Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1160/2024-T
Data da decisão: 2025-04-30  IRS  
Valor do pedido: € 64.692,82
Tema: IRS. Menos valias - artigos 10.º, n.º 18, alínea b) e 43.º, n.º 5, do Código do IRS.
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SUMÁRIO

  1. Resulta do disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS que quando a contraparte de uma operação seja residente num regime claramente mais favorável as menos valias não podem ser consideradas no apuramento supra referido.
  2. Não é permitido à AT, ao abrigo do aludido normativo, desconsiderar as menos-valias pelo simples facto de as mesmas resultarem de partes sociais e outros valores mobiliários emitidos por entidades emitentes em regimes fiscais claramente mais favoráveis.
  3. Resulta do teor da alínea b) do n.º 18 do artigo 10.º do Código do IRS que a taxa de 35% apenas é aplicável às mais-valias resultantes das operações tipificadas e previstas subalíneas 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10 do Código de IRS.
  4. Na determinação do valor da causa atende-se exclusivamente à realidade processual existente no momento em que a ação é proposta, sendo irrelevantes posteriores modificações dos elementos da instância (artigo 299.º do CPC).

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A..., natural do Rio de Janeiro/RJ, NIF..., residente na ..., n.º..., ...-... ..., Portugal, doravante “a Requerente”, veio, no dia 30 de Junho de 2023, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 140.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), conjugado com o disposto na alínea a) do artigo 99.º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicáveis ex vi alínea a) do n.º 1 do 10.º do aludido RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com designação de Árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023... deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) com o n.º 2023..., no montante de 64.692,82 €, solicitando a anulação dessa liquidação, com o consequente reembolso, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), contados desde a data em que ocorreu o respetivo pagamento até ao seu integral reembolso.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 8.º do RJAT, e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  6. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 8  de janeiro de 2025; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  7. Por Despacho de 9  de janeiro de 2025, a AT foi notificada para, nos termos do artigo 17.º do RJAT, apresentar resposta.
  8. Por despacho da Subdiretora-geral de 31 de janeiro de 2025, foi parcialmente revogado o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., do ano de 2022, ora mediatamente impugnado.
  9. Por Despacho de 5 de fevereiro de 2025, veio este Tribunal notificar a Requerente para se pronunciar no prazo de 5 (cinco) dias, sobre o requerimento e documentos apresentados nos autos pela parte contrária, requerendo o que tivesse por conveniente no citado prazo.
  10. Em 17 de fevereiro de 2025, a Requerente veio a pronunciar-se.
  11. A AT apresentou a sua Resposta em 1 de março de 2025, juntamente com o Processo Administrativo.
  12. Em 12 de março de 2025 proferiu este Tribunal Despacho a dispensar a reunião do Tribunal com as partes (artigo 18.º do RJAT), dando o prazo simultâneo de 15 (quinze) dias para alegações finais escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito, formulando expressamente as respetivas conclusões e fixando o dia 30 de maio de 2025, como data previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final.
  13. A Requerida apresentou alegações em 28 de março de 2025.
  14. A Requerente apresentou alegações em 2 de abril de 2025.
  15. Em 16 de abril de 2025 a AT veio juntar ao Processo provas da concretização do despacho de revogação determinado na decisão proferida pela Subdiretora-Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, em 11 de abril de 2025, tendo sido emitido o reembolso n.º 2025..., no montante de € 43.628,86, processado por transferência bancaria.
  16. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
  17. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  18. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma cidadã brasileira, natural do Rio de Janeiro/RJ, titular do passaporte com o n.º..., emitido pela República Federativa do Brasil e válido até 13 de junho de 2029, com o NIF..., e é residente na ..., n.º ..., ...-... Belas.
  2. A Requerente é residente fiscal em Portugal desde 13 de novembro de 2018.
  3. A Requerente beneficia do Regime dos Residentes Não-Habituais, cujo prazo termina em 31 de dezembro de 2027.
  4. Relativamente ao ano de 2018, a Requerente entregou, em 27 de junho de 2019, a Declaração Modelo 3 do IRS, com respeito apenas ao período de residência parcial em Portugal (de 13 de novembro de 2018 até 31 de dezembro de 2018), à qual foi atribuída o n.º...– cf. Documento 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral (“PPA”).
  5. Na sequência da entrega da referida Declaração, foi emitida a Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2019..., não tendo sido apurada qualquer matéria coletável, nem liquidado qualquer imposto – cf. Documento 4 junto ao PPA.
  6. Na referida Declaração a Requerente declarou no quadro 9.2, A, do Anexo J, as seguintes operações referentes à transmissão onerosa de ações representativas do capital social de sociedades suíças e brasileiras tendo optado pelo englobamento - cf. página 5 da Declaração junta como Documento 3 ao PPA:

 

  1. No Quadro 9.2, C da mesma Declaração, a Requerente optou pelo englobamento - cf. página 6 da Declaração junta como Documento 3 ao PPA.
  2. Dos valores declarados em sede de mais e menos-valias fiscais referentes à transmissão de valores mobiliários, resultou um saldo negativo de 62.602,86 €.
  3. Na liquidação de IRS n.º 2019..., a AT teve em consideração como total de perdas a reportar, o montante de 31.077,99 €, desconsiderando a menos-valia com origem no Brasil -cf. Documentos n.ºs 3 e 4 juntos ao PPA.
  4. Relativamente ao ano de 2019, a Requerente entregou, em 12 de junho de 2020, a Declaração Modelo 3 do IRS, à qual foi atribuído o n.º ...- cf. Documento n.º 5 junto ao PPA.
  5. A Requerente declarou, no quadro 9.2, A, do Anexo J as seguintes operações: respeitantes à transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários - cf. página 6 do Documento 5 junto ao PPA:

 

 

  1. Do quadro acima, resultou um saldo negativo entre as mais-valias e as menos-valias, no montante de 41.055,82 €  (cf. quadro em cima e página 6 Documento 5 junto ao PPA).
  2. Na sequência da entrega da aludida Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS foi emitida pela AT a Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2020..., da qual resulta o montante de 20.875,21 € a pagar (cf. Documento 6 junto ao PPA).
  3. Para reporte de perdas futuras, a AT considerou o montante de 49.947,08 €, o qual somado ao montante reportado referente a 2018 (menos) 31.077,09 €, perfaz o total de (menos) 81.025,07 € (cf. cit. Documento 6 junto ao PPA).
  4. Por referência ao ano de 2020, a Requerente apresentou, em 20 de maio de 2021, a Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS, à qual foi atribuído o n.º ... (cf. Documento 7 junto ao PPA).
  5. No Quadro 9.2, A, do Anexo J da aludida Declaração a Requerente declarou as seguintes operações respeitantes à transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários (cf. página 5 do Documento 7 junto ao PPA):

 

  1. No Quadro 9.2, B, do Anexo J foram declarados rendimentos resultantes de uma operação relativa a instrumentos financeiros derivados com fonte nos Estados Unidos da América, no montante bruto de 36.999,25 € (cf. página 6 do Documento 7 junto ao PPA).
  2. Na referida Declaração a Requerente não optou pelo englobamento.
  3. A Declaração foi dada como certa pela AT, tendo sido emitida a respetiva Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2021..., da qual resulta o montante a pagar de 40.292,63 € (cf. Documento 8, junto ao PPA).
  4. A AT manteve quanto ao “Total de Perdas a Reportar” o montante de 81.025,07 € (cf. Documento 8, junto ao PPA).
  5. No tocante ao ano de 2021, a Requerente..., tendo declarado as seguintes operações respeitantes à transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, optando pelo englobamento (cf. Documento 9, junto ao PPA):

 

  1. Destas operações resultou um saldo entre as mais-valias e as menos-valias negativo no montante de 71.499,41 € (cf. quadro em cima e página 6 do Documento 9).
  2. A AT deu a Declaração como certa, tendo emitido a liquidação com n.º 2022..., na qual foi apurado o montante de 2.313,06 € a pagar (cf. Documento 10 junto ao PPA).
  3. . Na liquidação n.º 2022..., consta no campo referente ao “Total de Perdas a Reportar” o montante de 103.372,41 €.
  4. A AT desconsiderou a menos-valia fiscal referente ao Brasil, tendo sido considerado, como menos-valia, o montante de 22 347,34 €.
  5. Relativamente ao ano de 2022, a Requerente apresentou, em 29 de maio de 2023, a Declaração Modelo 3 do IRS, à qual foi atribuído o n.º ... onde declarou as seguintes operações respeitantes à transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários (cf. Documento 11 junto ao PPA):

 

  1. As operações acima referidas, e cujos rendimentos constam declarados no quadro 9.2.A da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de RS em apreço, advêm de: i) Uma operação de roll-up relativamente a Unidades de junto ao Participação (“UP”) num fundo domiciliado nas Ilhas Caimão, do fundo caracterizado pelo International Securities Identification Number (“ISIN”) ..., a qual originou um mais-valia no montante de 15.444,93 €; ii) Cinco operações de alienação de UP de fundos emitidos por entidade domiciliada nas Ilhas Virgens Britânicas, aos quais corresponde o ISIN ..., ... e ..., respetivamente, das quais resultaram mais-valias no montante de 34.886,62 €; iii) Uma operação de resgate de capital de Obrigações com o ISIN..., a qual originou uma mais-valia no montante de 1.858,26 €.
  2. Todas as referidas operações tiveram por objeto valores mobiliários emitidos por entidades que se encontram domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004 de 13 de fevereiro.
  3. A Requerente declarou, no quadro 8.A do Anexo J da referida declaração, diversos rendimentos de capital conforme relatório fiscal elaborado pelo Banco UBS, com sede na Suíça e onde estão custodiados os ativos, tendo optado pelo englobamento (cf. Documento 12, junto ao PPA).
  4. Na esteira da apresentação da Declaração Modelo 3 do IRS referente aos rendimentos de 2022, a Requerente foi notificada pela AT da Liquidação de IRS n.º 2023 ... de onde resultou o montante de € 64.692,82 de imposto a pagar (cf. cit. Documento 2).
  5. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto no dia 22 de agosto de 2023 (cf. Documento 13, junto ao PPA).
  6. Em 22 de dezembro de 2023, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra a liquidação de IRS com o n.º 2023..., no montante de 64.692,82 € junto do Serviço de Finanças de Sintra-4, à qual foi atribuído o n.º ...2023... (páginas 5 e seguintes do Processo Administrativo).
  7. Por ofício de 17 de junho de 2024, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, para querendo, exercer Direito de Audição no prazo de 15 dias (cf. Documento n.º 14 junto à PPA).
  8. Não tendo exercido o Direito de Audição, a Requerente foi posteriormente notificada, por ofício de 22 de julho de 2024, da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra o ato de liquidação do IRS referente ao ano de 2022, com o n.º 2023..., no montante de 64.692,82 € (Documento 1 e Documento 2, juntos ao PPA).
  9.  A AT procedeu ao apuramento do imposto a pagar, da seguinte forma  - cf. Decisão Final da Reclamação Graciosa, junta como Documento n.º 1:

 − O montante de 565,59 € correspondente a rendimentos de capitais com origem na Suíça foi tributado à taxa de 28%;

 − O montante de 7.540,45 € correspondente a rendimentos de capitais com origem nas Ilhas Caimão foi tributado à taxa de 35%;

− O montante de menos-valias referente às permutas de unidades de participação, que ascende a 124 653,89 €, foi desconsiderado;

− O montante de 176.843,70 € foi tributado pela sua totalidade, desconsiderando-se o saldo entre as mais e as menos-valias realizadas, tendo este valor sido tributado à taxa de 35%;

− Não foram deduzidas as perdas reportáveis, e apuradas em anos anteriores.

  1. Conforme resulta do quadro 9.2. do Anexo J da Declaração Modelo 3 do IRS de 2022, a Requerente apurou mais-valias no montante total de 176 843,70 € e menos-valias no montante total de – 124 653,89 €.
  2. Por despacho da Subdiretora-geral de 31 de janeiro de 2025, foi revogado parcialmente o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., do ano de 2022, ora impugnado, nos seguintes termos - cf. Informação da DSIRS/DA, 20 de janeiro de 2024, Processo ...2024..., comunicados ao CAAD em 3 de fevereiro de 2025:

Face ao exposto e após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que o ato impugnado deve ser parcialmente revogado, promovendo-se a anulação da liquidação contestada e restituindo o imposto indevidamente cobrado a mais, resultante da nova liquidação de IRS referente ao período de tributação de 2022.

Mais se propõe, o reconhecimento do direito ao recebimento de juros indemnizatórios pelo valor do imposto indevidamente pago, em virtude do erro imputável à AT, que desconsiderou o valor das perdas sofridas nas operações descritas nas linhas 955 e 956, do quadro 9.2.A., do anexo J.”

  1. Em 17 de fevereiro de 2025 foi apresentado requerimento pela Requerente onde alega que, assumindo que a AT irá proceder à respetiva correção da liquidação de imposto objeto dos presentes autos, apenas tem intenção de prosseguir com o PPA para a apreciação dos dois pedidos que não foram aceites pela AT - quanto à desconsideração das menos-valias apuradas em anos anteriores e quanto à tributação dos rendimentos à taxa de 35%.
  2. No âmbito da concretização do despacho de revogação determinado na decisão proferida pela Subdiretora-Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, em 11 de abril de 2025, foi emitido o reembolso nº 2025 ..., no montante de € 43.628,86, processado por transferência bancaria, conforme anexos enviados pela AT a este Tribunal em 16 de abril de 2025.

 

B. Matéria de facto não-provada

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas Partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos. 596.º, n.º1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cf. artigos. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos. 5.º, n.º 2 e 411.º, do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas Partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º, do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT).

 

III. Posição das Partes

 

A. Posição da Requerente

 

A Requerente, sustenta, em suma, que, “…sempre que a AT, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS, desconsidera as menos-valias pelo simples facto de as mesmas resultarem de partes sociais e outros valores mobiliários emitidos por entidades emitentes em paraísos fiscais, está inequivocamente a aplicar analogicamente esta norma. O que é manifestamente ilegal.

Neste contexto invoca decisões arbitrais proferidas em situações similares à controvertida.

Esta situação foi resolvida favoravelmente à Requerente através do aludido ato de revogação parcial.

Como resulta da factualidade exposta, além de a AT não ter considerado o montante de menos-valias apurado, sujeitou os rendimentos auferidos em 2022 e respeitantes à transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, à taxa agravada de 35%.

Neste contexto, tal como a Requerente alega, “104.º Como veremos mais adiante, o erro de enquadramento cometido pela AT vai muito para além da questão da taxa aplicável.

105.º Posto que, não estando em causa nenhuma das situações previstas na alínea b) do n.º 18 do artigo 10.º do Código do IRS, não pode a AT, como por si sustentado, desconsiderar a utilização das menos-valias reportáveis, e referentes a anos anteriores. Além do mais, e como provado, as mais-valias realizadas em 2022 não se subsumem em nenhuma das situações previstas na alínea b) do n.º 18 do artigo 10.º do Código do IRS, pelo que não são tributadas de forma autónoma nos termos e para os efeitos deste dispositivo.

106.º Não estando, assim, limitada, a utilização (ou consideração) das menos-valias realizadas em anos anterior e que sejam reportáveis nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º do Código IRS.“

Nas alegações apresentadas, vem, em suma invocar que, “Além de reiterar tudo o que alegou no Pedido de Pronúncia Arbitral (adiante abreviadamente designado por “PPA”), bem como no requerimento apresentado em 14 de fevereiro de 2025, entende a Requerente que a análise da pretendida tributação deverá ter em indispensável conta a particular natureza da questão em análise, em que se discute uma liquidação oficiosa de IRS que reputa de ilegal, por desconsiderar menos-valias reportáveis e proceder à errónea aplicação da taxa de 35% às mais-valias declaradas.”

Tal como alega, “23. À semelhança do sucedido anteriormente quanto ao ano de 2018, a AT voltou ilegalmente a desconsiderar a menos-valia fiscal referente ao Brasil, tendo apenas sido considerado, como menos-valia, o montante de 22 347,34 €. Quando, de acordo com o Quadro referido no Ponto 32.º, deveria ter considerado uma menos-valia no montante de 71.499,41 €. 24. Se a AT tivesse, como deveria ter feito, considerado as menos-valias do Brasil, registadas nos anos de 2018 e de 2021, o valor global das menos-valias fiscais reportáveis deveria ascender a ascender a 184 049,35 €, e não, como acima indicado, a 103.372,41 €, como resulta da Nota de Liquidação n.º 2022... (campo referente ao “Total de Perdas a Reportar”).

(…)

32. Considerando os valores decorrentes das operações declaradas no Quadro 9.2, A, presentes na tabela supra exposta (Ponto 25), percebe-se que, no apuramento do imposto a pagar pela Requerente, a AT não teve em consideração as menos-valias apuradas neste mesmo ano.

33. Assim, a AT considerou, apenas, a mais-valia fiscal de 176 843,70 €, ao invés de ter apurado o saldo, neste caso positivo, entre as mais e menos-valias apuradas, e que ascendeu a 52 189,81 €.

34. Adicionalmente, a AT tributou as mais-valias realizadas todas à taxa de 35%.”

Tal como a Requerente invoca, “44. Neste sentido, cumpre notar desde já que mais uma vez existe uma confusão por parte da AT na interpretação dos conceitos de “resgate”, “alienação” e “roll-ups”.

45. Conforme amplamente anteriormente referido, os rendimentos declarados pela Requerente no ano de 2022 correspondem a operações de alienação (i.e. venda e permuta) de UP de fundos emitidos por uma entidade domiciliada nas Ilhas Virgens Britânicas: (i) 1 operação de “roll-up” relativamente a UP num fundo domiciliado nas Ilhas Caimão; e (ii) 1 operação de resgate de capital de Obrigações.

46. Neste sentido, resulta evidente que as operações declaradas no Quadro 9.2.A, do Anexo J da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2022 dizem respeito única e exclusivamente à transmissão onerosa (através de operações de venda e/ou permutas), “roll-ups” de UP em fundos de investimento e ao resgate de obrigações.

47. Sendo assim, as normas de incidência constantes das subalíneas 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código de IRS são muito claras: “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…)

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:

(…) 4) O reembolso de obrigações e outros títulos de dívida; 5) O resgate de UP em fundos de investimento e a liquidação destes fundos;(…)”

48. Cumpre frisar que nenhum dos casos acima descritos se pode subsumir nas citadas regras de incidência. Isto porque,

49. A AT refere, no despacho onde determina a revogação parcial do ato de liquidação que a Requerente utilizou o Código “G20” correspondente ao resgate ou alienação de UP ou liquidação de fundos de investimento.

50. De acordo com as instruções de preenchimento da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, no Quadro 9.2 A podem ser utilizados os seguintes Códigos:

 

De onde resulta que,

51. O Código “G20” deve ser utilizado tanto para os casos de alienação como de resgate de UP, pelo que a Requerente, tendo procedido à alienação das referidas UP preencheu corretamente a Declaração de Rendimentos de Rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2022. Acresce que,

52. Conforme resulta claro da subalínea 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10 do Código de IRS, apenas estão abrangidos, para aplicação da taxa agravada de 35% “O resgate de UP em fundos de investimento e a liquidação destes fundos;(…)”

53. Isto porque, um resgate de UP deriva de uma operação realizada diretamente com o fundo de investimento, pelo que faz sentido - tal como na desconsideração das menos valias quando a contraparte esteja sedeada num país com um regime claramente mais favorável ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS - que a referida operação seja tributada à taxa de 35%.

54. Não obstante, numa operação de alienação de UP, tal como sucedeu no caso em concreto (cf. informações presentes no portfolio junto ao PPA como Documento 12), as alienações das UP realizadas tiveram como contraparte uma entidade que não o próprio fundo, mas sim, neste caso em específico, o Banco UBS, através da plataforma disponibilizada pelo mesmo, o qual se encontra sedeado na Suíça

55. Assim, numa operação de alienação de UP, não é, nem faria sentido que fosse, aplicável a taxa de 35% porque não existe qualquer necessidade de prevenir abusos. Por outro lado,

56. No que respeita às operações de “roll-ups”, cumpre notar que não existe sequer qualquer rendimento efetivo para o detentor das UP.

57. Ainda que existisse, não pode a AT simplesmente assumir que se trata de um resgate de UP e tributar à taxa de 35%.

58. Neste âmbito, resulta claríssimo do teor da alínea b) do n.º 18 do artigo 10.º do Código do IRS que a taxa de 35% apenas é aplicável às mais-valias resultantes das operações tipificadas e previstas subalíneas 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10 do Código de IRS – o que não é o caso.

59. Da prova realizada resulta vítreo que nenhuma das operações relevantes se encontra abrangida pelas citadas subalíneas 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10 do Código de IRS, não pode, logicamente, aplicar-se a taxa de 35%.

60. Mas sim, e unicamente, a taxa de 28% prevista por default na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.ª do Código do IRS.”

 

B. Posição da Requerida

 

Na sua resposta, a Requerida, no que se reporta à desconsideração das menos-valias/perdas suportadas pela Requerente com fonte no Brasil, considera que da conjugação da alínea b) do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS com o n.º 4 do artigo 13.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Brasil, não há saldo de menos-valias a ser apurado, nem a possibilidade de reportar as respetivas perdas para os anos seguintes.

Por outro lado, considera também que os rendimentos previstos na alínea b) do n.º 18 do artigo 72.º do Código do IRS, são sujeitos a uma tributação independente à taxa autónoma de 35%, não sendo possível optar pelo englobamento.

No que respeita à aplicação da taxa autónoma de 35% e não de 28%, a AT refere que no momento do preenchimento da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS foi utilizado pela Requerente o código “G20”.

No aludido ato de revogação parcial por despacho da Sra. Subdiretora-Geral de 31 de janeiro de 2025, refere-se o seguinte na Informação dos Serviços de suporte: ”ii. Ilegalidade no enquadramento das operações que deram origem a mais-valias e da errada aplicação da taxa de 35%

20. No quadro 9.2.A do anexo J, o requerente apresenta 7 operações, sustentando que as operações descritas não estão abrangidas pelos n.ºs 4 e 5 da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, que estabelecem: “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; (Redação da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro)

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:

1. A remição e amortização com redução de capital de partes sociais;

2. A extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais;

3. O valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC;

4. O reembolso de obrigações e outros títulos de dívida;

5. O resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos;”

21. Ao analisar a declaração, verificamos que o código associado às linhas 951, 952, 953, 954, 955 e 956 é o G20, que corresponde a resgates ou alienação de unidades de participação ou liquidação de fundos de investimento, enquadrando-se, assim, no n.º 5 da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS.

22. Já o código referente à linha 957 é o G10, que se aplica à alienação onerosa ou reembolso de obrigações e outros títulos de dívida, estando enquadrado no n.º 4 da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS.

23. De acordo com a alínea b) do n.º 18 do art. 72.º do CIRS, são tributadas autonomamente à taxa de 35% o “saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nos n.º s 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, quando respeitem a valores mobiliários cujo emitente seja entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, que seja domiciliada em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças”.

24. O contribuinte indicou como países de origem as Ilhas Virgens Britânicas (92) e as Ilhas Caimão (135).

25. Assim, resulta do disposto na Lei que as mais-valias fiscais associadas às operações, como as que estão em causa nos presentes autos, são tributadas à taxa de 35% quando a entidade emitente estiver sujeita a um regime fiscal privilegiado.

iii. Ilegalidade da rejeição da consideração das menos-valias reportáveis a. Menos-valias provenientes do Brasil

26. O requerente contesta o facto da AT ter desconsiderado as menos-valias provenientes do Brasil.

27. De acordo com a alínea b) do n.º 5 do art. 81.º do CIRS, com o objetivo de eliminar a dupla tributação jurídica internacional, aos residentes não habituais em território português que obtenham rendimentos da categoria G aplica-se o método da isenção quando os rendimentos possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal.

28. Segundo a convenção entre Portugal e a República Federativa do Brasil para evitar a dupla tributação, no art. 13.º, n.º 4, estabelece-se que “os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens ou direitos diversos dos mencionados nos n.ºs 1, 2 e 3 podem ser tributados em ambos os Estados Contratantes”, conforme o n.º 4 do art. 13.º da referida convenção.

29. A conjugação da alínea b) do n.º 5 do art. 81.º do CIRS e o n.º 4 do art. 13.º da CDT entre Portugal e o Brasil resulta na aplicação do método da isenção aos rendimentos provenientes do Brasil, tanto no que se refere ao saldo de mais-valias, quando ao saldo de menos s-valias.

30. Assim, quando aplicável o método da isenção, não se considera a dedução de perdas no cálculo do saldo global, visto que não há rendimento a tributar em Portugal, não há um saldo de menos-valias a ser apurado nem a possibilidade de reportar perdas para os anos seguintes.

v. Rejeição da dedução das menos-valias reportáveis

31. Dispõe a alínea d) do n.º 1 do art. 55.º do CIRS que “o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte ou seja obrigado a englobar esses rendimentos”. Isto significa que, em situações onde o sujeito passivo esteja obrigado ou decida englobar determinados rendimentos, o saldo negativo resultante dessas operações pode ser utilizado para compensar rendimentos tributáveis nos anos seguintes, permitindo a dedução de perdas de um exercício fiscal em anos subsequentes.

32. Contudo, nos termos da alínea b) do n.º 3 do art. 22.º do CIRS não são englobados “Os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento e do englobamento obrigatório neles previsto.”

33. No caso específico dos rendimentos previstos na alínea b) do n.º 18 do art. 72.º do CIRS, e sendo os mesmos tributados à taxa autónoma de 35%, não é possível optar pelo englobamento. Como estes rendimentos são sujeitos a uma tributação independente, e não à tributação conjunta com outros rendimentos do sujeito passivo, a opção pelo englobamento está excluída. Consequentemente, não é possível deduzir as perdas relacionadas com esses rendimentos, uma vez que o sistema de tributação autónoma não permite a compensação de perdas com ganhos obtidos em outros anos ou com rendimentos de outras categorias.”

Nas suas alegações a Requerida reproduz, no essencial, a fundamentação antes aduzida.

 

IV. Mérito da causa

 

Estamos agora em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa.

 

A. Identificação da questão controvertida

 

Em suma, as questões que se colocam no presente caso envolvem a interpretação do conceito de “contraparte da operação”, previsto n.º 5 do art. 43.º do CIRS, temática resolvida com o ato de revogação parcial da liquidação por parte da AT, restando assim a este Tribunal a apreciação das seguintes questões: a) Não dedução de perdas previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS e exclusão das menos-valias com origem no Brasil; e, b) Aplicação da taxa autónoma de 35%, conforme previsto no n.º 18 do artigo 72.º do CIRS.

Vejamos.

 

B. Da inutilidade superveniente da lide

 

Nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide.

No caso controvertido, tendo sido parcialmente revogado o ato de liquidação impugnado pela Requerente nos presentes autos no que tange o conceito de “contraparte da operação “previsto n.º 5 do artigo 43.º do CIRS, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.

A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30 de julho de 2014, proferido no âmbito do Processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art.º 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.” De acordo com Lebre de Freitas, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá- se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios.” – cf. Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Almedina, 2023, p. 633. Em conformidade com o mesmo entendimento veja-se Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., Vol I,  Almedina, outubro de 2005, p. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum  à Face do Código Revisto, Almedina, abril de 2000, p. 381.

Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pela Requerente foi parcialmente revogado pela AT, sendo que, com a referida revogação, a Requerente não atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que entende este Tribunal que, em conformidade com o alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida, deve prosseguir a respetiva apreciação. Nestes termos, este Tribunal Arbitral entende verificar-se a inutilidade superveniente parcial da lide no que diz respeito ao pedido de anulação do ato tributário, na parte abrangida pelo despacho de revogação (anulação) parcial, o que implica a extinção parcial da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), com as consequências daí decorrentes.

Com efeito, tal como salienta o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 7 junho de 2017, Processo 0516/17, a revogação parcial de ato alvo de impugnação não dita a inutilidade superveniente da lide se a parte do ato que se mantém contiver o motivo da impugnação, como é o caso,  mantendo-se a utilidade da instância. A inutilidade superveniente da lide em consequência de revogação de anterior ato impugnado só ocorre quando essa revogação tenha eliminado por completo todos os efeitos, negativos para o contribuinte, do ato sobre o qual recaiu. Permanecendo alguns dos efeitos negativos do referido ato a instância deve prosseguir para conhecimento das ilegalidades que lhe são assacadas.

 

C. Desconsideração das menos-valias reportáveis referentes aos exercícios de 2018 e 2021

 

Como vimos, resulta provado que a Requerente em 2018 e em 2021, auferiu menos-valias nos montantes de, respetivamente, 62.602,86 € e 71.499,41 €. No que se reporta a este ponto, entendeu a AT no despacho em que determina a revogação parcial do ato que: “No caso específico dos rendimentos previstos na alínea b) do n.º 18 do art. 72.º do CIRS, e sendo os mesmos tributados à taxa autónoma de 35%, não é possível optar pelo englobamento. Como estes rendimentos são sujeitos a uma tributação independente, e não à tributação conjunta com outros rendimentos do sujeito passivo, a opção pelo englobamento está excluída. Consequentemente, não é possível deduzir as perdas relacionadas com esses rendimentos, uma vez que o sistema de tributação autónoma não permite a compensação de perdas com ganhos obtidos em outros anos ou com rendimentos de outras categorias”.

Resulta igualmente provado que nos anos em referência, bem como no ano de 2022, a Requerente optou, no Quadro 9.2, C das respetivas Declarações, pelo englobamento dos rendimentos. Contudo, na liquidação de imposto emitida pela AT, no que respeita aos anos de 2018 e 2022, foram desconsideradas menos-valias referentes a operações relacionadas com ativos cujo emitente era residente no Brasil e não procedeu, em 2022, à dedução do referido montante de menos-valias ao valor das mais-valias apuradas.

No despacho de revogação parcial do ato de liquidação em apreço, a AT refere que desconsidera as referidas menos-valias com base no facto de as mesmas serem isentas ao abrigo do regime aplicável aos Residentes Não Habituais, sustentando que, de acordo com a alínea b) do n.º 5 do art.º 81.º do CIRS, com o objetivo de eliminar a dupla tributação jurídica internacional, aos residentes não habituais em território português que obtenham rendimentos da categoria G, aplica-se o método da isenção quando os rendimentos possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal. Refere seguidamente que o art.º 13.º, n.º 4, da convenção entre Portugal e a República Federativa do Brasil para evitar a dupla tributação, estabelece que “os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens ou direitos diversos dos mencionados nos n.ºs 1, 2 e 3 podem ser tributados em ambos os Estados Contratantes”, razão por que conclui no sentido de não se considerar a dedução de perdas no cálculo do saldo global, quando aplicável o método da isenção, visto que não há rendimento a tributar em Portugal, não havendo também um saldo de menos-valias a ser apurado nem a possibilidade de reportar perdas de uns anos para os anos seguintes.

Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS: “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.” A única restrição a esta norma reporta-se aos casos previstos no n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS, que, de acordo com o nosso entendimento, não se aplicam no caso das menos-valias com origem no Brasil.

Neste contexto, tal como nota a Requerente, num caso similar ao controvertido, o Tribunal Arbitral no âmbito do Processo n.º 247/2021-T de 11 de novembro de 2021, entendeu que, à exceção das situações previstas no n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS: “[…] todas as restantes menos valias obtidas noutros territórios são consideradas para o apuramento do saldo negativo ou positivo das operações previstas no art. 10º, n.º1, al. e) do CIRS. O CIRS não faz qualquer outra restrição. Uma vez que o Brasil não consta da Portaria n.º 150/2004 de 13 de fevereiro (lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis), a não consideração da menos valia aí obtida, à luz das normas internas, não tem respaldo legal.”

Como também se lê na Decisão arbitral que vimos de citar, com aproveitamento para o litígio presente, “no procedimento administrativo a AT invoca o art. 13º, n.º4 da CDT celebrada entre Portugal e o Brasil para justificar, na sua opinião, a não consideração da menos valia com origem no Brasil. Esta norma atribui uma competência tributária cumulativa a ambos os países sobre os rendimentos decorrentes de mais valias. Sucede que, nas relações entre os tratados de dupla tributação e a lei interna é necessário, em primeiro lugar, verificar se a lei interna fundamenta a tributação e, em segundo lugar, apurar se a pretensão de um país está limitada pela norma convencional. No caso em apreço a norma interna (art. 43º, n.º1 do CIRS) não fundamenta a tributação. Citando a Prof. Paula Rosado Pereira «(…) as CDT não têm um efeito positivo, visto não fundamentarem o exercício, pelos Estados, de pretensões tributárias que não tenham respaldo na lei fiscal interna.» Uma vez que a lei interna portuguesa não fundamenta a pretensão tributária não se justifica a invocação da CDT porque esta não tem efeitos tributários positivos. (…) A incidência do imposto e a sua determinação tem de ser apurada de acordo com a lei interna portuguesa. Em conclusão, na determinação do rendimento coletável decorrente de rendimentos enquadrados no art. 10º, n.º1, al. e) do CIRS, a desconsideração da menos valia com origem no Brasil contraria o disposto no art. 43º, n.º1 do CIRS, ilegalidade que aqui se reconhece”.

Como vimos, a AT considera ainda que quando existem rendimentos tributados à taxa autónoma de 35%, estes se encontram sujeitos a tributação independente, não se permitindo a compensação de perdas.

A este propósito importa recordar que, em conformidade com a alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º do Código de IRS: “Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

(…)

d) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g), h) e k) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.”

Ou seja, igualmente como nota a Requerente, resulta deste normativo a possibilidade de o sujeito passivo deduzir aos rendimentos líquidos positivos de Categoria G, o saldo negativo apurado relativamente às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g), h) e k) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.

Ou seja, a alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º do Código IRS configura um mecanismo de reporte de perdas apuradas na Categoria G do IRS, definindo os termos em que tais perdas podem ser deduzidas ao resultado líquido positivo apurado na categoria G do IRS dos anos posteriores.

Ora, como resulta da supracitada norma, a possibilidade de dedução de perdas apuradas na categoria G do IRS está condicionada às seguintes circunstâncias:

  1. o resultado líquido negativo apurado na Categoria G só é dedutível aos resultados líquidos positivos dessa mesma categoria;
  2. o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo a operações com instrumentos financeiros, pode ser reportado para os cinco anos seguintes;
  3. o sujeito passivo tem de optar pelo englobamento dos rendimentos da Categoria G de IRS.

A Requerente à semelhança do ocorrido nos anos de 2018, 2019 e 2021 optou em 2022 pelo englobamento do saldo apurado entre as mais e as menos-valias fiscais resultante da transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, conforme resulta da Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS em apreço. Assim, o resultado líquido negativo apurado na Categoria G nos cinco anos anteriores, que resulta demonstrado na factualidade dada como provada, deveria ter sido deduzido ao resultado líquido positivo apurado relativamente ao ano de 2022, não colhendo os fundamentos da AT para excluir a possibilidade de dedução das perdas reportáveis da Categoria G, às mais-valias obtidas no ano de 2022.

Como se faz notar na decisão arbitral do CAAD proferida no Processo n.º 340/2022-T, de 6 de fevereiro de 2023 invocada pela Requerente, “só as «perdas apuradas» nas jurisdições previstas no artigo 63.º -D da LGT são irrelevantes e só para o apuramento do saldo positivo ou negativo das mais valias aí geradas.”

Tal como resulta da factualidade dada como provada, a Requerente tem um total de 186.630,14 € de perdas a reportar, que não têm origem em jurisdições previstas na referida Portaria n.º 150/2004.

Termos em que se conclui que, estando já o saldo das perdas reportáveis no âmbito da Categoria G apurado pela Requerente, depurado das perdas desconsideradas nos termos do n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS, nenhum sentido fará que esse mesmo saldo não possa no ano de 2022, ser utilizado “contra” as mais-valias realizadas pela Requerente.

Conclui-se assim que no caso controvertido se encontram preenchidos os pressupostos para aplicação do regime de dedução de perdas previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º, do Código IRS, considerando que o correto montante que a Requerente tem como perdas para deduzir é superior ao saldo positivo das mais-valias e menos-valias obtidas em 2022.

 

D. Aplicação da taxa autónoma de 35%, conforme previsto no n.º 18 do artigo 72.º do CIRS

 

Como vimos, a AT sujeitou os rendimentos auferidos pela Requerente no ano de 2022, respeitantes à transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, à taxa agravada de 35%.

Tal como invocado pela Requerente, o aludido Código “G20” deve ser utilizado tanto para os casos de alienação como de resgate de UP, pelo que se nos afigura que a Requerente, tendo procedido à alienação das referidas UP, preencheu corretamente a Declaração de Rendimentos de Rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2022.

Resulta claro do teor da alínea b) do n.º 18 do artigo 72.º do Código do IRS que a taxa de 35% apenas é aplicável às mais-valias resultantes das operações tipificadas e previstas subalíneas 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10 do Código de IRS. Ora, resulta da prova produzida que nenhuma das operações relevantes se encontra abrangida pelas citadas subalíneas não se podendo, enquanto tal  aplicar-se a taxa de 35%, mas sim a taxa de 28% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.ª do Código do IRS.

Com efeito, estando nós perante uma operação de alienação de unidades de participação (cf. informações presentes no portfolio junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral como Documento 12) as alienações das unidades de participação realizadas tiveram como contraparte uma entidade que não o próprio fundo, neste caso específico, o Banco UBS, através da plataforma disponibilizada pelo mesmo, que se encontra sedeado na Suíça, não fazendo sentido que numa operação de alienação de unidades de participação fosse aplicável a taxa de 35%, não existindo necessidade de prevenir abusos. Já no que tange às operações de roll up , tal como a Requerente salienta, cumpre notar que não existe sequer qualquer rendimento efetivo para o detentor das unidades de participação, e ainda que existisse, não pode a AT simplesmente assumir que se trata de um resgate de unidades de participação e tributar à taxa de 35%

 

E. Pagamento de juros indemnizatórios

 

No que se reporta ao pagamento de juros indemnizatórios, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios. Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410: “Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício». Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT. Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..) O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”

Neste contexto, entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem verificados os respetivos requisitos.

Deste modo, sendo anulado o ato de liquidação de imposto objeto do presente pedido, deve o montante indevidamente pago ser restituído à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, contados desde a data em que ocorreu o respetivo pagamento até ao seu integral reembolso.

 

F. Valor da causa e custas

 

Neste contexto, importa assinalar que a determinação do valor da causa atende ao momento em que a ação é proposta (v. artigo 299.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Resulta do artigo 259.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, que a instância se inicia pela propositura da ação e considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, ou seja, no caso do processo arbitral tributário, logo que seja recebida na secretaria do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

Como afirma Jorge Lopes de Sousa, “são irrelevantes as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência ou redução de pedidos” v. Guia da Arbitragem Tributária, Coord.: Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, p. 153.

Ou seja, na determinação do valor da causa atende-se exclusivamente à realidade processual existente no momento em que a ação é proposta sendo irrelevantes posteriores modificações dos elementos da instância. Note-se em particular que a inutilidade parcial superveniente da lide não determina a redução do valor da causa, pois este valor determina-se com referência ao momento da propositura da ação. Tal como se faz notar Tribunal da Relação de Lisboa Processo 2801/10.2TBLLE.L2-6, de 3 de outubro 2013, “Os artigos 305º e 315º do CPC dispõem, respectivamente, que o valor da causa representa a utilidade económica do pedido e que compete ao juiz fixá-lo sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, estatuindo o artigo 319º as consequências de se apurar que, da decisão do incidente do valor da causa, o tribunal singular é incompetente ou resulte ser outra a forma de processo correspondente à acção.

Estabelece, porém, o artigo 308º do CPC nº1 que “na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal”, estabelecendo o seu nº 4 que “nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência a acção, o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários”.

Destas disposições legais se vê que, mesmo que, por decisão do juiz ou por via de incidente de fixação do valor, seja atribuído à causa um valor que não era o inicialmente o indicado, com as consequências previstas no artigo 319º, o momento relevante para a determinação do valor da causa é sempre o da data propositura da acção, com excepção dos casos em que foi deduzida reconvenção ou intervenção principal e nos casos em que a utilidade económica da causa só se define na sequência da acção.

(…)

A matéria das custas processuais encontra a sua regulamentação no CPC, dispondo, sob a epígrafe “Repartição das Custas”, o n.º 3, do artigo 536.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT que nos “(...) casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.”

Prevendo o n.º 4 do mesmo preceito legal, no que aqui interessa, “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.

No caso dos autos, tal como supra demonstrado, a anulação parcial do ato de liquidação de IRS na parte impugnada, proveio de um ato revogatório praticado na pendência da presente instância – após a apresentação e aceitação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral –sendo, assim, a responsabilidade das custas processuais imputadas à Requerida, quanto a este.

É também da responsabilidade da Requerida, nos termos do n.º 1 e 2, do artigo 527.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, as custas referentes ao pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, formulado pelos Requerentes, por ter sido o mesmo julgado procedente. 

Deste modo, a responsabilidade pelas custas ficará a cargo da Requerida em 100%, sendo o valor do processo de € 64 692,82 (sessenta e quatro mil, seiscentos e noventa e dois euros e oitenta e dois cêntimos).

 

V. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de IRS de 2022 n.º 2023... e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, devendo a AT proceder à restituição do imposto pago em excesso;
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, contados desde a data em que ocorreu o respetivo pagamento até ao seu integral reembolso.
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI. Valor do processo

 

Fixa-se, assim, o valor do processo em € 64 692,82 (sessenta e quatro mil, seiscentos e noventa e dois euros e oitenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

 

Custas no montante de € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros) a cargo da Requerida (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 30 de abril de 2025

 

Os Árbitros

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

Clotilde Celorico Palma

(Relatora)

 

 

 

Nuno Pombo