Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1218/2024-T
Data da decisão: 2025-04-30  IRC  
Valor do pedido: € 55.731,69
Tema: IRC. Cooperativas. Juros devidos pela mora no pagamento de dívidas resultantes do fornecimento de bens e produtos aos cooperadores. Qualificação. Isenção - art.º 66.º-A, n.º 1, al. a) do EBF.
Retificação de erros materiais contidos na Decisão Arbitral de 30-04-2025
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DESPACHO ARBITRAL

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 613.º e no n.º 1 do artigo 614.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicável na Arbitragem Tributária nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, vem o Tribunal corrigir erros de escrita e inexatidão devida a omissão ou lapso manifesto contidos na Decisão Arbitral proferida no Processo 1218/2024-T, em 30 de abril de 2025, nos termos seguintes:

  1. Eliminam-se as anteriores páginas 26, 29 e 30, por constituírem, a primeira repetição da página 27 e a segunda e terceira, repetição da anterior página 28, o que, manifestamente, se configura como erro de escrita;
  2. Retifica-se o texto do Ponto IV. DECISÃO, porque enferma de omissão ostensiva, evidente e devida a lapso manifesto, uma vez que, ao lê-lo, vê-se que há erro e logo se entende o que se queria dizer.

Anexa-se a Decisão devidamente retificada.

Notifique

Lisboa, 30 de abril de 2025

 

O Tribunal Singular,

 

(Manuel Faustino)

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 1218/2024-T

Tema

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO:

 

  1. Uma cooperativa agrícola não exerce qualquer atividade financeira. O exercício da atividade financeira em sentido estrito está sujeito ao princípio da exclusividade nos termos do artigo 8.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, conceitos que não abrangem uma cooperativa agrícola.
  2. À mesma conclusão se chega quando a atividade financeira, entendida como uma atividade económica, tem por objeto a angariação, obtenção e concessão de financiamentos, suportados por contratos de mútuo cuja principal característica é a restituição do que foi mutuado.
  3. Não podem ter-se por alheios aos seus fins os juros de mora cobrados por dívidas comerciais vencidas dos cooperadores, determinados em regulamento de administração financeira aprovado pela Assembleia Geral da Cooperativa e que o órgão de gestão aplica no quadro das suas atribuições e competências, mediante a utilização de um meio de financiamento não financeiro, subjacente ao qual se encontra o crédito comercial: a cobrança de juros de mora.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

                  O signatário, Manuel Lopes da Silva Faustino, que também usa Manuel Faustino, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 28-01-2025, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

                  A..., CRL, NIPC..., doravante REQUERENTE, com sede na Rua ..., n.º ...,  ..., veio pedir a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), impugnando os atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios atestados pela Demonstração de Liquidação de IRC, com o n.º 2024..., de 30-09-2024,  relativa ao exercício de 2020, no valor total de € 55.731,69, que inclui € 5.868,79 de juros, originada por correções aos elementos declarados com referência ao mesmo exercício, com recurso a aplicação de correções técnicas com origem em ação inspetiva determinada pela Direção de Finanças de Braga pela Ordem de Serviço Externa n.º OI2023..., de 11-08-2023.

                  Alega, em síntese, que:

  1. Os juros de mora cobrados aos cooperadores nos termos do Regulamento para o efeito aprovado, têm a natureza de indemnização pelo atraso no pagamento de dívida resultante do fornecimento de bens e serviços no exercício da sua atividade económica normal, não configurando uma atividade própria e autónoma da Requerente.
  2. A cobrança de juros de mora por atraso no pagamento de uma dívida vencida não é qualificável como um qualquer "serviço financeiro", associado a "atividade financeira", uma vez que nenhum valor foi disponibilizado ou emprestado ao cooperador, nem este ficou obrigado a devolver o que quer que fosse, ao longo de um prazo acordado com juros.
  3. A cobrança de juros de mora por atraso no pagamento é imposta por critério critérios de uma gestão sã e prudente e visa repor a situação financeira, liquidez incluída, da Requerente que existiria se aquele se não verificasse, assegurando, do mesmo modo, a não discriminação entre os cooperadores que pagam sem mora e aqueles que pagam já em mora.
  4. A liquidação impugnada padece de errónea quantificação da matéria coletável e de vício de violação de lei face ao prescrito no artigo 66.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

              Termina com a formulação do seguinte pedido:

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá deverá a nota de liquidação n.º 2024 ... ser anulada atenta a errónea quantificação da matéria coletável, anulando-se os valores indevidamente cobrados, devendo manter-se a liquidação enviada oportunamente pelo reclamante.

É REQUERIDA a Autoridade Tributária e Aduaneira, de ora em diante Requerida ou AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral submetido no dia 18-11-2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 20-11-2024, e automaticamente notificado à Requerida.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro signatário no dia 09-01-2025.

As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico e, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28-01-2925.

Em 28-01-2025, foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT notificando a requerida para apresentar resposta, requerer outros elementos de prova e juntar o Processo Administrativo

Em 17-03-2025, a Requerida juntou o PA e apresentou a sua resposta na qual, por impugnação, defendeu a legalidade dos atos de liquidação impugnados, argumentando, em síntese, que o pagamento de juros por dívidas dos cooperadores pelo fornecimento de bens e serviços se configura como uma atividade de concessão de crédito alheia os fins próprios da Requerente, pelo que não é suscetível de beneficiar da isenção de IRC consagrada no n.º 1 do artigo 66.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Por despacho de 17-03-2025, e não obstante ter sido requerida prova al pela Requerente, não foi considerada necessária pelo Tribunal por estar em causa matéria exclusivamente de direito e, consequentemente, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Por não ter sido requerida e ter sido considerada desnecessária a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o Tribunal Arbitral proferiu despacho com dispensa da mesma e de alegações. No entanto, e porque na Resposta, a Requerida informou estar em curso no Venerando Supremo Tribunal Administrativo (STA) recurso interposto da sentença que, sobre caso e sujeito idênticos, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferira no Processo 410/21.0BEBRG, o Tribunal pediu esclarecimento adicional sobre se tal recurso visava a uniformização de jurisprudência, o que poderia dar azo à suspensão da instância neste Tribunal.

A Requerida esclareceu o Tribunal de que não era para uniformização de jurisprudência o recurso em causa. E, seguidamente, a Requerente veio juntar aos autos o Parecer entretanto proferido pelo M. D. Procurador do Ministério Público junto do STA no mesmo recurso.

O Tribunal, por despacho de 21-03-2025, concedeu prazo para alegações facultativas com fundamento na tramitação processual ocorrida após a apresentação da Resposta. A Requerente apresentou as alegações em 27-03-2025 e a Requerida em 09-04-2025. A Requerente juntou, com as suas alegações, o douto parecer subscrito pela Exm.ª Prof.ª Doutora Glória Teixeira, Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

 

II. SANEAMENTO

       O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. 

       O Tribunal encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

       O processo é próprio e não enferma de qualquer nulidade que o invalide total ou parcialmente.

       As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.

       Não existem exceções, nulidades ou questões prévias cujo conhecimento deva ser feito de imediato.

 

III. QUESTÕES A DECIDIR

                  No presente PPA cumpre apreciar e decidir se os juros de mora cobrados pela Requerente pelo atraso no pagamento de dívidas constantes de faturas emitidas pelo fornecimento de bens e serviços aos cooperadores, no âmbito do seu escopo estatutário, podem ser qualificados como réditos do exercício de uma atividade financeira alheia aos fins próprios da Requerente.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

§ 1.º - FACTOS PROVADOS

                  O Tribunal dá como provados, com pertinência para a decisão a proferir, os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma cooperativa agrícola, cujo Código de Atividade Económica (CAE) principal é o "46331 - Comércio por grosso de leite, seus derivados e ovos" (Rev.3 e Rev. 4) - Cfr. Relatório da Inspeção Tributária III.1.2 Da atividade desenvolvida, junto com o PA, doravante RIT;
  2. A Requerente foi objeto de uma inspeção externa, determinada e credenciada pela OI2023..., de 11-08-2023, emitida pela Direção de Finanças de Braga (DFB), de âmbito parcial e incidente sobre o IRC relativo ao exercício de 2020 - Cfr. RIT, II, Objetivos, âmbito, extensão e duração da ação de inspeção;
  3. O RIT foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da DFB e aprovado por Despacho de 25-07-2024 do respetivo Chefe de Divisão, com delegação de competências, dele se extraindo, com relevância para a decisão, o seguinte:

III. Informações complementares

...

III.1.2. Da atividade Desenvolvida

De acordo com a base de dados da AT2, a A..., encontra-se coletada para o exercício das seguintes atividades:

 

O sujeito passivo é uma cooperativa agrícola, com diversas secções:

- Secção Leiteira;

- Secção de compra e venda;

- Secção OPP – Organização de Produtores Pecuários;

- Seção de Milho Grão;

- Seção de Vitivinicultura.

 

(...)

 

III.3.3. Outros elementos/informações relevantes

Enquadramento Legal - O Código Cooperativo

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código Cooperativo, são os seguintes os ramos para o setor cooperativo:

“1 - Sem prejuízo de outros que venham a ser legalmente consagrados, o setor cooperativo compreende os

seguintes ramos:

a) Consumo;

b) Comercialização;

c) Agrícola;

d) Crédito;

e) Habitação e construção;

f) Produção operária;

g) Artesanato;

h) Pescas;

i) Cultura;

j) Serviços;

l) Ensino; “

 

Os Estatutos da A...

Nos termos do artigo 2.º dos Estatutos da A..., esta cooperativa integra-se no ramo agrícola do setor cooperativo e classifica-se quanto ao seu objeto como cooperativa polivalente.

 

O regime fiscal das cooperativas

O regime fiscal das cooperativas estrutura-se em dois pilares: a sua sujeição à generalidade dos impostos e o estabelecimento, de forma autonomizada em relação às várias leis de imposto de um conjunto de benefícios fiscais.

Alguns dos benefícios fiscais das cooperativas estão consagrados no artigo 66.º-A do EBF.

Este normativo legal separa dois grandes grupos de cooperativas. Um primeiro grupo inclui as cooperativas agrícolas, culturais, de consumo, de habitação e construção e de solidariedade social. Um segundo grupo inclui as cooperativas dos ramos de comercialização, de crédito, de produção operária, de artesanato, de pescas e de serviços.

As cooperativas do primeiro grupo estão isentas de IRC quanto aos resultados das operações cooperativizadas.

Por outras palavras, a isenção não abrange nem os resultados provenientes de operações com terceiros, nem aqueles que sejam gerados em atividades alheias aos fins próprios da cooperativa, segundo o n.º 1 do art.º 66.º-A do EBF.

Quanto ao segundo grupo, as cooperativas que a ele pertencem estão isentas de IRC, já não apenas em relação aos resultados gerados nas operações cooperativizadas, mas em relação a todos os resultados. No entanto, para que as cooperativas deste grupo possam beneficiar de isenção, devem cumprir cumulativamente os requisitos enumerados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do citado artigo 66.º-A do EBF.

 

Demonstração de resultados:

Entre 2019 e 2020, o SP as modificações ao nível dos gastos e perdas e rendimentos e ganhos foi materialmente irrelevante, à exceção das imparidades (reversões de imparidades - rendimentos) e das provisões respeitantes a processos em tribunal relativas a correções efetuadas pela AT em anos anteriores e Tribunal do Trabalho, conforme apresentado no quadro abaixo:

 

IV. Descrição da análise efetuada

(...)

IV.2. Breve análise Económico Financeira

Evidenciam-se de seguida alguns indicadores e respetiva variação, relativos à atividade do sujeito passivo:

 

 

Pela análise comparativa aos indicadores expostos verifica-se que o sujeito passivo exibe margens brutas de comercialização inferiores às do setor de atividade a que pertence. A exceção reside no rácio com pessoal

Tal situação pode ser justificada pela diversidade de atividades desenvolvidas pelo SP e pelo facto de se tratar de uma cooperativa.

 

IV.3 – Determinação da Coleta

Relativamente ao período de 2020, a A... apurou o seguinte lucro tributável e coleta:

 

Para a determinação do lucro tributável o SP considerou como rendimentos sujeitos a tributação, os resultados apurados com:

  • Venda de combustíveis - € 29.059,88.
  • Vendas de produtos a não cooperantes (Secção de produtos agrícolas e Seção de produtos veterinários) - €32,670,42.
  • Farmácia - € 4.907,36
  • OPP – 284,26
  • Inseminação artificial € 13,35
  • Juros - € 1.075,59
  • Correções fiscais - € 1.882,00
  • Administração - €11.451,92

 

IV.3 – Investimentos Financeiros

O SP detém 19,0034% do capital da C..., e 11,14% do capital da B..., UCRL.

Assim, no exercício em análise, verifica-se um aumento do valor das participações sociais (com base nas demonstrações financeiras de 2019, uma vez que o SP argumenta que à data do encerramento das contas não dispõe da informação das contas da C... e B...), resultado da aplicação do método da equivalência patrimonial às suas participadas C... e B..., que se traduz nos montantes de € 660.338,06 e € 13.283,77, respetivamente, acréscimos esses que foram contabilizados em investimentos financeiros, por contrapartida da conta de ajustamentos financeiros de partes de capital.

Em termos fiscais, o SP considerou uma variação patrimonial positiva de € 673.621,83, linha 202 do Q 07 da modelo 22 e deduziu esse valor (adicionado do lucro no valor de € 1.862,09 obtido pela empresa D..., na qual a Cooperativa detém 100% do capital) no Q07 linha 758 da modelo 22 (€ 675.483,92), relativo à anulação do efeito do método da equivalência patrimonial, dando assim cumprimento ao disposto no n.º 8 do artigo 18.ºdo Código do IRC.

 

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

1 - Juros Cobrados a Cooperadores

Tal como já se fez referência, o n.º 1 do art.º 66-A do EBF consagra a isenção de IRC dos rendimentos obtidos pelas Cooperativas do ramo agrícola, com exceção dos resultados provenientes de operações com terceiros e de atividades alheias aos próprios fins.

Esta isenção contempla ainda outra exceção, neste caso contida no n.º 4 do mesmo artigo, segundo o qual a isenção prevista no n.º 1 não abrange os rendimentos sujeitos a IRC por retenção na fonte, a qual tem carácter definitivo no caso de a cooperativa não ter outros rendimentos sujeitos a imposto, aplicando-se as taxas que lhe correspondam.

Analisado o disposto no DL 335/99 de 20 de agosto (que estabelece o regime jurídico aplicável às cooperativas agrícolas), verificamos que:

  • Nos termos do art.º 1.º, as cooperativas agrícolas de primeiro grau e as suas organizações de grau superior regem-se pelas disposições do presente diploma e, nas suas omissões, pelas do Código Cooperativo.
  • De acordo com o disposto no artigo 2.º, são cooperativas agrícolas as que tenham por objeto principal, designadamente:
  1. A produção agrícola, agropecuária e florestal;
  2. A recolha, a concentração, a transformação, a conservação, a armazenagem e o escoamento de bens e produtos provenientes das explorações dos seus membros; c) A produção, a aquisição, a preparação e o acondicionamento de fatores de produção e de produtos e a aquisição de animais destinados às explorações dos seus membros ou à sua própria atividade;
  3. A instalação e a prestação de serviços às explorações dos seus membros, nomeadamente de índole organizativa, técnica, tecnológica, económica, financeira, comercial, administrativa e associativa;
  4. A gestão e a utilização da água de rega, a administração, a exploração e a conservação das respetivas obras e equipamentos de rega, que a lei preveja poderem ser administradas ou geridas por cooperativas.

 

 

Analisados os Estatutos da Cooperativa verificamos que o artigo 2.º define o objeto da mesma:

 

 

 

 

 

 

No âmbito da sua atividade, a A... debita aos seus cooperantes juros de mora, pela concessão de crédito relacionado com o atraso nos pagamentos.

Analisado o regulamento de concessão de crédito remetido pelo Sujeito Passivo verificamos que:

  • Para os créditos vencidos entre os 61 e os 120 dias – são contabilizados juros dia a dia à taxa de 3%/ano (juros calculados ao dia) desde a data de vencimento da fatura;
  • Para os créditos com mais de 120 dias - são contabilizados juros à taxa de 7%/ano (juros calculados ao dia) desde a data de vencimento da fatura.

No ano de 2020 estes juros ascenderam a € 224.607,69.

Relativamente aos juros cobrados pela cooperativa aos cooperantes, trata-se de uma atividade que não se enquadra no objeto das cooperativas agrícolas, tal como se encontra definido no art.º 2.º do DL n.º 355/99, de 20 de agosto, relativo ao regime jurídico das cooperativas agrícolas, bem como no art.º 2.º dos Estatutos da A..., representando desta forma uma atividade alheia aos fins cooperativos. De referir, que os juros são registados na conta de proveitos e ganhos financeiros isentos (79171).

Por este facto, estes juros não beneficiam da isenção de IRC, e, assim sendo, estão sujeitos àquele imposto nos termos gerais, razão pela qual se procede à sua correção que ascende a € 224.607,69.

Correção em sede de IRC: € 224.607,69

 

(...)

X. Direito de Audição

Aquando do envio do projeto de relatório, o sujeito passivo foi notificado nos termos dos art.º 60.º da LGT e art.º 60.º do RCPITA, para no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sendo o mesmo criado em 2024-04-23 e descarregado na caixa postal eletrónica do SP via CTT em 2024-03-24, tendo assim o SP sido devidamente notificado no dia 2024-04-29 nos termos do n.º 5 do art.º 43.º do RCPITA, conforme quadro infra.

Quadro n.º 9 – Tramitação da Direito de audição enviado via CTT para caixa postal eletrónica do SP

 

 

 

 

A...

 

O direito de audição doravante designado de DA, deu entrada na Direção de Finanças de Braga em 2022 -05-07 (entrada n.º 2024...).

O direito de audição (ver anexo n.º 1) é composto apenas por uma petição/exposição composto por 9 páginas, com 52 pontos.

Não juntou em anexo quaisquer documentos.

 

X.1. Análise do Direito de Audição

A análise do exercício do direito de audição (DA), foi feito nos seguintes termos (por uma questão metodológica, procurou-se agrupar por assunto os pontos apresentados no direito de audição, para mais fácil análise):

- Juros de mora pela concessão de crédito (pontos1 a 16 do DA);

- Isenção de IRC no caso dos juros de mora (pontos 17 a 52 do DA).

 

X.1.1. Juros de mora pela concessão de crédito (pontos1 a 16 do Direito de audição)

No direito de audição apresentado pelo Sujeito Passivo, verificamos que o mesmo alega que no relatório de inspeção é feita confusão entre juros de mora e juros remuneratórios, e que não se alcança como é que se conclui que a A... (doravante designada de A...) debita juros de mora pela concessão de crédito relacionados com atrasos nos pagamentos.

Relativamente a este aspeto elencando no DA, no âmbito da sua atividade, a A... debita aos seus cooperantes juros de mora, quando o pagamento das faturas a crédito ultrapasse os 60 dias, no entanto a taxa varia consoante as faturas a crédito sejam pagas entre os 61 dias e os 120 dias ou sejam pagas “após os 120 dias”.

Esta situação elencada no regulamento aprovado pela A..., também se encontra versada no ponto 3.9 do relatório de gestão e contas do ano de 2020, onde é feita a referência ao regulamento de vendas a crédito:

 

 

 

 

 

 

 

A...

 

 

 

Da análise deste ponto do relatório de contas e gestão do ano de 2020, verificamos em suma que:

Ponto 1 – Pagamento de faturas a crédito até 30 dias – desconto financeiro de 0,5%.

Ponto 2 - Pagamento de faturas a crédito entre os 61 e os 120 dias – são contabilizados juros dia a dia à taxa de 3%/ano (juros calculados ao dia) desde a data de vencimento da fatura;

Ponto 3 - Pagamento de faturas a crédito com mais de 120 dias - são contabilizados juros à taxa de 7%/ano (juros calculados ao dia) desde a data de vencimento da fatura.

Ponto 4 a 7 – Regula a política de concessão de crédito, referindo o montante máximo de crédito, situações de incumprimento e suspensão de crédito.

Assim sendo, concluímos que a A... debita juros de mora nas situações acima elencadas, cuja taxa (ou mesmo isenção de pagamento de juros) varia em função da data de pagamento, e que a mesma possui efetivamente uma política de concessão de crédito, onde se encontram elencadas as condições para a concessão/suspensão de crédito, consequências em caso de incumprimento, situações de exceção, etc.

 

X.1.2 – Isenção de IRC no caso dos juros de mora (pontos 17 a 52 do DA)

No DA o SP entende que os juros de mora reúnem as condições para beneficiar da isenção de IRC, por um de dois motivos apresentados de seguida:

1º- Devem ser considerados numa atividade subsumível aos fins cooperativos, e que se entram reunidas as condições para beneficiar da isenção, uma vez que a cobrança de juros pelo não pagamento das faturas na data de vencimento é precisamente uma operação que visa a manutenção e prossecução dos fins estatutários, afirmando-se as cooperativas como entidades da economia social com personalidade jurídica, que desenvolvem uma atividade económica (cfr. Artigo 7.º do Código Cooperativo) com a finalidade de prosseguir a satisfação das necessidades dos membros, maximizar os resultados e potencializar a produção, sendo instrumental em relação aos interesses dos seus cooperadores, na medida em que a cooperativa nasce para satisfazer as necessidades daqueles, não se podendo deixar de incluir nos fins estatuários da A... a prestação de meios necessários a assegurar a gestão racional e eficiente das vendas e cobranças aos seus cooperantes, de modo a garantir o pagamento atempado, a liquidez e consequentemente a solvabilidade da instituição (pontos 17 a 47 do DA).

2º– Caso não se entenda que devem ser considerados numa atividade subsumível aos fins cooperativos, estamos perante uma atividade que integra o objeto das Cooperativas, ao referir que mesmo que assim não se entendesse, isto é, mesmo que se concluísse que se tratava de uma atividade relacionada com concessão de crédito, essa atividade não é alheia às cooperativas, uma vez que podem prestar serviços económicos e financeiros aos membros/cooperantes, cabendo à A... organizar, executar, disciplinar e administrar os serviços e ainda prestar serviços económicos e financeiros, tal significando que a mesma pode vender produtos e ainda prestar serviços económicos e promover formas para que tais vendas sejam pagas aos cooperantes (Pontos 48 a 52 do DA).

Analisados os argumentos apresentados pelo SP (motivo 1 e 2), e tal como referido nos pontos III. 3.3 e V.1 do presente relatório, o n.º 1 do art.º 66-A do EBF, consagra a isenção de IRC dos rendimentos obtidos pelas Cooperativas do ramo agrícola, com exceção dos resultados provenientes de operações com terceiros e de atividades alheias aos próprios fins. Esta isenção contempla ainda outra exceção, neste caso contida no n.º 4 do mesmo artigo, segundo o qual a isenção prevista no n.º 1 não abrange os rendimentos sujeitos a IRC por retenção na fonte, a qual tem carácter definitivo no caso de a cooperativa não ter outros rendimentos sujeitos a imposto, aplicando-se as taxas que lhe correspondam.

Assim sendo, a isenção de IRC de que beneficiam as cooperativas não se aplica à totalidade dos rendimentos, dado que, o legislador exclui os resultados provenientes de operações com terceiros, e, bem assim, os resultados provenientes de atividades alheias aos próprios fins.

O art.º 2.º do Código Cooperativo, aprovado pela Lei 119/2015, refere que as cooperativas são pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles (sublinhado nosso).

O próprio no n.º 1 do art.º 2.º dos Estatutos da A..., refere que a Cooperativa tem por objetivo principal efetuar, quaisquer que sejam os meios e as técnicas por ela utilizados, as operações respeitantes à natureza dos produtos provenientes das explorações dos cooperadores e a prestação de serviços que se concretizam em cada uma das seções, contribuindo para a satisfação das necessidades económicas, sociais e culturais dos agricultores seus membros (sublinhado nosso).

Tal como referido anteriormente, o artigo 66.º-A, n.º 1, do EBF, exclui da isenção de IRC aplicável às cooperativas os rendimentos que advenham das atividades alheias aos próprios fins das cooperativas, ou seja, não estão abrangidas pela isenção as atividades que não tenham por finalidade a satisfação das necessidades económicas, sociais e culturais dos agricultores seus membros, pelo que não se pode considerar que o débito de juros aos seus membros vá de encontro aos fins de uma cooperativa, e consequentemente não podem beneficiar da isenção de IRC, consagrada neste artigo.

Feita esta análise e respetivas conclusões, também é referido pelo SP no DA, que estamos perante uma atividade que integra o objeto das Cooperativas, pois as Cooperativas podem prestar serviços económicos e financeiros aos seus membros/cooperantes.

Em primeiro lugar, é de referir que a isenção do IRC de que beneficiam as cooperativas, não é aplicável aos resultados provenientes de atividades alheias aos próprios fins, não sendo feita qualquer referência ao objeto da cooperativa, ou seja, a utilização da expressão “fins” no artigo 66.º-A, n.º 1, do EBF, não pode confundir-se com o “objeto”. Contudo, analisando o DL 335/99 de 20 de agosto e os Estatutos da A..., verificamos que:

  • De acordo com o disposto na al. d) do art.º 2.º do DL 335/99, são cooperativas agrícolas as que tenham por objeto principal, designadamente, a instalação e a prestação de serviços às explorações dos seus membros, nomeadamente de índole organizativa, técnica, tecnológica, económica, financeira, comercial, administrativa e associativa.
  • A al. g) do n.º 2 do art.º 2.º dos estatutos da ACB, dispõe que na prossecução dos objetivos da Cooperativa, esta propõe-se ainda a desenvolver prestação de serviços de apoio aos seus membros, como a elaboração e acompanhamento de projetos financeiros.

Assim sendo, a ACB na prossecução dos seus objetivos, pode prestar serviços de apoio às explorações dos seus membros, enquadrando-se neste âmbito, a elaboração e acompanhamento de projetos financeiros, concluindo-se claramente que não se enquadra aqui o débito de juros de mora aos seus cooperantes, uma vez que não estamos perante a prestação de qualquer serviço financeiro aos mesmos.

Sobre estas temáticas, pronunciou-se o Tribunal Administrativo e fiscal de Braga (Processo: 2166/20.4BEBRG), num processo em que é impugnante a própria ACB, concluindo que os juros de mora debitados aos cooperantes não aproveitam da isenção de IRC prevista no art.º 66.º-A, n.º 1 do EBF, ao referir que:

“(,,,)

Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se a cobrança de juros, nos termos supra exibidos, pode considerar-se uma atividade que vai ao encontro dos próprios fins de uma cooperativa?

A resposta é negativa.

O regulamento aprovado pela Impugnante consagrou um mecanismo financeiro de natureza creditícia do qual decorre que as pessoas que tenham créditos vencidos perante a Impugnante possam pagar um juro por esse crédito, cujo montante foi definido através do «Regulamento de concessão de crédito», aprovado em Assembleia Geral de 14/12/2017 (ponto 7 dos factos provados).

Não se alcança em que medida a cobrança de juros pelos créditos vencidos pode considerar-se uma atividade subsumível aos fins da cooperativa, posto que, em síntese, não se trata de uma operação que visa a manutenção e a prossecução de realizações compreendidas no arquétipo do mutualismo.

Tampouco pode considerar-se que estamos perante uma atividade que integra o objeto das cooperativas por, alegadamente, tratar-se de um serviço financeiro, subsumível ao disposto no artigo 2.º, alínea d), do Regime Jurídico das Cooperativas- Agrícolas (DL 335/99, de 20 de agosto).

Na verdade, não há aqui qualquer serviço prestado para efeitos dessa norma, mas sim a cobrança de um preço (juro) por uma quantia de dinheiro que está por pagar, sempre sublinhando, ademais, que a exclusão da isenção a que se reporta do artigo 66.º-A, n.º 1, do EBF, não tem a ver com atividades atinentes ao objeto, mas sim atividades alheias aos próprios fins das cooperativas, que são coisas distintas, como vimos.

Salienta-se, novamente, que os fins das cooperativas têm a ver com a natureza mutualista, isto é, com o sistema assente em princípios de entreajuda dos seus membros que contribuem coletivamente para o benefício de cada um, sendo que, apenas as atividades que promovem a realização desses fins é que beneficiam de isenção de IRC.

Assim sendo, os juros de mora debitados aos associados pelo atraso de pagamento das faturas não estão isentos de tributação ao abrigo do artigo 66.º-A do EBF, dado que, em suma, a atividade em causa é alheia aos fins cooperativos da Impugnante.

Ante o exposto, terá de improceder a alegação do autor, porquanto inexiste a invocada violação do artigo 66.º-A do EBF e dos princípios da justiça e da tributação pelo rendimento real, razão pela qual, deve manter-se na ordem jurídica a liquidação impugnada e os correspondentes juros compensatórios, por padecerem da mesma sorte que o tributo a que estão ligados (artigo 35.º da LGT).”

 

X.2. Conclusões da análise ao direito de audição exercido

O sujeito passivo não apresentou matéria de facto ou de direito suscetíveis de alterar os pressupostos vertidos no capítulo IV assim como os critérios e respetiva quantificação do capítulo V.

Desta forma as propostas de correções constantes no direito de audição convertem-se em definitivas. - Cfr. RIT, Cap. III, IV, V e X, nos segmentos transcritos;

  1. Sobre o RIT foi proferido despacho de concordância, pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga, por delegação de competências, em 25-07-2024 - Cfr. RIT, página inicial;
  2. Em execução das conclusões do RIT, superiormente sancionadas, os serviços da Requerida emitiram à Requerente, a seguinte nota demonstrativa da liquidação de imposto e de juros compensatórios:

 

 

 

 

 

 

 

(cfr. PA, penúltima página)

  1. A Requerente não possui um denominado "regulamento de concessão de crédito" que, tendo sido remetido aos Serviços de Inspeção Tributária (artigo 15 da Resposta) se verifica não constar do PA, com as legais consequências. Assim, na análise ao direito de audição prévia exercido pela Requerente, o RIT, na passagem transcrita supra, na alínea D), sob a epígrafe X.1 Análise do Direito de Audição, reproduz-se parte do Relatório de Gestão e Contas relativos a 2020, em que se denomina tal preceituário como REGULAMENTO DE VENDAS A CRÉDITO, o mesmo sucedendo no art. 27.º da Reposta, que como tal aqui se denominará;
  2. Os juros cobrados a terceiros que entraram em relações comerciais com a Requerente foram sujeitos a tributação em IRC - cfr. RIT, IV.2 Determinação da Coleta, supratranscrito;
  3. As partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as suas posições sobre a matéria em litígio.

 

§ 2.º - FACTOS NÃO PROVADOS

                  Não foi provado que existisse uma "Regulamento de Concessão de Crédito".

 

§ 3.º - MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

                  O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

                  Deste modo, no elenco dos factos pertinentes para o julgamento da causa, encontram-se os selecionados, conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

                  A convicção do Tribunal Arbitral formou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, nas alegações e no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados, devendo, no entanto, assinalar-se a incompletude do PA junto pela Requerida.

 

III.2.  MATÉRIA DE DIREITO

                  Incidindo o litígio exclusivamente na qualificação da fonte dos juros cobrados pela Requerente aos seus cooperadores, nos termos do Regulamento de Vendas a Crédito que, para o efeito, aprovou em assembleia geral no quadro das competências em matéria de administração da Cooperativa, nomeadamente na sua dimensão de administração financeira, ou seja, se tais juros resultam do exercício de uma atividade financeira ou de uma atividade não financeira - conceitos chave para declarar tais réditos como não conformes ou conformes aos seus fins - começa este Tribunal por fazer o enquadramento legal da tributação das cooperativas agrícolas.

                  Nos termos da alínea a) do n.º 1 do 2.º do Código do IRC (CIRC), são sujeitos passivos do IRC as cooperativas. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, o IRC incide sobre o lucro das cooperativas que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

              Dispõe, depois, o artigo 17.º do CIRC, na parte que releva para a decisão:

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

1 - O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período. (sublinhado nosso)

(...)

                  Daqui se retiram duas conclusões, para efeitos fiscais: (i) que as cooperativas tout court, independentemente da sua específica configuração jurídica e económica, são sujeitos passivos de IRC, deste sendo objeto o lucro, desde que exerçam uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não se podendo esquecer que o n.º 4 do artigo 3.º prescreve ainda que "Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de caráter empresarial, incluindo as prestações de serviços"; (ii) que o objeto da tributação é o lucro obtido e determinado de acordo com as disposições do CIRC, clarificando-se que "os excedentes líquidos das cooperativas se consideram como resultado líquido do período", assim, expressamente, os equiparando, para efeitos de IRC, a lucro tributável. A base jurídica desta equiparação é o n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, de harmonia com o qual os conceitos próprios de outros ramos do direito só devem ser interpretados no sentido que aí têm se outro não decorrer diretamente da lei [fiscal]. Neste caso, decorre diretamente da lei (fiscal) que, para efeitos tributários, "excedentes líquidos", não importa a natureza que tenham no âmbito cooperativo, equivalem a lucros tributáveis para efeitos de IRC e, como tais, neste caso, que é de natureza tributária, serão tidos.

                  Também é possível retirar do que antes fica expresso que, para efeitos de IRC, é indiferente o "intuito não lucrativo" das cooperativas, perdendo essa discussão qualquer relevância para o que aqui se discute. Porque o "intuito não lucrativo", no plano social caracterizador da específica natureza das cooperativas, também não é suscetível de se interpretar como "intuito dissipador ou perdedor", sob pena de os cooperadores terem de estar permanentemente a efetuar novas entradas de capital para cobertura das perdas ou as cooperativas rapidamente entrarem em insolvência. Não sendo as cooperativas sociedades comerciais não visam a obtenção de lucro, mas, no quadro de uma administração sã e prudente, também não visam a obtenção de perdas ou prejuízos. O resultado zero para a atividade cooperativa será um paradigma inatingível e, daí, que o próprio Código Cooperativo, logo no seu artigo 3.º, estabeleça os princípios cooperativos, relevando, para o que aqui se discute, o 3.º princípio:

3.º Princípio - Participação económica dos membros

Os membros contribuem equitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Pelo menos parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os cooperadores, habitualmente, recebem, se for caso disso, uma remuneração limitada, pelo capital subscrito como condição para serem membros. Os cooperadores destinam os excedentes a um ou mais dos objetivos seguintes: desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos, é indivisível; benefício dos membros na proporção das suas transações com a cooperativa; apoio a outras atividades aprovadas pelos membros (sublinhado nosso).

                  Não obstante, o legislador fiscal não ficou de todo indiferente aos fins visados pelo cooperativismo, traduzidos na criação e funcionamento de centenas de cooperativas no território português[1], no âmbito da economia social. Por isso consagrou, no artigo 66.º-A do EBF, um regime especial de tributação aplicável a cooperativas, o qual prevê a isenção de IRC relativamente a determinados rendimentos por aquelas obtidos (redação em vigor em 31-12-2022):

Artigo 66.º-A
Cooperativas 

1 - Estão isentas de IRC, com exceção dos resultados provenientes de operações com terceiros e de atividades alheias aos próprios fins: 

a) As cooperativas agrícolas;

b) As cooperativas culturais;

c) As cooperativas de consumo; 

d) As cooperativas de habitação e construção; 

e) As cooperativas de solidariedade social. 

2 - Estão ainda isentas de IRC as cooperativas, dos demais ramos do sector cooperativo, desde que, cumulativamente: 

a) 75 % das pessoas que nelas aufiram rendimentos do trabalho dependente sejam membros da cooperativa; 

b) 75 % dos membros da cooperativa nela prestem serviço efetivo. 

3 - Nas cooperativas mistas do ramo do ensino não entram para o cômputo previsto na alínea b) do número anterior os alunos e respetivos encarregados de educação. 

4 - A isenção prevista no n.º 1 não abrange os rendimentos sujeitos a IRC por retenção na fonte, a qual tem carácter definitivo no caso de a cooperativa não ter outros rendimentos sujeitos a imposto, aplicando-se as taxas que lhe correspondam. 

5 - As cooperativas isentas nos termos dos números anteriores podem renunciar à isenção, com efeitos a partir do período de tributação seguinte àquele a que respeita a declaração periódica de rendimentos em que manifestarem essa intenção, aplicando-se então o regime geral de tributação em IRC durante, pelo menos, cinco períodos de tributação. 

6 - São isentos de IRC: 

a) Os apoios e subsídios financeiros ou de qualquer outra natureza atribuídos pelo Estado, nos termos da lei às cooperativas de primeiro grau, de grau superior ou às régies cooperativas como compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegados pelo Estado; 

b) Os rendimentos resultantes das quotas pagas pelas cooperativas associadas e cooperativas de grau superior. 

7 - As despesas realizadas em aplicação da reserva para educação e formação cooperativas, prevista no artigo 70.º e com observância do disposto no artigo 3.º - 5.º princípio, ambos do Código Cooperativo, podem ser consideradas como gasto para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, no período de tributação em que sejam suportadas, em valor correspondente a 120 % do respetivo total.

8 - As cooperativas estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis na aquisição de quaisquer direitos sobre imóveis destinados à sede e ao exercício das atividades que constituam o respetivo objeto social. 

9 - As cooperativas estão igualmente isentas de imposto municipal sobre imóveis relativamente aos imóveis referidos no número anterior. 

10 - Aos prédios urbanos habitacionais, propriedade de cooperativas de habitação e construção ou associações de moradores e por estas cedidas aos seus membros em regime de propriedade coletiva, qualquer que seja a respetiva modalidade desde que destinados à habitação própria e permanente destes, aplicam-se as isenções previstas no artigo 11.º-A do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 46.º do presente diploma, nos termos e condições aí estabelecidos. 

11 - As isenções previstas no número anterior dependem de requerimento, a apresentar anualmente à Autoridade Tributária e Aduaneira, durante o mês de janeiro, pelas cooperativas de habitação e construção ou as associações de moradores, que identifique os cooperantes ou associados a quem os prédios estavam cedidos em 31 de dezembro do ano anterior. 

12 - A usufruição dos benefícios previstos nos n.ºs 8 e 9 só pode ser revogada, ou a sua medida alterada, por deliberação das assembleias municipais em cuja circunscrição estejam situados os respetivos prédios. 

13 - As cooperativas estão isentas de imposto do selo sobre os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando este imposto constitua seu encargo. 

14 - O disposto no presente artigo não é aplicável às instituições de crédito, sociedades financeiras, empresas de seguros e resseguros ou a outras entidades a elas legalmente equiparadas. 

15 - (Revogado)

16 - As isenções e demais benefícios previstos neste artigo aplicam-se às cooperativas de primeiro grau, de grau superior e às régies cooperativas, desde que constituídas, registadas e funcionando nos termos do Código Cooperativo e demais legislação aplicável. 

                  De harmonia com o disposto no n.º 1 do preceito que antes se transcreve, resulta liminarmente que apenas não beneficiam da isenção de IRC, numa cooperativa agrícola, como é o caso aqui em apreciação: (i) os resultados provenientes de operações realizadas com terceiros, isto é, com entidades não qualificáveis como cooperadores; (ii) Os resultados provenientes de atividades exercidas pela cooperativa, mas alheias aos seus próprios fins.

                  A Requerida, tanto no RIT, como na Resposta, defendeu que o valor dos juros cobrados pela Requerente aos cooperadores que não pagam as faturas relativas a bens e serviços que por aquela lhes são fornecidos dentro dos prazos de pagamento está fora do âmbito da isenção, por resultarem de uma atividade de concessão de crédito  que não se encontra enquadrada no objeto das cooperativas agrícolas como decorre, desde logo, do objeto que, nos termos do artigo 2.º do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas, está legalmente limitado e, no mesmo sentido, pelo próprio artigo 2.º do Estatutos da Requerente, pelo que representa uma atividade alheia aos fins cooperativos.

                  E fundamenta a sua posição, reiteradamente identificado como de concessão de crédito, no Regulamento aprovado pela Requerente em Assembleia Geral realizada em 14--12-2017, literalmente denominado Regulamento de Vendas a Crédito. Aliás, apoiando-se na douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no Processo 2166/20.4BEBBRG, da qual, no artigo 51.º da Resposta, transcreve, em apoio da tese que defende, o seguinte excerto: O regulamento aprovado pela impugnante consagrou um mecanismo financeiro de natureza creditícia do qual decorre que as pessoas que tenham créditos vencidos perante a requerente, possam pagar um juro por esse crédito. Anota-se que a Autora desta impugnação foi a ora aqui Requerente.

                  Importa, antes de mais, afastar a questão das "operações com terceiros", profusamente tratada pela Requerida na sua Resposta, mas que o RIT, que constitui a fundamentação originária e prevalecente do ato tributário aqui impugnado, não aborda, referindo, aliás, como decorre dos factos provados, que os resultados das operações comerciais efetuadas com terceiros, incluindo os respetivos juros, foram sujeitos a tributação em IRC. De resto, sempre se trataria de fundamentação superveniente, com as legais consequências.

                  Por outro lado, a eventual qualificação dos juros recebidos pela Requerente como "juros civis" ou "juros comerciais"[2], matéria que tem dividido a doutrina, também não traria qualquer contributo útil para a decisão, porque, em última análise, resultariam sempre de um crédito comercial, com natureza de meio de financiamento, ainda que não financeiro.

                  Não obstante se encontrar em recurso no Venerando STA, que sobre o mesmo se não pronunciou até à data em que esta decisão é proferida, o Tribunal transcreve aqui, por com ela concordar, o seguinte extrato da fundamentação jurídica da, aliás, douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida na impugnação judicial instaurado sob o n.º Processo 410/21.0BEBRG, de que a Requerente foi também Autora, por com ela estar de acordo:

                                                                                                             

 

 

 

 

 

 

                 

                  Deste modo se conclui que a Requerente, no âmbito estrito de um regulamento de administração financeira, para cuja aprovação a sua Assembleia Geral era competente, disciplinou a matéria relativa às dividas "comerciais" que os cooperadores junto dela contraíam, nela incluindo a mora pelo pagamento depois de vencidas, com taxas diferenciadas para o período de dívida. Não garantir o recebimento atempado das suas receitas, ou tendo de recorrer a financiamentos externos e inerentes custos para suprir a falta de liquidez que o seu não pagamento dentro do prazo normal acarretaria, é que seria uma falha grave da administração da cooperativa, beneficiando os incumpridores em detrimento dos cumpridores.

                  Ora, no limite, estar-se-á perante um meio de financiamento não financeiro[3], qualificação dada à mora e correspondentes juros no âmbito dos créditos comerciais, e nunca no âmbito de uma concessão de crédito no sentido preconizado pelo RIT, aí traduzido numa atividade financeira não conforme ou alheia aos fins da cooperativa.

                  Cabe agora perguntar-nos: o que é a atividade financeira? De fora fica, desde logo, a atividade financeira do Estado, meio através do qual ela aloca os meios necessários à satisfação das necessidades publica, cuja obtenção resulta, como principal instrumento, o sistema fiscal português, como se consagra no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e os cultores das Finanças Públicas nos ensinam.

                  A noção de atividade financeira em sentido mais ou menos amplo é-nos dada pelas Notas Explicativas ao CAE Rev. 4, o mais recente, na Secção L, a ela relativa:

 

Atividades financeiras e de seguros

 

Esta secção inclui as atividades de intermediação financeira, abrangendo também as atividades de seguros, resseguros, fundos de pensões, investimento em valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, assim como atividades auxiliares de intermediação financeira, dos seguros e dos fundos de pensões.

 

Inclui também as atividades das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) em sociedades financeiras e não financeiras, dos canais de financiamento, e as atividades dos trusts, fundos e outras entidades financeiras similares.

 

Classificam-se nesta secção três tipos principais de atividades: angariação, obtenção e concessão de financiamentos (na divisão 64), agrupamento ou partilha de riscos através da subscrição de seguros e anuidades (na divisão 65) e prestação de serviços especializados que facilitam ou apoiam as atividades de serviços financeiros ou de seguros (na divisão 66).

 

Não inclui:

. Serviços informáticos de apoio às atividades bancárias (62);

. Segurança social obrigatória (84300);

 

                  Na divisão 64 e suas subdivisões não se encontra, integrada na angariação, obtenção e concessão de financiamentos, qualquer atividade cujo objeto principal seja o de se remunerar por juros cobrados por mora no pagamento. Além de que o seu objeto principal é o do financiamento, isto é a concessão de empréstimos, cujo capital tem sempre de ser devolvido, com os correspondentes juros remuneratórios.

                  Já numa malha mais apertada, é o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que regula a atividade financeira em sentido estrito, subordinada, no seu artigo 8.º, ao princípio da exclusividade: as entidades, e só as entidades, ali previstas, entre as quais se não encontram cooperativas agrícolas, podem exercer atividades financeiras. Conceder crédito no âmbito da atividade financeira, é, pois, uma prerrogativa exclusiva das instituições de crédito e das sociedades financeiras, nas quais as cooperativas agrícolas se não integram.

                  Nos termos expostos, porque a cobrança de juros de mora em dívidas comerciais se não configura, de todo, como o exercício de uma atividade financeira em sentido próprio, procede, com todas as consequências legais, a pretensão da Requerente.

 

IV. DECISÂO

                  O Tribunal decide determinar a anulação do ato tributário que vem impugnado e a restituição do respetivo montante, nos termos legais, à Requerente.

 

V. VALOR DA AÇÃO

                  O valor da ação é fixado em € 55.731,69, indicado pela requerente e ao qual a Requerida não se opôs.

 

VI - CUSTAS DO PROCESSO

                  Nos termos da Tabela I a que se refere o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se a taxa de justiça no montante total de € 2.142,00, a cargo da Requerida, por decaimento total.

Notifique.

Lisboa, 30 de abril de 2025

 

O Árbitro Singular,

 

 

(Manuel Faustino)

 

 



[1] Em conformidade com o Relatório Anual de 2024, relativo à Demografia do Setor Cooperativo, consultável em Instituto António Sérgio - Estatísticas da Economia Social, em 2020 foram emitidas 920 credenciações e, em 2024, 1029, o que parece corresponder ao número de cooperativas em funcionamento.

[2]  A título meramente exemplificativo, no sentido em que o regime jurídico das transações comerciais aprovado pelo DL 62/2013, de 10 de maio, que transpõe para o ordenamento jurídico interno a Diretiva 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, apenas se aplica às obrigações pecuniárias resultantes de contratos comerciais celebrados "entre empresários ou entre empresários e entidades públicas", daí se retirando que as obrigações pecuniárias resultantes de contratos entre empresários e "consumidores finais" que não sejam entidades públicas não seriam juros comerciais pelo que seriam juros civis, MARIA RAQUEL GUIMARÃES, Algumas notas preliminares sobre o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que estabelece medidas contra os atrasos nas transações comerciais, in Revista Eletrónica de Direito, Junho de 2014, n.º 2.  No sentido em que as obrigações pecuniárias decorrentes de atos de comércio mistos ou unilateralmente comerciais (só revestem natureza mercantil para uma das partes), decorrem do artigo 102.º, § 3.º, do Código Comercial, integrando, por isso, a tipologia dos juros comerciais, JOSÉ ENGRACIA ANTUNES, Os juros civis, comerciais e outros aspetos do seu regime jurídico, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 97 (2021) 150-226, e em particular 185-187.

[3] Maria Raquel Guimarães, op. cit., pp. 5, 1.º parágrafo.