Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1120/2024-T
Data da decisão: 2025-04-20  IRC  
Valor do pedido: € 8.411,41
Tema: IRC. Derrama Municipal. Rendimentos obtidos no estrangeiro. Não incidência
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Sumário                                                                                                               

 

  1. A Derrama Municipal é um imposto que incide sobre os rendimentos tributáveis e não isentos de IRC, na proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes, bem como não residentes com estabelecimento estável em Portugal, que aí exerçam atividade comercial, industrial ou agrícola.

 

  1. Os rendimentos obtidos fora do território nacional, nomeadamente dividendos e mais-valias mobiliárias, devidos por entidades não residentes em território nacional e sem estabelecimento estável em Portugal ao qual aqueles sejam imputáveis, devem ser excluídos da base de cálculo da Derrama Municipal lançada pelo município.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de agosto de 2024, acorda no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., S.A., doravante designado por “Requerente”, com o número único de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º ... a..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

O Requerente deduz o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), na sequência do indeferimento da revisão oficiosa e da reclamação graciosa apresentadas contra os atos de autoliquidação de IRC, na parte respeitante à Derrama Municipal,  reportados respetivamente aos períodos de tributação de 2019, 2020, 2021 e 2022, no montante global de € 8.411,41 (€ 4.265,39 referentes a 2019; € 2.045,75 referentes a 2020; € 75,61 referentes a 2021 e € 2.024,66 referentes a 2022), peticionando a anulação da decisão do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa e a anulação parcial dos mencionados atos tributários, com a inerente restituição do imposto, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. Vem defender-se por exceção e impugnação.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 15 de outubro de 2024 e, de seguida, notificado à AT.

 

Após nomeação da árbitra, a mesma comunicou, em prazo, a aceitação do encargo.

 

O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 4 de dezembro de 2024, não tendo sido manifestada oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 24 de dezembro de 2024.

 

Em 30 de janeiro de 2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

 

            Por despacho deste Tribunal, de 9 de março de 2025, não tendo sido requerida produção de prova testemunhal, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Acresce que estando as questões suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, foram dispensadas as Partes de apresentarem alegações.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

            Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1.       Dos factos

 

Com relevo para a decisão, julgam-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é um sujeito passivo de IRC que atua no setor financeiro, tendo sede em ..., na Região Autónoma dos Açores.
  2. O Requerente dedica-se assim à obtenção de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos ou outros, os quais aplica, conjuntamente com os seus recursos próprios, na concessão de crédito, em títulos e em outros ativos, prestando ainda outros serviços bancários.
  3. No cumprimento das suas obrigações declarativas, a 30 de julho de 2020, o Requerente procedeu à entrega da sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declaração Modelo 22”) com o número de identificação ... referente ao período de tributação de 2019 (cfr. Documento n.º 1).
  4. Com base nos montantes vertidos naquela declaração, o Requerente apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 4.240.024,53 e uma derrama municipal no montante de € 60.475,11, conforme se verifica na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2020 ... (cfr. Documento n.º 2).
  5. No que respeita ao período de tributação de 2020, o Requerente apresentou no dia 16 de julho de 2021 a respetiva declaração Modelo 22, com o número de identificação
    ... (cfr. Documento n.º 3).
  6. Conforme resulta daquela declaração, o Requerente apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 908.186,35 e uma derrama municipal no montante de € 12.515,69, de acordo com a demonstração de liquidação de IRC com o
    n.º 2021 ... (cfr. Documento n.º 4).
  7. No que concerne ao período de tributação de 2021, o Requerente apresentou no dia 6 de junho de 2022 a respetiva declaração Modelo 22, com o número de identificação
    ... (cfr. Documento n.º 5).
  8. O Requerente apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 4.499.817,31 e uma derrama municipal no montante de € 45.898,60, conforme demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2022 ... (cfr. Documento n.º 6).
  9. No que respeita ao período de tributação de 2022, o Requerente apresentou no dia 30 de maio de 2023 a respetiva declaração Modelo 22, com o número de identificação
    ...(cfr. Documento n.º 7).
  10. O Requerente apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 5.791.616,36 e uma derrama municipal no montante de € 59.065,68, conforme demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2023... (cfr. Documento n.º 8).
   

Valores em Euro

Período

Lucro tributável / (Prejuízo fiscal)

Derrama municipal

2019

4.240.024,53

60.475,11

2020

908.186,35

12.515,69

2021

4.499.817,31

45.898,60

2022

5.791.616,36

59.065,68

Total

15.439.644,55

177.955,08

  1. Em suma, são relevantes os seguintes montantes apurados a título de derrama municipal pelo Requerente:

 

 

 

 

 

 

  1. O Requerente liquidou derrama municipal sobre a totalidade do respetivo lucro tributável apurado com referência aos períodos de tributação de 2019, 2020, 2021 e 2022, não podendo apurar este tributo de forma distinta, atentas as limitações inerentes ao sistema informático da AT.
  2. Com efeito, o próprio modelo oficial da declaração Modelo 22, constante do site da AT, para efeitos de apuramento da derrama municipal nos termos do Anexo A, impõe a consideração do lucro tributável total apresentado no campo 302 do quadro 09.
  3. O lucro tributável apurado pelo Requerente foi influenciado por rendimentos obtidos no estrangeiro, nomeadamente dividendos e mais-valias mobiliárias.
  4. Em 31 de maio de 2024, o Requerente submeteu um pedido de revisão oficiosa contra os atos de autoliquidação de IRC referentes aos períodos de tributação de 2019 e 2020 (cfr. Documento n.º 9), assim como uma reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação de IRC referente aos períodos de tributação de 2021 e 2022 (cfr. Documento n.º 10), meios através dos quais procurou ver ressarcido o montante de derrama municipal suportado por si naqueles anos, correspondente aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
  5. Em 20 de julho de 2024, a AT notificou o Requerente das decisões finais de indeferimento da revisão oficiosa referente aos períodos de tributação de 2019 e de 2020 (cfr. Documento n.º 11) e da reclamação graciosa dos períodos de tributação de 2021 e de 2022 (cfr. Documento n.º 12).
  6. Nas referidas decisões finais de indeferimento, a AT sustenta sucintamente o seguinte: “a) nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais, a derrama municipal, que é um imposto acessório ao IRC, tem como base de tributação, tal como este último, o lucro tributável de entidades residentes que exerçam, a um título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável que estão situadas em território português; b) o Regime Financeiro das Autarquias Locais não possui regras específicas para a determinação da derrama municipal, pelo que, na ausência de outra legislação sobre o tema, terão de ser tomadas em consideração as regras consagradas no Código do IRC, como o seu artigo 3.º – “Base de imposto”, o artigo 4.º – “Extensão da territorialidade” e ainda o artigo 17.º - “Determinação do lucro tributável”, incluindo, desta forma, a base tributável da derrama os rendimentos provenientes de fonte estrangeira, conforme defendido pela Direção de Serviços do IRC; c) na legislação em vigor que disciplina a figura da derrama municipal não existe qualquer norma que exclua da base tributável rendimentos provenientes do estrangeiro, pelo que não se pode inferir um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei correspondência verbal; d) do Regime Financeiro das Autarquias Locais não consta qualquer exclusão de tributação relativamente à parte do lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo que o Código do IRC estabelece a extensão da obrigação do imposto relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, havendo assim, o englobamento da totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.
  7. No dia 15 de outubro de 2024 deu entrada no CAAD ppa apresentado pelo Requerente - cf. registo de entrada no SGP do CAAD e pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).
  8. No dia 21 de outubro de 2024, a Requerida foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

Factos Não Provados

 

 Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

 

  1.   Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

 

  1. Do Direito

 

  1. Questão Prévia - Da exceção de ilegitimidade ativa invocada

 

A Requerida vem suscitar a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa do ato tributário referente aos exercícios de 2019 e 2020 relativamente às autoliquidações de IRC na parte respeitante à consideração dos rendimentos auferidos no estrangeiro para efeitos de cálculo da derrama municipal.

 

A Requerida considera que o Tribunal Arbitral não tem competência material para apreciar da legalidade das referidas liquidações de IRC, com base nos seguintes argumentos:

 

  1. De acordo com o disposto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, sem que aí seja mencionado o mecanismo de Revisão Oficiosa previsto no Art.º 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”);
  2. Assim e de acordo com a Requerida da redacção conferida ao citado preceito legal, constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, tenham sido precedidas de reclamação;
  3. Entende a Requerida que com efeito, a jurisprudência tem provido o entendimento, que não se questiona, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento de Revisão Oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto nos Art.ºs 131.º a 133.º do CPPT, para efeito de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento. Contudo, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos Art.ºs 131.º a 133.º do CPPT, aí não se incluindo o procedimento de Revisão Oficiosa previsto no 78.º da LGT.
  4. Entende assim que se o legislador não previu, no Art.º 2.º daquela Portaria, o procedimento de Revisão Oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, maxime à Reclamação Graciosa, para efeitos de aceder ao pedido de pronúncia arbitral, foi porque, certamente, não o pretendeu fazer.
  5. Reforça a Requerida que os termos em que está redigido o Art.º 4.º n.º 1 do RJAT impõem a conclusão de que a vinculação da Requerida está dependente e delimitada pela vontade expressa na Portaria n.º 112-A/2011. E, que atenta a natureza voluntária e convencional da tutela arbitral, aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efectuada no RJAT, o intérprete não pode amplificar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da Requerida àquela jurisdição.
  6. Assim, considera a Requerida que deve entender-se que, face aos citados princípios constitucionais e legais, a interpretação do disposto na Portaria n.º 112-A/2011 deve configurar-se literalmente, pois não é despiciendo que o legislador no Art.º 2.º alínea a) daquela portaria, ao ter completado a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa» com a menção «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», tenha delimitado intencionalmente a vinculação da Requerida a tais situações, face às razões expostas.
  7. Consequentemente, entende que a incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação da autoliquidação de IRC inerente ao pedido de Revisão Oficiosa de Ato Tributário consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no Art.º 576.º n.º 1 e 2 e no Art.º 577.º alínea a) do CPC ex vi do Art.º 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT.

 

Apreciando.

 

O RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), em sede da autorização legislativa prevista no artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril. O n.º 4 do artigo 124.º da referida Lei determinou que o âmbito de autorização legislativa previa o seguinte:  “a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”.

 

Em sede da autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Resulta assim claro que o Governo ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida legislou no sentido de atribuir aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte, sem estabelecer qualquer limitação a este respeito.

 

Na sequência da publicação da Portaria n.º 112-A/2011 foi publicada a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que veio determinar que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

 

De acordo com o disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. A menção expressa ao precedente “recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendida como referindo-se aos casos em que o recurso é obrigatório por via da reclamação graciosa que se apresenta como o meio administrativo a que se reportam os artigos 131.º a 133.º do CPPT.

 

A necessidade da reclamação graciosa justifica-se pela oportunidade que é conferida à Administração Tributária de se pronunciar relativamente a um determinado ato tributário em que a Administração Tributária pode, ou não, dar razão ao contribuinte. Quando tal não ocorra, o contribuinte para o exercício do seu direito de defesa pode recorrer aos tribunais.

 

Note-se que os motivos que fazem jus à necessidade de um recurso judicial, ainda que de caráter excecional, encontram-se igualmente satisfeitos em caso de um pedido de revisão oficiosa. Em sede do pedido de revisão oficiosa, a Administração Tributária é também chamada a pronunciar-se acerca da legalidade do ato que não praticou, mas cujos efeitos lhe são imputados. Pelo que, se justifica que se equipare o pedido de revisão oficiosa à reclamação graciosa como condição / pressuposto processual do processo de impugnação (neste sentido, veja-se o Acórdão do CAAD, de 4 de junho de 2024, no processo 992/2023-T).

 

Acresce que o CAAD em vários acórdãos já se veio pronunciar quanto à sua competência material para apreciar atos de liquidação que tenham sido sujeitos a pedido de revisão oficiosa do ato tributário, sendo que é também jurisprudência uniformizada do Tribunal Central Administrativo que o CAAD tem competência material para apreciar atos de autoliquidação na sequência de pedidos de revisão oficiosa. A este respeito, vejam-se os Acórdãos do TCA Sul de 27-04-2017, processo n.º 8599/15; de 25-06-2019; processo n.º 111/18.6BCLSB; de 11-03-2021, processo n.º 97/16.6BCLS de 12-05-2022.

 

Assim, importa concluir que o Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria. Assim sendo, improcede a exceção de ilegitimidade invocada pela Requerida.

 

 

  1. Derrama Municipal – Exclusão de Rendimentos de Fonte Estrangeira

 

A questão objeto do presente dissídio reporta-se a saber se os rendimentos obtidos no estrangeiro devem ser excluídos do cálculo da Derrama Municipal do Requerente, subtraindo-os ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC.

 

            A posição preconizada pelo Requerente suporta-se, em primeira linha, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 13 de janeiro de 2021, relativo ao processo n.º 03652/15.3BESNT0924/17, que também se pronuncia sobre a posição fundamental da Requerida e que, dada a sua clareza, se transcreve na parte relevante:

 

 “O lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)”. Continua a Requerente mencionando que no âmbito deste Acórdão, o STA considerou que os rendimentos obtidos por sucursais e estabelecimentos estáveis situados fora de território português devem ser excluídos da base de incidência de derrama municipal. Refere ainda a decisão arbitral emitida no âmbito do processo n.º 554/2021-T, de 15 de março de 2022, em que o Tribunal Arbitral concluiu que “(…) os rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os lucros auferidos por via de participação social numa sociedade participada não residente, devem ser excluídos do lucro tributável e, como tal, não podem contribuir para o cálculo da derrama municipal lançada pelo município (…)”. Pelo que, vem a Requerente defender que apenas pode ser sujeita a derrama municipal a parcela do lucro tributável que seja obtido em território nacional, e, consequentemente, possa ser imputado a cada um dos municípios portugueses, beneficiários exclusivos deste tributo. Para reforçar o seu entendimento, vem ainda referir a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 720/2021-T, de 27 de maio de 2022, que vem concluir no sentido de que “[o]s rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os relativos a lucros gerados por sucursais residentes fora do território nacional, devem ser excluídos, para efeitos deste imposto, do lucro tributável e como tal, não podem contribuir para a base do cálculo da Derrama Municipal lançada pelo município”, bem como a  decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 234/2022-T, de 28 de novembro de 2022, que vem concluir no sentido de que “[i]ncindindo a Derrama sobre o lucro tributável sujeito e não isento, permitindo os registos contabilísticos da empresa a destrinça dos rendimentos obtidos no estrangeiro e a efetiva determinação da quota parte do lucro tributável a cada uma das sucursais, por não se tratar de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, estes rendimentos devem ser excluídos da base de incidência para efeitos de cálculo da Derrama Municipal.”. A Requerente veio ainda reforçar a sua posição fazendo menção à decisão arbitral do CAAD em sede do processo n.º 211/2023-T, de 17 de julho de 2023 e da decisão do Tribunal Arbitral, emanada no âmbito do processo n.º 170/2023-T, de 22 de novembro de 2023, no qual se conclui que “não estando em causa rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, devem os mesmos ser retirados da base de incidência, acolhendo este Tribunal a fundamentação da decisão do STA acima mencionada, bem como as mencionadas decisões dos Tribunais formados no CAAD, uma vez que não se vislumbram razões, de facto e de direito, para nos afastarmos do entendimento jurisprudencial  consolidado na nossa ordem jurídica”.

Assim, defende o Requerente que, para efeitos da determinação do lucro tributável sujeito a derrama municipal, devem ser excluídos os rendimentos, independentemente da sua natureza, obtidos ou gerados fora do território nacional, e, em consequência, fora da circunscrição de cada um dos seus municípios, sob pena de violação do disposto no artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais, e, bem assim, como bem sugere o STA, sob pena de violação dos princípios de igualdade e da capacidade contributiva (cfr. artigos 13.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa).     

            Por sua vez, a Requerida defendendo-se por impugnação veio arguir que a derrama municipal recai também sobre o lucro tributável (diferença entre os rendimentos e gastos) apurado em operações económicas realizadas no estrangeiro e que quanto à lógica comutativa ou de contrapartida subjacente à figura da derrama municipal, esta torna-se mais evidente quando se prevê que o valor apurado por uma sociedade comercial deve ser ‘distribuído’ por tantos Municípios quanto aqueles em que a sociedade atua no território nacional, ou seja, em conformidade com a ‘fonte’ dos rendimentos, o que se impõe atentos os princípios do benefício e da justiça na repartição dos encargos. (n.º 2 do art.º 18º do RFALEI). Pelo que, tal vai ao encontro do disposto no Art.º 238.º, n.º 1 da CRP, visando atingir os princípios constitucionais do equilíbrio financeiro e da justa repartição.

 

               Em primeiro lugar e conforme jurisprudência arbitral que subscrevemos na íntegra na decisão em sede do processo n.º 917/2024-T, de 25 de janeiro de 2025  e que aqui se transcreve “Com efeito, o princípio essencial que preside à criação da Derrama (v. artigo 3.º, alínea j) do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro[1]) é o da justa repartição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais, que o artigo 10.º desenvolve, no respeito pelo princípio da estabilidade das relações financeiras entre o Estado e as autarquias locais, devendo ser garantidos os meios adequados e necessários à prossecução do quadro de atribuições e competências que lhes é cometido nos termos da lei. Por sua vez, a participação de cada autarquia local nos recursos públicos é determinada nos termos e de acordo com os critérios previstos na referida lei, visando o equilíbrio financeiro vertical e horizontal.[2]

Por tudo isto, dispõe o n.º 1 do artigo 18.º do referido regime que os municípios podem deliberar lançar uma derrama, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território. Resulta inequívoco do próprio elemento literal que existe uma dependência entre a área geográfica onde são gerados os rendimentos e o montante da Derrama que pode ser cobrada para prosseguir o designado equilíbrio financeiro vertical e horizontal.

 

Os impostos municipais surgem como resposta aos encargos municipais, apresentando-se como fontes de financiamento adicionais ao Orçamento Geral do Estado. Estes encargos variam de acordo com uma multitude de fatores, tais como as caraterísticas territoriais e a dimensão dos municípios, mas entre estes também se encontram as condições estruturais dadas às unidades empresariais para nestes se implementarem e prosperarem.

 

Não é assim possível deixar de considerar o imposto municipal como um suporte financeiro prestado pelas unidades empresariais, ao impacto que provocam nas estruturas económicas municipais. Sem essa presença económica no município, um tributo, como a derrama municipal, deixa de fazer sentido.”

 

            Em segundo lugar, acresce que a Requerida considera que os rendimentos auferidos no estrangeiro pelo Requerente são rendimentos conexos com a atividade comercial por si exercida em território português e que para a obtenção de tais rendimentos foram inevitavelmente suportados gastos diretos e indiretos, por exemplo, gastos com pessoal tanto da administração (decisão de investir), como na gestão de ativos mobiliários detidos fora do território nacional por pessoal especializado, gastos com pessoal inerente ao desenvolvimento da atividade de gestão, emissão e disponibilização de soluções de pagamento, cartões de pagamento e crédito ao consumo fora do território nacional, gastos com fornecimentos e serviços externos, depreciação e amortizações de ativos utilizados no exercício de toda a atividade, encargos financeiros suportados com a aquisição dos ativos mobiliários detidos e ou alienados no estrangeiro, e demais encargos suportados para a obtenção de tais rendimentos. No que concerne a esta questão há que ter em consideração que estamos perante rendimentos cuja obtenção é passiva, pois trata-se de dividendos e mais-valias mobiliárias. Como tal, estes rendimentos não têm associados, ou muito dificilmente têm associados, gastos. Como tal, improcede a arguição da Requerida.

 

Em terceiro lugar, a Requerida considera ainda que não foi cumprido o ónus da prova pela Requerente quanto ao valor dos rendimentos auferidos no estrangeiro e que tal ónus da prova para se dar como verificado não se basta com uma simples operação aritmética de subtração, nomeadamente, e apenas, do valor dos rendimentos brutos obtidos no estrangeiro. Contudo, tal referência da AT não é válida, como aliás resulta dos documentos 13, 15, 17 e 19 juntos ao ppa. Acresce que  mesmo que estes documentos não tivessem sido juntos, determina o artigo 75.º, n.º 1 da LGT que “[p]resumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”. Como tal, a documentação fiscal e contabilística do Requerente goza da presunção de veracidade consagrada na citada norma. No presente caso, o Requerente quantifica os rendimentos obtidos no estrangeiro com base nos registos contabilísticos, encontrando-se organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal. Mais, sucede que quando a AT disponha de indícios que possam colocar em causa a presunção da veracidade das declarações e da escrita do contribuinte (v. artigo 75.º, n.º 2 da LGT) incumbe ao sujeito passivo demonstrar os pressupostos que o conduziram a estabelecer um determinado tratamento contabilístico e fiscal às suas operações.

No presente caso, o Requerente apresentou as declarações Modelo 22 com base na sua contabilidade, sendo que a Requerida poderia ter suscitado as questões que entendesse por pertinentes a este respeito.

Aliás e ainda em sede de ónus da prova, veja-se a jurisprudência do Tribunal Arbitral na decisão do processo 720/2021-T, de 27 de maio de 2022, de que se extrai a seguinte argumentação:

 

“[f]ace ao regime de repartição do ónus da prova, não basta que a AT enuncie uma situação de dúvida, de resto não fundamentada, sobre os documentos apresentados pela Requerente relativos ao apuramento dos rendimentos sujeitos a IRC obtidos em território nacional e nas suas sucursais no estrangeiro, que aliás se encontram suportados pela Declaração Modelo 22 junta ao processo administrativo, e respetivos anexos.

[…] as suspeições da AT devem assentar em factualidade de que se possa extrair um juízo fundado de dúvida de que as declarações do sujeito passivo não refletem uma realidade tributária verosímil. Por conseguinte, não tendo sido apresentados elementos idóneos pela AT que permitam afastar a presunção estabelecida no artigo 75º, nº 1, da LGT, entende-se que a documentação existente nos autos, comprova de modo suficiente o montante de Derrama Municipal correspondente ao lucro tributável gerado em território nacional (cálculo a título individual), […] bem como o total de Derrama Municipal, incidente quer sobre o lucro tributável gerado quer em território português, quer no estrangeiro, […], devendo para todos os efeitos ser estes os valores a considerar.

 

Assim, não se constata nenhuma das situações previstas no artigo 75.º, n.º 2 da LGT suscetíveis de afastar tal presunção de veracidade. Por conseguinte, os factos refletidos na informação fiscal e contabilística do Requerente devem ser tomados por assentes, fidedignos e verdadeiros, como, aliás, ficou provado.

 

Em quarto lugar e quanto ao crédito por dupla tributação internacional poder ser deduzido à fração da coleta a que alude o artigo 91.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, considera a AT que tal verifica-se por os rendimentos obtidos no estrangeiro e gastos conexos com os rendimentos também se encontrarem incluídos na base de cálculo da derrama. Contudo, entende este Tribunal que esta argumentação da AT assenta na conclusão para justificar a premissa e como tal por si mesma não permite justificar a base de incidência da derrama municipal.

 

Por último, a Requerida decidiu pelo indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativamente aos anos de 2019 e de 2020 e da reclamação graciosa relativamente aos anos de 2021 e de 2022 com base em que o entendimento jurídico do STA e do CAAD está errado e como tal os rendimentos gerados no estrangeiro devem ser incluídos na base de cálculo da Derrama Municipal.

 

            À face de todo o exposto, deve a presente ação ser julgada procedente e anuladas as autoliquidações de IRC referentes aos períodos de tributação de 2019, 2020, 2021 e 2022, na parte referente à Derrama Municipal, por erro de direito na determinação da base de incidência deste imposto, da qual têm de ser excluídos os rendimentos gerados fora do território nacional, não o tendo sido (v. artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

 

  1. Do direito do Requerente ao Reembolso e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT

 

O Requerente peticiona juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, que determina que estes são devidos “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

 

O artigo 43.º, n.º 1 da LGT determina que há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios quando “(…) se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Por sua vez, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando “(…)  a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

No presente caso, há que fazer a destrinça quanto aos juros indemnizatórios devidos, pois no que concerne aos anos de 2019 e 2020, o Requerente submeteu um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC na parte respeitante à derrama municipal. Por sua vez, no que concerne aos exercícios de 2021 e de 2022, o Requerente submeteu uma reclamação graciosa das autoliquidações de IRC na parte respeitante à derrama municipal.

 

Acresce que o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral. Como tal, o Tribunal Arbitral tem competência para conhecer do pedido de juros indemnizatórios submetido pelo Requerente.

 

Para que haja direito a juros indemnizatórios, o imposto deve ser indevido ou deve ter sido pago imposto em montante superior ao devido e tal deve derivar de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

Em relação aos juros indemnizatórios a liquidar em relação ao ano de 2019 e de 2020, considerando que o pedido de revisão oficiosa, só há direito a juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.

 

Neste sentido, há que ter em conta a jurisprudência firmada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2023, proferido no processo n.º 40/19.6BALSB, de 30.09.2020, que veio estabelecer que “(…) só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida”.

 

Deste modo, deve a Requerente ser reembolsada do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, contados apenas a partir do decurso de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

No que concerne aos exercícios de 2021 e de 2022, relativamente a cujos atos de autoliquidação de IRC o Requerente apresentou reclamação graciosa, a partir do momento em que o Requerente submeteu à apreciação da Requerida o erro cometido, através da competente via administrativa (reclamação graciosa) e que, sem fundamento legal válido, lhe foi negada a correção da Derrama Municipal, verifica-se erro imputável aos serviços. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que o erro imputável aos serviços fica demonstrado quando seja procedente a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação, como sucede in casu – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, processo n.º 01273/08.6BELRS 01364/17.

 

Nestes termos, deve ser reconhecido ao Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios, contados a partir da data em que o erro imputável aos serviços se materializou, ou seja, do dia seguinte ao da notificação, dentro do prazo legal, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT), até ao processamento da nota de crédito (v. artigo 61.º, n.º 5 do CPPT).

 

 

  1. Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acorda-se julgar procedente a ação e, em consequência:

 

  1. Anular parcialmente as (auto) liquidações de IRC referentes aos períodos de tributação de 2019, 2020, 2021 e 2022, na parte referente à derrama municipal, devendo esta ser recalculada excluindo da sua base os rendimentos obtidos no estrangeiro, bem como anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa que os manteve;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, vencidos desde o momento em que se perfaça um ano sobre a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa no que concerne aos exercícios de 2019 e de 2020;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, a contar desde o dia seguinte ao da notificação, dentro do prazo legal, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, até ao processamento da nota de crédito.

 

 

 

 

VI.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de 8.411,41 (oito mil quatrocentos e onze euros e quarenta e um cêntimos) indicado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.    Custas

 

            Custas no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de abril de 2025

 

A árbitra,

 

 

Sónia Martins Reis

 

 

 

 



[1] Na redação à data dos factos.

[2] As autarquias gozam de um amplo quadro de autonomia local (v. artigo 238.º da Constituição), sendo dotadas de património e finanças próprios. “As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços”, podendo dispor de “poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei.”  Desta forma, “o que legitima a atribuição de poderes tributários às autarquias locais é, fundamentalmente, o seu nível de estruturação política e administrativa, pois, tal como sucede com as regiões autónomas, elas têm como base uma representação directa dos cidadãos eleitores”. Pelo que, “Só assim se pode entender que a Lei das Finanças Locais possa atribuir às Assembleias Municipais algum espaço de decisão, alguma autonomia no sentido próprio de auto-governo, em matéria tributária quanto à criação de taxas e no lançamento de derramas.” - Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2002, p. 40.