Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1291/2024-T
Data da decisão: 2025-05-02  IVA  
Valor do pedido: € 231.313,06
Tema: IVA – obras de reabilitação urbana
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SUMÁRIO:

Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana. A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana (ac. Pleno STA de 26 de março de 2025, proc. 12/24).

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., NIF ..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Coimbra, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I – RELATÓRIO

 

  1. O Pedido

O Requerente impugna liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos de 2023 e, consequentemente, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... (Direção de Finanças de Coimbra), por si apresentada contra tais liquidações.

Pede a anulação de tais decisões, o reembolso do imposto que considera ter sido indevidamente pago e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. O Litígio

 

Relativamente a uma empreitada de reabilitação urbana, está em causa saber quais as condições necessárias para a mesma ficar sujeita à taxa reduzida de IVA, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º CIVA - verba 2.23 da Lista I: se basta que a obra se localize numa área de reabilitação urbana (ARU), já legalmente definida (é o entendimento do Requerente); se é necessário que tal obra esteja, também (requisitos cumulativos), abrangida por uma “operação de reabilitação urbana”, previamente aprovada para essa ARU  (posição defendida pela AT)

 

  1. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 06-12-2024.

Os árbitros que constituem este Tribunal foram designados, nos termos legais, pelo CAAD, aceitaram tempestivamente as nomeações, as quais não foram objeto de impugnação.

O tribunal arbitral ficou constituído em 14-02-2024.

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

Por despacho de 03/04/2025, foram dispensadas a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

  1. Saneamento

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram alegadas nem detetadas questões capazes de obstar ao mérito da causa.

 

 

II- PROVA

 

II.1- Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente celebrou, em 09/06/2021, um contrato de empreitada com a sociedade B... (empreiteiro), visando a demolição de uma moradia unifamiliar e a construção de uma nova habitação.

c) O imóvel localiza-se no ..., n.º ..., ..., Oeiras.

d) Tal local insere-se Área de Reabilitação Urbana (ARU) de .../..., tal como publicado na 2.ª série do Diário da República de 9 de maio de 2019, aviso n.º 804.

e) O empreiteiro foi sujeito a procedimento de inspeção tributária, do qual resultou uma liquidação adicional de IVA, no valor € 231.313,07, por ”aplicação indevida da taxa reduzida de IVA”.

f) Em consequência, o empreiteiro emitiu uma nota de crédito, de forma a anular as faturas antes emitidas (nas quais fora aplicada a taxa de IVA reduzida de 6%), e emitiu uma nova fatura, com IVA à taxa de norma (23%).

g) O Requerente pagou ao empreiteiro o diferencial entre a aplicação da taxa normal de IVA de 23% e a taxa reduzida de 6%

g) O Requerente apresentou reclamação graciosa contra as sobreditas liquidações, a qual foi expressamente indeferida.

h) A fundamentação de tal indeferimento foi, em suma, á seguinte: “Resulta assim claro, da referida disposição legal, que para se estar perante uma empreita da de reabilitação urbana é necessário que se verifique a aprovação de dois requisitos/instrumentos: a) a delimitação da área de reabilitação urbana (ARU); b) a operação de reabilitação urbana ( ORU), a realizar na respetiva ARU. Deste modo, só se pode entender como empreitada de reabilitação urbana nos termos do RJRU, as empreitadas de reabilitação urbana que sejam realizadas no quadro de uma ORU já aprovada para a ARU respetiva (…). E daqui decorre que só no momento da existência/aprovação da ORU é que os sujeitos passivos de imposto podem beneficiar da aplicação da taxa reduzida nos termos da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA”.

 

Estes factos resultam da documentação junta aos autos, tendo sido aceites por ambas as partes sem qualquer divergência.

 

    II.2 – Factos não provados

Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

 

III - O DIREITO

 

A questão a resolver, acima identificada, é conhecida, tendo dado origem a numerosa jurisprudência, nomeadamente arbitral, divergente[1].

O que conduziu à muito recente prolação, pelo Pleno da Seção do Contencioso Tributário, de um acórdão uniformizador, em 26 de março de 2025, no proc.12/24.

Transcrevemos de tal aresto:

(…)

3.2.4.3. Na Verba 2.23 da referida lista I, onde estão identificados os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, consta que beneficiam da taxa de 6% as «Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.».

3.2.4.4. O artigo 2.º, alínea j) do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro dá-nos o conceito de “Reabilitação urbana”, definindo-a como «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».

3.2.4.4. Por sua vez, dispõem os artigos 7.º, 8.º, 14.º e 15.º do RJRU (…)

3.2.4.6. Tendo presente o quadro legal supra transcrito e cientes de que as normas fiscais se devem interpretar segundo os cânones que regem a interpretação de quaisquer outras, por assim resultar expressamente do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, antecipamos que é afirmativa a nossa resposta à questão de saber se a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA depende da existência de uma Operação de Reabilitação Urbana aprovada para o local inserido em Área de Reabilitação Urbana onde é realizada a Operação Urbanística (empreitada). Ou seja, entendemos que o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana.

3.2.4.7. Esta é, a nosso ver, a melhor interpretação da norma consagrada na Verba 2.23., a que melhor compatibiliza os critérios previstos no artigo 9.º, nºs 1 e 2 do Código Civil - isto é, a que, partindo do texto da lei e tendo nele suficiente suporte, melhor reconstitui o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do Código Civil).

3.2.4.8. Começando pelo elemento literal, dúvidas não subsistem que só as empreitadas de reabilitação urbana podem beneficiar do benefício consagrado no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por este normativo, onde se encontram definidas as taxas de imposto, estabelecer que estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma e a Verba 2.23 da referida lista I e nesta constar que só beneficiam dessa taxa reduzida as “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico.

3.2.4.9. É possível, assim, concluir de forma imediata da letra da lei que não beneficiam da taxa reduzida todas as empreitadas, ou seja, que não beneficiam dela todas as obras que por contrato sejam realizadas por uma parte a outra, mediante um preço (artigo 127.º do Código Civil) mas, tão só, por vontade expressa do legislador, as empreitadas ou obras qualificáveis como empreitadas de reabilitação urbana.

3.2.4.10. Não definindo o legislador fiscal nem o legislador urbanístico o que são empreitadas de requalificação urbana, a densificação deste conceito e, por si, a verificação deste requisito de reconhecimento do direito ao benefício, tem de ser densificado por recurso ao conceito de reabilitação urbana consagrado no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, para o qual a verba 2.23 nos remete expressamente (ao referir “diploma específico”) e com o qual, também por imposição dos elementos sistemático e em respeito da unidade do sistema jurídico, o conceito de empreitada de reabilitação urbana se tem de integrar e compatibilizar.

 

3.2.4.11. Dispõe a esse propósito o artigo 2.º, alínea j) do RJUR, que “ Reabilitação urbana” é «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».

3.2.4.12. Começa, pois, a ganhar consistência o entendimento de que a empreitada de reabilitação urbana a que o legislador fiscal dá relevo enquanto condição de acesso ao benefício da taxa reduzida de 6% , tem de traduzir-se numa obra integrada num plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios, entidades a quem compete promover a reabilitação urbana.

3.2.4.13. É precisamente nesta relação entre empreitada e reabilitação urbana imposta pela Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e nesta relação entre reabilitação urbana e plano de reabilitação ou forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente estratégico que surge, com relevo acrescido na compreensão do conceito de empreitada de reabilitação urbana e da Verba 2.23, a disciplina acolhida nos artigos 7.º, 8.º e 16.º do RJRU, preceitos em que o legislador, após atribuir aos Municípios a promoção da reabilitação urbana em Áreas de Reabilitação Urbana, determina que: - a reabilitação urbana resulta da aprovação cumulativa de dois instrumentos, delimitação da área de reabilitação urbana [al. a) do artigo 7.º] e operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [al. b) do artigo 7.º]; (…)

 

3.2.4.14. Como se diz no acórdão recorrido, invocando o julgamento proferido no processo n.º 3/2023-T, deste enquadramento legal podem ser extraídas duas importantes conclusões para efeitos de interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Primeira, «só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a “empreitadas de reabilitação urbana”, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto» (…). Segunda, «o que ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16 da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20, n.ºs 1 e 3 do RJRU).».

3.2.4.15. Em suma, não temos dúvida alguma que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“ Simples” ou “ Sistemática”) de Reabilitação Urbana.

3.2.3.16. Interpretação que sai reforçada pelo elemento teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objectivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização.

 3.2.3.17. Como resulta da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2009, este regime especial constitui no plano legal a consagração de uma opção politica, assumindo-se claramente que a reabilitação urbana constitui hoje «uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objectivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna». ( § 1 do referido preâmbulo).

3.2.3.18. Visou, e continua a visar ainda hoje encontrar soluções para «cinco grandes desafios», destacando-se, para o que ora releva, articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infraestruturas das áreas urbanas a reabilitar e garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos actores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas «áreas de reabilitação urbana».

3.2.3.19. Elegeu-se como objectivo central do novo regime substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa-se à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana») a definição, pelo município, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução. Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar. (…)

3.2.3.20. Ficou ainda exarado no mesmo preâmbulo, que «O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efectuar no interior da respectiva área de reabilitação urbana.».

3.2.3.21. Procurava-se, e continua a procurar-se, com este regime, «regular de forma mais clara os procedimentos a que deve obedecer a definição de áreas a submeter a reabilitação urbana, bem como a programação e o planeamento das intervenções a realizar nessas mesmas áreas.».

3.2.3.22. Passa a permitir-se «que a delimitação de área de reabilitação urbana, pelos municípios, possa ser feita através de instrumento próprio, desde que precedida de parecer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., ou por via da aprovação de um plano de pormenor de reabilitação urbana, correspondendo à respectiva área de intervenção. A esta delimitação é associada a exigência da determinação dos objectivos e da estratégia da intervenção, sendo este também o momento da definição do tipo de operação de reabilitação urbana a realizar e da escolha da entidade gestora.

3.2.3.23. “Numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta-se por permitir a realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana. No primeiro caso, designado por «operação de reabilitação urbana simples», trata-se de uma intervenção essencialmente dirigida à reabilitação do edificado, tendo como objectivo a reabilitação urbana de uma área. No segundo caso, designado por «operação de reabilitação urbana sistemática», é acentuada a vertente integrada da intervenção, dirigindo-se à reabilitação do edificado e à qualificação das infra-estruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, com os objectivos de requalificar e revitalizar o tecido urbano.».

3.2.3.24. «Num caso como noutro, à delimitação da área de reabilitação urbana atribui-se um conjunto significativo de efeitos. Entre estes, destaca-se, desde logo, a emergência de uma obrigação de definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património. Decorre também daquele acto a atribuição aos proprietários do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana. O acto de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que se opte por uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem ainda como imediata consequência a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes ou, bem assim, da constituição de servidões.».

3.2.3.25. Em suma, resulta, a nosso ver de forma expressiva, do extenso preâmbulo que precede a lei, que o objectivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade ( ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual ( que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas) fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objectivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objectivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar.

3.2.3.26. Só tendo presente esta intencionalidade e objectivos faz sentido a norma excepcional do artigo 18. Al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a este anexa, afigurando-se-nos que, na

ausência desta contextualização a atribuição daquele beneficio e/ou incentivo fiscal carece de fundamento legal e seria, em nosso entender, de duvidoso conforto constitucional.

(…)

3.2.4.32. Concluindo e uniformizando jurisprudência: - Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana; A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.

 

Este tribunal arbitral, no respeito pela função de uniformização da jurisprudência que cabe ao Pleno do STA e em homenagem ao valor segurança jurídica daí decorrente, faz seu o entendimento desse tribunal.

 

Após a prolação do acórdão uniformizador do STA, veio o Requerente pugnar, de novo, pela procedência do seu pedido, com base na violação do princípio da confiança.

Começamos por salientar que este tribunal arbitral está consciente das previsíveis consequências que, na prática, resultarão deste acórdão uniformizador, especialmente se a AT o invocar para, sistematicamente, realizar liquidações adicionais relativas a obras realizadas e concluídas no passado.

Porém, tal não legitima a pretensão de “ignorar” tal acórdão pelas consequências em que a sua invocação se pode projetar.

A aplicação da lei, nomeadamente da tributária, supõe, necessariamente, uma tarefa interpretativa, a ser realizada, em última instância e quando necessário, pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA. O acórdão uniformizador, na economia do sistema, passa a definir a (única) boa interpretação da lei.

A invocação do princípio da confiança coloca a questão num plano diferente: saber se a lei, bem interpretada, não deve ser aplicada por, no caso concreto, tal resultar em ofensa de um valor jurídico superior (com dignidade constitucional).

Para haver violação da confiança, capaz de resultar numa não aplicação da lei, seria necessário que a administração fiscal tivesse induzido este Requerente ao comportamento em questão (a realizar a obra), por. de alguma forma, lhe ter garantido aplicação da taxa reduzida de IVA.

Temos, em primeiro lugar, que o Requerente não cuidou em obter uma informação vinculativa, relativa à obra que ia efetuar, diferentemente do que outros (nomeadamente aqueles que solicitaram as informações vinculativas citadas pelo Requerente) fizeram.

Ou seja, não fez uso do instrumento legal que existe, precisamente, para tutelar a boa fé dos sujeitos passivos quanto a futuras alterações na interpretação da lei feita pela administração fiscal.

Não se vislumbra qualquer atuação da AT capaz de gerar, na esfera do Requerente, uma confiança juridicamente protegida. O que não é o mesmo que “confiança” no sentido vulgar da palavra. O valor confiança apenas deve prevalecer sobre a aplicação da lei vigente verificados determinados requisitos, compreensivelmente muito apertados.

Com o acórdão do CAAD no processo n.º 212/2021-T, citado pelo Requerente, o qual, aliás, é conforme com a jurisprudência do STA, exige-se:

(i)                  um comportamento da AT gerador de confiança no caso concreto;

(ii)                a efetivação de um investimento de confiança com base em tal confiança (um investimento que, de outro modo, não teria lugar);

(iii)              a frustração da confiança por parte de quem a gerou.

 

No entender deste tribunal nenhum destes requisitos ficou provado no caso em apreço.

A busca da melhor interpretação da lei não pode ser criticável, mesmo quando conduza à alteração de entendimentos antes assumidos.

É normal - como afirma o Requerente – que os particulares perspetivem as consequências fiscais das operações que projetam realizar à luz das decisões dos tribunais em casos semelhantes, das decisões administrativas, dos escritos doutrinários, etc., disponíveis no momento da tomada de decisão. É normal que formem expetativas de que, no seu caso, a lei será interpretada e aplicada tal como aí preconizado.

Mas totalmente diferente é pretender que exista uma garantia jurídica de que assim acontecerá.

Se uma “primeira interpretação da lei”, feita pela entidade administrativa ou pelo tribunal, se tornasse, sem mais, definitiva, teríamos uma rigidez jurídica incompatível com a (sempre progressiva) realização do princípio da Justiça.

 

Pelo que há que concluir que a aplicação da lei, tal qual interpretada pelo STA em sede de uniformização de jurisprudência, não resultou, neste caso, violadora do princípio da confiança inerente ao Estado-de-Direito. 

 

 

IV- DECISÃO

Pelo exposto, este tribunal arbitral conclui pela improcedência de todos os pedidos (improcedendo o pedido de anulação das liquidações impugnadas, improcedem os demais pedidos, daquele dependentes).

 

VALOR: € 231.313,06.

CUSTAS, no montante de 4.284,00 euros, a cargo do Requerente por ter sido total o seu decaimento.

 

 

2 de maio de 2025

 

 Os árbitros

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

 

  1. Sérgio de Matos

 

 

António Cipriano da Silva 

 

 

 

 

 

 

 



[1] O consenso formado neste coletivo, antes da publicação do acórdão uniformizador, ia no sentido da procedência do pedido.