Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1314/2024-T
Data da decisão: 2025-05-13  IRC  
Valor do pedido: € 196.858,45
Tema: IRC – Contrato de mútuo. Acordo de Transação. Indemnização por incumprimento.
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Sumário

 

  1. Não estando nos contratos de mútuo previsto qualquer pagamento indemnizatório por incumprimento por parte do mutuário nem sendo como tal qualificada no acordo de transação que põe termo aos processos judiciais que têm nos ditos contratos de mútuo a causa de pedir, não pode ser atribuída natureza ressarcitória ao pagamento de 2,6% do capital em dívida.
  2. Ainda que as partes qualificassem no acordo de transação tal pagamento como uma indemnização, essa qualificação não seria oponível à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 11.º, n.º 3 da LGT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

                                                                                                 

Os árbitros Jorge Lopes de Sousa (presidente), Luísa Anacoreta e Nuno Pombo (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído no dia 21.02.2025, acordam no seguinte:

 

 

          I.        Relatório

 

A..., S.A., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva com o NIPC ... e sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sociedade que, por fusão, foi incorporada na sociedade que hoje se denomina B..., SGPS, Lda., com sede no referido endereço e NIPC..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), e nos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade, e consequente anulação, do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) nº 2024..., relativo ao período de 2020, e respetivas liquidações de juros e demonstração de acerto de contas nº 2024..., no montante de € 196 858,45, com data limite de pagamento em 21.11.2024 e, ainda, que seja a AT condenada no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

A 12.12.2024 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, de seguida, notificado à AT.

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (v. artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído a 21.02.2025.

 

            A 26.03.2025, a Requerida apresentou a Resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 28.03.2025, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações.

 

Síntese da Posição da Requerente

 

À data dos factos, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de empresas, abrangido pelo RETGS.

Enquanto sociedade individual, foi objeto de um procedimento de inspeção ao abrigo da OI2021..., tendo sido efetuada uma correção ao lucro tributável, no montante de € 850.000,00, que foi repercutida no apuramento do resultado do Grupo.

Em causa está o pagamento de uma indemnização no âmbito de um “ACORDO DE TRANSAÇÃO”, celebrado pela A.., S.A. e, entre outras partes, a C..., LDA, tendo a esta sido efetuado o pagamento devido à D..., advogado, na qualidade de fiel depositário, através do qual se pôs termo ao litígio subjacente aos diversos processos judiciais existentes entre as partes.

Considerou a inspeção que a indemnização foi fixada por vontade das partes e, como tal, não é dedutível, para efeitos fiscais e ainda que o incumprimento era relativo ao pagamento de um financiamento, razão por que, não sendo o capital financiado gasto dedutível, também a indemnização não o podia ser.

Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, constando da alínea m) do n.º 2 deste preceito as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

A “indispensabilidade” do gasto deve ser aferida de acordo com o interesse societário, sendo inequívoco que a referida indemnização foi incorrida, no âmbito das atividades empresariais, no interesse societário.  

Não pode a AT sindicar a oportunidade das decisões empresariais, decidindo se a indemnização fixada pelas partes em qualquer acordo de transação é ou não exagerada e, se é ou não dedutível. Cabe apenas aos gestores, em função dos riscos decorrentes dos diversos processos em curso, decidir pela sua prossecução e sujeitar-se a um desfecho desfavorável, ou, prevenindo tal desfecho, resolver os diferendos, assumindo o pagamento de uma indemnização.

Não é sequer necessário que haja uma relação causal entre custo e proveitos, que naturalmente não existe no caso das perdas.

Nesse processo, a D..., com recurso ao instituto jurídico da sub-rogação, estava a reclamar o pagamento de uma quantia de € 33.000.000,00 à A..., S.A. Para evitar a alea do processo e a morosidade do desfecho do litígio, foi decidido pagar a referida indemnização, juízo que não cabe à AT avaliar.

O dever de indemnizar está regulado nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil. São pressupostos da responsabilidade civil contratual: o facto ilícito (constituído pela omissão do zelo e acompanhamento exigível), a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. É da verificação destes pressupostos que emerge o dever de indemnizar.  Ora, do ponto de vista fiscal, não foi definida qualquer limitação à dedutibilidade das indemnizações decorrentes de incumprimentos contratuais, sendo, pois, irrelevante para a dedutibilidade do gasto que o montante da indemnização tenha sido determinado por acordo entre as partes.

 Considera a inspeção que, alegadamente, como está em causa o incumprimento de uma obrigação de pagamento, que não consubstancia um gasto, então correlativamente a indemnização não poderá ser um gasto dedutível.

A realidade a que se referem os controvertidos processos judiciais não se circunscreve ao incumprimento de uma obrigação de pagamento de capital, estando em causa outros factos, dos quais resultou a fixação de uma indemnização global de € 2.326.000,00. Como claramente resulta do Acordo de Transação, para além do Processo a que a inspeção se refere, a Requerente é ainda ré no Processo n.º .../20....T8SNT correspondente ao reconhecimento de uma dívida por operações comerciais, em que foi reduzido o montante que era exigido pela Autora, como decorre do Acordo de Transação. Ainda que a indemnização correspondente ao montante de € 850.000,00, pago à D..., se pudesse dissociar dos restantes processos judiciais, é evidente que não é pelo facto da amortização do empréstimo não ser gasto dedutível, que os gastos suportados por qualquer incumprimento contratual deixam de ser encargos dedutíveis. Os juros moratórios por atraso no pagamento de dívidas com natureza contratual são encargos dedutíveis (não estão abrangidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC) e, se for acordada qualquer cláusula penal compensatória (indemnização), a sua dedutibilidade também não está afastada.

  

Síntese da Posição da Requerida

 

A Requerida entende que a Requerente não demonstra o que alega no pedido de pronúncia arbitral, cabendo-lhe a ela o ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil e no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

A questão decidenda incide sobre o pagamento de uma indemnização no âmbito de um acordo de transação, através do qual se pôs termo ao litígio subjacente aos diversos processos judiciais existentes entre as partes. A indemnização foi fixada por vontade das partes e respeita ao pagamento de um financiamento. Não sendo o capital financiado gasto dedutível, então a suposta indemnização também não o pode ser.

A Requerida não dispõe, nem foram carreados para os autos, de elementos contabilísticos que permitam aferir a contabilização efetuada pela A... quanto aos rendimentos e gastos inerentes aos vários processos judiciais que foram extintos, o teor dos mesmos, ou ainda a forma como foi apurado o montante que a A... teve de pagar à D..., bem como quanto aos montantes em discussão.

Foi a Requerente, quando questionada sobre o pagamento de €850.000,00, que afirmou que “…a indemnização resulta do incumprimento de um empréstimo que foi utilizado pela A..., SA para desenvolver a sua atividade …” (conforme mencionado no ponto V. - pág. 16 do RIT).

Está pois em causa um contrato de empréstimo celebrado em 2010 (FACILITY AGREEMENT) pelo qual a E... SARL (“E...”), na qualidade de mutuante, financiava a F... BV (“F...”), na qualidade de mutuária, visando o financiamento das atividades comerciais da A.... O PIK LOAN AGREEMENT, celebrado em 2013, não é mais do que uma adenda ao FACILITY AGREEMENT.

Nos documentos que titulam a relação comercial estabelecida entre as partes, nunca o valor em análise está identificado como sendo uma indemnização, ou seja, no PIK LOAN AGREEMENT não existe referência a pagamento de uma indemnização no caso de incumprimento, nem no ACORDO DE TRANSAÇÃO, onde este valor ficou definido.

No PIK LOAN AGREEMENT, no ponto 21, está apenas definido que a A... seria a garante do cumprimento do pagamento de todas as obrigações que a F... (mutuário) tem perante a E... (mutuante), incluindo o reembolso dos valores emprestados. A A... surge como garante do pagamento do empréstimo celebrado entre a F... e E..., só em 2013, numa fase posterior à realização do mesmo (2010).

Mais se salienta que este reembolso se subsume apenas ao capital em dívida uma vez que, na sequência da renegociação do empréstimo, em 2016, foram “perdoados” os juros calculados até aquele momento e convencionado que não seriam cobrados mais juros.

O que está em causa é, pois, o reembolso do capital emprestado pela E... à F..., em que, nos termos acordados entre a F... e a E..., na sequência do incumprimento daquela, caberia à A... proceder ao seu pagamento, e não qualquer indemnização conforme refere a Requerente.

Subsequentes desacordos entre a D... e um dos acionistas, por um lado, e a E... e os restantes acionistas, por outro, deram origem a processos interpostos em tribunal que culminou com a tomada pela E... das ações da F... que estavam como garante decorrente do FRAME AGREEMENT, no valor de 36 milhões de euros, valor que o tribunal determinou que iria abater ao valor do pagamento do financiamento em falta que ascendia a 66 milhões de euros, e posterior venda destas ações pela E... a um fundo de investimentos e a um consórcio de pessoas singulares.

A D..., sentindo-se lesada, submeteu ao tribunal holandês a sub-rogação dos direitos da E... contra a F..., e com a anuência desse tribunal invocou a cláusula 21 do PIK LOAN AGREEMENT, ou seja, a cláusula pela qual a A... se assumia garante do cumprimento das obrigações a que a F... estava vinculada perante a  E... .

Tendo o contrato de empréstimo sido celebrado entre a F... e a E..., era a F... que estaria a incumprir esse contrato, sendo a A... apenas garante do reembolso dos valores emprestados, assistindo-lhe sempre o direito de regresso do que viesse a pagar. O pagamento de € 850.000,00 não foi mais do que o pagamento de uma “compensação” pelo perdão da dívida de que a F... beneficiou.

O valor apurado no Acordo, € 850.000,00, muito inferior aos 33 milhões de euros a que poderia ascender, não tem enquadramento no conceito de indemnização. A compensação, que a Requerente se refere como indemnização, não é mais do que um pagamento parcial da dívida existente à D..., sendo a dívida restante objeto de perdão. O próprio documento que titula este pagamento, designado por “Acordo de Transação”, não faz referência a qualquer indemnização.

À AT não compete sindicar as decisões dos gestores, mas inclui-se nas suas atribuições verificar se estas decisões estão em conformidade com a legislação em vigor e se cumprem os requisitos para serem aceites fiscalmente. Sendo certo que a AT não se deve intrometer na autonomia e na liberdade de gestão dos contribuintes, não se pode aceitar que esse princípio possa impedir a mesma de questionar fundadamente a pertinência de um determinado custo/gasto, à luz do direito fiscal vigente, sindicando a observância dos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC (“CIRC”), tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário.

O pagamento em análise respeita e é consequência da falta de pagamento de capital mutuado, portanto, nunca seria considerado gasto fiscal, nem na esfera da mutuária F..., nem na esfera da A..., pois ela intervém como garante, em caso de incumprimento por parte da F... .

Caso não houvesse sido celebrado o Acordo de Transação, haveria pagamento integral dos valores em dívida (muito superiores ao valor do Acordo), não podendo ser esse pagamento tido como gasto fiscal. Tendo sido celebrado o Acordo de Transação, e qualificando-se o pagamento como indemnização, existiria a aceitabilidade do gasto fiscal, sendo perdoada a dívida restante. Ora, daqui sempre resultaria uma vantagem fiscal associada ao incumprimento e à transformação da dívida em indemnização, efetuando o pagamento através de tal figura, situação que não pode aceitar-se nem tem qualquer enquadramento fiscal.

Este gasto não tem qualquer conexão com a atividade exercida pela Requerente, mas terá sido incorrido no exclusivo interesse dos seus acionistas, fora do âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário, tendo em vista a prossecução de outros interesses (interesses de outrem, de terceiros) que não o interesse empresarial da Requerente. Na verdade, a Requerente não esclareceu no âmbito do direito de audição (que não pretendeu exercer), nem agora nos presentes autos, qual a afinidade deste gasto com a atividade da sociedade.

Refira-se ainda, e sem conceder, que, de acordo com a alínea c), do nº 1, do art.º 23º do CIRC, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo de “de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração…”. Nestes termos, apenas os juros aplicados ao capital financiado (que no caso não existem) poderiam ser gastos dedutíveis para cálculo do lucro tributável, não sendo nunca a amortização do capital financiado considerado como gasto dedutível.

Por fim, não se verificando erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT.

 

II.      Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação adicional de IRC ora posta em crise, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, nos termos previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT.

 

Não foram suscitadas exceções nem identificadas nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.

 

          III.     Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A Requerente tinha, à data dos factos, como atividade principal a edição de livros, com o CAE 58110 e como atividade secundária o comércio de livros com o CAE 047610 (Relatório de Inspeção Tributária – “RIT” – , p. 149 do Processo Administrativo – “PA”).
  2. O objeto social da Requerente consiste na edição, distribuição e venda de livros e outras publicações, gerais e escolares, periódicas ou não; edição e produção de audiovisual e multimédia, bem como formação; marketing, publicidade e prestação de serviços na área comercial; importação e exportação, bem como exercício de todas as atividades complementares e conexas com as atividades anteriormente referidas (RIT, p. 149 do PA).
  3. À data dos factos, a Requerente estava enquadrada, para efeitos de IRC no Regime Geral, com contabilidade organizada, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil (RIT, p. 148 do PA e art.º 10.º da Resposta).
  4. A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito parcial que incidiu sobre o exercício de 2020, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (IT) da Direção de Finanças de Lisboa, e que teve por base a Ordem de Serviço nº OI2021..., emitida em 27.11.2021, da qual resultaram as seguintes correções (RIT, p. 147 do PA):

 

  1. No ano de 2021, a Requerente foi incorporada, por fusão, na empresa G..., S.A. com o NIF..., que passou a girar sob a denominação B... SGPS, LDA (RIT, p. 148 do PA e https://publicacoes.mj.pt/).
  2. A Requerente, com referência ao exercício de 2020, na Demonstração de Resultados, tem registados como Outros Gastos e Perdas o montante de € 862.988, dos quais € 850.111,12 na conta #6888000099 – Outros não Especificados, que inclui o montante de € 850.000,00, referente a um acordo de transação celebrado pela Requerente (RIT, p. 149 do PA).
  3. No dia 13.09.2010, a E..., na qualidade de mutuante, a F..., na qualidade de mutuária, e a A... celebraram um contrato de empréstimo, designado Financial Agreement, ao abrigo do qual a E... emprestou à F..., em três tranches, um montante global de € 65.971.978,63 (cláusula 1.1 do Pik Loan Agreement, anexado ao RIT, pp. 220 e 223 do PA).
  4. No dia 14.08.2013, a E..., a F... e a A... celebraram um contrato, designado, PIK LOAN AGREEMENT, que consiste numa adenda ao Facility Agreement, de 13.09.2010, confirmando-o, pelo qual se incrementou o financiamento por parte da E... à F... em € 9.000.000, o que somado ao valor anteriormente disponibilizado, totaliza um montante consolidado de € 75.000.000 (cláusula 2 do Pik Loan Agreement, anexado ao RIT, pp. 219, 220, 223 e 225 do PA).
  5. Também no dia 14.08.2013 foi celebrado, entre 25 contraentes, incluindo a E..., a D..., a F..., a equipa de gestão e diversas sociedades do Grupo H..., incluindo a aqui Requerente, um “acordo-quadro” – FRAME AGREEMENT – que estabelece direitos reforçados do acionista e principal financiador E..., incluindo, além, do mais que (i) a sociedade mãe do Grupo H... que até então era a portuguesa A..., S.A. passaria a ser a F... (F...), sociedade de direito holandês, (ii) que um conjunto muito importante das principais matérias do governo do Grupo H... ficavam sujeitas a voto necessário da E... e (iii) ficaram estabelecidos limites rígidos ao financiamento e rácios financeiros do Grupo H... que eram monitorizados a todo o tempo, com representantes da E... (Frame Agreement, anexado ao RIT, pp. 164 e segs.do PA).
  6. Os montantes disponibilizados pela E... à F..., que detinha 71,125% do capital social da A..., a que se referem os pontos G e H supra, visavam financiar o desenvolvimento das atividades do Grupo  H...(Considerando B do Frame Agreement, anexado ao RIT, p. 169 do PA). 
  7. No dito Frame Agreement, foi ajustado, para reforçar a liquidez da A..., realizar-se um refinanciamento da dívida e do capital do Grupo H..., que incluía uma injeção de capital de € 15.000.000, dos quais, € 6.000.000 através de um empréstimo acionista, não remunerado, por parte da D... LIMITED, sociedade constituída ao abrigo das leis do Chipre, com sede social e estabelecimento principal em..., Chipre, à  A... (Considerando C do Frame Agreement, anexado ao RIT, p. 170 do PA).
  8. Existiam, à data dos factos, vários processos judiciais interpostos quer pela D... quer pela A... relacionados com o contrato de empréstimo – PIK LOAN AGREEMENT (RIT, p. 156 do PA, art.º 26 do pedido de pronúncia arbitral e art.º 23 da Resposta).
  9. No dia 30.10.2020, foi celebrado, entre outras partes, pela A..., um Acordo de Transação, por força do qual se pretendeu pôr termo a vários processos judiciais, nomeadamente dois que corriam termos em tribunais dos Países Baixos: proc. C/13/664 654 HA ZA 19/393 (district court of Amsterdam) e Proc. 200.280.303 (court of appeal in Amsterdam), já extintos, e em que a D... era parte processual e extinguir todos e quaisquer direitos e obrigações de qualquer dos contraentes direta ou indiretamente relacionados com as relações materiais controvertidas nos processos judiciais acima identificados (RIT, p. 149 do PA e Considerandos B e C do Acordo de Transação celebrado no dia 30.10.2020, e que consta do PA a pp. 248 e segs).
  10. Pelo mencionado Acordo de Transação, a A... obrigou-se a pagar € 850.000,00 à D..., com referência aos processos que corriam termos em tribunais dos Países Baixos, a saber: C/13/664 654 HA ZA 19/393 (district court of Amsterdam) e Proc. 200.280.303 (court of appeal in Amsterdam) (Cláusula 2.1 do Acordo de Transação celebrado no dia 30.10.2020, e que consta do PA a pp. 248 e segs).
  11. Aquando da celebração do PIK LOAN AGREEMENT, a F... era a detentora de 100% do capital da A..., S.A., sendo detida pelos seguintes acionistas (RIT, p. 156 do PA):

· D... – que detém 65% do capital da F...

· E...– que detém 25%* do capital da F...

· Nova administração - que detém 10% do capital da F...

*a percentagem de 25% seria alcançada pela E... depois dos levantamentos a que a  F... teria direito que totalizavam o valor de € 9.000.000 de acordo com o PIK LOAN AGREEMENT.

  1. Quando questionado sobre “…o motivo e o interesse económico, do empréstimo obtido, suportado pelo Facility Agreement, assinado em 13 de setembro de 2010, entre a sociedade e as entidades…identificadas…”, o sujeito passivo informou que “… o grupo H... queria crescer e expandir o seu negócio naquele que era o mercado natural para a concretização do seu objetivo, o Brasil, ao mesmo tempo que desejava apostar numa 3ª área de atividade complementar às existentes: o e-learning ou educação à distancia através do canal online. A necessidade de obtenção de financiamento para o desenvolvimento destes objetivos, …deu origem à negociação de um financiamento com uma entidade especializada em investimentos de risco elevados…” (RIT, p. 158 do PA).
  2. Na Cláusula 21.1 do PIK LOAN AGREEMENT ficou estabelecido que a A..., ficava como garante do cumprimento de todas as obrigações assumidas  F... perante a E..., incluindo o reembolso dos valores emprestados (p. 236 do PA).
  3. Desacordos entre a D... e um acionista, por um lado, e a E... e os restantes acionistas por outro, deram origem a processos interpostos em tribunal que culminou com a tomada pela E... das ações da F... que estavam como garante decorrente do FRAME AGREEMENT, no valor de 36 milhões de euros, valor que o tribunal determinou que iria abater ao valor do pagamento do financiamento em falta que ascendia a 66 milhões de euros, e posterior venda destas ações pela E... a um fundo de investimentos e a um consórcio de pessoas singulares (p. 158 do PA).
  4. Decorrente destas interações, a D... submeteu um pedido ao tribunal holandês de sub-rogação dos direitos da E... contra a F..., e com a anuência desse mesmo tribunal, invocou a cláusula 21 do PIK LOAN AGREEMENT (p. 158 do PA).
  5. O tribunal autorizou a sub-rogação solicitada pela D..., razão por que o pagamento por parte da A..., S.A, apenas estaria pendente do valor a definir pelo tribunal, depois de uma avaliação requerida por este (p. 158 do PA).

            2.         Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão não houve factos que se derem como não provados.

 

            3.         Motivação da Decisão de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

A convicção dos árbitros fundou-se unicamente na análise crítica da prova documental junta aos autos, em particular do Relatório de Inspeção Tributária, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

 

          IV.     Fundamentação Jurídica

 

            1.         Questões Decidendas

 

No presente processo cumpre apreciar as seguintes questões:

  1. A de saber se o pagamento efetuado pela A... à D..., no montante de € 850.000,00 pode ser qualificado do ponto de vista jurídico como o pagamento de uma indemnização e, em caso afirmativo, se essa indemnização pode ser deduzida como gasto fiscal; e
  2. A de apurar se, caso seja julgada ilegal a liquidação adicional de IRC controvertida, a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

            2.         Da qualificação do pagamento de efetuado pela A... à D..., no montante de € 850.000,00

 

O artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, dispõe o seguinte:

 

Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 — Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

            Já no n.º 2 do mesmo preceito, na sua alínea m), lê-se o seguinte

 

2 — Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…)

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

 

            É apelando a estas disposições legais que a Requerente pretende pôr em causa a liquidação adicional de IRC, uma vez que a AT considerou não ser dedutível, por não se tratar de uma indemnização, o pagamento de € 850.000,00 feito pela Requerente à D... .

 

O referido pagamento foi feito ao abrigo de um Acordo de Transação, por força do qual se pretendeu pôr termo a vários processos judiciais, nomeadamente dois que corriam termos em tribunais dos Países Baixos: proc. C/13/664 654 HA ZA 19/393 (district court of Amsterdam) e Proc. 200.280.303 (court of appeal in Amsterdam), já extintos, e em que a D... era parte processual e extinguir todos e quaisquer direitos e obrigações de qualquer dos contraentes direta ou indiretamente relacionados com as relações materiais controvertidas nos processos judiciais acima identificados. Ora, as relações materiais controvertidas respeitam a vários contratos, a saber:

  1. a um contrato de empréstimo celebrado no dia 13.09.2010, designado Financial Agreement, ao abrigo do qual a E... emprestou à F..., em três tranches, um montante global de € 65.971.978,63; e
  2. o PIK LOAN AGREEMENT, celebrado a 14.08.2013, que consiste numa adenda ao Facility Agreement, de 13.09.2010, pelo qual se incrementou o financiamento por parte da E... à F... em € 9.000.000, o que somado ao valor anteriormente disponibilizado, totaliza um montante consolidado de € 75.000.000.

 

Na Cláusula 21.1 do PIK LOAN AGREEMENT ficou estabelecido que a A... ficava como garante do cumprimento de todas as obrigações assumidas F... perante a E..., incluindo o reembolso dos valores emprestados. Desacordos entre a D... e um acionista, por um lado, e a E... e os restantes acionistas por outro, deram origem a processos interpostos em tribunal que culminou com a tomada pela E... das ações da F... que estavam como garante decorrente do FRAME AGREEMENT, no valor de 36 milhões de euros, valor que o tribunal determinou que iria abater ao valor do pagamento do financiamento em falta que ascendia a cerca de 66 milhões de euros, e posterior venda destas ações pela  E... a um fundo de investimentos e a um consórcio de pessoas singulares. A D... sub-rogou-se nos direitos da E... contra a F..., e invocou perante a A... a cláusula 21 do PIK LOAN AGREEMENT. Ou seja, a D... exigiu à A... o que a F...devia à E... . Dívida que se fundava, como vimos, em contratos de empréstimo. Na verdade, a F..., na qualidade de mutuária, incumpriu os contratos de empréstimos celebrados com a E..., frustrando assim os direitos do credor. A D..., tendo-se sub-rogado nos direitos da E... exigiu não do devedor originário, a F..., mas do garante, a A..., o pagamento do que se achava em dívida. 

 

Como é evidente, o incumprimento de um contrato de mútuo, como são estes que nos ocupam, pode dar lugar ao dever de indemnizar, sem que essa obrigação substitua o dever de reembolsar o mutuante da quantia mutuada. 

 

Mas ainda que se admita, como se faz, que um incumprimento contratual importe para o inadimplente o dever de remover o dano que esse incumprimento provoca, a verdade é que não fica demonstrado que o pagamento de € 850.000,00 feito pela Requerente à D... seja uma indemnização.

 

Como bem diz a AT, os contratos de mútuo em causa não fazem qualquer referência a uma indemnização em caso de eventual incumprimento, nem sequer no Acordo de Transação, onde o referido pagamento está previsto, lhe é atribuída essa natureza. E mesmo que o fosse, a qualificação indemnizatória que lhe pudesse ser atribuída pelas partes seria irrelevante, porquanto a AT não está vinculada pela qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, como decorre do artigo 36.º, n.º 4, da LGT.

 

Foi, aliás, a Requerente, quando questionada sobre o pagamento de €850.000,00, que afirmou que “…a indemnização resulta do incumprimento de um empréstimo que foi utilizado pela A..., SA para desenvolver a sua atividade …”. Ora, sabendo-se, como é referido no artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral que “a D..., com recurso ao instituto jurídico da sub-rogação, estava a reclamar o pagamento de uma quantia de € 33.000.000,00 à A...”, dificilmente se poderá conceber como tendo natureza indemnizatória o pagamento de cerca de 2,6% do montante em dívida e que estava a ser reclamado judicialmente.

 

Na aplicação das normas tributárias, havendo dúvidas sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários, como exige o artigo 11.º, n.º 3, da LGT. Assim, mesmo que as partes no Acordo de Transação tivessem pretendido qualificar o pagamento de € 850.000,00 à D... como uma indemnização, a sua abissal desproporção face ao que estava em dívida não autoriza essa qualificação.

 

De resto, o artigo 562.º do Código Civil não permite hesitações: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. No caso do incumprimento pelo mutuário de um contrato de mútuo, o inadimplente deve colocar o credor na situação que existira se não tivesse havido incumprimento. O mesmo é dizer reembolsar o capital em dívida e compensar o credor pelo atraso no cumprimento, o que se alcança pelo pagamento de juros de mora. Dispõe nesse sentido o n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil: “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”.

 

No caso vertente, estamos diante de um reembolso parcial (e residual, de apenas 2,6%) do capital mutuado e não o pagamento de uma indemnização a acrescer ao montante a reembolsar.

 

Diga-se, por fim, que o reembolso de empréstimos não constitui gasto fiscalmente dedutível, pois consubstancia apenas a devolução de um montante previamente recebido (com a obrigação de ser reembolsado) e que também não concorreu para os proveitos no momento do recebimento.

 

Não assiste, pois, razão à Requerente. Não sendo uma indemnização, mas um mero reembolso de capital mutuado, o gasto não é dedutível, razão por que a liquidação adicional de IRC não enferma dos vícios que lhe assaca a Requerente, não sendo, portanto, ilegal.

 

* * *

 

Por último, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

V.      Decisão

 

            De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências, mantendo-se o atos impugnado de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios.

 

VI.     Valor do Processo

 

Fixa-se ao processo o valor de € 196.858,45, correspondente ao valor da liquidação adicional de IRC aqui impugnada, incluindo juros compensatórios – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.    Custas

 

            Custas no montante de € 3.672,00, a cargo da Requerente, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 13 de maio de 2025

 

 

 

 

 

Os árbitros,

 

 

 

 

Jorge Lopes de Sousa

(Presidente)

 

 

 

 

Luísa Anacoreta

 

 


 

 

Nuno Pombo 

(relator)