Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1322/2024-T
Data da decisão: 2025-05-09  ISV  
Valor do pedido: € 2.409,36
Tema: ISV – Artigo 8º do Código do ISV – Veículo automóvel híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-membro da UE
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SUMÁRIO

O princípio da não discriminação implica que nenhum Estado-membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos de outros Estados-membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A..., Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 21-02-2025, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., Lda., Pessoa Colectiva nº..., com sede ..., nº..., no Porto ...-..., Porto (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 11-12-2024, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, apresentando pedido de pronúncia arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2024/..., da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, no montante de EUR 3.212,49, incidente sobre veículo ligeiro de passageiros oriundo de outro Estado-Membro da União Europeia, com fundamento na sua ilegalidade, requerendo a condenação da Requerida na restituição à Requerente do montante de ISV indevidamente cobrado (que, segundo o que a Requerente alega, corresponde a 75% do total do imposto suportado) e que esta quantifica no PPA em EUR 2.409,36, acrescido dos juros indemnizatórios devidos (que alega ser desde 02-09-2024, ou seja, desde a data do pagamento do imposto) “(…) até ao presente e respetivas custas”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 13-12-2024 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 03-02-2025, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 21-02-2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 28-03-2025, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção (da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria) e por impugnação, concluindo no sentido de “(…) atenta a exceção invocada, ser [a Requerida] absolvida da instância, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1.  Na mesma data, a Requerida anexou cópia do processo administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 31-03-2025, o Tribunal Arbitral mandou notificar a Requerente para, querendo, no prazo de 10 dias se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta.

 

  1. A Requerente, em 15-04-2025, apresentou requerimento de defesa relativa à matéria de excepção suscitada, tendo concluído que “(…) deverá improceder a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral” e que, em consequência, “(…) terá o pedido de ser totalmente procedente”.

 

  1. Por despacho arbitral de 17-04-2025 (notificado às Partes em 21-04-2025), o Tribunal Arbitral “tendo em consideração: (i) O teor da Resposta apresentada pela Requerida, em 28-03-2025, na qual se defendeu por excepção e impugnação; (ii) O despacho arbitral de 31-03-2025 (…), nos termos do qual se mandou notificar a Requerente para no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta; (iii) O requerimento apresentado, em 15-04-2025, pela Requerente, no que pronunciou quanto à referida matéria de excepção; (iv) O facto de a posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e o facto de a questão controvertida ser exclusivamente de direito, (…)” decidiu “(…) ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT: 1. Dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como dispensar as Partes da apresentação de alegações; 2. Agendar a prolação da decisão arbitral para o dia 09-05-2025”.

 

  1. No âmbito do referido despacho, foi ainda a Requerente notificada para, até ao final do mês de Abril/2025, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 02-05-2025).

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    A Requerente alega que “em 02.09.2024 foi apresentada na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, a Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2024/..., para introdução no consumo do veículo ligeiros de passageiros, usado, da marca MERCEDES-BENZ, variante R74ST1, designado GLC 300 e 4MATIC, com 1991cc de cilindrada, equipados com um motor híbrido (elect./gasolina), com chassi n.º ... e portador da matrícula registada na Alemanha sob o n.º ..., com a matrícula definitiva portuguesa...” tendo a Requerente liquidado “(…) 3.212,49€ pela Declaração Aduaneira do Veículo supra referida”.

 

2.2.    Não obstante, defende a Requerente que “(…) tal liquidação de ISV está ferida de um vício de ilegalidade” porquanto alega que, tendo em consideração que “(…) o veículo em apreço tem uma autonomia de modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais de 50 g CO (índice 2)/km”, bem como a legislação que a Requerente alega ser aplicável ao caso, “(…) se a sua introdução no consumo, nos termos do art.º 17º do CISV, se [desse] até ao dia 31 de dezembro de 2020, este facto beneficiaria da taxa intermédia de 25% prevista na al. d) do art.º 8º do CISV” e “(…) se a sua introdução no consumo, nos termos do art.º 17º do CISV, se [desse] após o dia 31 de dezembro de 2020, este facto não beneficiaria da taxa intermédia de 25% prevista na al. d) do art.º 8º do CISV”.

 

2.3.    Segundo alega a Requerente, “(…) nesta matéria tem sido unanimemente entendido pela jurisprudência que a data relevante para aplicação do facto gerado de imposto é a data da primeira matrícula do veículo e não a data de matrícula nacional (…)” enumerando e transcrevendo, para o efeito, diversas decisões arbitrais, bem como Acórdão do TJUE referente ao processo C-349/22.

 

2.4.    Com base na jurisprudência que cita, entende a Requerente que, tendo em consideração que o “(…) veículo foi fabricado e teve primeira matrícula em 10.12.2020 e não em 04.03.2021 como refere a DAV, tal como consta no Certificado de Conformidade junto (…)”, será aquela “(…) data relevante para aplicação do facto gerado de imposto e não a data de matrícula nacional ou a data que erradamente a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz colocou na DAV como primeira matrícula”, entende a Requerente ser de concluir “(…) que é de aplicar a taxa intermédia de 25%, constante na alínea d) do n.º 1 do artigo 8º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, sob pena de violação do princípio não discriminação, uma vez que se trata de veículo ligeiro de passageiros, com motor híbrido plug-in, com autonomia no modo elétrico igual ou superior a 50 km, sendo, assim, superior aos 25 km mínimos previstos na lei em vigor à data da primeira matrícula do veículo”.

 

  1. Dado que “a Autoridade Tributária assim não considerou, ou seja, não aplicou a redução de 75% do valor do imposto (…) referido”, alega a Requerente que “(…) a liquidação de ISV (…) n. 2024/ ... está ferida de flagrante ilegalidade (…)”, “pelo que, deve a mesma ser anulada parcialmente e, consequentemente ser restituído à Requerente o montante indevidamente cobrado que corresponde a 75%, e que se computa em
    € 2 409,37, acrescido de juros indemnizatórios devidos desde 02.09.2024 (data do pagamento) até ao presente e respetivas custas
    ”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida refere que “o presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de anulação parcial do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos resultante da introdução no consumo de um veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2024/..., de 2.09.2024 (data de aceitação), da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz/Alfândega de Aveiro, na sequência do ato de liquidação do ISV nº2024/..., de 02.09.2024, cujo termo do prazo de pagamento ocorreu em 16.09.2024, praticado pelo Chefe daquela Delegação Aduaneira” sendo que alega que a “(…) Requerente impugna a liquidação do imposto por entender que a nova redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos, que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não se aplica a um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro antes da data de entrada em vigor daquela norma, existindo uma violação do direito europeu, em concreto dos artigos 26.º, e 28.º a 37.º e 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia”, “e defendendo que a liquidação do Imposto sobre Veículos deveria ter beneficiado da redação anterior do n.º 1 do artigo 8.º, com aplicação da taxa intermédia prevista na alínea d), vem, a final, [a Requerente] peticionar a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV, e que seja a liquidação de ISV retificada, devendo ser a Autoridade tributária condenada a restituir o montante de 2.409,37€ que foi pago pela requerente na totalidade, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

POR EXCEÇÃO - Da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

  1. Neste âmbito, começa a Requerida por referir que “decorre do (…) (PPA) (…) que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Impostos sobre Veículos na redação que vigorava antes da versão atual (…)”, “sendo indicado que a Requerente pretende a restituição de quantia a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV)”.

 

3.3.    Ora, segundo entende a Requerida, “sucede que o artigo 8.º do CISV (…) se refere a um benefício fiscal, consagrando as designadas “Taxas intermédias (…) isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, “pelo que  resulta clara a pretensão da Requerente (…), já que visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o ato, decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente visa, efetivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objetivo de afastar a tributação regra”.

 

3.4.    Assim, para a Requerida, “(…) tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT” porquanto alega a Requerida que “(…) no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação”, concluindo a Requerida que não resulta “(…) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que define os tipos de pretensões que podem ser apreciados pelo tribunal arbitral em matéria tributária, a competência para sindicar o ato que ora foi submetido a este tribunal”.

 

  1. Nestes termos, defende a Requerida que “(…) em face do que veio a ser estabelecido no RJAT, (…), o legislador optou por não contemplar neste a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária” pelo que entende que “não se suscitam, assim, quaisquer dúvidas, também face ao previsto [no] Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que estabelece uma regra geral quanto à impugnação de actos administrativos em matéria tributária no processo judicial tributário, mediante impugnação judicial ou acção administrativa, consoante tais actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação, que o tribunal arbitral é incompetente para apreciar as pretensões que ora lhe foram submetidas”.

 

  1. Assim, para a Requerida, “(…) o peticionado nos presentes autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação regra), sob pena de ocorrer a exceção (dilatória) de incompetência material do Tribunal Arbitral”, “decorrendo, assim, do supra exposto a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido da Requerente”.

 

  1. Não obstante, alega ainda a Requerida que “caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria nos termos supra invocados, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral por outra via” porquanto “(…) conforme resulta do pedido formulado, pretende a Requerente que a liquidação efetuada (…) seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo da Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito”.

 

  1. Segundo a Requerida, “tal pedido, (…), consubstancia por parte da Requerente uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de uma nova liquidação, que não a resultante da tributação regra”, “sendo que a tributação regra, (…), é efetuada nos termos dos artigos 7.º e 11.º do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante a Requerente afirme pretender a correção da liquidação, o que resulta numa contradição (…)”.

 

  1. Nesta medida, pugnando a Requerente pela realização de uma segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de um novo ato de liquidação”, “resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada” “e, nesta medida, o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (…) uma vez que não está em causa a intimação para um comportamento do seu direito, a qual não resulta diretamente da lei”.

 

  1. Segundo alega a Requerida, “tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe, como se referiu, à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade” concluindo “(…) que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC”.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

  1. Em matéria de impugnação dos factos apresentados pela Requerente, alega a Requerida que em causa está um “(...) procedimento atinente à introdução no consumo do veículo automóvel declarado através da Declaração Aduaneira de Veículo (…) identificada, da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz/Alfândega de Aveiro (…)” na qual “(…) foi declarado o veículo ligeiro de passageiros, com as características descritas na declaração, e nos demais documentos, tratando-se de veículo proveniente de outro Estado-membro (…)”, no caso, da Alemanha.

 

  1. Segundo alega a Requerida, “a liquidação do Imposto Sobre Veículos (ISV) assenta nos elementos declarados e características físicas e técnicas do veículo constantes da respetiva documentação, tendo sido, para o efeito, aplicadas as disposições do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) atinentes às taxas em vigor, incidência, facto gerador e exigibilidade do imposto” sendo que “(…) com a DAV foi declarado o veículo da marca Mercedes Benz, modelo 204 X, equipado com motor híbrido plug-in, elétrico e combustível (gasóleo)” constatando-se que “(…) quanto à autonomia no modo elétrico, (…), de acordo com o respetivo certificado de conformidade da marca, aquela é superior a 50 Km , apresentando 50g/km de emissão de gases CO2” e, “tratando-se de veículo proveniente de outro Estado-membro, foi ainda objeto de atribuição de matrícula nacional (...)”.

 

  1. Neste âmbito, refere a Requerida que “o cálculo do imposto foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos da tabela A do artigo 7.º e tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos (cf. Quadro R da DAV)”,  das quais resultou o “(…) ato de liquidação n.º 2024/..., de 02.09.2024, a título de ISV”, a qual a Requerente impugna.

 

  1. No que diz respeito ao enquadramento da liquidação em crise, enuncia a Requerida o regime aplicável e refere que “a questão que se coloca nos presentes autos consiste, pois, em saber se o ato de liquidação de ISV está viciado por ilegalidade, por ser desconforme com o artigo 110º do TFUE, na parte relativa à não aplicação da “taxa intermédia” de 25%, do ISV resultante da aplicação da taxa normal, para automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores plug-in, prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 8º do CISV, na redação vigente à data da matrícula do veículo, isto é, introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro, ou não”.

 

  1. Segundo entende a Requerida, “da análise da DAV nº 2024/... bem como do certificado de matrícula e do certificado de conformidade (COC) (cfr. PA) constatou-se que o veículo foi matriculado pela primeira vez em 04.03.2021 na Alemanha, possui uma bateria que pode ser ligada à rede elétrica, tem uma autonomia de 51 Km em modo elétrico e o nível de emissão de CO2 de 50g/Km”, concluindo que, “deste modo, a DAV nº 2024/..., não contêm qualquer lapso no que concerne aos elementos constantes da mesma”, “pois (…) a liquidação do ISV, assenta nos elementos a que se refere a base tributável do imposto e nas caraterísticas físicas e técnicas do veículo constantes da respetiva documentação, tendo sido, para o efeito, aplicadas as disposições do CISV atinentes às taxas em vigor, facto gerador e respetiva exigibilidade do imposto à data da introdução do veículo no consumo em Portugal”.

 

  1. Reitera a Requerida “(…), que a liquidação de ISV foi efetuada ao abrigo Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na redação em vigor à data da 1ª matrícula do referido veículo no país de origem (Alemanha)” e, “atendendo à redação do artigo 8º do CISV, de acordo com a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, verifica-se que, para efeitos de aplicação da taxa intermédia de 25% do ISV, o legislador estabeleceu dois requisitos de preenchimento cumulativo, que, respetivamente, determinam/obrigam à autonomia mínima, no modo elétrico, de 50Km e às emissões oficiais inferiores a 50gCO2/Km”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerida, “(…), não obstante o veículo em causa nos autos esteja equipado com um motor plug-in, e muito embora tenha uma autonomia, no modo elétrico de 50 Km, não possui, como é exigido na norma para efeitos de aplicação taxa intermédia de 25% do ISV, emissões oficiais inferiores a 50 g CO2Km e como tal, não pode beneficiar da aplicação da taxa prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 8º do CISV”.

 

  1. Ainda segundo entende a Requerida, “(…) o certificado de conformidade, que configura “a certidão de nascimento de um veículo” emitida pelo fabricante, tendo por referência o respetivo n.º de chassis único desse veículo aquando do seu fabrico, termos em que a data de fabrico do veículo, 10.12.2020, nada tem que ver com a data da primeira matricula/registo do veículo na Alemanha que ocorreu em março de 2021”.

 

  1. Com efeito, para a Requerida, “(…) o veículo objeto do pedido foi introduzido no consumo/matriculado pela primeira vez na Alemanha em 04.03.2021, conforme consta do certificado de matricula/documento de registo do veículo emitido naquele país, bem como da própria fatura de compra e do documento de inspeção do veículo efetuada em Portugal, logo, aquando da sua admissão e legalização fiscal em Portugal, o mesmo ficou sujeito à aplicabilidade do CISV na redação da Lei do OE/2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), à semelhança dos veículos idênticos adquiridos em Portugal e que foram na mesma data matriculados pela primeira vez e introduzidos no consumo em território nacional, pelo que, “in casu” inexiste qualquer discriminação na admissão do veículo em território nacional, relativamente a veículos usados idênticos presentes no mercado nacional de veículos usados” e, “assim sendo, o cálculo do ISV foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7º do CISV com aplicação da tabela D de redução por anos de uso ínsita no artigo 11º n.º 1, do CISV”, concluindo “(…), que não houve qualquer violação ao principio da não discriminação, nem tão pouco do artigo 110º do TFUE, como é invocado pela Requerente”.

 

  1. Segundo a Requerida, não pode, “(…) vir a ser concedido um benefício fiscal (redução de taxa) a automóveis ligeiros de passageiros que não reúnam (…) os requisitos e condicionalismos exigidos na lei aplicável em vigor (ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV) (…)” porquanto “(…) o veículo em causa, não obstante esteja equipado com motor híbrido plug-in não possui, como é exigido na norma de isenção em vigor, cumulativamente, uma autonomia, no modo elétrico, de 50 km, nem emissões oficiais inferiores a 50 g CO2km”.

 

  1. E, reitera a Requerida, “(…), não havendo lugar à aplicação de taxa reduzida, o veículo foi tributado de acordo com a tributação regra, nos termos da lei, (…)”.

 

  1. Quanto ao pedido de restituição de quantia certa de imposto formulado pela Requerente, entende a Requerida que “(…) conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV”.

 

  1. Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, entende a Requerida que “(…) ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, (…), não poderá, todavia, aquele proceder” porquanto “(…) o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido”, “e, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária” porquanto “(…) [a liquidação] em causa nos presentes autos decorreram exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuadas nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) atenta a exceção invocada, ser absolvida da instância, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.2.    Foi suscitada, pela Requerida, a excepção da incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido a qual, a proceder, determinaria a absolvição da Requerida do pedido de pronúncia arbitral. A análise desta excepção será efectuada preliminarmente no Capitulo 6. desta Decisão (Matéria de Direito) mas desde já se antecipa aqui que a mesma não procede porquanto se entende que este Tribunal Arbitral é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.3.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.4.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.5.    Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

 

 

Dos factos provados

 

5.3.    A Requerente adquiriu, em 14-08-2024, um veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca MERCEDES-BENZ, variante R74ST1, designado GLC 300 e 4MATIC, com 1991cc de cilindrada, equipado com um motor híbrido (elect./gasolina), com chassi n.º..., com origem na Alemanha, portador da matrícula registada na Alemanha sob o n.º ..., datada de 04-03-2021, pelo valor de EUR 32.765,00 (em conformidade com cópia da DAV anexada com o PPA e cópia do Certificado de Conformidade CE anexado pela Requerente).

 

5.4.    Conforme teor do Certificado de Conformidade CE (devidamente traduzido), emitido pela marca da viatura em causa, em 10-12-2020, e cuja cópia e respectiva tradução a Requerente anexou com o PPA, a autonomia mínima do veículo “no modo elétrico puro” é de 46 km e “no modo elétrico puro condições urbanas” é de 51 km.

 

  1. Em 02-09-2024 foi apresentada na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, a Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2024/..., para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros identificado no ponto anterior, ao qual foi a matrícula portuguesa..., em 02-09-2024, emitida pela Delegação Distrital de Viação da Guarda, conforme resulta da cópia da DAV identificada, anexada pela Requerente.

 

  1. No Quadro E (Características do Veículo) da DAV acima identificada, atinente às características do veículo, no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de “50g/Km”, no item 51 (relativo à Emissão de Partículas) consta o valor de “0,0004 g/Km” e no item 52 (relativo à Autonomia da Bateria) consta “Igual ou superior a 50 kms”, conforme resulta da cópia da DAV identificada, anexada pela Requerente.

 

  1. No quadro T (Liquidação) da DAV acima identificada consta, igualmente, a identificação do acto de liquidação de imposto (nº 2024/...), bem como a data da liquidação
    (02-09-2024), o montante de ISV a pagar (EUR 3.212,49), o termo do prazo de pagamento (16-09-2024) e a data de cobrança (02-09-2024).

 

  1. No âmbito da referida liquidação, os valores apurados no quadro R (Cálculo do ISV) foram os seguintes:

 

TAXA

MONTANTE (EUR)

Componente cilindrada 1991 [cc] x 5.61 [tx] – 6.194.88 [ded]

 

4.974,63

Componente ambiental 50 [co2] x 0.44 [tx] – 43.02 [ded]

 

-21,02

Taxa aplicável da tabela (4.974,63€ - 21.02€)

100%

4.953,61

Redução de Anos de Uso (Componente Cilindrada) Mais de 3 a 4 anos (4.974,63€ * 100%) * 35%

35%

1.741,12

Redução de Anos de Uso (Componente Ambiental) Mais de 2 a 4 anos (-21.02€ * 100%) * 20%

20%

-4,20

Agravamento Partículas

 

0,00

Redução de Anos de Uso (Partículas) Mais de 2 a 4 anos 0€ * 0%

 

0,00

SUBTOTAL

 

3.219,49

 

 

  1. A Requerente entende que, para efeitos de aplicação das taxas da tabela A constante do n.º 1 do artigo 7º do Código do ISV, deveria ter sido aplicada, ao somatório da Componente Cilindrada e Componente Ambiental (no total de EUR 4.974,63), a taxa de 25% (e não de a taxa de 100%), porque entende que se trata de uma viatura subsumível na alínea d) do nº 1 do artigo 8º do Código do ISV, na redação em vigor até 31-12-2020.

 

  1. A Requerente entende que a data relevante para efeitos de aferir a legislação aplicável é a data da primeira matrícula do veículo (que é oriundo de outro Estado-Membro – no caso, da Alemanha) e não a data de admissão da viatura em território nacional (posição defendida pela Requerida).

 

  1. A Requerente pagou em 02-09-2024 o ISV liquidado (EUR 3.219,49) dentro do prazo de pagamento voluntário.

 

  1. A Requerente apresentou este pedido de pronúncia arbitral em 11-12-2024.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requeria (processo administrativo).

 

Dos factos não provados

 

  1. Apesar de a Requerente ter alegado que a data da primeira matrícula (na Alemanha), era 10-12-2020 e não a indicada na DAV (04-03-2021), não demonstrou documentalmente que esta estava incorrecta porquanto a data que a Requerente pretendeu fazer corresponder à data de matrícula na Alemanha (10-12-2020) não pode ser provada pelo Certificado de Conformidade (emitido pela marca da viatura), datado de 11-12-2020, o qual diz apenas respeito às características técnicas e mecânicas da referida viatura, não se fazendo qualquer referência que a viatura tenha sido matriculada na Alemanha em
    10-12-2020, considerando-se assim como válida a data que consta da DAV
    (04-03-2021).[2]

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes e decidir a qual das Partes assiste razão quanto à posição apresentada.

 

6.2.    Assim, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente na sequência da liquidação de ISV n.º 2024/..., da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, incidente sobre veículo ligeiro de passageiros oriundo de outro Estado-Membro da UE (no caso, da Alemanha), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade e anulação do referido acto de liquidação com fundamento na sua ilegalidade, requerendo a condenação da Requerida na restituição à Requerente do montante de ISV indevidamente cobrado (que, segundo a Requerente alega, corresponde a 75% do total do imposto suportado) e que quantifica no PPA em EUR 2.409,36, acrescido de juros indemnizatórios, a calcular desde a data do pagamento do imposto (02-09-2024) até ao seu efectivo reembolso.

 

6.3.    No caso em análise, alega a Requerente que o veículo sobre o qual recaiu o acto de liquidação de ISV que impugna “(…) foi fabricado e teve primeira matrícula em 10.12.2020 e não em 04.03.2021 como refere a DAV, tal como consta no Certificado de Conformidade junto (…)” e que a Requerente presume que “tal lapso da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz (…) deve-se ao facto de constar no Certificado de Conformidade um carimbo que refere “04.03.2021”, no entanto, trata-se apenas de um carimbo aposto posteriormente e por razões que se desconhece”, sendo que para a Requerente é certo que o “(…) veículo foi (…) matriculado em 11.12.2020, sendo esta a data relevante para aplicação do facto gerado de imposto e não a data de matrícula nacional ou a data que erradamente a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz colocou na DAV como [a da] primeira matrícula”.

 

6.4.    Assim sendo, reitera a Requerente, “(…) tendo em conta que o veículo foi (…) matriculado pela primeira vez no ano de 2020, conclui-se que é de aplicar a taxa intermédia de 25%, constante na alínea d) do n.º 1 do artigo 8º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, sob pena de violação do princípio não discriminação, uma vez que se trata de veículo ligeiro de passageiros, com motor híbrido plug-in, com autonomia no modo elétrico igual ou superior a 50 km, sendo, assim, superior aos 25 km mínimos previstos na lei em vigor à data da primeira matrícula do veículo” ao contrário do considerado pela “(…) Autoridade Tributária (…)”.

 

6.5.    Nestes termos, entende a Requerente que tendo procedido ao integral pagamento do ISV liquidado se deverá proceder à anulação parcial da liquidação e, consequentemente, “(…) ser restituído à Requerente o montante indevidamente cobrado que corresponde a 75%, e que se computa em € 2 409,37, acrescido de juros indemnizatórios devidos desde 02.09.2024 (data do pagamento) até ao presente e respetivas custas”.

 

6.6.    A Requerida, na sua Resposta, defendeu-se por excepção (suscitou a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria) e por impugnação, alegando que o acto de liquidação de ISV impugnado não padece de qualquer ilegalidade, como acima descrito no ponto 3. desta decisão arbitral.

 

6.7.    Neste âmbito, cumpre ao Tribunal Arbitral analisar o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente de modo a decidir, face à posição assumida por cada uma das Partes, a qual das duas assiste razão sendo que, para este efeito, terá este Tribunal Arbitral de avaliar se a liquidação de ISV relativa à viatura usada identificada nos autos (pontos 5.3. a 5.9., supra) padece ou não de ilegalidade devendo, em caso afirmativo, mandar-se anular aquele acto tributário (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, deverá tal acto de liquidação de ISV ser integralmente mantido na ordem jurídica, como defende a Requerida, por não enfermar da ilegalidade apontada pela Requerente.

 

Questão prévia – excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

6.8.    Como referido no ponto 3 desta decisão, a Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto entende que a pretensão da Requerente, de requerer “(…) a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Impostos sobre Veículos na redação que vigorava antes da versão atual (…)” e, consequentemente, “(…) a restituição de quantia a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV)”, consubstancia um pedido que “(…) não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, (…)” e o que a Requerente pretende “(…) visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o ato, decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente visa, efetivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objetivo de afastar a tributação regra”.

 

6.9.    Neste sentido, alega a Requerida que “(…) no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação”, concluindo que “(…) o peticionado nos presentes autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação regra), sob pena de ocorrer a exceção (dilatória) de incompetência material do Tribunal Arbitral”, “decorrendo, assim, do supra exposto a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido da Requerente”.

 

  1. Não obstante, alega ainda a Requerida que “caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria nos termos supra invocados, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral por outra via” porquanto “(…) conforme resulta do pedido formulado, pretende a Requerente que a liquidação efetuada (…) seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo da Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito”.

 

  1. Assim, para a Requerida, “(…), pugnando a Requerente pela realização de uma segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de um novo ato de liquidação”, “resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada” “e, nesta medida, o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (…) uma vez que não está em causa a intimação para um comportamento do seu direito, a qual não resulta diretamente da lei” sendo que, “tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe, como se referiu, à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade”.

 

  1.  Nestes termos, conclui a Requerida “(…) que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC”.

 

6.13.  A Requerente quando à referida excepção alegada pela Requerida, veio referir que “(…) não pode (…) concordar com tal entendimento” porquanto “a Requerente requer que seja reconhecida a ilegalidade da liquidação efetuada, do que deverá resultar a sua anulação parcial e restituído o valor pago a mais” pelo que “(…) a Requerente impugna a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesma não ter sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV”.

 

6.14.  Neste sentido, alega a Requerente que “(…) o Tribunal Arbitral deverá restringir-se à aplicação da verificação da legalidade/ilegalidade da liquidação de imposto - alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT – cabendo subsequentemente à AT dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, caso se venha a julgar no sentido de julgar procedente a tese da ilegalidade”, concluindo pela improcedência da excepção suscitada pela Requerida.

 

6.15.  Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

6.16.  Em termos gerais, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso).

 

6.17.  O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

6.18.  E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:[3]

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo” (sublinhado nosso).

 

6.19.  A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral mas, tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.[4]

 

6.20.  Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.

 

6.21.  Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

6.22.  Por outro lado, refira-se que a Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral relativo à declaração de ilegalidade do acto de liquidação de ISV em crise, praticado pela Requerida, com base na DAV apresentada para efeitos de introdução em território nacional do veículo identificado no ponto 5.3., supra, oriundo da Alemanha, tendo invocando como causa de pedir a ilegalidade da referida liquidação com fundamento em violação do disposto no artigo 110º do TFUE.

 

6.23.  A este respeito, refira-se que a desaplicação de normas pelos Tribunais, por iniciativa oficiosa ou por iniciativa das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281º da CRP).

 

6.24.  Por outro lado, o referido artigo 204° da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre Tribunais Estaduais e Tribunais Arbitrais e o artigo 280°, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

 

6.25.  E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.

 

6.26.  No caso, estando em causa a alegada desconformidade do regime do ISV com o regime previsto no TFUE, não pode deixar de concluir-se pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

 

6.27.  Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8º da Constituição).

 

6.28.  A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

 

6.29.  Uma vez que a Requerente formula o seu pedido no sentido de ser anulada (parcialmente) a liquidação de ISV em crise, com os fundamentos que apresenta (violação do disposto no artigo 110º do TFUE), torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do acto de liquidação baseado em desconformidade do regime do ISV com o previsto no artigo 110º do TFUE pelo que, nestes termos, considera-se improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

6.30.  Nestes termos, cumpre agora analisar o mérito da causa.

 

6.31.  Em matéria de impugnação, defende a Requerente que a “(…) liquidação de ISV está ferida de um vício de ilegalidade” porquanto tendo em consideração que “(…) o veículo em apreço tem uma autonomia de modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais de 50 g CO (índice 2)/km”, bem como a legislação que a Requerente alega ser aplicável ao caso, “(…) se a sua introdução no consumo, nos termos do art.º 17º do CISV, se [desse] até ao dia 31 de dezembro de 2020, este facto beneficiaria da taxa intermédia de 25% prevista na al. d) do art.º 8º do CISV” e “(…) se a sua introdução no consumo, nos termos do art.º 17º do CISV, se [desse] após o dia 31 de dezembro de 2020, este facto não beneficiaria da taxa intermédia de 25% prevista na al. d) do art.º 8º do CISV” sendo que, “(…) nesta matéria tem sido unanimemente entendido pela jurisprudência que a data relevante para aplicação do facto gerado de imposto é a data da primeira matrícula do veículo e não a data de matrícula nacional (…)” enumerando e transcrevendo a Requerente, para este efeito, diversas decisões arbitrais, bem como Acórdão do TJUE referente ao processo C-349/22.

 

6.32.  Como acima já referido, entende a Requerente que, tendo em consideração que o “(…) veículo (…) teve primeira matrícula em 10.12.2020 e não em 04.03.2021 como refere a DAV, tal como consta no Certificado de Conformidade junto (…)”, dado que entende ser aquela data “(…) a data relevante para aplicação do facto gerado de imposto e não a data de matrícula nacional ou a data que erradamente a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz colocou na DAV como primeira matrícula”, conclui a Requerente “(…) que é de aplicar a taxa intermédia de 25%, constante na alínea d) do n.º 1 do artigo 8º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, sob pena de violação do princípio não discriminação, uma vez que se trata de veículo ligeiro de passageiros, com motor híbrido plug-in, com autonomia no modo elétrico igual ou superior a 50 km, sendo, assim, superior aos 25 km mínimos previstos na lei em vigor à data da primeira matrícula do veículo”.

 

6.33.  Não obstante, dado que “a Autoridade Tributária assim não considerou, (…)”, alega a Requerente que “(…) a liquidação de ISV (…) n. 2024/ ... está ferida de flagrante ilegalidade (…)”, “pelo que, deve a mesma ser anulada parcialmente e, consequentemente ser restituído à Requerente o montante indevidamente cobrado que corresponde a 75%, e que se computa em € 2 409,37, acrescido de juros indemnizatórios devidos desde 02.09.2024 (data do pagamento) até ao presente e respetivas custas”.

 

6.34.  Por outro lado, entende a Requerida “(…), que a liquidação de ISV foi efetuada ao abrigo Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na redação em vigor à data da 1ª matrícula do referido veículo no país de origem (Alemanha)” e, “atendendo à redação do artigo 8º do CISV, de acordo com a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, verifica-se que, para efeitos de aplicação da taxa intermédia de 25% do ISV, o legislador estabeleceu dois requisitos de preenchimento cumulativo, que, respetivamente, determinam/obrigam à autonomia mínima, no modo elétrico, de 50Km e às emissões oficiais inferiores a 50gCO2/Km” pelo que “(…), não obstante o veículo em causa nos autos esteja equipado com um motor plug-in, e muito embora tenha uma autonomia, no modo elétrico de 50 Km, não possui, como é exigido na norma para efeitos de aplicação taxa intermédia de 25% do ISV, emissões oficiais inferiores a 50 g CO2Km e como tal, não pode beneficiar da aplicação da taxa prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 8º do CISV”.

 

6.35.  Assim, entende a Requerida que “(…) no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária” porquanto “(…) [a liquidação] em causa nos presentes autos decorreram exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuadas nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto” concluindo pela improcedência do pedido.

 

6.36.  Nestes termos, as questões a decidir para efeitos de apreciação de mérito do pedido serão as de (i) saber se a data da primeira matrícula no outro Estado-membro da UE têm relevância para efeitos do regime a aplicar na liquidação de ISV em crise e, (ii) se em consequência do regime de ISV utilizado no acto tributário praticado decorre, para a Requerente, uma violação do disposto no artigo 110º do TFUE.

 

Do direito interno

 

6.37.  De acordo com o disposto no Código do ISV estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3º, nº 1) e, nos termos do artigo 4º, nº 1 do referido Código, “o imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade: a) Quanto aos automóveis de passageiros, (…) tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (…) ou ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (…), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica” (sublinhado nosso).

 

6.38.  O nº 1 do artigo 5º do Código do ISV determina que “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.

 

6.39.  É ainda facto gerador do imposto, nos termos da al. c) do nº 2 a “cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados”.

 

6.40.  No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b), “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3).

 

6.41.  Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”.

 

6.42.  De acordo com o disposto nos artigos 7º a 11º do Código do ISV, as taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária, taxa reduzida e taxa para veículos usados.

 

 

 

6.43.  Neste âmbito, o artigo 8°, n° 1, alínea d), do Código do ISV, na redação introduzida pela Lei n° 82‑D/2014, de 31 de Dezembro, em vigor entre 1 de Janeiro de 2015 e 31 de Dezembro de 2020, previa que era aplicável uma taxa intermédia de 25%, (correspondente às percentagens indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n° 1 do artigo 7º), aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug‑in, cuja bateria podia ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tivesse uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 Km.

 

6.44.  Na redação introduzida pela Lei n° 75‑B/2020, Orçamento do Estado para 2021, de 31 de Dezembro de 2020, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2021, o referido artigo 8°, nº 1, alínea d) do Código do ISV dispunha que era aplicável uma taxa intermédia de 25%, (correspondente às percentagens do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n° 1 do artigo 7º), aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug‑in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tivesse uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

 

6.45.  E foi neste quadro legal que a Requerida procedeu, em 2024, à liquidação de ISV em crise, ou seja, aplicando o regime legal em vigor a partir de 2021 (e até 31-12-2024) e, em conformidade, atendendo às características do veículo, entendeu que o mesmo não cumpria os requisitos legais para beneficiar da taxa intermédia de 25% descritos no ponto anterior.

 

6.46.  De facto, conforme teor da DAV anexada ao processo, no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de “50g/Km” e no item 52 (relativo à Autonomia da Bateria) consta “Igual ou superior a 50 kms”, não cumprindo assim a totalidade dos requisitos previstos na redação em vigor à data da liquidação (vide ponto 5.4., supra).

 

 

 

6.47.  Note-se que, em conformidade com o teor da cópia do Certificado de Conformidade CE (devidamente traduzido), emitido pela marca da viatura em causa, que a Requerente anexou com o PPA, a autonomia mínima do veículo no “modo elétrico puro” é de 46 km e no “modo elétrico puro condições urbanas” é de 51 km, sendo que a Emissão de Gases CO2 é de 50 g/km (vide ponto 5.4., supra).

 

6.48.  Tendo em conta a primeira questão a decidir (ponto 6.36., supra) importa, agora, clarificar qual o momento temporal relevante, no caso, para efeitos do regime a aplicar no caso em análise, à liquidação de ISV impugnada, se a data da primeira matrícula na Alemanha, no ano de 2020 ou a data de introdução no consumo titulada pela DAV, no ano de 2024.

 

6.49.  Como já referido, a Requerente alega que, em substância, à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo, estava em vigor o artigo 8°, n° 1, alínea d), do Código do ISV, na redação introduzida pela Lei n° 82‑D/2014 e que, nos termos desse artigo, era aplicável uma taxa reduzida de 25 % do imposto aos veículos ligeiros equipados com um motor híbrido plug‑in com uma autonomia mínima de 25 quilómetros em modo elétrico, porquanto a Requerente alega como data de primeira matrícula 10-12-2020, facto que foi dado como não provado (vide ponto 5.14., supra).

 

6.50.  Em contrapartida, na data em que a Requerente apresentou a DAV relativa a esse veículo (02-09-2024), era aplicável o artigo 8°, n° 1, alínea d), do Código do ISV, na redação introduzida pela Lei n° 75‑B/2020 a qual já não permitia que os veículos com características análogas ao que está em causa no processo beneficiem de uma taxa reduzida de imposto igual a 25 % porquanto esta “nova” redação preconizava a necessidade de a viatura ter uma autonomia mínima de 50 quilómetros em modo elétrico e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

 

6.51.  A Requerente sustenta que um veículo com estas características, inicialmente matriculado noutro Estado‑Membro da União, até 31-12-2020, que seja posteriormente introduzido em Portugal, sofre um tratamento desfavorável relativamente a um veículo com características similares, mas adquirido e matriculado em Portugal, na medida em que esse primeiro veículo não pode beneficiar da aplicação da taxa reduzida do referido imposto igual a 25 % porquanto entende que o referido veículo oriundo da UE estaria em confronto com dois possíveis regimes de ISV, um em vigor até 31-12-2020 (acima descrito no ponto 6.49.) e outro em vigor a partir de 01-01-2021 (descrito no ponto anterior).

 

6.52.  Assim sendo, segundo alega a Requerente, os veículos inicialmente matriculados noutro Estado‑Membro da União são onerados de forma mais gravosa em relação aos veículos que apresentam características similares e originalmente matriculados em Portugal, em desrespeito pelo artigo 110° TFUE.

 

6.53.  Em contrapartida, a Requerida sublinha que o facto gerador do imposto é a admissão no território português de um veículo que aí esteja obrigado à matrícula e que o imposto em causa se torna exigível no momento da introdução desse veículo no consumo em Portugal, entendendo ser assim aplicável o regime que resulta da redação dada ao artigo 8º do Código do ISV dada pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro uma vez que, segundo entende, é relevante a legislação em vigor no momento da introdução no consumo, em Portugal, titulada pela DAV (ou seja, no ano de 2024).

 

6.54.  O que está em causa nos presentes autos é a aplicação da lei no tempo, conjugada com o conceito de facto gerador constante do artigo 5º do Código do ISV, cuja posição nesta matéria sufragamos a posição (em teoria defendida pela Requerente) e vertida em diversas decisões arbitrais, nomeadamente na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 350/2022-T, de 30-01-2023 e nº 140/2022-T, de 30-11-2023 (da signatária) mas que no caso se vai revelar, como veremos, uma discussão inútil.

 

6.55.  Com efeito, conforme resulta destas decisões, às quais aderimos, “[…] da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta que o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, […], a data de atribuição da sua primeira matrícula. E, que qualquer interpretação contrária colidiria com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE, ou mesmo pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia. Pelo que, o conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja, na data da sua primeira matrícula no país de origem (…) e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data. Com efeito, o conceito de facto gerador estabelecido no art. 5º do CISV não pode deixar de ser considerado como estando em estreita relação com o princípio da não discriminação estabelecido no art. 110º do TFUE que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Princípio este que é reforçado pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia, a ver: - Proibição dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros – art. 28º, nº 1 e art. 30º do TFUE. - Proibição das medidas de efeito equivalentes a restrições quantitativas – art. 34º e 35º do TFUE. No que a esta matéria diz respeito, convém ter presente que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é diretamente aplicável em território nacional. Na verdade, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.

O Tribunal de Justiça tem sustentado que, apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos diretos, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente a livre circulação de mercadorias (artigos 28º e seguintes do TFUE).

O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação. Daqui decorre que (…), o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas, sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa. Assim sendo, e, tendo presente estar excluído qualquer modelo de tributação num Estado-Membro que produza, um efeito discriminatório, em consequência dos referidos princípios estabelecidos na legislação da União Europeia, é possível fixar o conceito de facto gerador não discriminatório, com base no qual deve ser aplicada corretamente no tempo a taxa intermédia preceituada na alínea d) do nº 1 do art. 8º do CISV para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-Membro da União Europeia” (sublinhado nosso).

 

6.56.  Face ao exposto, em conformidade com a matéria dada como provada (vide ponto 5.3., a 5.13., supra), a data da primeira matrícula do veículo em causa no processo (na Alemanha), remonta ao ano de 2021 (04-03-2021) e não ao ano 2020 (10-12-2020), como alega a Requerente e, nessa medida deverá ao caso ser aplicado o artigo 8º do Código de ISV na redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro (em vigor desde 01-01-2021 até 31-12-2024), nos termos da qual era aplicável uma taxa reduzida de 25 % do imposto aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria pudesse ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tivessem uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO(índice 2)/km, sendo assim o mesmo o regime de ISV que está em vigor, quer na data da primeira matrícula (em outro Estado-Membro), quer na data de apresentação da DAV daí resultando ser um só regime aplicável à viatura.[5]

 

6.57.  Assim, no caso, à viatura subjacente à liquidação de ISV impugnada, não foi aplicada a taxa reduzida de 25% referida no ponto anterior (e decorrente do regime aplicável) porquanto, como refere a Requerida, e resulta da DAV anexada, a viatura aí identificada não cumpre com um dos requisitos previstos no regime aplicável (o requisito das emissões oficiais inferiores a 50gCO2/km), já que cumpre com o requisito autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km, sendo este regime aplicável durante o período de vigência da referida redação do artigo 8º, nº 1 alínea d) do Código do ISV, quer se trate de veículos matriculados anteriormente noutro Estado-membro, que se trate de veículos matriculados primeiramente em Portugal.

 

6.58.  Ainda assim, invocando o teor do Acórdão proferido pelo TJUE no âmbito do processo C-349/22, de 16-11-2023 cujo objecto foi a interpretação do artigo 110º do TFUE, aquele Tribunal veio referir, com as necessárias adaptações, que “(…) 20 A título preliminar, importa recordar que (…). Os Estados‑Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito da União [Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula), C‑552/15, EU:C:2017:698, n.° 71 e jurisprudência referida]. 21 (…) um imposto como o que está em causa no processo principal constitui uma imposição interna e deve, portanto, ser examinado à luz do artigo 110.° TFUE (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 32 e 33, e de 17 de dezembro de 2015, Viamar, C‑402/14, EU:C:2015:830, n.° 33 e jurisprudência referida). 22 O artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados‑Membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C‑76/14, EU:C:2015:216, n.° 28). Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos), C‑169/20, EU:C:2021:679, n.° 34 e jurisprudência referida]. 23 Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados e, por conseguinte, obriga cada Estado‑Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 56, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C‑640/17, EU:C:2018:275, n.° 17). 24 (…).” (sublinhado nosso).

 

6.59.  Como acima vimos, dado que no caso em análise, a redação aplicável do artigo 8º, nº 1, alínea d) do Código do ISV é a mesma, quer se considerasse, para efeitos de aplicação do regime, a data da primeira matricula no outro Estado-membro (04-03-2021) ou a data de matrícula em Portugal (02-09-2024), não advém da sua aplicação qualquer violação do artigo 110º do TFEU, uma vez que, nas circunstâncias do caso, o imposto calculado seria o mesmo em qualquer caso, quer se tratasse de veículo oriundo de outro Estado-Membro, quer se tratasses de veículo nacional (o imposto calculado não seria foi superior ao montante de ISV contido no valor residual de veículos nacionais similares presentes no marcado nacional dos veículos usados nacionais porque sujeitos ao mesmo regime).[6]

 

6.60.  Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que o disposto no artigo 8º, nº 1, alínea d) do Código do ISV, na data em que se efectuou a liquidação de ISV aqui impugnada (02-09-2024), estava em conformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto o imposto calculado sobre a viatura da Requerente seria o mesmo que seria calculado, porque utilizaria o mesmo regime, sobre os veículos usados nacionais e, em consequência, o ISV calculado não foi superior ao montante de ISV contido no valor residual daqueles veículos.

 

6.61.  Em consequência, entende-se que a legislação portuguesa vertida no artigo 8º, nº 1, alínea d) do Código do ISV, na redação em análise, que esteve em vigor entre 01-01-2021 e 31-12-2024, aplicada na liquidação aqui impugnada, está em conformidade com o disposto no direito da União Europeia, designadamente no artigo disposto no 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de manter o acto tributário de ISV objecto do pedido arbitral porquanto o mesmo não padece da ilegalidade que a Requerente lhe aponta.

 

6.62.  Consequentemente, face ao decidido, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo, nomeadamente, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.

 

 

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.63.  Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.64.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.65.  Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;

7.1.2.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a manutenção, na ordem jurídica, do acto tributário de ISV impugnado;

7.1.3.     Em consequência, não conhecer do pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

7.1.4.     Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 2.409,36, por ter sido este o valor fixado pela Requerente e não ter sido contestado pela Requerida.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 09 de Maio de 2025

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Com efeito, o Certificado de Conformidade é um documento emitido pelo fabricante do veículo que comprova o cumprimento dos requisitos ambientais e de segurança definidos pela União Europeia, ou seja, prova que a viatura está de acordo com a legislação e regras aplicadas ao seu tipo mas não prova que a mesma foi matriculada.

[3] A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).

[4] A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral” (sublinhado nosso).

[5] Note-se que o artigo 8º, nº 1 do Código do ISV, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 45-A/2024, de 31 de Dezembro (em vigor a partir de 01-01-2025), passou a dispor, ao que ao caso interessa, que “é aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos: (…) d) 25 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO(índice 2)/km; e) 25 /prct., aos automóveis ligeiros de passageiros matriculados noutro Estado-Membro da União Europeia entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2020, equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 km”.

[6] Neste âmbito, refira-se que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, porquanto o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso).