Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1108/2024-T
Data da decisão: 2025-05-03  Selo  
Valor do pedido: € 1.590.000,00
Tema: IS – Intempestividade de Pedido de Revisão Oficiosa. Exceção dilatória. Absolvição da instância.
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SUMÁRIO:

 

1. A liquidação (fixação do montante de imposto devido) foi feita pela notária (sujeito passivo) no momento da escritura, momento em que exigiu à Requerente (substituído fiscal sem retenção na fonte) o pagamento do correspondente valor.

2- Considerando a factualidade do caso concreto e o entorno jurídico-tributário aplicável, concluiu-se pela procedência da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela AT.

2. A exceção dilatória traduzida na incompetência absoluta em razão da matéria, impede o julgador de conhecer o pedido e conduz à absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos, 278.º, n.º 1, 576.º, n.º 1 e 2, e 577.º, alínea a), e 578.º, todos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ao processo arbitral ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professor Doutor Rui Duarte Morais (Presidente), Dr.ª Alexandra Iglésias (Adjunta e Relatora) e Professor Doutor Francisco Nicolau Domingos (Adjunto) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

A A..., S.A., doravante abreviadamente designada por “A...”, com o número único de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., ... ...-..., na qualidade de sociedade gestora (e, por conseguinte, representante fiscal) do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., adiante designado de “B...” ou “Requerente”, com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., ... ...-... Lisboa, vem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária” ou “RJAT”) e, bem assim, dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, deduzir pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) e requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à correção do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo realizado no período de tributação de 2020, relativo a garantia prestada pelo B..., nos termos da Verba n.º 10.2 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo (“TGIS”), conforme Declaração de Retenções na Fonte IRS/IRC e Imposto do Selo (“Guia de Imposto do Selo”), com número de documento ... .

 

Peticiona a Requerente:

a) A declaração da ilegalidade e anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa;

b) A declaração da ilegalidade, e consequente anulação do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo, no montante de € 1.590.000,00 (um milhão, quinhentos e noventa mil euros); 

c) O reconhecimento do direito ao reembolso do montante total de € 1.590.000,00 (um milhão, quinhentos e noventa mil euros), bem como do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento deste imposto indevidamente liquidado e suportado, contados desde a data do pagamento do respetivo imposto.   

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) em 17-10-2024.

O Requerente optou por não designar Árbitros.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foram os árbitros designados pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, tendo comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02-12-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo, foi constituído em 20-12-2024.

Em 21-12-2024, foi proferido despacho arbitral notificado, em 23-12-2024, ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que apresentou, juntamente com o Processo Administrativo (doravante PA), em 31-01-2025.

Na sua Resposta, a AT veio defender-se por exceção (invocando a inidoneidade do meio processual, e a inimpugnabilidade do ato), e por impugnação.

Por despacho de 21-02-2025, notificado às partes, em 24-02-2025, a Requerente foi convidada a pronunciar-se, querendo, quanto às exceções aduzidas pela Requerida na sua Resposta, no prazo de 15 dias, o que efetuou a coberto de mail de 11-03-2025, das 18h27m, no último dia do prazo.

Em 25-03-2025, convidaram-se as partes a pronunciarem-se sobre a tempestividade do pedido arbitral, no prazo de 15 dias.

Em 08-04-2025, a Requerida apresenta requerimento onde se pronuncia pela (in) tempestividade do PPA.

Através de despacho arbitral, de 09-04-2025, dispensou-se, por falta de objeto, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT. Não havendo lugar à produção de mais prova e tendo as partes deixadas já expressas as suas opiniões sobre as questões de direito, dispensou-se igualmente a produção de alegações. Notificou-se ainda a Requerente para, em 10 dias, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, dando de tal conhecimento ao processo.

Em 11-04-2025, a Requerente apresenta requerimento onde se pronuncia pela tempestividade do PPA.

 

II. Síntese da posição das Partes:

  1. Da Requerente

Os argumentos por esta apresentados sublinham o seguinte:

Segundo a Requerente, o beneficiário único do financiamento em questão e, consequentemente, único titular do interesse económico, cabia ao B..., nos termos da alínea e) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, suportar a totalidade do imposto, tal como se verificou. 

Mais defende que “Os restantes intervenientes na operação de garantia em apreço não relevam para efeitos da sujeição a Imposto do Selo, nem tão pouco para efeitos da titularidade do interesse económico, dado que é inequívoco que o B... é a “entidade” obrigada a prestar a garantia no âmbito do contrato do financiamento, bem como o titular único do interesse económico subjacente à operação garantida.

Resulta claro da letra da lei que as “garantias prestadas (…) pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”, desde que não se encontrem domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, encontram-se isentas de Imposto do Selo.   

Ora, ultrapassada a barreira objetiva que a isenção impõe, ou seja, de que a operação em causa se encontre listada no normativo (i.e. juros e comissões cobradas, garantias prestadas e utilização de crédito concedido), é necessário aferir e validar o critério subjetivo; ou seja, se as entidades envolvidas preenchem os tipos tipificados no referido normativo. 

A qualificação dos fundos de investimento, mobiliário e imobiliário, enquanto “instituições financeiras” já foi alvo de análise na jurisprudência nacional (2), bem como por parte da AT, inclusive no âmbito da aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, tal como se verifica nas Fichas Doutrinárias publicadas no âmbito do Processo n.º 2017000303 - IVE n.º 11733, do Processo n.º 2018001066 – IVE n.º 14192 e do Processo n.º 2019000442 – IVE n.º 15372”.    

E acrescenta “Portanto, nos termos da legislação comunitária, é evidente e corroborado pela AT que os OIC (incluindo-se nesta categoria os fundos de investimento mobiliário e imobiliário, bem como os FCR) são FIA e devem ser qualificados como “instituições financeiras”. Verificando-se esta qualificação, entende a AT, e bem, que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo é aplicável às operações elencadas neste preceito, nomeadamente os “juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido”.

(…) Estando claro que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo é aplicável a garantias prestadas por instituições financeiras a outras instituições financeiras, nos termos da legislação comunitária, importa agora aferir o impacto que esta conclusão terá ao nível da aplicação desta isenção ao contrato de garantia celebrado entre o B... e a C..., em 15 de maio de 2020. O A... é um OIC que se enquadra na categoria de FIA (ou, atualmente, Organismo de Investimento Alternativo – “OIA”) e, portanto, uma “instituição financeira” nos termos da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011.

No que concerne à C..., esta encontra-se sediada no Luxemburgo e assume a forma de SICAV – SIF (“Societé d’Investissement à Capital Variable - Specialised Investment Fund”), um FIA constituído nos termos da legislação Luxemburguesa, nomeadamente, da Lei de 13 de fevereiro de 2007. 

 A Lei de 13 de fevereiro de 2007 define, no seu artigo 1.º, um fundo de investimento especializado como “(…) qualquer empresa de investimento coletivo localizada no  Luxemburgo cujo objeto exclusivo é o investimento coletivo dos seus fundos em ativos de forma a distribuir os riscos de investimento e assegurar aos investidores, os títulos «ou interesses de parceria» reservados a um ou vários investidores bem informados, e os documentos constitutivos ou documentos de oferta «ou acordo de parceria» que estabeleçam que estão sujeitos à disposição da presente lei.”     

A C..., além de ser qualificada como um fundo de investimento especializado, corresponde a um FIA, regulado pela principal entidade reguladora do setor financeiro do Luxemburgo, a Commission de Surveillance du Secteur Financier (“CSSF”). 

Ora, sendo a C... um FIA, corresponde igualmente a uma “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária, tanto pela Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011, no que respeita aos FIA, bem como pela Diretiva (EU) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, que qualifica como “instituição financeira” os OIC que comercializem “as suas ações ou unidades de participação”. 

De notar que, pese embora a C... seja um OIC na forma societária, a Diretiva (UE) 2015/849 qualifica como “instituição financeira” um OIC que comercialize as suas unidades de participação ou ações, não fazendo qualquer distinção quanto à forma jurídica que pode revestir (societária ou contratual) ou à composição da sua carteira de fundos.”  

Conclui a Requerente que, tanto o B..., como a C..., são ambas instituições financeiras à luz da legislação comunitária e, consequentemente, à luz da legislação nacional. 

E bem assim que:

- no que concerne ao pressuposto subjetivo de aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, incluindo-se o B... e a C... na categoria de “instituições financeiras”, o mesmo encontra-se cumprido. 

“No que ao pressuposto objetivo da isenção diz respeito, este encontra-se também manifestamente preenchido em virtude de a operação em apreço se tratar de uma garantia prestada, a qual é sujeita a Imposto do Selo nos termos do artigo 1.º do respetivo Código e da Verba n.º 10 da TGIS”.    

No que se refere ao pedido de revisão oficiosa, vem sublinhar o seguinte:

Conforme consta da notificação final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa ao ato de liquidação de Imposto do Selo, efetuado em junho de 2020, o pedido efetuado pelo A... foi indeferido liminarmente por intempestividade do meio processual.   

Ora, entende a AT que o A... deduziu o pedido de revisão oficiosa (i) sem que tenha existido qualquer “erro imputável aos serviços” e (ii) fora do prazo legalmente disponível para o efeito, tal previsto no n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) (i.e. prazo de dois anos aplicável a reclamação administrativa). Em primeiro lugar, cumpre referir que há sempre “erro imputável aos serviços” no caso em que se esteja perante uma situação de substituição tributária, e que não seja o próprio contribuinte a entregar e a liquidar o imposto junto dos Serviços, em especial em situações de imposto do selo cobrado no âmbito de operações de crédito.   

Veja-se a posição constante do Acórdão do STA, proferido no âmbito do Processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022, também em matéria de Imposto do Selo.

Portanto, no caso em apreço, a AT ignorou o facto de o B... ser um mero substituído tributário e, consequentemente, negou-lhe a possibilidade da via oficiosa por alegadamente não existir um “erro imputável aos serviços” o que, aplicável a estes casos, é jurisprudência aplicada que o erro de um terceiro na cobrança de impostos indevidamente (neste caso, pelo notário) pode ser imputado aos Serviços da AT. 

Em segundo lugar, alegou a AT que o pedido de revisão oficiosa deveria ter sido deduzido no prazo da reclamação administrativa (i.e. prazo de 2 anos), entendimento que o REQUERENTE discorda profundamente. Veja-se novamente a jurisprudência firmada no Acórdão do STA, proferido no âmbito do Processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09-11-2022, a qual versa precisamente sobre a negação  por parte da AT relativamente à questão de prazo disponível para o contribuinte, com o fundamento de “erro imputável aos serviços”: 

IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].    

Este Acórdão deixa claro que, nos casos em que há substituição tributária e o imposto do selo, liquidado por determinado contribuinte (neste caso, o notário), é repercutido noutro contribuinte (neste caso, o B...), este pode deduzir revisão oficiosa da liquidação sobre si repercutida, no prazo de quatro anos, tal como previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por ser de considerar imputável aos serviços os erros sobre os pressupostos de facto e de direito dessa liquidação.

E prossegue a Requerente “Assim sendo, dúvidas não restam de que anulada, ou declarada a ilegalidade da, (auto)liquidação aqui em causa, relativa ao imposto do selo suportado em junho de 2020, na parte que aqui se peticiona, deverá ter-se por verificado erro imputável aos Serviços para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios pelos prejuízos resultantes do pagamento de imposto em excesso. 

Em face do exposto, a procedência do presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com a consequente anulação dos ato de autoliquidação de Imposto do Selo repercutido no REQUERENTE, relativo à garantia prestada no âmbito da operação de financiamento no período de tributação de 2020, deverá determinar a restituição do montante de € 1.590.000,00, indevidamente suportado pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento da liquidação anulada”.   

Quanto à tempestividade do PPA, vem afirmar o Requerente “Segundo estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime da Arbitragem em Matéria Tributária, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado “(…) no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma (…)”, i.e. contados da notificação da decisão de indeferimento da revisão oficiosa. 

Ora, na medida em que o REQUERENTE foi notificado da decisão final de indeferimento da revisão oficiosa referente ao período de tributação de 2020, no passado dia 27 de junho de 2024, então, o presente pedido é tempestivo, assistindo, inequivocamente, legitimidade  processual ao ora REQUERENTE para deduzi-lo.

Quanto às exceções invocadas pela Requerida, mais desenvolvidamente o Requerente desenvolve os seus argumentos no sentido de não deverem estas proceder, nos seguintes termos:         

“Desde já o REQUERENTE manifesta a sua discordância com o entendimento da AT, uma vez que, na sua opinião, sempre será o CAAD competente para apreciar a legalidade de uma decisão de rejeição de um pedido de revisão oficiosa proferida pela AT, independentemente de essa decisão incidir sobre a forma ou sobre o mérito do pedido, quando o pedido do REQUERENTE ao Tribunal seja que este aprecie a legalidade da liquidação (o que, aliás, se cumpre nos presentes autos e no Pedido submetido pelo B..., para o qual se remete).

De facto, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) entende como irrelevante, para a questão de adequação do meio processual para efeitos de impugnação judicial, saber do teor da resposta da AT à petição administrativa dos contribuintes (i.e., a razão ou o vício que conduziram à rejeição ou indeferimento dessa pretensão). O que releva, de acordo com o STA, é unicamente aferir se a petição do contribuinte tem por objeto a apreciação da legalidade de uma liquidação de imposto. Caso assim seja, entende a jurisprudência daquele Tribunal, que o meio processual de reação a um indeferimento pela AT em nenhuma circunstância é a ação administrativa, mas a impugnação judicial (ou a arbitragem tributária, meio alternativo à impugnação judicial).

A este respeito, veja-se o acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0129/18.9BEAVR, de 13 de janeiro de 2021, nos termos do qual o Tribunal entendeu, em primeiro lugar, que o erro na forma do processo, quando decorrente de utilização de meio processual inadequado à pretensão dos contribuintes, deverá ser aferido pelo pedido formulado ao Tribunal. Com efeito, “(…) se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa” (sublinhado do REQUERENTE). Daqui se retira que, caso o pedido do contribuinte tenha em vista a declaração da ilegalidade de certa liquidação, que, reitere-se, foi a pretensão formulada pelo REQUERENTE no seu Pedido, então a impugnação judicial será o meio processual adequado. 

Mais acrescenta o STA, ainda no âmbito do mesmo processo que: “[a] impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito” (1) (sublinhado do REQUERENTE). 

Em suma, nos termos da atual jurisprudência do STA, sempre será irrelevante o teor da decisão da AT no precedente procedimento administrativo, pelo que não será relevante no caso sub judice saber se aquela decisão indeferiu a pretensão do REQUERENTE por alegada intempestividade da mesma, não se tendo pronunciado pelo mérito. Importa, isso sim, o peticionado no pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade da rejeição do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, em termos finais, o ato de liquidação de Imposto do Selo, pelo que forçosamente se conclui que a impugnação arbitral, como meio alternativo à impugnação judicial, é sim o meio processual adequado para discutir a legalidade dos atos de liquidação aqui em causa.

(…) E é exatamente isso que o aqui REQUERENTE faz no presente pedido arbitral, em que peticiona, simultânea e expressamente, que fosse declarada ilegal a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e declarado ilegal o ato de liquidação de Imposto do Selo referente ao período de 2020. Em face do exposto, entende o REQUERENTE que dúvidas não subsistem quanto ao meio próprio de reação ao indeferimento administrativo dirigido a um ato de liquidação que é a impugnação judicial ou a arbitragem tributária, independentemente dos fundamentos, formais ou substantivos, adotados nesse indeferimento. Pelo que improcede a exceção suscitada pela AT na sua Resposta. 

Continua a AT, na sua Resposta, por afirmar que não estão reunidos os pressupostos para obter uma decisão de mérito, uma vez que entende que, tendo sido o pedido de revisão oficiosa liminarmente indeferido por extemporâneo, não se encontra cumprida a necessidade de precedência de reclamação graciosa, conforme previsto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT. Ora, no que respeita à intempestividade do pedido de revisão oficiosa alegada pela AT na sua decisão de rejeição liminar o pedido, e na sua Resposta reiterada, o REQUERENTE já manifestou a sua posição de discordância no Pedido, para o qual desde já se remete. A AT começa por invocar, no parágrafo 32 da Resposta da AT, a inexistência de orientações genéricas como motivo para a falta de erro imputável aos serviços, ignorando por completo a existência de jurisprudência consolidada do STA que vai precisamente no sentido de que existe erro imputável aos serviços sempre que a liquidação do imposto seja feita por intermédio de substitutos tributários.

Mais é acrescentado no referido Acórdão que, nos casos de substituição tributária, “(…)

Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes [aqui, o B...], o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar "erro imputável aos serviços", para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária." (sublinhados do REQUERENTE). 

De facto, o Acórdão deixa claro que, nos casos em que há substituição tributária e o imposto do selo, liquidado por determinado contribuinte (neste caso, o notário), é repercutido noutro contribuinte (neste caso, o B...), este pode deduzir revisão oficiosa da liquidação sobre si repercutida, no prazo de quatro anos, tal como previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por ser de considerar imputável aos serviços os erros sobre os pressupostos de facto e de direito dessa liquidação.

(…) Pelo exposto se depreende que, também no caso sub judice, sempre poderia o REQUERENTE fazer uso do prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, uma vez que o erro de que enferma o ato de liquidação do Imposto do Selo referente ao ano de 2020 não lhe era a si imputável, nem teve origem em qualquer comportamento negligente da sua parte.

Não obstante, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que, no presente caso, e ao contrário do defendido pela AT na sua Resposta, a impugnação arbitral foi sim precedida de procedimento administrativo, no caso, pedido de revisão oficiosa, que constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, entendimento que tem sido reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas.

Pelo que, considera o REQUERENTE que se encontra cumprido, no caso em apreço, o ónus de procedimento administrativo prévio exigido pelo n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, por remissão da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011. 48. Conforme defendido pelo CAAD no âmbito do processo n.º 215/2024-T, entendimento que o REQUERENTE acompanha na sua totalidade, «[é] verdade que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 remete, fazem referência à reclamação graciosa, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”». 

Por todo o exposto, fica inequivocamente provado que a pretensão em apreço cumpre com o disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, e que o ato de liquidação do Imposto do Selo referente ao ano de 2020 é passível de impugnação no Tribunal Arbitral, no prazo de 4 anos nos termos da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011. De notar que o prazo de 4 anos conta-se da data da liquidação do Imposto como bem afirma a AT. 

Ora, a liquidação de Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º e da alínea a) do artigo 2.º, ambos do Código do Imposto do Selo, é efetuada pelo notário. 

Nesse sentido, a liquidação do Imposto, aqui reclamado, apenas se efetivou aquando da submissão da Guia de Imposto do Selo a 9 de junho de 2020, e não, como tenta fazer crer a AT, com a celebração do contrato de garantia a 15 de maio de 2020, motivos pelos quais o pedido de revisão oficiosa submetido a 6 de junho de 2024 foi submetido dentro do prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º. 59. Aliás, sem a entrega da Guia, não se pode afirmar que existe sequer liquidação de Imposto do Selo, pelo que se terá sempre que considerar a data da entrega da Guia de Imposto do Selo ao invés de qualquer outra. 60. Pelo que não procede a segunda exceção invocada pela AT na sua Reposta ao pedido apresentado pelo REQUERENTE neste Tribunal. 

Quanto à tempestividade do PPA, e ouvidas as partes subsequentemente nesta matéria, no decorrer da instrução do processo, vem o Requerente afirmar no essencial, que "(...) tendo sido notificado por via eletrónica conforme disposto no Documento n.º 1, a notificação só se efetuou no décimo quinto dia posterior à sua disponibilização, i.e., 12 de julho de 2024". (cfr. o artigo 39.º, n.º 10 do CPPT), revelando-se o PPA tempestivo, e tratando-se de um lapso a data indicada anteriormente como sendo a da notificação do sujeito passivo.

 

  1. Da Requerida

Sintetizam-se os argumentos apresentados pela Requerida:

Sucintamente, e no que toca à defesa por exceção –, entende a AT que o pedido de pronúncia arbitral não é o meio idóneo para apreciar a ilegalidade da decisão de indeferimento liminar da revisão oficiosa por si proferida, uma vez que naquele despacho não foi apreciado o mérito da liquidação controvertida, tendo a AT se limitado a aferir do cumprimento dos pressupostos de interposição de revisão oficiosa, considerando a mesma intempestiva. 

Consequentemente, defende que o Tribunal Arbitral não é competente para apreciar o mérito do pedido, porquanto, tendo o pedido de revisão oficiosa sido expressamente indeferido por intempestividade e sem comportar a apreciação da legalidade da autoliquidação, extravasa as competências que lhe são permitidas nos termos do n.º 11 do artigo 2.º do RJAT.

Neste contexto, conclui a AT que “somente a Ação Administrativa constitui o meio processual adequado para impugnar a decisão de rejeição liminar sub judice, conforme decorre do artigo 97.º/1-p) do CPPT” (cfr. parágrafo 15 da Resposta da AT). 

Concretizando um pouco mais e adicionalmente, a título subsidiário, considera a AT que o ato de liquidação de Imposto do Selo em causa é inimpugnável “por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto” (cfr. parágrafo 40 da Resposta da AT). 

Deste modo, tendo sido ultrapassado o prazo de dois anos da reclamação administrativa, e tendo o pedido de revisão oficiosa sido liminarmente rejeitado, não sendo, por isso, equiparado à impugnação administrativa, o ato de liquidação de Imposto do Selo em causa é inimpugnável (cfr. parágrafos 29 a 52 da Resposta da AT). 

Acrescenta a AT que  ainda que por absurdo se entenda que o pedido de pronúncia arbitral constitui o meio processual adequado face ao objeto imediato da ação e que o Tribunal Arbitral é competente para dele conhecer, sempre se dirá que, ainda assim, não estão reunidos os pressupostos para obter uma decisão de mérito, como de imediato se passará a demonstrar.

Especificamente em matéria de impugnação de atos de autoliquidação, estabelece o artigo 131.º do CPPT o seguinte:

«1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração

2 - (revogado)

3 - Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1.» 

E assinala “No caso vertente, não existem quaisquer orientações genéricas (leia-se, circular ou instrução administrativa) emitidas pela Requerida sobre a matéria. Conjugando as citadas normas jurídicas e à concreta inexistência de orientações genéricas emitidas pela Requerida, forçoso é concluir que as autoliquidações sub judice deveriam ter sido alvo de reclamação no prazo de 2 anos da sua apresentação.

Ora, estão excluídas da jurisdição do CAAD as pretensões relativas à ilegalidade de autoliquidações que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa [artigo 2/1-a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março].    

Ainda que, teoricamente, se entendesse que o PRO se subsume no conceito de “reclamação graciosa” plasmado no artigo 131.º/1 do CPPT, certo é que o primeiro foi deduzido a 2024-06-06, ou seja, numa data em que há muito se havia esgotado o prazo de 2 anos contados a partir das autoliquidações aqui em crise (2020-05-15).

Em suma, dado que o PRO foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 131.º/1 do CPPT, relativamente às autoliquidações, forçoso é concluir pela inimpugnabilidade destes atos tributários por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.

E, ainda que se considerasse a existência de erro imputável aos serviços, para efeitos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o que apenas se faz por mera cautela, dada a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, sempre se dirá que a competente liquidação de Imposto do Selo, efetuada pela notária, na qualidade de sujeito passivo, ocorreu no dia 15 de maio de 2020, conforme inequivocamente se extrai do «Termo de Autenticação do “Contrato de Prestação de Garantias”, denominado em inglês de “Security Agreement”», e da Fatura/Recibo n.º FR0/3986, emitida na mesma data (2020-05-15) pela notária. (documentos n.os 3 e 4 juntos aos autos, respetivamente).

(…)    

Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Logo, a interposição do PRO em 06-06-2024 sempre seria extemporânea por ultrapassar aqueles 4 anos para esse revisão oficiosa. 

Deste modo, nos termos do disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a AT só está obrigada a proceder à revisão oficiosa, ainda que instada pelos contribuintes, se, estando o imposto pago, como é o caso, o pedido do contribuinte, efetuado com “fundamento erro imputável aos serviços”, for apresentado no prazo máximo de quatro anos após a data da liquidação. 

Sublinhe-se, que este prazo de quatro anos é contado após a data de liquidação e não da data do pagamento do imposto, obrigações tributárias distintas e que não se confundem entre si.  Confrontando o até agora exposto com o enquadramento que acima fizemos das operações de garantia em sede de Imposto do Selo resulta que: i. A obrigação legal de liquidar o Imposto do Selo devido pelo “Contrato de Prestação de Garantias”, denominado em inglês de “Security Agreement”, nasceu no momento  da sua constituição/prestação das garantias, isto é, em 15-05-2020, o que efetivamente aconteceu, até pelo que se encontra plasmado no próprio termo de autenticação do contrato; 

ii. Os quatro anos previstos na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT para interpor uma revisão oficiosa com “fundamento em erro imputável aos serviços” contam-se, estando o imposto pago, como no presente caso, da data da liquidação do imposto, isto é, de 15-05-2020, e não da data da sua entrega nos cofres do Estado; 

iii. Assim sendo, o prazo de quatro anos, contados de modo contínuo e nos termos do artigo 279.º do Código Civil (1), para apresentar o pedido de revisão (…) v. O pedido de revisão oficiosa só foi apresentado pelo Requerente em 06-06-2024;   

Logo, forçoso é concluir que o pedido de revisão oficiosa aqui sob pronúncia arbitral sempre deverá ser julgado intempestivo, uma vez que apenas foi apresentado pela Requerente após o prazo legal para o efeito, ainda que se considerasse o disposto no artigo 78.º, n.º 1, segunda parte da LGT.” 

Deste modo, conclui a AT que “(…) não estando preenchido um dos pressupostos de que depende a admissibilidade de qualquer pedido gracioso (ou contencioso) – tempestividade –, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser rejeitado por manifesta intempestividade da revisão oficiosa subjacente, o que determina a inimpugnabilidade da liquidação contestada, no valor de € 1 590 000, 00, impedindo relativamente à mesma o conhecimento do mérito da causa. Com efeito, o tribunal arbitral é materialmente incompetente para a apreciação de pedidos que derivem de procedimentos tributários considerados intempestivos.

O meio judicial adequado para contestar a decisão sub judice sempre seria a ação administrativa, a que se referem os artigos 50.º e 58.º do CPTA, como aliás se diz na notificação da decisão de rejeição da revisão oficiosa remetida ao Requerente, 

Sendo esta o meio contencioso adequado para contestar os atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade de atos de liquidação, de acordo com o disposto com a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, o que é o caso da decisão de rejeição liminar proferida em sede de revisão oficiosa.    

Pelo que, não resta a este tribunal outra decisão que não declarar-se materialmente incompetente para a apreciação do pedido referente à revisão oficiosa, o que constitui uma exceção dilatória (que desde já se invoca) que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da Requerida na instância, sendo a mesma de conhecimento oficioso (Cf. ex vi artigo 29.º do RJAT, alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 576.º, alínea a) do artigo 577.º, artigo 578.º, todos do CPC; artigo 16.º do CPPT).”   

Em matéria de impugnação vem referir a AT“(…) Impende ao Requerente o ónus de demonstrar que as liquidações de imposto de selo, cuja anulação requer, tiveram a sua génese naquele contrato de financiamento, o que não logra atingir com os elementos que foram carreados para o procedimento administrativo ou para os presentes autos.

De facto, vem a Requerente, nos presentes autos, peticionar o reembolso valor de € 1.590.000, valor esse que é o que consta da fatura junta. Ainda assim, a liquidação 80550778632 tem o valor de € 1.680.000, diferente da fatura junta e do valor liquidado no contrato. Pelo que nada nos indica ser aquela liquidação efetuada para pagamento do imposto de selo daquele contrato e não outro, ou que teria efetuado outra liquidação em momento anterior. Ainda menos parece ser de considerar que aquela liquidação é relativa àquele contrato, uma vez que o valor foi liquidado e faturado a 15 de maio de 2020, no momento do contrato e aquela liquidação tem data de 09/06/2020, não sendo usual mediar mais de 20 dias para pagamento ao estado de um valor tão elevado.”

Da análise à documentação junta os autos, considera a Requerida que a mesma não permite demonstrar que os valores titulados naqueles documentos, dizem respeito a esta operação.

(…) Deste modo, a Requerente não logrou apresentar elementos de prova que corroborassem o pagamento daquele valor a título de imposto de selo naquela data, ónus que sobre si impendia, ao abrigo do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, tal facto necessariamente terá de ser valorado contra si, em obediência aliás ao art.º 414.º do Cód. Proc. Civil, nos termos do qual “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.  

Preconiza a interpretação de que (…) mesmo que fosse configurável a procedência do pedido quanto ao pagamento de juros - o que não é, já que improcedendo o pedido principal, terá forçosamente que improceder o pedido de juros - na situação em apreço nos autos, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a da decisão que indeferiu os pedidos de revisão oficiosa apresentados. Entendendo-se, o que não se concede, que são devidos juros indemnizatórios, estes apenas seriam devidos partir do prazo de um ano após o pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, em consonância com a lógica da alínea c) do n.º 3 art.º 43.º da LGT. Ora, in casu, tal não sucedeu. Os pedidos de revisão oficiosa foram decididos em menos de um ano. Termos em que não são devidos quaisquer juros indemnizatórios. 

Nos termos supra expostos: 

a) deve ser julgada procedente a exceção da inidoneidade do meio processual com a consequente absolvição da AT da instância; 

b) caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a inimpugnabilidade dos atos tributários e a consequente caducidade do direito de ação, absolvendo a AT da instância. 

c) por fim, caso assim não se entenda, deve a presente ação ser julgada por não provada e improcedente e, em consequência, ser a Requerida absolvida do pedido.”  

No decorrer da instrução do processo, e convidada a fazê-lo, veio igualmente a AT pronunciar-se quanto à tempestividade do PPA, nos seguintes termos: “Todavia, importa desde já referir que o pedido de pronúncia é manifestamente intempestivo, com base nos argumentos que infra se expõem.

Desde logo, e tal como afirma a Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, foi a mesma notificada via CTT da decisão final de indeferimento da revisão oficiosa, no dia 27 de junho de 2024.

Afirmação essa que para além de se constituir uma confissão nos termos do art.º 352.º do Código Civil, igualmente se extrai da pág. 284 do PA”.

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Como melhor se verá no probatório, a 27-06-2024, foi enviada por via eletrónica a notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, ficando clarificado que o Requerente foi notificado através da “Caixa Postal Eletrónica”, serviço que permite receber correio em formato digital, com valor legal, respeitando as características definidas no n.º 1 do art.º 3.º da Lei do Comércio Eletrónico (Decreto-Lei n.º 7/2004, de 07/01, alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/2009, de 10/03, e pela Lei n.º 46/2012, de 29/08), o qual garante a integridade e a confidencialidade do mesmo. Este serviço está concessionado aos CTT denominando-se “Serviço ViaCTT”. Por conseguinte, a notificação considera-se efetuada no décimo quinto dia posterior à sua disponibilização, i.e., em 12-07-2024, sendo que a contagem do prazo somente se inicia no primeiro dia útil seguinte (cfr. o artigo 39.º, n.º 10 do CPPT). 

Conclui-se assim, que a interposição da ação arbitral foi tempestiva atenta a data em que, legalmente, a Requerente se considera notificado do despacho de indeferimento.

O processo não enferma de nulidades.

Refira-se que a competência material dos tribunais é de ordem pública, devendo, por conseguinte ser aferida independentemente de vir a ser suscitada.

O seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a sua apreciação previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Tendo sido suscitada pela Requerida matéria de exceção, quer relativa à inidoneidade do meio processual, quer à inimpugnabilidade do ato por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, reconduzindo-se à incompetência material do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento tem caráter prioritário, como vimos, procede-se à fixação da matéria de facto relevante, com vista à subsequente apreciação destas questões prévias.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

IV.1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A A... tem por objeto social o exercício da atividade das sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo (“SGOIC”), no âmbito da qual gere diversos organismos de investimento coletivo (“OICs”).    
  2. De entre os fundos por si geridos, o B... corresponde a um fundo de investimento imobiliário fechado constituído em 13 de março de 2006 e a operar de acordo com a legislação nacional (cfr. Regulamento de Gestão na sua versão atualizada datada de 24 de novembro de 2023, junto como Documento n.º 2). 
  3. O B..., à data dos factos, era detido por dois participantes, a D... S.À.R.L. (“D...”), com 74,99% do capital do fundo, e a E... S.A. (“E...”), com os restantes 25,01% do capital do fundo.   
  4. No decurso da sua atividade, e de forma a gerar rentabilidade, o B... realiza investimentos imobiliários, nomeadamente ao nível do desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, como é o caso do projeto “...”, situado na freguesia lisboeta de ... .
  5. Em 15 de maio de 2020, o B... celebrou um contrato de financiamento no montante total de € 200.000.000,00 junto de uma entidade financeira, a C..., SICAV – SIF (“C...”), a qual é residente para efeitos fiscais no Luxemburgo. 
  6. No mesmo dia, foi celebrado um contrato de garantia entre o B... e a C..., o qual se junta como Documento n.º 3. 
  7. Nesse contrato, o B... e os seus participantes deram como garantia a hipoteca do imóvel mencionado no Schedule 5 do contrato de garantia (vide página 66 do Documento n.º 3), contas bancárias do B... e dos seus participantes, conforme consta do Schedule 6 do contrato de garantia (vide página 67 do Documento n.º 3), a consignação de rendimentos provenientes do investimento, conforme consta do Schedule 7 do contrato de garantia (vide página 78 do Documento n.º 3) e, ainda, o penhor das unidades de participação (“UPs”), conforme consta do Schedule 8 do contrato de garantia (vide página 80 do Documento n.º 3). 
  8. Ambos os contratos incluíram ainda a I... GmbH (I...”), que atuou enquanto “Security Agent” (ou agente de garantia, em português), com vista a assegurar o devido cumprimento dos contratos celebrados, nomeadamente o contrato de financiamento e o respetivo contrato de garantia. 
  9. Os contratos foram celebrados na presença de notário (Cartório F... Unipessoal, Lda).
  10. No ato, a notária liquidou o montante de € 1.590.000,00 a título de Imposto do Selo, o qual resultou da aplicação da Verba n.º 10.2. da TGIS ao montante total da garantia (€ 318.000.000,00), valor que, nessa data, faturou à Requerente.
  11. O B..., suportou a totalidade do valor do imposto.
  12. O imposto foi entregue ao Estado, em 9 de junho de 2020, acompanhado do envio da respetiva “guia”.
  13. No dia 30 de abril de 2024, o B... foi notificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) relativamente ao procedimento de inspeção tributária ao período de 2020.   
  14. No decorrer do referido procedimento inspetivo, o B... identificou como sendo ilegal o ato tributário que conduziu ao pagamento do Imposto do Selo no montante de € 1.590.000,00, o qual incidiu sobre o montante total do contrato de garantia (Documento n.º 4), pelo que solicitou, naquela sede, o respetivo reembolso de Imposto do Selo.
  15. O referido pedido de reembolso teve por base o entendimento do B... de que, à operação em apreço de concessão de garantia, deveria ter sido aplicada a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do código do Imposto do Selo, uma vez que, tanto quem apresentou a garantia (o B...), como a quem foi prestada (a C...), são instituições financeiras.
  16. O B... deduziu, no dia 6 de junho de 2024, um pedido de revisão oficiosa ao ato de liquidação de Imposto do Selo, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”), cuja liquidação havia sido efetuada a 15 de maio de 2020.
  17. A 27 de junho de 2024, foi enviada por via eletrónica ao B... a notificação da decisão final da AT relativa ao pedido de revisão oficiosa que havia sido deduzido, o qual foi indeferido liminarmente por intempestividade do meio processual (cfr. Documento n.º 6).
  18. O Requerente por discordar da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por intempestividade, bem como da liquidação e cobrança de imposto do selo repercutido no ora requerente B..., apresentou  PPA.
  19. O pedido de PPA e de constituição de tribunal arbitral deduzido, em 09-10-2024, foi validado e aceite, em 10-10-2024 como Processo em fase de procedimento arbitral.

 

IV. 2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

IV. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

V. EXCEÇÕES INVOCADAS PELA REQUERIDA

Recordemos: sucintamente, e no que toca à defesa por exceção –, entende a AT que o pedido de pronúncia arbitral não é o meio idóneo para apreciar a ilegalidade da decisão de indeferimento liminar da revisão oficiosa por si proferida, uma vez que naquele despacho não foi apreciado o mérito da liquidação controvertida, tendo a AT se limitado a aferir do cumprimento dos pressupostos de interposição de revisão oficiosa, considerando a mesma intempestiva. Consequentemente, defende que o Tribunal Arbitral não é competente para apreciar o mérito do pedido, porquanto, tendo o pedido de revisão oficiosa sido expressamente indeferido por intempestividade e sem comportar a apreciação da legalidade da autoliquidação, extravasa as competências que lhe são permitidas nos termos do n.º 11 do artigo 2.º do RJAT. 

Neste contexto, conclui a AT que “somente a Ação Administrativa constitui o meio processual adequado para impugnar a decisão de rejeição liminar sub judice, conforme decorre do artigo 97.º/1-p) do CPPT”.

Segundo a Requerida acresce que ao não apreciar a legalidade do ato de liquidação na sua decisão de rejeição liminar do processo de revisão oficiosa, o meio processual arbitral é inidóneo, limitando-se a AT“(…) a aferir dos pressupostos do PRO (condição prévia para a subsequente análise do mérito do pedido), tendo concluído que o requisito da competência não se encontrava preenchido [por extemporaneidade do pedido]” pelo que o Imposto do Selo em causa é inimpugnável “por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.” Concluindo a AT que tendo sido ultrapassado o prazo de dois anos da reclamação administrativa, e tendo o pedido de revisão oficiosa sido liminarmente rejeitado, não sendo, por isso, equiparado à impugnação administrativa, o ato de liquidação de Imposto do Selo em causa é inimpugnável.

Vejamos, começando por tomar posição relativamente às questões prévias que podem suscitar-se nesta sede. Convocaremos, igualmente para esse efeito, a jurisprudência judicial e arbitral que pela sua semelhança se possa aplicar ao caso concreto.

De acordo com a doutrina portuguesa dominante, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar a legalidade de atos tributários previamente contestados perante a Administração Tributária em sede de revisão oficiosa:

“Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta de ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão do ato tributário¸pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo de reclamação administrativa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa [em nota de rodapé: Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-06-2006, proferido no processo n.º 402/06]” (…) - cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, "Comentário 6 ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária" in "Guia da Arbitragem Tributária", Coimbra, 2013, Almedina, página 122;

“Questão que se prende com esta é a de saber se onde a lei exige a reclamação graciosa necessária o intérprete se pode bastar com a submissão ao entendimento administrativo através de pedido de revisão oficiosa.

Esta temática merece uma análise especial, na medida em que por longos anos, se discutiu na Doutrina e jurisprudência dos tribunais tributários, quais os efeitos da sua interposição e subsequente indeferimento por, entre outras razões, o pedido de revisão oficiosa ter um prazo de apresentação deveras mais alargado do que a reclamação graciosa ou do que o recurso hierárquico. A questão colocava-se, em especial, quanto a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Faça-se, antes de mais, um enquadramento da questão, tal como ela foi abordada nos tribunais tributários.

Ora, o STA pronunciou-se, repetidamente, no sentido da equiparação do pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06 (as mais das vezes citado pelos tribunais arbitrais) […].

[…]

É de acompanhar esta jurisprudência corrente do STA que vê no pedido de revisão do acto tributário — meio impugnatório administrativo com prazo mais alargado que os restantes —. um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.

Com efeito, e no seguimento do que se disse, as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessária de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.

E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa. [sublinhados e realces nossos] — cfr. CARLA CASTELO TRINDADE, "Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97.”

Como se explicou no Acórdão do STA de 9 de Novembro de 2022 (Processo n.º 087/22.5BEAVR), disponível em www.dgsi.pt, acresce que “como dá boa nota o Ministério Público, na linha da jurisprudência pacífica deste STA, a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária no prazo de 4 anos após a liquidação pode ser suscitada pelo contribuinte, pelo que, verificados os demais requisitos, a AT não pode recusar a apreciação dessa revisão oficiosa – cfr. a este propósito os acórdãos do STA de 20/03/2002, processo nº 026580, de 12/07/2006, processo 0402/06, e de 29/05/2013, processo nº 0140/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

O pressuposto maior consagrado na lei é que aquele pedido tem de ser fundamentado em “erro imputável aos serviços”, tendo a sentença sustentando a esse propósito que “O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o art.º 78, n.º 1, 2.ª parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)” - acórdão do TCA Sul de 23/03/2017, proc. 1349/10.0BELRS.

Não obstante, a sentença entendeu que “a emissão dos atos tributários não teve a participação de qualquer funcionário ou serviço da administração”, que “…não ficou demonstrado…que a entidade demandada tenha emitido qualquer instrução ou orientação relativa à obrigatoriedade de liquidação de imposto do selo sobre as concretas operações financeiras em causa”, salientando ainda que “…os fundamentos de facto e de direito subjacentes às liquidações impugnadas eram seguramente do conhecimento das Autoras, que optaram por não lançar mão da reclamação administrativa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito”.

Significa muito claramente que o tribunal “a quo” adoptou a percepção de que não se verifica no caso concreto a prática, por parte da Administração Tributária, de qualquer facto que permita concluir pela imputabilidade do erro sobre os pressupostos de facto e de direito que é assacado ao ato tributário pelo sujeito passivo.

É que, nessa linha de entendimento, estaremos aqui defronte um acto (de retenção na fonte) que não foi praticado nem pelo sujeito passivo, nem pela Administração Tributária, e consistente na cobrança de imposto de selo por parte das instituições bancárias, no âmbito das operações de concessão de empréstimos bancários às Recorrentes, cuja tributação estas entendem padecer de “erro por desconsideração da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto do Selo”.

A ser assim, como bem enfatiza o Ministério Público, a questão nuclear a resolver é a de determinar se nos casos em que ocorra um erro de terceiro (substituto) na cobrança do imposto declaradamente indevido pode ser imputado à Administração Tributária.

Pontifica a respeito a jurisprudência firme deste tribunal segundo a qual, desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária.

De resto, tal intelecção encontrava guarida no disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, entrementes revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, que conciliava: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”.

Jurisprudencialmente, esse ponto de vista foi adoptado no acórdão de 12/12/2001, proferido no recurso n.º 26.233 em cujo discurso jurídico se verteu que “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.

Havendo ainda que atentar, como salienta o EPGA no seu douto parecer que, com a devida vénia, vimos e iremos acompanhar, no Acórdão de 28/11/2007, proferido no processo n.º 0532/07, em que se plasmou jurídico se que “O alcance do n.º 2 do artº 78.º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes”.

Contudo, há que reter, que esse entendimento assentava no disposto no n.º2 do artigo 78.º da LGT, que viria a ser revogado pela Lei nº 7-A/20146, de 30 de Março, que subordinava ao regime previsto no nº1 a “autoliquidação”, havendo autores que, como noticia o EPGA, ainda hoje continuam a defender a sua equiparação ao acto da Administração para efeitos de admissibilidade do pedido de revisão, destacando-se Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.195.

Seja como for, aquilatemos como hoje e perante o caso concreto, essa questão se resolve.

Assim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.

Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita.

Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.

Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.

É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.

Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.

Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 132.º do C.P.P.T.

Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).

Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.

Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto”.

Assente que, no caso concreto, o prazo para a apresentação do pedido de revisão era igualmente de quatro anos, há que saber se tal pedido foi feito dentro deste prazo.

A AT não conheceu desta questão: embora o pedido de revisão tenha sido indeferido por intempestividade, tal intempestividade foi decidida com base na ideia de que o prazo seria de dois anos e não de quatro anos.

Porém, na Resposta dada no presente processo, a AT, ainda que a título subsidiário, suscita a questão de não ter sido cumprido o prazo de quatro anos:

 " 41. E, ainda que se considerasse a existência de erro imputável aos serviços, para efeitos da 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o que apenas se faz por mera cautela, dada a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, sempre se dirá que a competente liquidação de Imposto do Selo, efetuada pela notária, na qualidade de sujeito passivo, ocorreu no dia 15 de maio de 2020, conforme inequivocamente se extrai do «Termo de Autenticação do “Contrato de Prestação de Garantias”, denominado em inglês de “Security Agreement”», e da Fatura/Recibo n.º FR0/3986, emitida na mesma data (2020-05-15) pela notária. (documentos n.ºs 3 e 4 juntos aos autos, respetivamente). 42. Logo, a interposição do PRO em 06-06-2024 sempre seria extemporânea por ultrapassar aqueles 4 anos para essa revisão oficiosa (...)."

Ora, o Tribunal Arbitral sempre teria que conhecer desta questão pois está em causa um recurso administrativo (reclamação ou pedido de revisão) necessário/condição de acesso à via judicial/arbitral.

Resulta evidente que o recurso gracioso necessário, porque abre a via da impugnação, tem que ser tempestivo; de outro modo, a possibilidade de impugnação estaria sempre em aberto.

Confrontada com esta “outra” exceção, a Requerente veio defender que os quatro anos se contam desde a data em que o imposto foi entregue ao Estado (data da cobrança” e não da data em que o notário liquidou o imposto), nos termos que acima vimos.

Apreciemos.

Quanto ao disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT relativamente à contagem do prazo dos quatro anos da data da liquidação para apresentação daquele pedido, a AT afirma que esta liquidação ocorreu, em 15-05-2020, coincidindo com a data da faturação do valor do imposto cobrado por parte do notário, e com a assinatura do contrato, vindo a Requerente invocar que esta ocorreu, em 09-05-2020, data da declaração de retenção na fonte.

O disposto no CIS vem dar razão à AT.

Com efeito, o apuramento do valor a pagar (liquidação), e a sua  cobrança ao contribuinte é, como sabemos, da competência de notários, conservadores, ou organismos públicos relativamente aos atos e contratos em que sejam intervenientes ou que lhes sejam apresentados para afeitos legais. 

Ora, no que se refere ao nascimento da obrigação tributária, dispõe o CIS no seu artigo 5.º que a obrigação tributária considera-se constituída: a) "Nos actos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes". In casu, em 15-05-2020.

Por sua vez, o imposto a pagar deve ser descrito na declaração de retenção na fonte (no caso, datada de 09-06-2020) obrigatoriamente submetida por via eletrónica até ao dia 20 do mês seguinte ao da constituição da obrigação tributária (que em geral, coincidirá com a realização do ato, como aqui acontece e vimos, em 15-05-2020). 

O pagamento efetua-se no mesmo prazo, por multibanco, num Serviço de Finanças, ou em qualquer outro local autorizado (v.g. CTT), nos termos do artigo 44.º, n.º 1 do CIS, como também se verificou na situação em análise.

Conclui-se, por conseguinte, que a liquidação (fixação do montante de imposto devido) foi feita pela notária (sujeito passivo) no momento da escritura, momento em que exigiu à Requerente (substituído fiscal sem retenção na fonte) o pagamento do correspondente valor (ainda que seja um “adiantamento” relativamente ao momento em que é exigível a entrega ao Estado, tal qual, acontece, de resto, nos casos se substituição com retenção na fonte).

A legitimidade processual da Requerente assinalada supra resulta de ser substituída nesta relação jurídica fiscal. O ato lesivo que legitima a sua intervenção foi o pagamento a que foi obrigada pela notária como condição para a realização da escritura. Sempre seria desde essa data que (mesmo caso não houvesse norma expressa) que, racionalmente, se deveria contar prazo para o recurso judicial.

Não assiste, pois, razão à Requerente, visto que a liquidação ocorreu efetivamente, em 15-05-2020, estando o prazo de quatro anos decorrido quando apresentou o pedido, em 06-06-2024, sendo o pedido de revisão oficiosa intempestivo.

Está assente, como acima vimos, que o pedido de revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado, no caso, previamente à propositura da ação arbitral, contudo de forma intempestiva, como acabámos de defender.

O legislador tributário consagrou a via administrativa como condição necessária e prévia do recurso à via jurisdicional, porquanto os atos de autoliquidação, os atos de retenção na fonte e de pagamento por conta decorrem da iniciativa do contribuinte, sem que a administração tributária tenha tido qualquer intervenção, ou seja, são atos em relação aos quais a administração tributária ainda não tomou posição, razão pela qual se justifica a obrigatoriedade de recurso à via administrativa prévia, como se infere dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de setembro de 2012, processo n.º 476/12, e de 12 de julho de 2006, processo n.º 402/06.

Acresce também a limitação de competência em relação a atos de segundo ou terceiro grau que comportem a apreciação da legalidade de atos primários e da incompetência quando aqueles atos se abstiveram desse conhecimento, como é o caso da intempestividade, segundo a opinião do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:

“Limitando-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, no que concerne a atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, à declaração da sua ilegalidade e suas consequências, apenas se incluirão nessa competência os atos de indeferimento de reclamações graciosas (…)” de pedidos de revisão oficiosa (acrescentado nosso) “(…) de atos tributários nos casos  em que estes atos de segundo grau ou de terceiro grau conheceram efetivamente da legalidade de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento e não também quando aqueles atos se abstiveram desse conhecimento, por se ter entendido haver algum obstáculo a isso (como por exemplo, intempestividade ou ilegitimidade, ou incompetência ou não verificação de pressupostos exigidos para uso do meio processual em causa).” sublinhado nosso.

Nos casos em que não há normas especiais, como o presente “À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e de ação administrativa especial, os atos proferidos em procedimentos de recurso hierárquico e revisão oficiosa de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes atos de retenção. Se o ato de indeferimento de recurso hierárquico e de pedido de revisão oficiosa não comporta a apreciação da legalidade do ato primário, será aplicável a ação administrativa especial.” No mesmo sentido “(…) os acórdãos do STA n.ºs 638/03, de 08-10-2003, 870/03, de 15-10-2003, 1021/03, de 24-03-2004, 1588/03, de 06-11-2008”. 

Em consequência da intempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido, procede a exceção de inimpugnabilidade invocada pela Requerida que põe termo ao processo e impede que este Tribunal Arbitral conheça das demais questões suscitadas e do mérito da pretensão da Requerente.

Tal importa a absolvição da Requerida da instância,  atento o disposto nos artigos, 278.º, n.º 1, 576.º, n.º 1 e 2, e 577.º, alínea a), e 578.º, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ao processo arbitral ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, exceção dilatória que nos reconduz à incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

VI. DECISÃO

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral coletivo:

  1. Julgar procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
  2. Absolver, em consequência, a Requerida da instância;
  3. Condenar o Requerente nas custas judiciais.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 1.590.000,00 (um milhão, quinhentos e noventa mil euros), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;

 

VIII. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 21.114,00 (vinte e um mil, cento e catorze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

3 de maio de 2025

 

 

Os Árbitros

 

 

 (Rui Duarte Morais)

 

 

 

 (Alexandra Iglésias – Relatora)

 

 

 

 (Francisco Nicolau Domingos)

 

 

 

Texto elaborado em computador. A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.