo nº 51/2024-T, apreciado no CAAD:

1.              E com respaldo na jurisprudência do TJUE (acima sobejamente identificada e até em parte transcrita), entende o Tribunal Arbitral Singular que garantido que esteja que, ainda assim, está na disponibilidade da AT controlar os requisitos de ordem material para o exercício do direito à dedução e desde que verificados esses requisitos materiais, não pode a AT eleger como consequência decorrente da falta de cumprimento de algum ou de alguns dos requisitos formais previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, a desconsideração liminar do direito à dedução do IVA inscrito nos respectivos documentos de facturação.

2.              “Os requisitos materiais previstos nos art.ºs 19.º e 20.º do CIVA, i.e., a efectividade das operações aqui em causa e até a sua conexão directa e imediata com a actividade exercida pela Requerente…”

 

Por que, no IVA, a comprovação destes requisitos materiais ou substanciais deve conduzir à dedução do IVA suportado, a AT procura insistentemente sugerir, no RIT, essa falta de requisitos substanciais. 

Não só se julga que falha tal objetivo, perante a prova documental que existe no PA e nos autos, como vai ao ponto de mencionar que a requerente “adensou a desinformação” relativa ao Processo. 

Também em matéria de IVA, na linha jurisprudencial acima assinalada, haverá que concluir que, no caso concreto da Requerente: 

i) Os serviços e os bens que os documentos titulam foram prestados/adquiridos; e 

ii) Encontram-se relacionados com a atividade comercial da Requerente. 

 

A AT efetua uma análise puramente formal do IVA, a qual sofre de dois sérios defeitos: por um lado, não está correta na lógica económica do imposto; e, por outro, cita jurisprudência que - à luz dos casos decididos pelo TJUE - não é sustentável para ancorar a posição da AT sobre a dedutibilidade do IVA por falta de formalismos documentais.

Concretizando, nas atividades que configurem a prestação de serviços deve seguir-se a regra que impõe a neutralidade económica do imposto (elemento central na aplicação do IVA, conforme jurisprudência constante do TJUE, de que é exemplo o acórdão de 7 de setembro de 1999, no Processo C-216) liquidando-o ao consumidor e deduzindo na entidade prestadora o imposto que suportou.

O IVA é um imposto sobre o consumo e só em casos excecionais (de evasão, fraude, ou de previsão legal expressa, como no artigo 9.º do CIVA) deve onerar operadores económicos intermédios numa cadeia de produção/venda. 

In casu, perante aquilo que o TJUE tem repetidamente afirmado, não faz sentido que os documentos que servem, e a AT dá como bons para liquidar (ou reduzir a dedução inicial total das faturas da A...) na C..., não sirvam para deduzir na A... . 

O desígnio do direito à dedução que, na formulação tantas vezes repetida do TJUE, é o de libertar o empresário de todo o imposto incorrido a montante da sua atividade, fica comprometido e a neutralidade do imposto posta em causa. No caso presente, apenas por questões formais que a AT suscita, já que substancialmente é nítida a realização das operações, no âmbito da atividade da requerente, que devem conduzir à dedução do IVA suportado.

Como o Tribunal de Justiça Europeu decidiu “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais”.

No caso que aqui se discute, existe evidência do que operações se tratam, e mesmo quanto aos elementos previstos no artigo 23.º, n.º 4 do CIRC e 36.º, n.º 5 do CIVA, ficam claros nas faturas, como supra se mencionou.

a)      Nome ou denominação social do fornecedor e do adquirente, b) Números de identificação fiscal do fornecedor e do adquirente ou destinatário, d) Preço e) Data.

 

Por outro lado, quanto à: 

c) Quantidade e denominação usual dos serviços prestados;

A designação contendo dizeres como “campanha promocional, topos, loja ..., carne suíno”, é bastante para descrever as operações. Mesmo sem outro tipo de prova, que, ainda assim, poderia ter complementado esta informação.

Por tudo o que antecede, considera este Tribunal Arbitral que o IVA em causa deve ser dedutível.

 

7. Conclusão geral

Perante a base documental existente:

Que se verifica uma relação económica e comercial entre a requerente e a entidade D..., inserida na atividade da primeira;

a)                   Que dessa relação surgem gastos, provados, com campanhas promocionais; gastos esses derivados de descontos que a requerente tem de efetuar para que, num mercado fortemente concorrencial, os seus produtos sejam vendidos nas lojas da D...;

b)                   Esses gastos são faturados à requerente pela C... no âmbito de um acordo entre D... e a C..., embora as campanhas promocionais decorram nos estabelecimentos da D...;

c)                   Os elementos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4 do CIRC e artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, estão, com suficiente nível probatório, plasmados nas faturas. 

d)                   Resulta que os gastos em causa foram relevantes para a obtenção pela Requerente dos rendimentos sujeitos a IRC, o que conduz à conclusão de que a sua não aceitação como gastos, viola o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

 

Pelo exposto, este Tribunal Arbitral decide que as correções efetuadas em sede de IRC e IVA, mediante as liquidações adicionais suprarreferidas enfermam de vícios a enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Estes vícios justificam a anulação dessas correções e das liquidações de IRC e IVA que nelas se basearam, nas partes correspondentes a essas correções, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A decisão da reclamação graciosa que manteve as liquidações adicionais e de juros compensatórios, supra identificadas enferma do mesmo vício, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

5. Indemnização pela prestação de Garantia indevida

A Requerente refere no PPA:

 

“Conforme já descrito, no âmbito dos processos de Execução Fiscal contra si instaurados, a Requerente prestou a garantia bancária n.º..., de 17 de abril de 2023, emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., no valor de € 1.305.432,72, e o seguro-caução com a apólice n.º..., de 6 de maio de 2024, emitida pela F..., S.A., pelo montante de 909.655,55, num total de € 2.215.088,27, conforme se comprova pelas respetivas cópias já juntas como Doc. n.º 50.

Ora, o artigo 53.º da LGT consagra o direito de o contribuinte ser indemnizado pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se

A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado que procedeu à constituição de garantia bancária edo seguro-caução para obter a suspensão do processo de execução fiscal. 

E o artigo 13.º, n.º 5, do RJAMT estabelece que “são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, nomeadamente no que se refere à suspensão do processo de execução fiscal e à suspensão e interrupção dos prazos de caducidade e de prescrição da prestação tributária.”

Ademais, estabelece o artigo 171.º do CPPT que o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida deve ser formulado “no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”.

Constituindo hoje jurisprudência pacífica que tal pedido pode ser formulado não só em sede de “reclamação, impugnação ou recurso” (cf. art. 171.º, n.º 1, do CPPT), mas também no contexto de ações arbitrais, porquanto “O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele nº 1 do referido artº 171º do CPPT, é também o processo arbitral adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida”.

(...)

Pelo que, face ao exposto, deverá a Requerente ser ressarcida dos encargos já incorridos, no montante de € 24.475,96, bem como de todos aqueles em que vier a incorrer, designadamente com comissões bancárias relacionadas com a prestação da garantia indevida.

 

Vejamos

O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objeto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT). 

O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.

A Requerente juntou aos autos os documentos que comprovam que em 17 de abril e 2024 foi prestada a garantia bancária n.º..., emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., no valor de € 1.305.432,72, e o seguro-caução com a apólice n.º..., de 6 de maio de 2024, emitida pela F..., S.A., pelo montante de 909.655,55, num total de € 2.215.088,27; (cfr. doc. 50 junto com o PPA).

Em 16 de maio de 2024 foi proferido o despacho que aceitou as garantias em causa, através do Ofício n.º... do Serviço de Finanças de Santarém; (cfr. Doc. n.º 51, junto com o PPA).

Com a prestação e manutenção das garantias, a A... incorreu já em custos no valor de € 24.475,96; (cfr. faturas-recibo emitidas a respeito das garantias prestadas - Doc. n.º 52 junto com o PPA).

Nos presentes autos é manifesta que a ilegalidade dos atos de liquidação adicionais de IRC, IVA e juros compensatórios são imputáveis à Administração Tributária, que por sua iniciativa os praticou.

A Requerente suportou o pagamento de € 24.475,96, despesas derivadas com a prestação e manutenção das garantias, conforme a matéria de facto fixada, pelo que tem direito a ser indemnizada dessas despesas e ainda das posteriores, que se vierem a comprovar em execução da presente decisão arbitral, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5. Reembolso do valor do imposto pago

A Requerente pede o reembolso da quantia de € 3.267.933,68 que pagou em 15 de janeiro de 2024, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º n.º 1 da LGT. 

 

6.1. Reembolso

Na sequência da anulação das liquidações adicionais de IRC, IVA e juros compensatórios a Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia de € 3.267.933,68.

 

6.2. Juros indemnizatórios

O artigo 24.º, b) do RJAT determina que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários“restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o disposto no artigo 100.º da LGT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) do RJAT: “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio,compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

As normas do artigo 2.º, n.º 1 a) e b) do RJAT utilizam a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, e apesar de não se referirem a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos Tribunais Tributários, sendo essa a interpretação que está de acordo com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, e tem como primeira diretriz: “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”

Nos presentes autos, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Tendo a Requerente feito o pagamento em 15-01-2024 do valor de € 3.267.933,68, tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre esse montante, que devem ser contados desde a data em que foi efetuado o pagamento, até integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

7. Decisão

Pelo exposto, o Tribunal Arbitral julga procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência decide:

a) Anular o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., proferido pelo Exmo. Chefe de Direção de Finanças de Santarém, de 08.04.2024

b) Anular a liquidações adicional de IRC n.º 2023..., de 10.07.2023 referente ao período de 2019, e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ... e correspondente demonstração de acerto de contas;

c) Anular as liquidações adicionais de IVA os atos de liquidação adicionais em sede de IVA, referentes aos períodos de 1901, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908, 1909, e ainda, as liquidações de IVA de períodos dos anos de 2020 e 2021:

- As liquidações adicionais de IVA os atos de liquidação adicionais em sede de IVA, referentes aos períodos de 1901, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908, 1909, as liquidações de IVA de períodos dos anos de 2020 e 2021:

- As liquidações de IVA n.ºs 2023..., 2023..., 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023..., referentes, respetivamente, aos períodos entre janeiro e dezembro de 2019,

- As Liquidações de Juros Compensatórios de IVA n.ºs 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023...; 2023..., referentes, respetivamente, ao IVA dos períodos entre janeiro e dezembro de 2019;

- As Liquidações Adicionais de IVA n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., referentes, respetivamente, aos períodos de janeiro, abril, maio, junho e novembro de 2020;

c) Julgar procedente o pedido de indemnização dos gastos com a prestação e manutenção da garantia bancária no montante a determinar em execução da presente decisão arbitral;

d) Julgar procedente o pedido de reembolso do valor de impostos pago no montante de € 3.267.933,68 e juros indemnizatórios calculados sobre esse valor com termo inicial em 15-04-2024.

 

8. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 4.904.997,14 valor atribuído pela requerente e não impugnado pela Requerida de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Notifique-se

 

Lisboa, 20 de maio de 2025

 

 

Os Árbitros

 

 

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)

 

(António Martins – Adjunto)

 

 

(Henrique Fiúza – Adjunto) 

Com declaração de voto de vencido

 

 

 

Declaração de voto de vencido

 

Por não me rever na fundamentação nem na decisão tomada pelo Tribunal Arbitral Tributário, entendi elaborar a presente declaração de voto de vencido.

 

O erro de valoração das provas formais, no caso, o contrato-quadro, os contratos e as facturas emitidas pela C... à Requerente, não dão, por si só, substância ou materialidade às operações geradoras dos gastos não aceites para efeitos fiscais, em causa no presente processo arbitral.

Passemos a explicar,

 

O que está em causa no presente processo é a não aceitação para efeitos fiscais de dois tipos de gastos contabilísticos que foram também considerados pela Requerente como gastos fiscais, em sede de IRC, do exercício de 2019, no montante de €8.869.773,29.

 

Os gastos em causa são referentes a “publicidade e propaganda” e a “descontos comerciais rapel”, os primeiros contabilizados na conta 62221 – Publicidade e propaganda, no montante de €2.158.137,00, e os segundos a débito da conta 71841 – Descontos comerciais – Rapel, no montante de €6.711.636,29.

 

As facturas de suporte da contabilização dos gastos acima referidos e em causa no presente processo, tinham uma das seguintes denominações usuais dos serviços prestados, vulgarmente indicadas como designações das operações ou apenas por descrições:

- Línea – linear; 

- CPROM – Cooperação comercial; e 

- Topos.

 

Tendo a Inspecção Tributária (IT) constatado que as denominações dos serviços prestados não permitiam conhecer as reais operações, isto é, a substância das operações, e tendo solicitado informações adicionais à Requerente, vieram por esta a ser apresentados um documento por cada factura, apelidados de contratos.

 

Desses contratos podem obter-se as seguintes informações:

 

Contratantes: D... SA, em representação de C... , e B...– Talho;

Assinaturas: Representantes da C... e da B... SA;

Período da acção: 01/xx/2019 a xx/xx/2019 (do primeiro ao último dia do mês)

Categoria: Suíno

Acção: 01/xx/2019 a 3x/xx/2019

Divulgação: Línea ou CPROM ou Topos

Insígnia / Loja: ... ou Outras insígnias

Valor / Descontos: €xxx,xx (valor total)

Observações: EC ou Outros

Legendas: Línea linear ou CPROM – Cooperação comercial ou Topos – Topos

Data: xx/xx/2019 (último dia do mês)

Assinaturas: de C... e de B... SA

 

Durante o exercício de 2019, foram validamente emitidas pela C... (C...) três (3) facturas cuja descrição foi “Línea – linear”; dezanove (19) facturas cuja descrição indicava “CPROM – Cooperação comercial”; e oito (8) facturas cuja descrição constava com sendo “Topos”.

 

Não permitindo obter-se da leitura dos pares Factura/Contrato indicação clara das operações que originaram os gastos no montante de €8.869.773,29, voltou a IT a insistir na necessidade da prova das reais operações a que as facturas diziam respeito.

 

Como se pode verificar pela leitura do Relatório da Inspecção Tributária (RIT), nunca em momento algum foram dadas provas ou fortes evidências das operações a que dizem respeito as facturas acima referidas.

 

Porque a Requerente não apresentou prova dos tipos de gastos em causa no processo, depois de várias vezes terem sido pedidas e alargados os prazos para esse fim, não havendo como avaliar da conexão desses gastos com o objecto da Sociedade, tendo tal ausência de provas materiais, reais, sido acompanhadas da não indicação da quantidade e denominação usual dos alegados serviços prestados, como impõe a alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do código do IRC (CIRC), a IT entendeu não ter outra solução que não fosse a não aceitação desses gastos para efeitos fiscais.

 

Para a tomada de decisão, vem o Tribunal Arbitral Tributário apresentar no sumário da decisão arbitral o seguinte:

 

3. Os gastos com os serviços prestados e titulados pelas faturas relativos a promoção/venda dos produtos da Requerente nas lojas da D..., são dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC, tendo como suporte os contratos celebrados entre a Requerente e a D... .

preço ou contrapartida são os descontos de natureza comercial nas vendas da requerente.

Tal desconto surge em faturas da C..., no papel de representante da D... . 

4. As faturas que titulam os serviços prestados à Requerente cumprem com os requisitos legais previstos no artigo 23.º, n.º 4, a), b) d) e e) do CIRC.

 

Na parte “4. Matéria de direito”, em “4.1 Thema dicidendum”, começa mal o Tribunal quando afirma o seguinte:

 

Em sede de IRC as questões a apreciar dizem respeito a saber se está ou não cumprido pela Requerente o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC? Ou seja, as operações tituladas pelas faturas inserem-se ou não no propósito empresarial da Requerente?

 

Enfermam os documentos de suporte aos gastos de vícios de preenchimento dos requisitos previstos no artigo 23.º, n.ºs 3 e 4, do CIRC que obstem à respetiva dedução das quantias neles inscritas ao lucro tributável da Requerente?

 

Ao Tribunal cabe, antes de passar à avaliação dos formalismos da documentação suporte dos gastos previstos no artigo 23.º n.º 3 e 4, apurar quais foram os alegados serviços prestados pelo ... e facturados pela C..., pois esses são os factos que, de acordo com o RIT, não foram dados como provados, realidade constantemente relatada ao longo do RIT.

 

A primeira grande afirmação do RIT é focada na falta de prova, falta de substância, falta de materialidade dos alegados serviços prestados que geraram os gastos com publicidade e propaganda e com descontos comerciais tipo rapel, gastos esses que fizeram diminuir do lucro tributável da Requerente e que originaram as correcções fiscais em discussão no processo.

 

Porque a Requerente nunca os provou, e nem sequer deu indícios seguros de quais foram as prestações de serviços que tinham originado os gastos no montante de €8.869.773,29.

 

Porque a Requerente, ao longo da acção de inspecção tributária sempre alegou que tais gastos eram referentes a descontos comerciais rapel, e de gastos de publicidade e propaganda, e que, além disso, estavam documentados e, por isso, provados sem necessidade de mais.

 

Quando foi questionada sobre como foram apurados os valores dos descontos comerciais rapel, a Requerente disse não ser capaz de explicar, alegando que esses cálculos eram feitos pela C.../D... e que não sabia explicar, informando que os gastos estavam documentados.

 

Esta argumentação, semelhante à que o Tribunal veio defender na presente decisão arbitral, peca por confundir a prova documental, a prova formal, com a prova real, a prova material. Confunde a prova dos factos com a prova dos documentos.

 

Erra o tribunal quando expressa a ideia de que, estando os gastos suportados em documentos, então os factos estão provados.

 

A prova de um facto é feita pela apresentação da sua materialidade, da sua substância, não é feita pela apresentação de uma factura ou de um contrato.

 

No que respeita aos gastos com publicidade e propaganda, a Requerente, quando questionada sobre qual o tipo de serviços prestados, também não soube explicar que prestações de serviços foram efectuadas.

 

Assim, porque não ficou demonstrada à IT a materialidade das operações, com vista à avaliação da conexão de tais gastos com a actividade da Requerente, para a verificação do enquadramento no n.º 1 do artigo 23.º, e porque a essa realidade foi acrescida a falta de identificação apropriada dos serviços prestados, conforme exigem os n.º 3 e 4 desse mesmo artigo 23.º do CIRC, foram tais factos o suporte legal da IT quando efectuou as correcções ao lucro tributável de 2019.

 

No ponto 2.2 Análise jurisprudencial sobre o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, vem o Tribunal tecer comentários à existência de contratos e de facturas, para vir afirmar o seguinte:

 

Quer dizer: os serviços prestados traduzem-se em promoção/venda dos produtos da Requerente nas lojas da D.... O preço, ou contrapartida, são os descontos de natureza comercial nas vendas da Requerente, em virtude de campanhas que podem ser de baixa de preços nas lojas D..., descontos em cartão, como se afirma no contrato quadro (cláusula 9.2). Tal desconto surge em faturas da C..., no papel de representante da D..., o que está provado nos autos pelas faturas e contratos celebrados entre a Requerente e a sua cliente. (sublinhado e bold nosso)

 

A afirmação acima reproduzida é desprovida de prova, sem materialidade, pois em lado nenhum do processo se encontra provada tal afirmação. Por razões que se desconhecem, o Tribunal acha que todas as facturas emitidasa pela C...  à Requerente, com a descrição Linea – linear, CPROM – cooperação comercial e Topos, todas essas facturas tem o mesmo facto subjacente, que são descontos, embora lhes chame por vezes preço, outras vezes contrapartida e outras descontos.

 

Entre outras razões, tal afirmação é posta em causa pelo simples facto de, dos €8.869.773,29 de gastos facturados pela C... e considerados como tal pela Requerente, apenas um terço desses gastos são referentes à “insígnia...”, sendo o restante referente a “outras insígnias”, conforme mapa das facturas emitidas pela C... à Requerente.

 

E no processo não consta qualquer informação sobre vendas a “outras insígnias” para além do ..., impossibilitando que seja possível fazer qualquer juízo sobre eventuais serviços prestados por essas “outras insígnias”, por se desconhecerem quem são, quanto compraram e que tipo de serviços poderiam ter valor para a Requerente.

 

Mostrando-se assim que a fundamentação do Tribunal é desprovida de racional e de suporte factual, de prova material.

 

A tudo o que ficou dito, acresce que

 

As facturas com a descrição Topos, palavra que em merchandising tem um significado próprio e bem definido, corresponde aos lugares de exposição para venda de produtos nos topos das prateleiras no início e no fim de cada corredor de um supermercado.

 

Por outro lado, o linear é o local das prateleiras onde os clientes conseguem encontrar facilmente o que procuram e no qual a estratégia do produto se encontra alinhada com a marca.

 

Seria de presumir que as facturas que mencionam “Topos” e “Línea linear” seriam referentes a pagamentos aos supermercados, no caso ao ..., por este expor os produtos fornecidos pela Requerente nos topos e lineares mais capazes de cativar o cliente e aumentar as suas vendas.

 

E, a ser assim, cada vez que a Requerente e o ... acordassem no uso de topos e/ou de lineares para a exposição e venda dos seus produtos, o D... teria direito a receber um valor por dar ao seu fornecedor um local de excelência para a apresentação dos seus produtos e aumentar as suas vendas.

De acordo com os mapas que apresentam a facturação em crise no processo, a facturação com a descrição “Topos” totalizou o valor de €2.158.137,00 e a que foi apresentada com a descrição “Línea – linear” ascendeu a €894.822,45.

 

É claro que a Requerente não apresentou provas materiais sobre as prestações de serviços com as designações topos e lineares, mas, se as tivesse provado, esses valores não seriam descontos como o Tribunal afirma sem ter prova disso, seriam prestações de serviços de merchandising a facturar de acordo com as condições que tivessem sido acordadas entre as partes.

 

Embora o Tribunal pudesse alegar que ser topos, ser lineares ou serem descontos, isso é indiferente, pois são gastos que a Requerente suportou para poder vender os seus produtos nos supermercados D... .

 

Mas é claro que não é assim.

 

Porém, ainda assim, o Tribunal não poderia ter razão. Porque se viesse argumentar tal ponto de vista, a realidade viria demonstrar que havia muita falsidade e muitas evidências que poriam em causa tal posição.

 

Porque, a Requerente em caso algum poderia ter visto as suas carnes expostas nos topos e nas lineares das prateleiras ou outros locais dos supermercados D..., porque a Requerente apenas vendeu carcaças de porco á C..., uma vez que, à data, assim como hoje, é esta que compra as carcaças à Requerente, as desmancha e embala as carnes com a marca D..., não havendo, por isso, qualquer carne à venda nos supermercados D... embalada com a marca A... ou B... .

 

Ora, se a A... vende carcaças de porco à C... e se é esta que as desmancha e embala as carnes para venda nos supermercados D... com a marca D..., as carnes de porco A... nunca poderiam ocupar lugares topo e linear nos supermercados D... .

Sendo assim falsas as descrições apresentadas nas facturas emitidas pela C... em representação do  D... 

 

E neste momento uma questão se coloca: se essas são descrições comprovadamente falsas, porque razão poderão ser as outras verdadeiras?

 

Ainda que fosse possível provar que os gastos com a descrição CPROM – Cooperação comercial, são gastos com comparticipações em feiras, promoções e descontos em cartão, o que se apresenta apenas como hipótese académica, e do qual não se prescinde, pelo menos, os gastos no montante de €3.052.959,45 referentes às facturas emitidas pela C... à Requerente são facturas com descrições falsas e, por isso, tais facturas não poderiam em nenhum caso ser aceites como gastos para efeitos fiscais, por facturarem serviços impossíveis de serem prestados.

 

Os valores das restantes facturas que fazem parte das correcções fiscais, por não terem sido apresentadas provas de tais prestações de serviços, também não podem ser aceites como gastos para efeitos fiscais.

 

Razões pelas quais, entendo que o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido indeferido, e ter sido mantida a liquidação adicional de IRC nos termos propostos no RIT.

 

É também pelas razões apresentadas que o IVA liquidado nas facturas emitidas pela C... à A... não pode ser deduzido, sendo claro que não se mostram provadas as operações constantes das facturas que deram origem às liquidações adicionais, nem preenchidos todos os requisitos formais que as facturas, nos termos legais, devem conter, conforme alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, por incumprimento do n.º 5 do artigo 36º do mesmo código.

 

Estas são as razões pelas quais, o Pedido de Pronúncia Arbitral, deveria ter sido considerado improcedente, devendo os actos tributários colocados em crise pela Requerente ter permanecido na ordem jurídica.

 

 

Henrique Fiúza

Economista Conselheiro

 



[1] Ver, por todos, Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra, Almedina, 2007, p.87

[2] Acórdão TCAS relativo ao Processo n.º 892/20.7BELRA, de 4/4/2024.

[3] Ver A. Borges e M. Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de contas, 7ª edição, Lisboa, Rei dos Livros, 1998, p. 303.

[4] Com efeito na definição de erro da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 4, § 32 — “Podem surgir erros no que respeita ao reconhecimento, mensuração, apresentação ou divulgação de elementos de demonstrações financeiras. As demonstrações financeiras não estão em conformidade com as NCRF se contiverem erros materiais ou erros imateriais feitos intencionalmente para alcançar uma determinada apresentação da posição financeira, desempenho financeiro ou fluxos de caixa de uma entidade.”

No caso, o uso da conta 71.8 (que é correto) não afeta a posição financeira, o desempenho financeiro ou fluxos de caixa da requerente.

[5] Veja-se o processo 219/2023-T, que decidiu: “um erro de registo na contabilidade não é impeditivo que o interessado possa, através de documentos idóneos e adequados, provar que operações registadas indevidamente como operações comunitárias consubstanciam operações extracomunitárias suscetíveis de beneficiar da isenção prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, ainda que o faça em sede de procedimento impugnatório de natureza graciosa, judicial ou arbitral.”

[6] Essa possibilidade sai reforçada pelo que a Requerente refere na Petição (ponto 25): “Sendo que as condições comerciais praticadas se encontram inteiramente no controlo da D..., (…) que define semanalmente a quantidade de cada produto que será encomendada para os supermercados e as demais condições comerciais das aquisições a efetuar, incluindo em particular os respetivos descontos a ser aplicados”.

[7] Ver Cátia Sousa, (2014) Grau de eficácia das ações promocionais no setor das grandes superfícies retalhistas, Tese de Mestrado, Faculdade de Economia da universidade do Porto, p. 15.

[8] https://alojadaminharua.blogspot.com/2018/07/para-que-servem-os-topos-de-gondolas.html

 

[9] Citado no Processo 892/20.7BELRA, do TCAS, Acórdão de 04-04-2024.

[10] Citado no Processo 892/20.7BELRA, do TCAS, Acórdão de 04-04-2024.