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DECISÃO ARBITRAL
SUmÁRIO:
I - A aquisição de capital social de uma empresa por parte de outra não constitui, por si só, uma atividade económica para efeitos de IVA — tal como sublinhado em vários acórdãos do TJUE, como Polysar Investments (C-60/90) ou Sofitam (C-333/91).
II - Quando essa aquisição é acompanhada de uma intervenção efetiva na gestão da sociedade participada - através da prestação de serviços administrativos, financeiros, estratégicos ou operacionais - a entidade adquirente deixa de ser um mero investidor passivo e passa a atuar como um operador económico.
III - O controlo societário total decorrente da aquisição de 100% do capital social da participada confere à adquirente capacidade de gestão estratégica que, quando concretizada através de serviços de apoio à gestão, configura atuação como operador económico.
IV - A aquisição por parte da Requerente de uma participação social de 100% da sua participada, revela intenção de aquisição do controlo da empresa consistindo, só por si, uma atividade económica.
V - A aquisição integral do capital social proporciona à adquirente os meios para exercer influência determinante nas decisões da participada, o que, quando se materializa em atos concretos de gestão retribuída, assume relevo jurídico-fiscal para efeitos de IVA.
VI - Nestas situações, a relação entre a sociedade-mãe e a sua subsidiária ultrapassa a mera relação patrimonial e transforma-se numa relação contratual com conteúdo económico, que envolve a prestação onerosa de serviços e, portanto, uma operação sujeita a imposto.
VII - O Tribunal de Justiça tem sublinhado (v.g. Cibo Participations, C-16/00; EDM, C-77/01; Larentia + Minerva, C-108/14) que a prestação de serviços a participadas pode configurar uma atividade económica quando realizada de forma efetiva e a título oneroso, não sendo necessário que essa prestação seja extensiva a terceiros nem que envolva um volume elevado de operações.
VIII - Se a sociedade dominante, ao adquirir 100% do capital de uma participada, passa a prestar-lhe, mediante remuneração, serviços como gestão financeira, apoio jurídico, planeamento estratégico, controlo interno ou contabilidade, então, está a exercer uma atividade tributável que confere direito à dedução do IVA suportado nos custos relacionados com essa atividade, incluindo os incorridos na fase preparatória da operação, como sejam, os relacionados com honorários de assessoria ou due diligence.
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Os Árbitros, Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente), Rita Guerra Alves, e Fernando Marques Simões (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 17 de Dezembro de 2024, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
I. Relatório:
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A..., S.A. com o NIPC:..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Maia, apresentou, em 07.10.2024, pelas 22:17 horas, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 ambos do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º e o artigo 102.º ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do sobredito RJAT e em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
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Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 27 de Novembro de 2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redação que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17.12.2024 para apreciar e decidir o objeto do processo.
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Em 02.03.2025, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação e juntou o Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, doravante PA.
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Por Despacho Arbitral de 6 de fevereiro de 2025, ao abrigo do disposto nos artigos 19.º, nº 2 e 29.º, nº 2 do RJAT, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas facultativas finais pelo prazo sucessivo de 15 dias e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente.
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A Requerente apresentou alegações em 3 de Março de 2025 e a Requerida optou por não apresentar alegações escritas.
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A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral onde peticionava a declaração de ilegalidade dos seguintes atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado e respetivos Juros Compensatórios: i) liquidação adicional de IVA n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 417.554, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; ii) liquidação adicional de IVA n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 147.376,39, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; iii) liquidação adicional de IVA n.º 2024..., na qual está refletida a redução em Euro 921.762,35 do crédito de IVA, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; e iv) das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.º 2024 ..., com o valor a pagar de Euro 64.108,83 e n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 21.028,39, efetuadas no âmbito do procedimento de inspeção tributária realizado ao abrigo da ordem de serviço OI2022... . Peticiona ainda seja a Requerida “(...) condenada a indemnizar a Requerente pelos encargos incorridos com a prestação indevida de garantias bancárias, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal tendentes à cobrança coerciva dos tributos indevidamente liquidados, a apurar a final, ainda que, em Execução de Julgados, nos termos do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.”
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Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Alegações da Requerente:
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No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa a Requerente por aduzir no sentido de que a fundação do grupo B... remonta a 1987, dedicando-se à indústria agroalimentar, nomeadamente, ao fornecimento de ingredientes de valor acrescentado para as indústrias alimentares e de bebidas, como preparados à base de frutas e legumes para lacticínios, gelados, sobremesas e bebidas e bases vegetais.
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Em 1999, o grupo B... iniciou a sua aposta internacional realizando o seu primeiro investimento no estrangeiro numa unidade industrial em Marrocos e, ao longo dos anos, o Grupo continuou a investir nesse processo de internacionalização passando a estar presente em três continentes e dispondo de unidades de negócio em vários países (Portugal, França, Marrocos, África do Sul, Estados Unidos da América e Canadá).
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A atividade do grupo B... foca-se na transformação de fruta, vegetais, legumes, chocolate e outros produtos relacionados através da utilização de técnicas de produção que permitem manter a naturalidade dos respetivos preparados. O produto final poderá consistir numa pasta de fruta a ser incorporada pelos seus clientes no respetivo processo produtivo ou, ainda que de forma residual, em smoothies, doces, sumos concentrados, snacks de frutas e outros produtos para venda a consumidores finais.
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Em 2020, o grupo B... foi adquirido pelo grupo C..., um dos principais grupos de investimento a nível mundial.
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Em 14 de maio de 2020, a A... adquiriu 100% do capital social da D..., S.A. (NIPC...), participação que mantém até à data atual.
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A 31 de dezembro de 2020, como referido na nota “5. Partes Relacionadas” das demonstrações financeiras (cf. Documento n.º 2), a estrutura de participações do Grupo
B... pode ser representada da seguinte forma:
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A aquisição permitiu reunir recursos financeiros e estratégicos necessários para acelerar o crescimento, a expansão dos negócios e o desenvolvimento sustentável do grupo B... a nível global, reforçando o nível de serviço aos clientes e a criação de valor.
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No âmbito desse processo de aquisição de 100% do capital social da D..., S.A., a Requerente adquiriu diversas prestações de serviços de suporte e preparação dessa aquisição, nomeadamente, serviços de consultoria financeira, de consultoria legal e fiscal, due diligence e seguros, conforme informação divulgada no ponto iv) da nota “6. Investimentos Financeiros em subsidiárias” das demonstrações financeiras (cf. Documento n.º 2), no montante de Euro 6.865.455,00 em relação às quais, com exceção dos prémios de seguro, suportou IVA (incluído nas faturas emitidas pelos prestadores nacionais ou autoliquidado pela Requerente no caso de prestadores de serviços estrangeiros) e que deduziu nas respetivas Declarações Periódicas de IVA do segundo, terceiro e quarto trimestres de 2020.
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A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social “a fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, nomeadamente a de lacticínios, e ainda a sua importação e exportação; subscrição, aquisição, alienação, detenção, gestão e oneração de participações noutras sociedades, mesmo quando reguladas por leis especiais, ainda que o objeto social dessas sociedades não tenha qualquer relação, direta ou indireta, com o seu; e a prestação de serviços de apoio à gestão, consultoria e afins.”. E respetivos códigos de atividade económica (CAE’s): a) CAE principal: 10393 – Fabricação de doces, compotas, geleias e marmelada; b) CAE secundário: 64202 – Atividades das sociedades gestoras de participações sociais não financeiras.
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A Requerente reconhece, porém, que apesar de previsto no seu objeto social o desenvolvimento da atividade industrial relativa à fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, tal atividade não se efetivou, apenas tendo vindo a desenvolver a atividade de gestão ativa da participação social à qual presta serviços de gestão e de consultoria.
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A Requerente assume um papel fundamental na definição da estratégia de desenvolvimento e investimento do grupo B..., através dos serviços de apoio à gestão e consultoria em projetos que são prestados à sua participada D..., S.A..
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A este respeito, refere-se o contrato de prestação de serviços celebrado em 19 de maio de 2020.
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A Requerente, sustenta que os serviços de apoio à gestão e consultoria em projetos a desenvolver prestados pela Requerente à D..., S.A., consistem, essencialmente, na disponibilização e partilha de know-how estratégico em diversas valências de gestão, suporte ao nível das decisões de estratégia e investimento e acompanhamento da execução do planeamento estratégico e operacional.
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A Requerente acompanha a gestão desenvolvida pela D..., S.A., prestando-lhe o necessário aconselhamento estratégico e de desenvolvimento do negócio, que comporta, nomeadamente, a definição da visão e missão do Grupo, a definição da estratégia do Grupo, contribuindo para a definição de objetivos a curto e médio e longo prazo, definição e preparação de cenários económicos de médio e longo prazo, desenvolvimento do sistema de gestão dos objetivos do Grupo B..., definição das estratégias básicas, ações-chave e ações que promovem o desenvolvimento do posicionamento estratégico do Grupo B... e que geram maior valor acrescentado para os seus acionistas, colaboradores e ambiente social e representação e comunicação em nome do Grupo B... com os shareholders, entidades públicas e outras partes interessadas.
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Pela prestação dos referidos serviços durante o ano de 2020, a Requerente auferiu Euro 160.000,00 acrescido de IVA à taxa normal em vigor (23%), conforme fatura emitida em 23 de abril de 2021, e cuja cópia está junta ao PPA como Documento n.º 4.
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Para efeitos dos serviços a prestar, a Requerente recorre ao expertise e know-how de técnicos e consultores com elevada experiência em gestão no setor, podendo identificar-se, por referência ao ano de 2020, os serviços adquiridos aos seguintes consultores: E..., Lda., F..., Lda. e G... .
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A Requerente continuou e continua a prestar esses serviços de gestão e consultoria em projeto nos exercícios posteriores a 2020, sobre os quais incide IVA, conforme cópia das faturas referentes aos serviços prestados nos exercícios de 2021 a 2023, que estão juntas ao PPA como Documento n.º 5.
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A Requerente discorda em absoluto do entendimento e das correções identificadas pelos SIT, refletidas nas liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referidas, razão pela qual apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral nos termos e com os fundamentos que, a seguir, se descrevem.
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A Requerente presta serviços de gestão e consultoria em projetos à sua participada D..., S.A., prestação essa que nunca foi questionada pelos SIT, sendo inclusive reconhecida pelos mesmos, conforme os capítulos IV.2. e IV.4. do RIT.
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A Requerente, sustenta que a questão a dirimir nos presentes autos prende-se, somente, com a de saber se assiste à Requerente o direito à dedução do IVA incorrido com a aquisição de serviços no âmbito do processo de aquisição de 100% do capital social da D..., S.A. pelo facto de desenvolver uma atividade económica.
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As correções identificadas pelos SIT em matéria de direito à dedução do IVA incorrido pela Requerente com a aquisição de serviços de apoio ao processo de aquisição do capital social da participada D..., S.A., tem por base o entendimento de que a gestão de participações sociais não constitui, em circunstância alguma, uma atividade económica para efeitos de IVA!
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Esse entendimento padece de enquadramento nas disposições legais aplicáveis da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”) e do Código do IVA, bem como da jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) a este respeito.
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A Requerente, defende que cumpre, pois, a saber se a Requerente desenvolve uma atividade económica para efeitos de IVA, no âmbito da gestão da participação social detida, tornando-se por essa via sujeito passivo de imposto com direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços.
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A Requerente, sobre a questão do direito à dedução do IVA e seu exercício, sustenta, que da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio.
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A Requerente quanto ao conceito de “atividade económica” para efeitos de IVA e do direito à dedução do IVA relativo à aquisição de participações sociais, sustenta, que exercício de uma atividade económica é o pressuposto em que assenta a incidência subjetiva e objetiva do IVA.
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Deste modo, a delimitação do conceito de atividade económica, assume primordial importância na qualificação (ou não) da pessoa como sujeito passivo do IVA e da determinação da realização (ou não) de operações tributáveis (transmissões de bens e prestações de serviços).
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Conclui, ser jurisprudência assente do TJUE que a mera detenção de participações sociais não constitui, em si, atividade económica, na aceção da Diretiva IVA, uma vez que a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de gerar receitas com caráter permanente e o eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da simples propriedade do bem, exceção feita para o caso em que a participação seja acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, o que se traduz na realização de transações sujeitas ao IVA.
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Há, pois, que atender à natureza das atividades desenvolvidas pela holding, operando a distinção entre o que vulgarmente se designa por holding ativa e pura holding ou holding não ativa.
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Mais sustenta, que a aquisição de participações constitui uma operação passiva e não operação ativa, pelo que, os custos incorridos com uma aquisição de participações (por exemplo, custos com consultoria jurídica ou financeira) não podem por isso associar-se a uma concreta operação a jusante, apenas podendo ser associados à atividade geral que a empresa desenvolve, não constituindo nunca custos diretos mas despesas gerais, semelhantes às despesas em que uma empresa incorre com vista à aquisição de tantos outros ativos.
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Decorre da jurisprudência do TJUE, que o IVA incorrido por uma sociedade holding na aquisição de serviços relacionados com a aquisição de participações sociais é de considerar dedutível se essa sociedade holding desenvolver uma atividade económica tributada em sede de IVA, o que de acordo com a referida jurisprudência sucederá sempre que a sociedade holding pratique uma gestão ativa das suas participadas, prestando-lhes serviços (de gestão, consultoria, administrativos, outros) tributados em sede de IVA.
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Tal direito à dedução do IVA incorrido apenas poderá ser limitado no caso da sociedade holding deter várias participações sociais sendo algumas geridas de forma ativa mediante prestação de serviços tributados, e outras geridas de forma passiva sem que a holding lhe preste serviço tributados, em cujo cenário o IVA incorrido com a aquisição de serviços que constituam despesas gerais da atividade da holding apenas será dedutível na proporção das operações tributadas desenvolvidas pela holding.
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Alega a Requerente, que lhe assiste o direito à dedução do IVA incorrido com a aquisição de serviços no âmbito do processo de aquisição de 100% do capital social da D..., S.A., e, em consequência, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios emitidos por referência aos 2º, 3.º e 4.º trimestres de 2020 são ilegais e não podem prevalecer na ordem jurídica devendo ser anuladas.
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Constitui jurisprudência firme e consolidada do TJUE que o IVA incorrido por uma sociedade holding na aquisição de serviços relacionados com a aquisição de participações sociais é dedutível se essa sociedade holding desenvolver uma atividade económica tributada em sede de IVA, o que de acordo com a referida jurisprudência sucederá sempre que a sociedade holding pratique uma gestão ativa das suas participadas, prestando lhes serviços (de gestão, consultoria, administrativos, outros) tributados em sede de IVA.
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É precisamente essa a realidade aplicável no caso concreto em análise no presente pedido de pronuncia arbitral: a Requerente desenvolve uma gestão ativa da sua única participada – D..., S.A.-, prestando-lhe serviços de gestão e consultoria em projetos a desenvolver, sendo esses serviços tributados em sede de IVA.
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Conforme resulta dos factos descritos na secção II., e conforme confirmado pelos próprios SIT nos capítulos IV.2. e IV.4. do RIT10, em 2020, a Requerente prestou serviços de gestão e consultoria em projetos à sua única participada – D..., S.A.-, no montante de Euro 160.000,00 sobre o qual incidiu IVA à taxa normal em vigor (23%).
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Continuou e continua a prestar esses serviços de gestão e consultoria em projeto nos exercícios posteriores a 2020, sobre os quais incidiu IVA.
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Sempre haverá que concluir que a Requerente desenvolve uma atividade económica pela qual adquire o estatuto de sujeito passivo de IVA e, em consequência, assiste-lhe o direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de serviços no âmbito do processo de aquisição da participada – D..., S.A
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As correções (identificadas pelos SIT) à dedução do IVA incorrido pela Requerente nos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2020 com a aquisição de serviços no âmbito da aquisição de 100% do capital social da D..., S.A., no montante total de Euro 1.486.692,74, devem ser julgadas ilegais!
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A Requerente discorda totalmente do entendimento dos SIT, isto porque, a gestão ativa da única participação social que a Requerente detém (a D... S.A.) e que se consubstancia na prestação de serviços de gestão e de consultoria tributados em sede de IVA, constitui uma atividade económica.
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A Requerente desenvolve apenas uma atividade e que é uma atividade económica e tributada em IVA.
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A Requerente enquadra-se como um sujeito passivo de IVA normal com direito à dedução integral do IVA suportado.
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Não lhe sendo aplicável o recurso a métodos de dedução parcial consagrados no artigo 23.º do Código do IVA, nomeadamente o método da afetação real conforme preconizado pelos SIT,
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Nem poderá prevalecer o entendimento dos SIT de alteração oficiosa do enquadramento da Requerente no cadastro da AT de sujeito passivo de IVA normal para sujeito passivo misto.
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Conclui a Requerente, no sentido de que gere a participação social que detém (na D..., S.A.) de forma ativa, prestando-lhe serviços de gestão e de consultoria em projetos sobre os quais incide IVA, e essa gestão ativa constitui o desenvolvimento de uma atividade económica, pela qual a Requerente adquire o estatuto de sujeito passivo de imposto e o respetivo direito à dedução do IVA incorrido com essa atividade e do IVA incorrido com as aquisições de serviços efetuadas em 2020 no âmbito da aquisição de 100% do capital social da D..., S.A,
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Pelo que, a correção ao IVA deduzido no montante de Euro 1. 486.692,74 identificada pelos SIT deve ser julgada ilegal, e, em consequência, devem ser anuladas as liquidações adicionais de IVA referentes ao 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2020 e as respetivas liquidações de juros compensatórios. A Requerente peticiona ainda a ilegalidade dos juros compensatórios. Para o efeito, alega que é manifesta a razoabilidade da interpretação da lei e a atuação de boa-fé da Requerente quanto ao exercício do direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de serviços no âmbito do processo de aquisição da participação social.
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Não se vê como um contribuinte atuando de boa-fé e com a diligência normal poderia ter uma atuação correspondente àquela que a AT assume na base da correção ao IVA dedutível, a qual assenta numa clara violação das regras elementares do direito à dedução do IVA, este último o mecanismo essencial do qual depende o princípio da neutralidade do imposto.
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É, pois, inviável um juízo de censura quanto à interpretação assumida pela Requerente relativamente ao direito que lhe assiste de dedução do IVA incorrido,
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Como a Requerente atuou de boa-fé e com justificadas convicções na correção da sua conduta, as liquidações de juros compensatórios, em si mesmas consideradas não podem subsistir por ilegalidade.
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As liquidações de juros compensatórios enfermam de vícios de forma e violação da lei, por falta de fundamentação e erro quanto à imputação da responsabilidade por juros compensatórios, pelo que devem ser anuladas
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A Requerente peticiona ainda a indemnização por prestação de garantia indevida, sustentando que a Requerente decidiu não proceder ao pagamento voluntário do valor total de Euro 650.067,61, decorrente dos atos tributários contestados, tendo já decorrido o respetivo prazo para pagamento e que, como tal, foram instaurados processos de execução fiscal tendentes à cobrança coerciva do montante em causa, no âmbito dos quais a Requerente irá prestar, conforme se deu conta acima, garantia bancária com vista à obtenção da respetiva suspensão, tudo nos termos do disposto nos artigos 52.º da LGT e 169.º e 199.º ambos do CPPT.
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Assiste à Requerente o direito de ser indemnizada pelos encargos em que vier a incorrer – nomeadamente, referentes a emolumentos, despesas com notário e Imposto do Selo – com a aludida prestação de garantias bancárias, nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, cujo pagamento desde já requere.
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Termina a Requerente, peticionado que o presente pedido de constituição de tribunal deve ser julgado totalmente procedente, por provado e fundado e, consequentemente: i) Serem julgadas ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, as correções efetuadas no âmbito do procedimento de inspeção tributária realizado ao abrigo da ordem de serviço OI2022..., relativas a IVA deduzido no montante de Euro 1.486.692,74; ii) Ser declarada a ilegalidade e consequentemente anulados os atos de: liquidação adicional de IVA n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 417.554,00 a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; de liquidação adicional de IVA n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 147.376,39, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; de liquidação adicional de IVA n.º 2024..., na qual está refletida a redução em Euro 921.762,35 do crédito de IVA a reportar para períodos seguintes constante do campo 96, e a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; e das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.º 2024 ..., com o valor a pagar de Euro 64.108,83 e n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 21.028,39, com todas as consequências legais, nomeadamente, ser reconhecido no campo 96 da declaração periódica de IVA relativa ao quarto trimestre de 2020, um crédito de IVA reportável para períodos seguintes no montante de € 929.432,90; e iii) Ser a Fazenda Pública condenada a indemnizar a Requerente pelos encargos incorridos com a prestação indevida de garantias bancárias, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal tendentes à cobrança coerciva dos tributos indevidamente liquidados, a apurar a final, ainda que, em Execução de Julgados, nos termos do disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.
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A Requerida apresentou Resposta, na qual alega, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
I.B) Alegações da Requerida:
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Na Resposta, a Requerida começa por dizer que as liquidações, foram desencadeadas em resultado das conclusões do Relatório de Inspeção à empresa A... S A, tendo-se concluído por: dedução indevida do IVA suportado em encargos com advogados e consultores no âmbito da operação de AQUISIÇÃO da participação social da D..., SA, nos termos do n.º 1 do art.º 20 do Código do IVA, no montante global de 1.481.945,31€; dedução indevida do IVA suportado na aquisição de bens ou serviços de utilização mista, nos termos do n.º 1 do art.º 20 do Código do IVA, no montante global de 4.747,43€.
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No âmbito da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., emitida pela Direção de Finanças do Porto, verificou-se por consulta da base de dados da AT que, em 2020, o sujeito passivo estava registado para o exercício de uma única atividade, a de “Fabricação de Doces, Compotas, Geleias e Marmeladas” (CAE 10393).
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No entanto, a análise da contabilidade do sujeito passivo permitiu verificar que no exercício em análise, o sujeito passivo não efetuou quaisquer aquisições de matérias-primas, mercadorias, serviços ou ativos fixos necessários à produção e comercialização de produtos e mercadorias no âmbito daquela atividade, não tendo efetuado qualquer operação passiva ou ativa no âmbito da mesma, aliás como reconhecido pelo sujeito passivo no ponto 16º do seu pedido de pronuncia arbitral.
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Ficou demonstrado no Relatório de Inspeção Tributária que, não obstante o enquadramento em sede de IVA e IRC, bem como todas as atividades descritas no objeto social da empresa (tal como consta da informação registada na Conservatória do Registo Comercial), a atividade efetivamente exercida pela empresa em 2020, e que se propõe, aliás, exercer no futuro (cf. intenção demonstrada no ponto 3 do Relatório de Administração como mencionado no ponto VI. do Relatório de Inspeção e como se transcreve abaixo) configura a atividade de uma sociedade gestora de participações sociais.
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Para permitir a verificação destes aspetos, anexa-se à Resposta, a cópia integral do Relatório de Administração de 2020, Demonstrações Financeiras e respetivo Anexo .
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A análise efetuada no âmbito da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço supramencionada, permitiu constatar que: No âmbito da primeira atividade exercida descrita no ponto 1 –IDENTIFICAÇÃO DA ENTIDADE do Anexo às demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2020, ou seja, “a subscrição, aquisição, alienação, detenção, gestão e oneração de participações noutras sociedades” o sujeito passivo adquiriu, em 14/05/2020, uma participação de 100% do capital social D..., S.A., tendo incorrido em várias despesas com consultores e Advogados, etc., diretamente relacionadas com tal operação de aquisição daquele investimento financeiro; O sujeito passivo identificou no ponto 6 – INVESTIMENTOS FINANCEIROS EM SUBSIDIÁRIAS do Anexo à Demonstrações Financeiras do seu Relatório de Administração (quadro transcrito no ponto IV.3 do Relatório de Inspeção Tributária) todas as componentes de formação do preço de aquisição daquele investimento financeiro.
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Em conformidade com o seu entendimento quanto à natureza destes encargos, demonstrado atrás, ou seja, de componente do custo de aquisição da participação social, o sujeito passivo reconheceu o montante global dos referidos encargos numa sub-conta da classe 41 – Investimentos financeiros (a conta 411110000 - IF-Inv. subsidiárias-Particip.capital-MEP (auto), cumprindo o normativo contabilístico que rege o sujeito passivo (as Normas Internacionais de Relato Financeiro (“IFRS”), e mais concretamente a IAS 27 quanto à operação em questão). No âmbito da segunda atividade exercida descrita no ponto 1 –IDENTIFICAÇÃO DA ENTIDADE do Anexo às demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2020, ou seja, “prestação de serviços de apoio à gestão, consultoria e afins”, o sujeito passivo obteve em 2020 um rendimento de 160.000,00. Esta prestação de serviços foi efetuada no âmbito do contrato celebrado com a D..., SA, em 19/05/2020.
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Deve ser julgado como provado que, as despesas em apreço, foram (exclusivamente) relacionadas com a aquisição de partes sociais (cfr. ponto IV, a págs. 19 do Doc. 1 junto com a Resposta).
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Portanto, o sujeito passivo tem como atividade principal uma atividade não económica e uma atividade complementar desta primeira, que como resulta do atrás descrito, corresponde uma efetiva atividade económica, enquadrável no art.º 1 e art.º 4 do Código do IVA, e como tal tributável em sede do referido imposto.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 20 do Código do IVA, o imposto suportado na aquisição de serviços no âmbito do processo de aquisição de 100% do capital social da D... não diz respeito a transmissões de bens ou serviços que confiram direito à dedução, estando antes diretamente relacionado com uma operação de aquisição de um investimento financeiro da A..., que não se enquadra na alínea a) do n.1 do art.º 2 do Código do IVA, ou seja, não se insere, em sede de IVA, no exercício de uma atividade económica.
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Consequentemente, o IVA associado àqueles insputs que permitiram a detenção da participação social da D..., SA, no montante global de 1.481.945,31€, não é suscetível de ser deduzido, o que determinou as correções vertidas no ponto V.1.(A) do Relatório de Inspeção.
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Como resultou da ação inspetiva, a Requerente é um sujeito passivo misto na exata medida em que realiza operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito. Ora, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços deve obedecer às regras estalecidas no art.º 23º do Código do IVA, que foram depois clarificadas no Ofício Circulado 30103 de 23/04/2008.
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No ponto V.1.(B) foi proposta e fundamentada a correção do IVA indevidamente deduzido pelo sujeito passivo nas declarações periódicas de IVA referentes ao 3º e 4º trimestre de 2020, num montante global de 4.747,43€, suportado na aquisição de serviços simultaneamente utilizados em ambas as atividades do sujeito passivo (já explicitadas no anterior ponto 5, ou seja, uma atividade não económica e uma atividade económica), designadamente serviços associados à certificação legal de contas e a consultoria fiscal.
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De salientar que, como resulta da análise do quadro exposto no ponto IV.4.D, estes serviços não foram identificados pelo sujeito passivo como serviços adquiridos para lhe permitir a realização dos serviços de apoio à gestão e administração prestados em 2020 à D..., SA, pelo que foram os mesmos considerados pelos SIT como referentes à atividade principal de gestão de participações sociais, atividade que, como demonstrado atrás, não confere direito à dedução e, por conseguinte, o corresponde IVA deduzido naquelas declarações, no montante global de 4.747,43€, não é aceite fiscalmente nos termos do art.º 20 do Código do IVA.
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Como ficou demonstrado, as despesas/encargos de advocacia e consultoria adquiridos pela A... em 2020, identificados e elencados pela Inspeção Tributária no Anexo 1 do Relatório de Inspeção Tributária, e que constituem a base das correções em sede de IVA propostas e fundamentadas no Ponto V.1.(A), não foram realizados para permitir a administração e gestão da atividade daD...ou por outras palavras, não foram realizados para benefício da atividade da sua participada, pelo que não são integráveis (debitáveis) num “output” de uma atividade económica.
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Aliás, se o sujeito passivo considerasse que esses gastos haviam sido efetivamente realizados para permitir a prestação de serviços de gestão e administração à sua participada, tê-los-ia contabilizado como gastos do exercício (na classe 6), no sentido de estabelecer o seu balanceamento com o rendimento contabilizado correspondente, no valor de 160.000,00 €, para cumprimento do regime de periodização económica estabelecido no art.º 18 do Código do IRC.
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No entanto, no âmbito da ação inspetiva realizada, o sujeito passivo identificou e documentou os encargos por si incorridos (inputs) em benefício dos serviços de gestão faturados à sua participada (os necessários para a realização dos serviços de apoio à gestão e administração da atividade da participada), num montante global de apenas 151.317,23 € (cf. listagem apresentada, transcrita para o ponto IV.4.D do Relatório Final de Inspeção Tributária), ao qual aplicou depois uma margem liquida operacional de cerca de 5% para efeitos de apuramento do preço final (output) dos serviços prestados à participada, para assim cumprir a legislação prevista em termos de preços de transferência.
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Portanto, para determinação do preço a cobrar pelos serviços de administração e gestão à sua participada, o sujeito passivo não considerou os encargos direta ou indiretamente relacionados com o custo de aquisição da participação social, que estiveram na base da correção efetuada pela Inspeção Tributária em sede de IVA (detalhados nos Anexo 1 do Relatório Final de Inspeção Tributária).
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Ou seja, o montante em questão, de acordo com as próprias explicações da Requerente (consubstanciados nos serviços aqui em apreço), não concorreu nem direta nem indiretamente para a formação do preço dos serviços que prestou à sua participada.
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Desta forma, deve ser julgado não provado que os serviços cujo IVA pretende a Requerente, nos presentes autos, ver reconhecido o direito à dedução, concorreram, direta ou indiretamente (como custos gerais), para a formação do preço dos serviços prestados à participada, pois que se tivessem concorrido, teriam necessariamente que, ter sido incluídos (na totalidade, ou parcialmente) na formação do preço daqueles.
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Aliás, nos termos do art.º 23 do Código do IRC, não o poderia fazer, já que a participada não poderia suportar (por meio de refaturação pela participante) os encargos diretamente relacionados com a sua própria aquisição, que correspondem a uma componente do custo de aquisição de um ativo da sua participante.
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De salientar que esses encargos suportados no âmbito da sua atividade económica, no montante global de 151.317,23 €, identificados e documentados pelo sujeito passivo e analisados pelo SIT, não constam do Anexo 1 que serviu de base ao apuramento das correções em sede de IVA, ou seja, a dedução do correspondente IVA suportado não foi objeto da correção proposta no ponto V do Relatório de Inspeção, por se mostrar devida nos termos do art.º 19º e 20º do Código do IVA.
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Ou seja, foi a própria Requerente quem identificou os inputs (de pouco mais de 151 mil euros), que concorreram para os outputs de serviços de gestão faturados à sua participada (de 160 mil euros), não tendo identificado os custos com os serviços de aquisição da sua participada, como tendo concorrido para a prestação daqueles serviços (de gestão), seja como diretamente relacionados com tais outputs, seja como custos gerais da empresa incluídos nos serviços prestados (ou seja indiretamente).
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O que, não poderia ser de outra forma, visto que, mesmo que se considerassem aqueles custos como indiretamente relacionados com os outputs, ou seja, como custos gerais da atividade, sempre teriam de concorrer, total ou parcialmente (através de alguma chave de imputação), com algum montante, para a formação do preço dos serviços prestados (de 160 mil euros), o que não ocorreu.
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Demonstrou-se que, em 2020 o sujeito passivo reconheceu contabilisticamente os encargos com serviços de advogados e consultores diretamente incorridos com aquisição da participação social da D... numa subconta da 41- Investimentos Financeiros, por considerá-los como componente do preço de aquisição do investimento em causa. Os encargos em causa foram incorridos para benefício direto da A..., na exata medida em que estão diretamente relacionados com a aquisição de uma participação social que gerará os normais rendimentos resultantes dessa detenção, ou seja, os dividendos/lucros da participação e a eventual mais-valia numa futura alienação.
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Tratando-se de componentes do custo de aquisição de um Ativo/Investimento Financeiro, não são os mesmos considerados como gastos inerentes à alegada “gestão ativa” da participação.
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Assim, o IVA suportado na aquisição dos referidos serviços de advocacia e consultoria, no montante global de 1.481.945,31€, cuja dedução foi efetuada pelo sujeito passivo nas declarações periódicas de IVA de 2º, 3º e 4º de 2020 entregues, não foi fiscalmente aceite, nos termos do n.º 1 do art.º 20 do Código do IVA por não estarem correlacionados com transmissões de bens ou prestações de serviço realizadas pelo sujeito, tributáveis em sede de IVA.
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De acordo com o disposto no artigo 19.º do CIVA, é deduzido ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que o sujeito passivo efetuou o imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações referidas no artigo 20.º do mesmo CIVA, sendo pressuposto do direito à dedução que os bens e serviços estejam diretamente relacionados com o exercício da sua atividade.
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Se os bens respeitarem a operações não sujeitas, não há qualquer direito à dedução, pelo que, para efeitos do direito à dedução, tais operações devem ser segregadas das demais, caso existam.
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Pois que, quando o sujeito passivo pratique operações não sujeitas a imposto, não estamos dentro da hipótese da norma do artigo 23.º do CIVA, já que esta supõe que o sujeito passivo tenha utilizado os bens em operações sujeitas a imposto, mas em que parte delas não confira direito à dedução, por serem isentas de imposto.
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E, portanto, a operação de aquisição e subsequente gestão da participação social na D..., S.A. não se enquadram no art.º 2, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, porquanto não correspondem a operações enquadráveis no exercício de uma atividade económica, não sendo, em decorrência, dedutível o IVA associado aos inputs que levaram à aquisição da referida participação.
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Não tendo a Requerente logrado comprovar que, estando em causa uma aquisição de participações sociais, os serviços adquiridos estão, de alguma forma, diretamente ligados a uma outra atividade – essa, sim, tributável – de gestão da participada, apesar de esta se apresentar como diversa, intrinsecamente separada e temporalmente desfasada da aquisição de participações sociais.
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Impendendo sobre a Requerente o ónus de demonstrar o nexo entre as despesas incorridas e as operações económicas que dão direito a dedução, o que não fez.
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Pelo contrário e, como já demonstrado, a própria Requerente, em Resposta aos SIT, identificou todos os inputs que concorreram (direta ou indiretamente) para a prestação dos serviços de gestão à sua participada, ou seja, que concorreram para a formação do preço destes serviços faturados à participada e, os serviços aqui em apreço, não foram pela Requerente considerados naquele rol, nem o valor dos serviços concorreu de alguma forma, para a formação do preço dos serviços faturados.
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Note-se a este respeito, que a admissão do direito à dedução de custos indiretamente relacionados com a atividade, ou seja, de custos gerais da atividade, é, como a própria expressão indica, da atividade económica.
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Ora, para efeitos de IVA, a aquisição de participações sociais, não constitui uma atividade económica.
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E, assim, ainda que se admita a dedução se os custos constituírem custos gerais da atividade (económica), nesse caso, inequivocamente, tais serviços têm que concorrer, na totalidade, ou ao longo do tempo (através de uma chave de repartição), mas ainda assim, em parte, para a formação do preço dos serviços de gestão, que a Requerente faturou à sua participada e, que constituem a atividade (económica) da Requerente, o que, inequivocamente e, reconhecidamente (pela Requerente aos SIT), não acontece no caso.
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Pelo que é de considerar que, no que respeita especificamente aos serviços em questão, foram estes exclusivamente afetos à aquisição de participações sociais.
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Não sendo esta atividade, por si só, considerada uma atividade económica.
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Por outras palavras, independentemente da existência de uma eventual intervenção da Requerente na gestão ativa da entidade por si detida (o que não cabe colocar em dúvida), o que está aqui em causa não é essa intervenção, mas antes o facto de os encargos incorridos na aquisição (atividade não económica) possuírem uma associação direta com essa aquisição (e, portanto, com o ‘estatuto’ da Requerente como holding) e não com a posterior atividade de gestão.
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Isso quer dizer que o IVA suportado nessa atividade (não económica) não é fiscalmente dedutível,
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Pelo que andaram bem os SIT ao rejeitar a dedução do IVA respeitante àquelas despesas, improcedendo, consequentemente, a pretensão da Requerente de ver serem anuladas as liquidações adicionais em apreço.
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Atento o exposto, verifica-se assim que a aquisição de participações sociais, não constitui uma operação enquadrável no âmbito da atividade (económica) desenvolvida pela sociedade Requerente, ou seja, nos serviços de gestão faturados à participada.
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Mas, os encargos suportados pela Requerente com os serviços aqui em causa, não têm qualquer relação com o exercício da sua atividade, pelo que tal falta de conexão veda a possibilidade do exercício do direito à dedução do imposto relacionado com os referidos serviços, em cumprimento do disposto no art.º 20º do CIVA.
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Por outra banda, quanto à alegada falta de fundamentação dos juros compensatórios, é de referir apenas que, no que à demonstração de liquidação diz respeito, é a própria LGT que determina que “A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas”.
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Ora, no caso, compulsadas as demonstrações de liquidações de juros compensatórios n.º 2024... e 2024..., o que se verifica é que foram devidamente observadas as exigências legais de explicação e clareza, designadamente no que tange aos montantes e respetivo cálculo, que a supracitada norma demanda.
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Sobre a falta de fundamentação sempre se dirá que, com o devido respeito por entendimento diverso, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação dos atos impugnados.
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Tendo presente no que respeita à fundamentação dos atos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão.
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Ora, resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato.
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Todavia, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admitiria –, podia a Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade.
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Nestes termos, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, ser a Requerida absolvida de todos os pedidos, com as devidas e legais consequências.
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Termina a Requerida que a liquidação contestada não se encontra ferida de qualquer ilegalidade, deverá o presente pedido improceder.
II. Thema decidendum:
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O thema decidendum reporta-se à questão: i) da (i)legalidade das liquidações em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (n.º 2022...), relativas ao ano de 2020, e dos juros compensatórios e donde resultou valor a pagar de 1.571.829,96 (um milhão, quinhentos e setenta e um mil, oitocentos e vinte e nove euros e noventa e seis cêntimos); ii) da (i)legalidade da liquidação de juros compensatórios decorrente da invalidade das liquidações de IVA a que respeitam e, ainda, por vício autónomo de falta de fundamentação formal (v. artigo 77.º da LGT) e substantiva, por não satisfação, pela Requerida, do ónus de comprovação da imputação da infração à Requerente a título de culpa (v. artigos 35.º e 74.º, n.º 1 da LGT); iii) do Direito da Requerente a indemnização por prestação de garantia indevida.
Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
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O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações ora impugnadas, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
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O processo não enferma de nulidades.
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Não foram identificadas questões que obstassem ao conhecimento do mérito.
IV. DECISÃO:
IV.A) Factos que se consideram provados:
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Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respetiva decisão:
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A Requerente é uma Sociedade Anónima, residente em território nacional que tem por objeto social, aquando da sua constituição, “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a administração dos imóveis propriedade da sociedade, incluindo o seu arrendamento, e quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionadas com as mencionadas atividades.”. cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
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O objeto social foi objeto de alteração, no ano de 2020, conforme Inscrição 2 - AP. 40/20200423, passando a constar o seguinte “Fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, nomeadamente a de lacticínios, e ainda a importação e exportação” e, mais tarde, a “a fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, nomeadamente a de lacticínios, e ainda a sua importação e exportação; subscrição, aquisição, alienação, detenção, gestão e oneração de participações noutras sociedades, mesmo quando reguladas por leis especiais, ainda que o objeto social dessas sociedades não tenha qualquer relação, direta ou indireta, com o seu; e a prestação de serviços de apoio à gestão, consultoria e afins”. cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
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Em 2020, a Requerente encontrava-se registada para o exercício de uma única atividade, a de “Fabricação de Doces, Compotas, Geleias e Marmeladas”, correspondendo ao CAE 10393. (cf. Relatório de Inspeção Tributária).
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A Requerente estava enquadrada para o ano de 2020, em sede de IRC, no Regime Geral de determinação do Lucro Tributável e em sede de IVA, no Regime Normal, periodicidade trimestral. (cf. Relatório de Inspeção Tributária).
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Em 14 de maio de 2020, a A... adquiriu 100% do capital social da D..., S.A. (NIPC...). (Cfr. Doc. 2 do PPA e RIT).
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A 31 de dezembro de 2020, a estrutura de participações do Grupo era a seguinte:
(Cfr. Doc. 2 do PPA e RIT).
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No âmbito do processo de aquisição de 100% do capital social da D..., S.A., a Requerente adquiriu diversas prestações de serviços de suporte e preparação dessa aquisição, nomeadamente, serviços de consultoria financeira, de consultoria legal e fiscal, due diligence e seguros, no montante de Euro 6.865.455,00 em relação às quais, com exceção dos prémios de seguro, suportou IVA, incluído nas faturas emitidas pelos prestadores nacionais ou autoliquidado pela Requerente no caso de prestadores de serviços estrangeiros e que deduziu nas respetivas Declarações Periódicas de IVA do segundo, terceiro e quarto trimestres de 2020. (Cfr. Doc. 2 do PPA e RIT).
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No ano de 2020, a Requerente não desenvolveu a atividade industrial relativa à fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, atividade prevista no seu objeto social. (Cfr. PA).
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Foi realizado um procedimento inspetivo ao Requerente, credenciado pelas Ordens de Serviço n.º OI2022... . (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária).
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A Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção em 24-05-2024, contendo a proposta de correções de € 1 481 945,31 de IVA, e para a Requerente vir exercer o seu direito de audição previa. (Cf. Relatório de Inspeção Tributária).
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A Requerente não exerceu o direito de audição prévia, tendo sido notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária (“RIT”), onde a AT manteve as correções propostas na sua totalidade. (Cfr. RIT).
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Como fundamentos das correções de IVA realizadas, constam do RIT, com relevância para a matéria em apreciação nestes autos, os infra transcritos:
IV.3. RELATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO E ANEXO ÀS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS
A caracterização do sujeito passivo em análise aparece claramente descrita no ponto 1 – IDENTIFICAÇÃO DA
ENTIDADE do Anexo às demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2020:
Como se verifica, a única atividade de “Fabricação de Doces, Compotas, Geleias e Marmeladas” (CAE 10393) pela qual o sujeito passivo se encontra registado em sede de IRC e IVA não se encontra contemplada na atividade descrita no Anexo às demonstrações financeiras em 31/12/2020, correspondendo aquela descrição à da atividade de uma sociedade gestora de participações sociais.
De salientar o acontecimento ocorrido no decurso de 2020 e que se encontra descritivo no ponto 6 – INVESTIMENTOS FINANCEIROS EM SUBSIDIÁRIAS do Anexo:
Este evento encontra-se referenciado no já referido ponto 1. Atividade Geral da empresa do Relatório da Administração como a principal atividade da empresa no ano de 2020: “O ano de 2020 fica marcado pela aquisição da totalidade das ações da sociedade D..., S.A. (anteriormente H... SGPS, S.A.) no dia 14 de maio. A D..., S.A. é detentora das participações das Empresas do Grupo B... .”.
Esta atividade de gestão de participações sociais encontra-se também prevista nas “perspetivas futuras” da empresa, como se encontra estabelecido no ponto 3 do Relatório de Administração: “No ano de 2021 a sociedade prossegue com a prospeção de novas oportunidades de compra e venda de participações sociais , seja com vista à consolidação do posicionamento do Grupo B... no segmento de preparação de fruta, seja em segmentos complementares de produção de ingredientes para a indústria alimentar.”.
(…)
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1. IVA não dedutível nos termos do n.º 1 do art.º 20º do Código do IVA
IVA suportado em encargos com Advogados e Consultores no âmbito da operação da aquisição da participação Social da D..., S.A.
O exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do IVA está regulamentado nos artigos 19º e 20º do CIVA, estando as exceções previstas no art.º 21º daquele mesmo diploma.
Assim, será dedutível o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de uma atividade económica referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do Código do IVA, desde que respeite a transmissões de
bens e prestação de serviços que confiram direito à dedução de acordo com o art.º 20º do código do IVA.
Portanto, como esclarecido no ponto II.3 do Ofício Circulado 30103 de 23/04/2008, “confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos de imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), II, do n.º 1 do art.º 20.º do CIVA”.
Por outro lado, também de acordo com a doutrina vertida no referido ofício circulado, a mera detenção de participações sociais não constitui uma atividade económica para efeitos de IVA.
Assim, a operação de aquisição e subsequente gestão da participação social da D..., S.A pela A..., não se enquadra no art.º 2, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, correspondendo a uma operação que, em sede de IVA, não se insere no exercício de uma atividade económica e, portanto, o IVA associado aos inputs que permitiram a sua detenção não é suscetível de ser deduzido.
Considerando que no ponto 2. Situação económica e financeira do Relatório da Administração, consta a informação e identificação dos inputs associados à aquisição da participação, conforme se transcreve:
“Decorrentes da operação de aquisição da D..., S.A., existiram uma série de despesas que foram capitalizadas e que se desagregam da seguinte forma:”
E, que este facto foi comprovado pela análise da contabilidade, que permitiu constatar que o sujeito passivo incorreu, em 2020, em várias despesas com a aquisição da participação social da D..., S.A., as quais foram inicialmente contabilizadas como gastos ao longo do exercício (designadamente, nas contas 6221000000 e 6224000000 e depois transferidas através dos lançamentos de correção AB-10098 e AB-10099 de 31/12/2020, pelos montantes globais de encargos apurados de 6.514.004,97€ e 80.750,00€ (onde se incluem os montantes de gastos evidenciados no Anexo 1, para a conta 4111100000 - IF-Inv. subsidiárias-Particip.capitalMEP (auto), uma vez que tais despesas correspondem a componentes do valor de aquisição da participação social da participação social (de 100%) da D..., S.A., passando a estar contabilisticamente relevadas como tal.
Concluímos, portanto, que, estando tais encargos diretamente relacionados com a aquisição da D..., S.A., ou seja, uma operação realizada no âmbito de uma atividade não económica, o correspondente IVA suportado não é fiscalmente dedutível nos termos do n.º 1 do art.º 20º do Código do IVA.
De seguida, identificam-se os valores de IVA não dedutíveis em causa, por período de imposto, cujo detalhe se encontra apresentado no Anexo 1 deste relatório:
(B) IVA suportado na aquisição de bens ou serviços de utilização mista
Como já referido atrás, retira-se do n.º 1 do art.º 20º do Código do IVA que, confere direito à dedução integral do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), II, do n.º 1 do art.º 20º do Código do IVA.
Contudo, estando perante um sujeito passivo misto, o n.º 1 do art.º 23.º do Código do IVA prevê que “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução. “.
Por sua vez, o n.º 2 acrescenta que, “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que
conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.”
No sentido de esclarecer o método de determinação da dedução relativamente a bens ou serviços de utilização mista, há que atender ao referido no já mencionado ofício circulado nº 30103 de 2008-04-23, que refere expressamente: “Segundo o previsto na alínea a) do n.º1 do artigo 23.º do CIVA, sempre que esteja em causa a
determinação do IVA dedutível respeitante a bens ou serviços parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, é obrigatório o recurso à afetação real dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens ou serviços nessas e nas restantes operações, conforme se prevê no n.º 2 do mesmo artigo.”.
Ora, da análise dos lançamentos efetuados nas contas 2432331000 - IVAded.OBS TX_N.PT e 2432332000 - IVAded.OBS TX_N.EU, permitiu identificar os lançamentos abaixo indicados, em que o sujeito passivo deduziu integralmente o IVA suportado na aquisição dos serviços em causa, não obstante, de acordo com documentos de suporte, se concluir que os serviços em causa revestem a natureza de “gastos comuns”
De facto, os lançamentos KR-2020800030, KR-2020800033 e KR-2020800047 dizem respeito a gastos de honorários associados à Certificação Legal de Contas de 2020, faturados pela J.... Por sua vez, o lançamento KR-2020800039 diz respeito a gastos de honorários relativos a consultoria fiscal, faturados pela I..., S.A..
Assim, de acordo com o disposto no nº2 do artigo 23º do CIVA e das instruções emanadas no ofício circulado já referido, no caso da afetação real obrigatória, nomeadamente quando estamos perante operações não decorrentes de uma atividade económica, a determinação do IVA não dedutível não pode ter por base o método do pro rata previsto no nº4 do artigo 23º do CIVA, devendo ser obrigatoriamente utilizada a afetação real em função da efetiva utilização.
Considerando que, os referidos gastos não foram incluídos, total ou parcialmente como gastos diretos ou indiretos, pelo sujeito passivo no quadro enviado com a identificação e detalhe de todos os gastos incorridos no ano para a realização dos serviços de gestão e consultoria prestados à sua participada ( atividade sujeita a IVA
nos termos do art.º20 e dela não isenta), o qual se encontra reproduzido no ponto IV.4 (D), conclui-se, por defeito e omissão de identificação de critério de repartição, que o sujeito passivo considera que os gastos contabilizados através dos lançamentos KR-2020800030, KR-2020800033, KR-2020800039 e KR-2020800047 se referem à atividade principal de gestão de participações sociais, atividade que não confere o direito a dedução e, por conseguinte, o correspondente IVA deduzido no campo 24 das respetivas declarações periódicas de IVA, não será fiscalmente aceite nos termos do nº. 1 do art.º 20 do Código do IVA.
Face ao atrás exposto, apresenta-se de seguida um resumo das correções a efetuar às declarações periódicas de IVA do 2º, 3º e 4º trimestres de 2020:
(…)
VIII. Infrações verificadas
A dedução indevida do IVA anteriormente identificada é, nos termos do n.º 4 do art.º 114º do Código do IVA,
penalizada como falta de entrega de imposto.
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A Administração Tributária emitiu os atos de liquidação de IVA e dos correspondentes juros compensatórios, perfazendo um valor total de global de € 1.571.829,96 (um milhão quinhentos e setenta e um mil euros oitocentos e vinte e nove euros e noventa e seis cêntimos),e emitiu as correspondentes demonstrações de acerto de contas, respetivamente: a) Liquidação adicional de IVA respeitante ao segundo trimestre de 2020 (período 2020 6T) com o n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 417.554,00, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; b) Liquidação adicional de IVA respeitante ao terceiro trimestre de 2020 (período 2020 9T) com o n.º 2024 051427588, com o valor a pagar de Euro 147.376,39, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; c) Liquidação adicional de IVA respeitante ao quarto trimestre de 2020 (período 2020 12T) com o n.º 2024..., na qual está refletida a redução em Euro 921.762,35 do crédito de IVA a reportar para períodos seguintes constante do campo 96 (que, de um valor inicial declarado de Euro 929.432,90, após a redução identificada, passa a ascender a Euro 7.670,55), e a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; d) Demonstração de liquidação de juros compensatórios de IVA respeitante ao período 2020 06T com o n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 64.108,83, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; e e) Demonstração de liquidação de juros compensatórios de IVA respeitante ao período 2020 09T com o n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 21.028,39, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024... .
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A Requerente celebrou em 19 de Maio de 2020, na qualidade de primeira contratante, com a Sociedade H... – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, na qualidade de segunda contratante, um contrato de prestação de serviços, do qual, de relevo para os presentes autos, consta o seguinte:
CLÁUSULA PRIMEIRA
A SEGUNDA CONTRAENTE contrata a PRIMEIRA CONTRAENTE, e esta aceita a dita contratação, para a prestação de serviços de apoio à gestão e consultoria em projetos a desenvolver pela segunda.
CLÁUSULA SEGUNDA
1. A prestação de serviços referida na cláusula anterior consiste na obrigação da PRIMEIRA CONTRAENTE facultar à SEGUNDA CONTRAENTE todos os meios técnicos e de aconselhamento que considerar vantajosos para o desenvolvimento da sua atividade, de acordo com as boas práticas correntes da gestão de empresas nas áreas suprarreferidas.
2. Em particular, a PRIMEIRA CONTRAENTE, com o acordo expresso da SEGUNDA CONTRAENTE, designará pessoas experientes e habilitadas, as quais atuarão como técnicos conselheiros e acompanharão a gestão desenvolvida pela SEGUNDA CONTRAENTE, muito particularmente nas áreas referidas na cláusula primeira.
CLÁUSULA TERCEIRA
A SEGUNDA CONTRAENTE, desde já se obriga, tendo em vista o pleno cumprimento do presente contrato, a permitir o livre acesso às suas instalações dos técnicos da PRIMEIRA CONTRAENTE a que se refere o n.º 2 da Cláusula anterior.
CLÁUSULA QUARTA
1. A SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se, em contrapartida dos serviços prestados nos termos do presente contrato, a pagar à PRIMEIRA CONTRAENTE a quantia de 160.000 €, (cento e sessenta mil euros) no prazo de 30 dias da data da emissão da fatura, a qual será emitida pela PRIMEIRA CONTRAENTE no primeiro semestre de 2021, com referência aos serviços prestados. entre 19 de maio de 2020 e 31 de dezembro de 2020, tendo em atenção o volume e a natureza dos serviços que se estima que venham a ser prestados neste período.
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A partir do ano 2021, o preço a pagar pela prestação de serviços será determinado por mútuo acordo das Partes, e será pago numa base trimestral, no mês seguinte ao fecho de cada trimestre.”. (Cfr. Documento n.º 3 do PPA).
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A Requerente emitiu uma fatura no valor de 196.800,00€ , em 23 de abril de 2021, com o seguinte teor: “Management services, rendered in the period between Mai-Dec 2020”.
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Os serviços de apoio à gestão e consultoria em projetos a desenvolver prestados pela Requerente à D..., S.A., consistem, essencialmente, na disponibilização e partilha de know-how estratégico em diversas valências de gestão, suporte ao nível das decisões de estratégia e investimento e acompanhamento da execução do planeamento estratégico e operacional.
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A Requerente acompanha a gestão desenvolvida pela D..., S.A., prestando-lhe o necessário aconselhamento estratégico e de desenvolvimento do negócio, que comporta, nomeadamente, a definição da visão e missão do Grupo, a definição da estratégia do Grupo, contribuindo para a definição de objetivos a curto e médio e longo prazo, definição e preparação de cenários económicos de médio e longo prazo, desenvolvimento do sistema de gestão dos objetivos do Grupo B..., definição das estratégias básicas, ações-chave e ações que promovem o desenvolvimento do posicionamento estratégico do Grupo B... e que geram maior valor acrescentado para os seus acionistas, colaboradores e ambiente social e representação e comunicação em nome do Grupo B... com os shareholders, entidades públicas e outras partes interessadas.
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A Requerente decidiu não proceder ao pagamento voluntário do valor total de Euro 650.067,61 €, decorrente dos atos tributários contestados, tendo já decorrido o respetivo prazo para pagamento, consequentemente foram instaurados processos de execução. (Cfr. Documento n.º 4 do PPA).
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Em 14.11.2024, apresentou a Requerente ao abrigo do artigo 588.º do Código de Processo Civil aplicável, ex vi da alínea e) do artigo 2.º e para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 171.º, ambos, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), todos, aplicáveis ex vi artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, requerimento onde suscitava a alteração do pedido com base em facto superveniente, com vista à apreciação e tomada de decisão, no âmbito dos presentes autos, do Pedido de Indeminização a atribuir à Requerente por prestação – indevida – de Garantia Bancária.
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A Requerente, em 17.10.2024, prestou quatro garantias bancárias no montante e termos seguintes: i) de € 529.186,20, emitida pelo Banco Santander com o n.º..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º...; ii) de € 81.448,76, emitida pelo Banco Santander com o n.º..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º ...; iii) de € 26.928,54, emitida pelo Banco Santander com o n.º ..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º ...; iv) de € 186.947,51, emitida pelo Banco Santander com o n.º ..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º ... .
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Até àquele momento, a Requerente havia suportado encargos com as garantias no montante de 6.678,67 € (devidamente comprovado com a junção do Doc. n.º 5.
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Até à data do seu cancelamento, a Requerente irá suportar acrescidos encargos com a manutenção das garantias referidas no ponto V) do probatório.
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A Requerente apresentou no CAAD, em 7 de outubro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das referidas liquidações de IVA e JC e melhor identificadas acima. (Cf. registo de entrada no SGP do CAAD).
IV.B) Factos não provados:
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos dados como provados e não provados (acima explicitados) assentou na análise crítica da prova e fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e, nomeadamente, na prova documental junta aos autos pela Requerente e nas informações oficiais e nos documentos constantes do PA junto aos autos, conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório, sendo indicado expressamente em cada um daqueles pontos o(s) documento(s) que contribuíram para a extração do correspondente facto.
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A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais, sendo de salientar que as informações oficiais, fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se se basearem em critérios objetivos. (Cfr. artigos 76º, n.º 1 da LGT e 115º, n.º 2 do CPPT).
IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):
§ 1.º
Desenvolvimentos sobre o direito à dedução em sede de IVA
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A dedução do imposto suportado pelos sujeitos passivos nas operações intermédias do circuito económico é um elemento central do funcionamento do sistema do IVA, que tem como objetivo tributar apenas o consumo final.
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O direito à dedução pressupõe que os sujeitos passivos recuperem, em regra, o IVA suportado em bens e serviços com vista à realização de operações tributadas, dentro dos limites estabelecidos no Código do IVA.
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Nesse sentido, o art.º 19.º, n.º 1 do CIVA, estatui no sentido de que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: i) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; ii) o imposto devido pela importação de bens; iii) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h) e j) e l) do n.º 1, do art.º 2.º; iv) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado imposto; v) e, finalmente, o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com art.º 15.º, n.º 6 do CIVA.
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O n.º 2 do mesmo normativo estabelece, no entanto, um condicionalismo formal, segundo o qual só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passadas na forma legal, as faturas que contenham os requisitos enunciados no n.º 5 do art.º 36.º ou no n.º 2 do art.º 40.º, ambos do CIVA.
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Por seu lado, o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, determina que só pode deduzir-se o imposto suportado pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitos a imposto e dele não isentas, nos termos da sua alínea a), ou nas operações elencadas na sua alínea b).
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Intuindo-se das aludidas normas que o imposto suscetível de desoneração por via do exercício do direito à dedução, corresponde, em princípio, a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo para o exercício da sua atividade económica, ou seja, a imposto que tenha sido suportado em aquisições de bens e serviços que sejam utilizados para a realização de operações ativas tributadas.
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Contudo, a regra geral do direito à dedução comporta algumas exceções, as quais têm previsão legal no art.º 21.º do CIVA. Tais exclusões do direito à dedução estão, sobretudo, relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados e, por isso, não empresariais.
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As normas vindas de explicitar constituem o quadro normativo interno que permite dirimir o dissidio sub judicio.
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Volvendo agora a nossa abordagem para o ordenamento jurídico-comunitário, diga-se que o exercício do direito à dedução, em sede de IVA, consubstancia uma das principais características deste imposto, em conformidade, aliás, com o regime consagrado na Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17.5.1977), concretamente no seu art.º 17.º [que corresponde ao art.º 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA (vulgarmente denominada de "Diretiva IVA")], preceito que consagra as regras do exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos do exercício do referido direito.
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O direito comunitário é matriz e fundamento do Sistema Comum do IVA.
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Sendo que, o direito interno dos Estados-membros (o nacional e a tal propósito, basicamente explicitado acima) não pode conceber e adotar soluções legislativas que se mostrem em contravenção com a matriz a que todos devem obediência.
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O direito à dedução é elemento estruturante e basilar de funcionamento do IVA e, por princípio, não pode ser limitado ou simplesmente excluído, exceto nas situações previstas expressamente no normativo comunitário em vigor. Vejamos,
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O aludido Sistema Comum do IVA, já o dizia o art.º 2.º da Diretiva n.º 67/227/CEE (o que se mantém perfeitamente inalterado na atual Diretiva n.º 2006/112/CE) “(...) consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.”
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O cálculo do IVA pelos operadores económicos efetua-se através do designado método subtrativo indireto, em conformidade com o estabelecido no 2.º parágrafo do n.º 2 do art.º 1.º da atual Diretiva n.º 2006/112/CE - “Diretiva IVA” - nos seguintes termos: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
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O regime das deduções que enforma o Sistema Comum do IVA, visa, assim, desonerar inteiramente o empresário do imposto que suporte no âmbito de todas as suas atividades económicas, desde que, elas próprias, estejam efetivamente sujeitas a imposto. Como reiteradamente vem afirmando o TJUE: “O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA”. Neste sentido vejam-se Acórdãos do TJUE: - de 5.7.2018, Proc.C-320/17, Marie Participations; - de 2.5.2019, Proc. C-225/18, Grupa Lotos; - de 3.7.2019, Proc. C-316/18, The Chancellor, Masters and Scholars if the University of Cambridge; e - de 26.2.2020, Proc. C-630/19, PAGE International.
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O direito à dedução “constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.” (Cfr. Acórdão do TJUE de 14.6.2917, Proc. C-38/16, Compass Contract Services e ainda Acórdão do TJUE de 18.10.2018, Proc. C- 153/17, Volkswagen Financial Services).
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O regime comunitário das deduções tem consagração expressa na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (DIVA), entre outros, nos seus artigos 167.º, 168.º e 178.º, correspondentes aos artigos 17.º e 18.º da anterior Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA).
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O adequado exercício do direito à dedução exige a observância de requisitos objetivos e subjetivos, conforme estabelecido na legislação interna e acima se deu nota.
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No plano formal, a dedução do imposto relativo à aquisição de bens e serviços implica, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 178.º da DIVA, a posse de uma fatura emitida nos termos legais, isto é, contendo todos os elementos previstos na norma da diretiva relativa à faturação. De entre os requisitos objetivos, destaca-se que o imposto suportado deve constar de fatura ou documento equivalente, emitido em nome e sob a posse do sujeito passivo, cumprindo os requisitos legais dispostos, inter alia, nos artigos 36.º, n.º 5 e 40.º, n.º 2 do CIVA.
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Já quanto aos requisitos subjetivos, é indispensável que os bens ou serviços sejam adquiridos para os fins exclusivos da atividade económica, de modo que o custo suportado se repercuta na formação do preço final das operações tributáveis, em conformidade com o previsto no artigo 20.º do CIVA. Dispondo a alínea a) do art.º 168.º, da DIVA, no sentido de que, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem, em princípio, direito a deduzir o imposto devido ou pago relativo a esses bens ou serviços.
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É consabida a natureza do Imposto sobre o Valor Acrescentado enquanto tributo indireto de matriz comunitária, cuja incidência recai, em última análise, sobre o ato de consumo, devendo o seu funcionamento obedecer ao princípio da neutralidade fiscal.
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Essa neutralidade é garantida e concretizada pelo mecanismo de dedução do imposto, consagrado no Código do IVA e harmonizado com as diretrizes comunitárias, nomeadamente, a Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006, atualmente em vigor e que estabelece as bases do “Sistema Comum do IVA”.
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Repisando-se no sentido de que o mecanismo de dedução, designado também de método das faturas ou crédito de imposto, permite que o sujeito passivo deduza, por meio de operação aritmética de subtração, o imposto suportado na aquisição de bens e serviços (inputs) do imposto liquidado nas operações de venda e prestação de serviços (outputs), eliminando, assim, o efeito cumulativo ou de cascata.
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Para que se possa falar em dedutibilidade, é necessário que haja um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido e a operação tributável subsequente, de forma que os inputs estejam diretamente relacionados com os outputs sujeitos a imposto.
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Vem sendo reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) – por todos, veja-se o Acórdão vulgarmente conhecido como Caso BLP –, que tal relação deve ser “direta e imediata”, exigindo-se uma proximidade especial entre a utilização do bem ou serviço e a concretização ou efetivação de uma concreta operação tributável (operação ativa).
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Levando-se na devida conta o disposto no artigo 19.º do CIVA e em consonância com a interpretação do TJUE, nomeadamente a firmada no Caso Midland Bank (Acórdão de 8 de junho de 2000, Pº C-98/98) , no pressuposto de que o sujeito passivo desenvolve exclusivamente operações tributáveis, não se impõe, não obstante, a demonstração individualizada de tal nexo de causalidade para cada aquisição, bastando que o custo suportado se incorpore integralmente na formação do preço das operações ativas realizadas.
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A existência de uma relação “direta e imediata” entre os bens e serviços adquiridos a montante e as operações tributáveis a jusante, constitui um elemento essencial para o correto exercício do direito à dedução do IVA.
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Tal exigência implica que os inputs – ou seja, os bens e serviços adquiridos – se encontrem intrinsecamente vinculados às operações sujeitas a imposto, de forma a assegurar que o IVA suportado se incorpore efetivamente no preço final das operações e não se converta, de forma indevida, em custo adicional para o sujeito passivo.
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O conceito de “relação direta e imediata” exige, em primeiro lugar, uma ligação causal, i.e., que se estabeleça uma relação de proximidade especial entre a utilização dos bens ou serviços e a realização das operações tributáveis ativas.
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Não obstante e tal como já acima aventado, não sendo necessária a demonstração de tal nexo causal para cada transação de forma individualizada, o conjunto dos inputs deve integrar o custo das operações ativas realizadas. Nessa conformidade, se a operação a jusante for tributável, o imposto suportado na aquisição dos elementos a montante só é suscetível de desoneração se se demonstrar que esses elementos fazem parte integrante do custo repercutido para a formação do preço final, conforme preconiza o sistema de crédito de imposto previsto tanto no CIVA, quanto na Diretiva 2006/112/CE.
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A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem desempenhado um papel crucial na definição e delimitação do conceito de “relação direta e imediata”.
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No Caso BLP (Acórdão de 6 de abril de 1995, Pº C-4/94), por exemplo, o Tribunal enfatizou que a relação entre o input e o output deve ser não só direta, mas também imediata, implicando que a utilização dos bens ou serviços adquiridos esteja intimamente ligada à realização das operações tributáveis.
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Essa abordagem foi reforçada pelo Acórdão Midland Bank (Acórdão de 8 de junho de 2000, Pº C-98/98), no qual o TJUE concluiu que, quando o sujeito passivo se dedica exclusivamente a operações tributáveis, a necessidade de se demonstrar uma conexão individualizada entre cada despesa e cada operação é dispensada, desde que se verifique a incorporação integral dos custos na formação do preço das operações ativas.
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Em suma, a exigência de uma relação direta e imediata tem como objetivo preservar a neutralidade do IVA, garantindo que o imposto suportado a montante não se converta em custo efetivo para o contribuinte. Essa interpretação, consolidada na doutrina e na jurisprudência do TJUE, reforça que apenas as despesas diretamente relacionadas à atividade tributada devem beneficiar do direito à dedução, sendo vedadas quaisquer imposições que possam levar à distorção do sistema do IVA, comprometendo o seu caráter não cumulativo e a neutralidade e equidade fiscal.
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Ainda assim, repise-se, de acordo com a jurisprudência que vem sendo firmada pelo TJUE, não é imperativo que se comprove, de forma individualizada, uma relação “direta e imediata” entre cada aquisição de bens ou serviços (inputs) e cada operação tributável (output).
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Em vez disso, o que se exige é que exista, de forma funcional, uma correlação causal entre o conjunto das despesas realizadas e as operações tributáveis desenvolvidas, de modo que o custo suportado se incorpore integralmente na formação do preço das operações ativas.
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Essa interpretação encontra respaldo, nomeadamente, no já citado Acórdão Midland Bank, onde o TJUE concluiu que, quando um sujeito passivo se dedica exclusivamente à realização de operações tributáveis, não se impõe a demonstração específica de um nexo individualizado para cada transação. Basta que se verifique que os custos incorridos em aquisições a montante são, de facto, repercutidos na formação dos preços das operações sujeitas ao imposto. Assim, a exigência do Tribunal centra-se na necessidade de se constatar que as despesas estão integradas e refletem, de forma adequada, o encargo do IVA na cadeia de produção e distribuição, preservando, assim, a neutralidade fiscal do imposto.
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Intuindo-se daqui que ao invés de se exigir um vínculo estrito, “direto e imediato”, com uma concreta operação ativa tributável em sede de IVA, o TJUE exige que se comprove, no âmbito global da atividade do contribuinte, a existência de um nexo causal suficiente que assegure a dedutibilidade do IVA suportado, conforme demonstrado pela plena repercussão dos custos no preço final das operações tributáveis.
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No âmbito da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, tem-se reconhecido que o direito à dedução do IVA pode ser aplicado até mesmo em situações relativas a atividades preparatórias, ou seja, aquelas realizadas com vista à futura execução de operações tributáveis, ainda que, por si só, tais atividades não venham a resultar em operações sujeitas a imposto.
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Em particular, no contexto da gestão de participações sociais, o Acórdão do TJUE de 14 de fevereiro de 1985, caso Rompelman, evidencia que o contribuinte pode deduzir o IVA suportado em despesas preparatórias, desde que estas se destinem a viabilizar a atividade econômica futura, mesmo que não se concretize imediatamente uma operação tributada. Essa interpretação reforça a lógica subjacente ao princípio da neutralidade fiscal, permitindo que os custos inicialmente suportados não representem um encargo efetivo, mas sejam considerados parte integrante do investimento destinado à realização de operações tributáveis.
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Assim sendo, meridianamente se conclui que o direito à dedução em IVA possui uma amplitude tal que abrange inclusive as chamadas atividades preparatórias – aquelas realizadas com a finalidade de viabilizar futuras operações tributáveis – independentemente de estas, porventura, virem a concretizar-se ou não. E tanto assim que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia é clara ao afirmar que o direito à dedução deve ser concedido também no que concerne às atividades preparatórias, sem que seja exigido que estas já tenham originado operações tributáveis.
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Essa abordagem visa não prejudicar o sujeito passivo que, no âmbito da sua atividade económica, incorre em despesas que se destinam à preparação ou ao investimento necessário para o desenvolvimento futuro das operações sujeitas a imposto, tal como pode ocorrer, v.g., no âmbito de uma concreta operação de aquisição de participações sociais que pressuponha a aquisição da totalidade de uma sociedade participada por parte de uma sociedade dominante para sobre ela interferir nas normais operações de gestão e administração. E uma vez adquirido o direito à dedução, este subsiste, mesmo que a atividade económica projetada não venha, eventualmente, a dar origem a operações tributáveis ou que o sujeito passivo, por motivos alheios à sua vontade, não consiga utilizar os bens ou serviços que fundamentaram a dedução. Assim, o contribuinte não deve ser penalizado pela eventual não frutificação imediata da atividade para a qual os inputs foram adquiridos.
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Em síntese, o direito à dedução, consagrado tanto na legislação nacional – especialmente no Código do IVA – quanto nas disposições da Diretiva 2006/112/CE, revela-se como um princípio basilar que assegura a não verificação de efeitos cumulativos do IVA e a neutralidade fiscal dos sujeitos passivos. A proteção conferida a esse direito, corroborada pela rigorosa interpretação do TJUE, impõe que quaisquer restrições à sua aplicação sejam interpretadas de forma restritiva, preservando o conteúdo essencial do sistema do IVA e garantindo que os custos inerentes à atividade económica não sejam indevidamente tributados.
§ 2.º
afloramentos sobre o conceito de atividade económica
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A qualificação da aquisição de participações sociais por parte de uma sociedade dominante – nomeadamente quando esta detém 100% do capital da participada – exige, para efeitos de enquadramento em sede de IVA, uma análise à luz do conceito de “atividade económica”, tal como definido no ordenamento jurídico nacional e comunitário.
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Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112/CE, considera-se sujeito passivo “qualquer pessoa que exerça, de forma independente, uma atividade económica”, sendo esta entendida, nos termos do segundo parágrafo da mesma norma, como “todas as atividades de produtor, comerciante ou prestador de serviços, designadamente as atividades extrativas, agrícolas e das profissões liberais, incluindo a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência”. Esta definição foi transposta para o direito interno no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA (CIVA), que sujeita a imposto as transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.
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A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem reiterado que a mera aquisição e detenção de participações sociais, mesmo que total, não constitui, por si só, uma atividade económica para efeitos de IVA.
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Esta posição encontra-se expressamente afirmada no Acórdão Polysar (C-60/90), em que o TJUE concluiu que uma sociedade que apenas detém participações sociais não realiza uma atividade tributável, mas apenas uma aplicação de capitais, ficando, por conseguinte, fora do campo de aplicação do imposto. Este entendimento foi reiterado nos acórdãos Sofitam (C-333/91) e Wellcome Trust (C-155/94).
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Contudo, o TJUE tem igualmente afirmado que a aquisição de participações sociais poderá ser qualificada como atividade económica se for acompanhada de uma interferência direta ou indireta na gestão das sociedades participadas, concretizada através da prestação de serviços sujeitos a IVA. Esta condição foi inicialmente desenvolvida no Acórdão Harnas & Helm (C-80/95) e posteriormente sistematizada nos casos Floridienne e Berginvest (C-142/99), Cibo Participations (C-16/00), Portugal Telecom (C-496/11), e SKF (C-29/08).
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Nestes casos, entende o TJUE que a prestação de serviços administrativos, técnicos, contabilísticos, financeiros ou comerciais às participadas, ainda que mediante refaturação de custos, configura uma atividade económica, desde que tais serviços sejam realizados a título oneroso e estejam sujeitos a IVA nos termos do artigo 2.º da Diretiva 2006/112/CE.
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Esta qualificação permite, por conseguinte, reconhecer à sociedade dominante a qualidade de sujeito passivo de IVA e, nessa medida, conferir-lhe o direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços a montante, nos termos do artigo 168.º da Diretiva IVA e do artigo 20.º do CIVA.
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No que se refere especificamente à aquisição de participações, enquanto operação juridicamente passiva, o TJUE tem considerado que os encargos incorridos nesse âmbito – tais como honorários de consultores jurídicos e financeiros – não se encontram diretamente associados a uma operação ativa e tributável. Todavia, esses encargos podem ser considerados despesas gerais da atividade económica da sociedade dominante, desde que esta, por via da detenção da participação, venha a exercer uma atividade de gestão ativa da participada, através da prestação de serviços sujeitos a IVA.
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É essa a ratio decidendi do Acórdão Cibo Participations, no qual se decidiu que, mesmo na ausência de uma relação direta e imediata entre os inputs e operações tributadas específicas, se os custos forem integrados nas despesas gerais do sujeito passivo e incorporados nos preços das operações, poderá reconhecer-se o direito à dedução integral do IVA.
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Na mesma linha, o TJUE afirmou no Acórdão Portugal Telecom (C-496/11) que o facto de os serviços de consultoria adquiridos a montante serem depois refaturados com IVA às participadas permite concluir que tais custos têm um nexo direto e imediato com a atividade tributável, não sendo possível denegar o direito à dedução com fundamento no objeto social da sociedade ou na qualificação das suas operações como acessórias. Enfoque-se aqui a circunstância de o direito à dedução não poder ser negado com fundamento no objeto social da sociedade adquirente dos serviços cujo IVA está em discussão. É que, como veremos adiante, parece ser este também um argumento esgrimido pela Requerida e que, não pode deixar de ser apreciado à luz do que a tal propósito se diz naquela decisão do TJUE.
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Em jeito de conclusão e sem necessidade de mais considerações, se dirá que conforme decorre da jurisprudência do TJUE citada e dos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 23.º do CIVA, o IVA suportado pela sociedade dominante com a aquisição de participações sociais será, em princípio, dedutível nas seguintes condições: i) Integralmente, quando a sociedade apenas realize operações tributáveis ou quando os custos integrem despesas gerais afetas à atividade tributável (cfr. Kretztechnik, C-465/03); ii) Parcialmente, quando a sociedade realize concomitantemente operações isentas ou não sujeitas e operações tributáveis, aplicando-se, então, o art.º 23.º do CIVA e o art.º 173.º da Diretiva IVA.
§ 3.º
Apreciação do caso concreto submetido a julgamento
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A determinação do âmbito de aplicação objetiva do IVA, nomeadamente no que respeita à identificação das atividades económicas suscetíveis de se subsumirem no âmbito das regras de sujeição a imposto e bem assim como no que tange à questão do exercício do direito a dedução, suscita questões interpretativas relevantes, concretamente e no contexto do presentes autos e como veremos adiante, também no domínio das relações intragrupo de concretos operadores económicos.
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In casu, suscita-se a questão sobre a qualificação das sociedades para efeitos de incidência do imposto que, embora não sendo formalmente SGPS’s, detêm participações em outras sociedades e lhes prestam serviços de carácter oneroso, ou seja, em que é exigida uma contraprestação pelos serviços prestados pela sociedade dominante às suas participadas, in casu, tão-só, uma participada detida a 100% pela Requerente.
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Analisemos, então, esta temática à luz da jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça da União Europeia acima sobejamente enunciada, mas com especial enfoque no Acórdão do TJUE de 29 de abril de 2004, Processo n.º C-77/01, caso EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro, em articulação com o regime interno previsto no Código do IVA e também com o sistema comum do IVA previsto na Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA).
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Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, da Diretiva IVA, considera-se sujeito passivo “(...) qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade.” Por outro lado, o mesmo normativo comunitário conceitua “actividade económica” referindo: “[E]ntende-se por «actividade económica» qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.”
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No ordenamento jurídico interno, o artigo 2.º, n.º 1, do CIVA, determina que estão sujeitas a imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo agindo como tal, sendo que, nos termos do n.º 1, alínea a) do artigo 4.º do mesmo diploma, é considerado sujeito passivo quem exerça, de forma independente e com caráter de habitualidade, uma atividade económica, compreendendo “(...) actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC);”
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O artigo 19.º, n.º 1, do CIVA consagra, por sua vez, o direito à dedução do imposto suportado nos bens e serviços adquiridos quando estes sejam, direta ou indiretamente, utilizados para o exercício de operações tributadas.
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Adequado se mostra trazer aqui à colação o já referido Acórdão do TJUE de 29 de abril de 2004, Processo C-77/01, caso EDM, que era uma sociedade anónima portuguesa que detinha participações em várias entidades e lhes prestava serviços de gestão, administrativos e técnicos, mediante remuneração contratualmente estipulada. A Autoridade Tributária e Aduaneira recusou o direito à dedução do IVA suportado, com fundamento na circunstância de a mera detenção de participações sociais não configurar atividade económica sujeita a tributação em sede de IVA – argumentário igualmente usado pela Requerida no presente dissídio.
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Não obstante, o TJUE, na citada decisão, veio a distinguir entre a mera detenção de participações, que é uma atividade de natureza patrimonial, e a prestação efetiva e remunerada de serviços, que constitui atividade económica.
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Assim, quando a sociedade dominante intervém ativamente na gestão das suas participadas, através da prestação de serviços retribuídos, exerce uma atividade económica subsumível no âmbito da incidência objetiva do IVA, donde, deve ser considerada sujeito passivo de IVA, com direito à dedução do imposto suportado nos inputs em que incorreu e ligados, direta ou indiretamente, à realização de operações tributadas pela sociedade dominante.
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Importando não olvidar que o TJUE não exigiu a qualificação da sociedade como SGPS, nem valorizou, como visto, o seu objeto social formal, adotando antes uma abordagem objetiva centrada na efetiva realização de operações económicas.
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Tal como resulta do ponto B) do probatório, a Requerente é uma sociedade que tem por objeto social “ A Fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, nomeadamente a de lacticínios, e ainda a importação e exportação” e, mais tarde, a “a fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, nomeadamente a de lacticínios, e ainda a sua importação e exportação; subscrição, aquisição, alienação, detenção, gestão e oneração de participações noutras sociedades, mesmo quando reguladas por leis especiais, ainda que o objeto social dessas sociedades não tenha qualquer relação, direta ou indireta, com o seu; e a prestação de serviços de apoio à gestão, consultoria e afins”
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Por outro lado, dos autos resulta que “(...) a atividade industrial relativa à fabricação, preparação e comercialização de ingredientes e outros produtos para a indústria alimentar, apesar de previsto no objecto social acima descrito, não chegou a ser efetivamente desenvolvida. A Requerente tem vindo a desenvolver, tão-só, a atividade de gestão ativa das participações sociais que detém na sua participada a 100%, à qual, aliás, presta serviços de gestão e de consultoria.”
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Independentemente da questão do objeto social e até dos elementos cadastrais que constam das bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, resulta inequivocamente provado nos autos que a actividade efetivamente exercida pela aqui Requerente se cinge à da gestão (ativa) das participações sociais que detém.
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A referência na resposta da Requerida à circunstância da Requerente não haver exercido a actividade industrial constante do seu objeto societário e de se limitar a gerir as participações sociais que detém na sua participada, parece querer fazer valer o critério que resulta da aplicabilidade do princípio da especialidade do fim - teoria ultra vires, ou seja, parece entender que só ficava legitimada a verificação dos requisitos de ordem objetiva e subjetiva (acima sobejamente referidos), se a actividade constante do objeto fosse efetivamente realizada, i.e., atendendo a que a aqui Requerente não exercia, de facto, a actividade industrial constante do seu objeto, ipso facto, não levava à prática actividade económica, donde, não se mostravam verificados os requisitos de ordem objetiva e subjetiva em sede de IVA, pelo que, não esta legitimada a desoneração do IVA suportado nas prestações de serviços que contratou com terceiros e que estão aqui a ser sindicadas. Parece ser este o iter interpretativo perscrutado pela Requerida.
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Contudo, o afastamento de uma tal hermenêutica só pode resultar da própria conceção do fim das sociedades comerciais (que se consubstancia na prossecução de finalidades lucrativas). Nas sociedades comerciais a prossecução de fins lucrativos consubstancia o fim necessário daquelas, i.e., é pressuposto da sua constituição e, além disso, é o garante da sua existência jurídica (subsequentemente à constituição) como sociedades comerciais. Podendo perspetivar-se um fim mediato, consubstanciado na realização de finalidades lucrativas e um fim imediato (ou objeto social) materializado na própria actividade desenvolvida pela sociedade e já não naquilo que os estatutos da sociedade prescrevem a propósito do objeto do concreto ente societário.
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Sendo a capacidade das sociedades comerciais, para todas sem exceção, determinada em função das aludidas finalidades lucrativas prosseguidas obviamente por aquelas, daí resulta que, necessariamente, essa capacidade seja genérica e não especifica, apenas restringida pela existência de direitos e obrigações que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular[1].
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Isto dito e para se determinar quais os direitos e obrigações que, em concreto, se podem atribuir a uma sociedade comercial, basta determinar o seu fim mediato, ou seja, a realização do lucro.
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E uma vez que o fim mediato daquelas tem necessariamente em vista o desenvolvimento de actividades com finalidade lucrativa, pode concluir-se que a capacidade das sociedades comerciais em geral é delimitada, de modo indireto, em função da suscetibilidade de gerar quaisquer actividades que tenham por fito o lucro, ou seja, que possam encerrar escopo lucrativo e já não e somente com base no concreto objeto social que está delineado nos seus estatutos.
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Ora, assim sendo, quando na Resposta a Requerida traz à colação a questão do objeto social não realizado e enfoca a circunstância da Requerente realizar, tão-só, prestações de serviços de gestão e consultoria à sua participada, numa tentativa de daí se retirar que aquela não reúne, por isso, os pressupostos de incidência objetiva e subjetiva do IVA, por não estar a realizar qualquer actividade económica que legitimasse o exercício do direito à dedução do IVA suportado nas aquisições de serviços que efetivou, só se pode estar a laborar em erro grosseiro no entendimento deste Coletivo.
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Repisando-se no sentido de que o que é relevante para se aferir sobre o exercício ou não de actividades sujeitas a tributação, não é a descrição do objeto, mas sim o objeto mediato, ou seja, a efetiva realização de uma ou mais das actividades de sociais com fito lucrativo; concatenando-o com o objeto imediato das sociedade em causa, materializado na concreta actividade social desenvolvida e já não para aquilo que prescreve a propósito do objeto da sociedade, i.e., independentemente das concretas actividades desenvolvidas pela sociedade estarem ou não expressas no texto do respectivo objeto social e até do concreto objeto ali descrito estar ou não a ser realizado.
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É da associação objeto mediato versus imediato que se pode extrair asserção sobre se as actividades societárias concretamente desenvolvidas por um sujeito passivo estão ou não sujeitas a IVA.
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O que aqui se pretende realçar é que, em face da lei, a realização de uma qualquer actividade societária que tenha escopo lucrativo (como é aqui o caso), independentemente da descrição do objeto social descrito ou até de se saber se esse objeto está a ser levado à prática ou não, é a atividade concretamente realizada que tem de ser considerada para efeitos de sujeição ou não a IVA.
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Isto dito, o Tribunal Arbitral Coletivo entende que não tem nenhuma relevância para efeitos de se aferir se as actividades prosseguidas pela aqui Requerente estão ou não sujeitas a IVA, a circunstância daquela não haver realizado a actividade industrial que está prevista no seu objeto social, sendo que, em face da jurisprudência comunitária que vem sendo firmada a tal propósito, diga-se, em jeito de afirmação de princípio, que tendo a aqui Requerente adquirido 100% do capital social da sua participada e realizando a título oneroso prestações de serviços de gestão e consultoria que dirige àquela, não pode deixar de ser considerada sujeito passivo de IVA que efetivamente leva à prática actividade económica sujeita a imposto. Senão vejamos,
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A decisão no caso EDM (Acórdão de 29 de abril de 2004, Pº C-77/01), insere-se numa linha jurisprudencial coerente emanada do TJUE, de que fazem também parte os Acórdãos Cibo Participations (Acórdão de 27 de setembro de 2001, Pº C-16/00) e Larentia + Minerva (Acórdão de 16 de julho de 2015, Processos C-108/14 e C-109/14), segundo os quais a prestação de serviços onerosos por parte de uma sociedade dominante às suas participadas é suficiente para configurar uma atividade económica, mesmo que essas participações sejam totais e que os serviços sejam prestados exclusivamente a entidades do grupo.
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O TJUE tem reiterado que é indiferente, para efeitos de sujeição a IVA, que os serviços sejam prestados exclusivamente a empresas participadas, desde que o caráter oneroso e efetivo da prestação esteja demonstrado.
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Este entendimento é claramente compatível com o disposto no artigo 4.º do CIVA, que consagra um critério objetivo de aferição da atividade económica e reforça o direito à dedução previsto no artigo 19.º, quando estejam preenchidos os requisitos de utilização dos bens e serviços em operações tributadas.
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O Acórdão EDM (Acórdão de 29 de abril de 2004, Pº C-77/01) constitui uma importante clarificação sobre a qualificação de atividades económicas para efeitos de IVA. Rejeita uma abordagem formalista baseada na natureza jurídica da sociedade prestadora, e adota um critério objetivo baseado na efetividade e onerosidade das prestações de serviços.
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Assim sendo, mesmo na ausência do estatuto de SGPS, uma sociedade dominante que presta serviços retribuídos a uma participada, exerce, de facto, uma atividade económica para efeitos de IVA (verificando-se, assim, os requisitos de ordem objetiva da incidência do imposto), pelo que, deve ser considerada sujeito passivo de IVA (verificando-se também os requisitos de ordem subjetiva da incidência do imposto) em conformidade com o disposto no art.º 4.º do CIVA, com pleno direito à dedução do imposto suportado, nos termos conjugados dos artigos 2.º, 4.º e 19.º do CIVA e do artigo 9.º da Diretiva 2006/112/CE.
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Acrescendo dizer que, in casu, o Tribunal Arbitral Coletivo entende, com respaldo na jurisprudência emanada do TJUE, que esta exerce, de facto, a actividade de gestão de participações sociais, prestando à sua participada D... efetivos serviços de gestão e consultoria.
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Parece claro que a Requerente não se limitou a adquirir e a deter participações sociais, tendo na D... uma interferência ativa na gestão daquela sua participada. Vejamos,
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A aquisição, por uma sociedade dominante, da totalidade do capital social de uma participada – isto é, a detenção de 100% das suas participações sociais – levanta uma questão fulcral: a de saber se tal operação, nos moldes em que foi efetivada, contribui para que se possa percecionar a adquirente como sujeito passivo de IVA, com pleno direito à dedução do imposto suportado nas despesas incorridas com essa aquisição.
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Esta problemática impõe-se sobretudo quando se visa ultrapassar a dicotomia entre a “mera detenção de participações sociais” e o exercício efetivo de uma “atividade económica”, na aceção do artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA) e do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA).
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A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem sido clara ao distinguir duas realidades: i) a mera detenção de participações sociais, que se traduz numa aplicação de capital fora do âmbito de incidência do IVA (Polysar, C-60/90; Sofitam, C-333/91), e ii) a gestão ativa dessas participações, que constitui atividade económica, na medida em que implique a prestação de serviços às participadas (Cibo Participations, C-16/00; Floridienne/Berginvest, C-142/99; Portugal Telecom, C-496/11).
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Ora, o Tribunal não pode deixar de reconhecer que a aquisição da totalidade do capital social de uma empresa (in casu, a participada) confere à sociedade adquirente (dominante) um poder absoluto de controlo, permitindo-lhe intervir de forma estruturante na condução estratégica, operacional e financeira da participada.
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A partir do momento em que essa participação de 100% no capital social da participada é firmada, o poder de decisão da dominante sobre a participada deixa de ser meramente potencial para se concretizar numa capacidade de interferência efetiva, ainda que exercida por via indireta.
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Tal circunstancialismo reveste-se de especial importância quando a sociedade dominante passa a dirigir, coordenar e controlar a participada, nomeadamente através da designação dos seus órgãos sociais, da aprovação das suas contas, da determinação da sua política económica ou da prestação de serviços de apoio à gestão (jurídicos, administrativos, financeiros ou informáticos).
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A este propósito, pode inferir-se da decisão arbitral proferida no Processo n.º 269/2017-T, que o Tribunal reconheceu que, quando a sociedade adquirente passa a deter a totalidade das participações de uma participada e, nessa sequência, intervém ativamente na sua gestão, deve ser qualificada como “holding dominante ativa”, e, por conseguinte, como sujeito passivo de IVA. Intuindo-se também daquela decisão arbitral que a aquisição de participações, ainda que por si só seja um ato passivo, adquire natureza económica sempre que esteja integrada numa estratégia de gestão e exploração ativa do grupo, com prestação efetiva de serviços onerosos à participada.
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O controlo integral obtido pela sociedade dominante com a aquisição de 100% das participações sociais, não se reduz à titularidade jurídica da totalidade das participações, mas opera uma transformação substancial na sua esfera jurídica e funcional, passando a integrar o núcleo das decisões relevantes da participada.
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O exercício desse controlo, mesmo que efetivado indiretamente, através da nomeação de gerência; da aprovação de orçamentos e da implementação de políticas de grupo, configura uma atuação típica de operador económico nos termos do artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva IVA, em linha com o critério funcional perfilhado pelo TJUE.
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Neste contexto, o TJUE tem reafirmado que a prestação de serviços às participadas, ainda que apenas consistentes na refaturação de custos com serviços de consultoria ou administração, configura operações sujeitas e não isentas de IVA (cfr. Caso Portugal Telecom, §43-44), permitindo, por conseguinte, o exercício pleno do direito à dedução do imposto suportado a montante, incluindo o IVA incidente sobre despesas com consultoria e assessoria jurídica relativas à aquisição das participações.
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Não se trata, portanto, in casu, de uma aquisição meramente passiva, nem de uma operação isolada de investimento financeiro, mas de uma clara manifestação de atividade económica, com objetivos empresariais concretos, em que a sociedade dominante atua como operador económico no exercício de funções de gestão e coordenação no âmbito de um grupo de sociedades.
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Em suma, a aquisição por parte da Requerente de uma participação social de 100% da D..., SA, revela intenção de aquisição do controlo da empresa consistindo só por si uma atividade económica e suscetível de justificar a ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas.
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Ainda que assim se não entenda tais despesas sempre teriam de cair no conceito de despesas gerais.
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O sistema comum do IVA, tanto a nível comunitário como nacional, impõe o respeito pelo princípio da neutralidade fiscal: as despesas relacionadas com o exercício de uma actividade económica, são, em regra, dedutíveis, desde que se possa perspetivar que têm uma relação direta com a actividade do sujeito passivo. A tal propósito reitera-se aqui tudo quanto acima se enunciou.
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Assim, fundado o presente Coletivo no artigo 168.º da Diretiva 2006/112/CE e com respaldo na interpretação consolidada do TJUE, é patente que a mera aquisição de participações sociais não configura, por si só, uma actividade económica. Não obstante, nos casos em que a sociedade dominante adquire uma participação social de tal modo relevante que lhe permite o controlo total da participada e se verifica a prestação ativa de serviços de gestão, consultoria e administração à participada, passa a poder perspetivar-se a existência da necessária actividade económica que justifica, em sede de IVA, a desoneração do imposto incorrido na aquisição de inputs ligados, ainda que indiretamente, ao exercício de tal actividade.
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Os custos incorridos na aquisição de serviços que, mesmo inicialmente vinculados à aquisição de participações, agregam-se, ainda que de forma indireta, à formação do preço de serviços de gestão (efetivos e contínuos), enquadrando-se como despesas gerais essenciais ao funcionamento da actividade económica do sujeito passivo (in casu, a aqui Requerente).
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A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) oferece-nos fundamentos sólidos que, no entendimento do Coletivo, corroboram a dedutibilidade do IVA em situações análogas às que estão em causa na questão sub judicio. Vejamos: i) Acórdão Cibo Participations (Processo C‑16/00): Este caso ilustra que a despesa com serviços relacionados com a gestão de participações sociais integra o custo da actividade económica, justificando a dedução do IVA, ainda que tais serviços estejam inseridos num contexto envolvendo a aquisição de participações sociais; ii) Acórdão Kretztechnik (Processo C‑465/03): Reforça a ideia de que os serviços preparatórios e de apoio à execução de operações que visam a realização de actividade tributada integram as despesas gerais, sendo, assim, dedutíveis; iii) Acórdão Ryanair (C‑249/17): A decisão que recaiu sobre este caso reflete a situação em que, mesmo quando o objetivo projetado não se concretiza, o IVA suportado na preparação de operações económicas – desde que o objetivo fosse prestar serviços de gestão de participações sociais à participada – deve ser integralmente dedutível; iv) Acórdão Sonaecom (Processo C‑42/19): Confirma que sociedades holdings que exercem interferência ativa na gestão das suas participadas podem deduzir o IVA suportado em serviços que, embora relacionados à aquisição de participações, contribuem de forma concreta para a realização de operações sujeitas a IVA.
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Esta posição interpretativa está ainda sintonizada com o entendimento sobre esta temática que vem sendo firmado pelos tribunais nacionais e cujas decisões têm reiterado a necessidade de, nalguns casos, se reconhecer o carácter económico das actividades desenvolvidas pelas sociedades holdings. Vejamos: i) Acórdão do TCAS de 17.01.2019, Processo n.º 552/17.6BESNT: Este acórdão concluiu que a prestação de serviços de gestão e consultoria, mesmo quando vinculada à aquisição prévia de participações, constitui actividade económica, autorizando a dedução do IVA suportado. No sumário daquele arresto diz-se: “[I.] Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais.”; ii) Acórdão do STA de 28.04.2021, Processo n.º 02521/07.5BEPRT: Reitera-se o entendimento de que, comprovada a prestação de serviços destinados à administração e gestão das participadas, é possível a dedução do IVA, uma vez que os custos se incorporam ao “output” da actividade económica do sujeito passivo. Naquela decisão sumariza-se como segue: “[I] - De acordo com a jurisprudência do TJUE, vertida no acórdão de 12 de Novembro de 2020 (proc. C-42/19) “O artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, bem como o artigo 17.”, n.ºs 5 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/3881CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding mista cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado suportado a montante na aquisição de serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à aquisição de participações sociais noutra sociedade, incluindo quando essa aquisição tenha acabado por não se concretizar”; e, finalmente, iii) A decisão Arbitral tirada no Processo 269/2017-T.
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Este Acórdão reiterou que a atividade de aquisição de participações sociais, per se, não confere direito à dedução do IVA, mas que esse direito deve ser reconhecido quando a aquisição se inscreve numa lógica de prestação de serviços à participada. Foi ainda salientado que, mesmo que os serviços não tenham sido ainda iniciados, a intenção de os prestar, aliada a elementos objetivos e concretos (como contratos, planos de negócio ou correspondência interna), é suficiente para fundar o direito à dedução. A decisão reforça a ideia de que não deve ser negado o exercício do direito à dedução com base numa análise meramente formal ou na ausência de receitas no momento da dedução. E tal como dito acima, podendo inferir-se daquela decisão arbitral o reconhecimento pelo Tribunal de que, quando a sociedade adquirente passa a deter a totalidade das participações de uma participada e, nessa sequência, intervém ativamente na sua gestão, deve ser qualificada como “holding dominante ativa”, e, por conseguinte, como sujeito passivo de IVA. Intuindo-se também daquela decisão arbitral que a aquisição de participações, ainda que por si só seja um ato passivo, adquire natureza económica sempre que esteja integrada numa estratégia de gestão e exploração ativa do grupo, com prestação efetiva de serviços onerosos à participada.
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Podemos dizer que, embora com as devidas adaptações, porque não estamos perante uma holding, as despesas apresentadas ainda que titulem os inputs ligados à aquisição de participações sociais, estamos a falar no valor de 100% das participações sociais adquiridas à D..., SA, o que lhe permite intervir, ainda que de forma indireta, na gestão do Grupo B..., através da disponibilização de serviços de consultadoria, definição de estratégias de investimento, etc.. (Ver essencialmente pontos “P” e “Q”. do probatório).
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Com efeito, no mínimo, não podemos deixar de considerar que tais custos foram incorridos e podem bem ser considerados como sendo despesas gerais que concorrem para a realização de operações ativas da Requerente e que são exatamente as prestações de serviços de administração e gestão que aquela vem realizando à sua participada. Neste sentido, de que estamos perante despesas gerais, traga-se aqui à colação a jurisprudência firmada pelo TJUE e acima sobejamente explicitada, referindo-se, por todos, o Acórdão do TJUE tirado no âmbito do Processo n.º C-16/00, Caso CIBO.
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Não se acompanha, assim, a posição da Requerida e que vai no sentido de ter de existir uma (necessária) relação entre custos incorridos a montante e a realização de operações ativas não pode colher face à jurisprudência do TJUE acima invocada e que aqui se deve considerar reiterada.
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Além de que a questão primacial da prova de interferência direta da Requerente na gestão da subsidiária, pode buscar-se, desde logo, no tipo de relacionamento entre a sociedade dominante e a participada, consubstanciado na aquisição da totalidade das participações sociais (matéria sobejamente tratada acima e que aqui deve ser repristinada) e ainda no facto do RIT relatar circunstancialismo que prova tal interferência: tal como é dito no art.º 41.º do PPA, os Serviços de Inspeção Tributária não só não questionaram a realização das prestações de serviços de gestão levadas à prática pela Requerente à D... como até a reconhecem/confirmam nos pontos IV.2 e IV.4 do RIT.
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Ademais, a fatura n.º DR 4304/2021090021/2021-03-31, junta ao PPA como Doc. n.º 4, não obstante emitida em 31-03-2021, diz, na parte reportada ao descritivo, que ela titula serviços de gestão e administração respeitantes ao período de Maio a Dezembro de 2020. Acrescendo dizer que o Doc. n.º 5 junto ao PPA contém três faturas que titulam os mesmos serviços de gestão e administração para os períodos de 2021, 2022 e 2023.
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Isto dito, o Coletivo considera que tais serviços de gestão e consultoria vêm sendo efetivamente realizados pela Requerente à sua participada D... e está provada a sua realização nos autos.
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Sustentando ainda o Coletivo que não deve relevar a circunstância da fatura DR 4304/2021090021/2021-03-31 só ter sido emitida em 31.03.2021. É que o contrato junto ao PPA como Doc. n.º 3 já estava em execução no ano de 2020. Ademais e tal como resulta da jurisprudência Ryanair (Processo n.º C-249/17) e até do caso Sonaecom (Processo C-42/19), decisões do TJUE igualmente invocadas pela Requerente nos art.ºs 88.ºe 89.º do seu PPA, se a Requerente tinha por fito uma interferência ativa na gestão da sua participada no momento em que adquiriu as participações sociais (e, entende o Tribunal, tinha, face ao acima exposta a tal propósito), então, o IVA que suportou a montante e ligado à aquisição dessas participações sociais é desde logo dedutível (dedução integral e imediata) mesmo que se verificasse ulteriormente que essa actividade económica não teria vindo sequer a ser realizada, na medida em que as despesas teriam de se considerar incorridas em função de actividade económica projetada que não veio a efetivar-se. Ora, in casu, a actividade económica de gestão e administração da sociedade participada não só veio a ocorrer (não é actividade meramente projetada) como vem sendo regularmente efetivada, realizando-se as operações ativas que estão tituladas nos Doc. n.ºs 4 e 5 juntos ao PPA, donde, por maioria de razão, o IVA suportado na aquisição dos serviços a montante da realização dessas prestações de serviços aqui em causa (e que está a ser controvertido pela AT), é, do ponto de vista do Coletivo, efetivamente, suscetível de desoneração (integral e imediata) no momento em que foi incorrido.
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Nessa conformidade, considera o tribunal que os autos demonstram a realização de efetivas prestações de serviços à sua participada por parte da Requerente. Senão vejamos,
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Já em 2020, os serviços de consultoria e gestão haviam sido prestados à D..., conforme evidenciado pelo contrato junto ao PPA como Doc. n.º 3 e pela emissão de faturas relativas ao exercício desse mesmo ano. Tal circunstancialismo não pode deixar de comprovar que, desde o momento da aquisição das participações, a Requerente assumiu uma função ativa de administração e gestão na sua participada; sendo que, antes desse momento, ou seja, quando incorreu nos custos cuja dedutibilidade do IVA aqui se discute, já a Requerente tinha por fito que tal incorrência se ligaria à tomada firme das participações sociais da futura participada e, nessa decorrência, à sua interferência na gestão da mesma.
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E tal função ativa de administração e gestão na sua participada teve continuidade nos anos subsequentes, ou seja, as faturas emitidas para períodos posteriores (conforme os documentos identificados como n.ºs 4 e 5 e juntos ao PPA) evidenciam que essa actividade não se limitou a um episódio isolado e limitado reportado ao ano de 2020. A prestação contínua e sistemática dos serviços de gestão firmou-se ao longo dos anos e reforça, por isso, o argumento de que os custos incorridos (e cujo IVA se pretendia dedutível), integram, ainda que de forma indireta, a formação do preço dos serviços prestados à participada, consolidando o carácter de despesa geral vital a que se possa perspetivar a existência de actividade económica subsumível no âmbito da incidência do IVA, bem ao invés do que a Requerida pretendia fazer valer na sua Resposta.
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A participação de 100% no capital social da participada e o controlo total que lhe está subjacente; a apresentação de um contrato em execução desde 2020 (Cf. Doc. n.º 3 junto ao PPA); a apresentação de faturas que estão a titular a realização de prestações de serviços de gestão à participada no ano de 2020 e nos anos subsequentes; somada ao reconhecimento, por parte dos serviços de Inspeção Tributária (no RIT), da execução dos serviços de administração e gestão, não podia, do ponto de vista do Coletivo, deixar de afastar possa colher a alegação da ausência de actividade económica, donde, da ligação dos inputs aqui em causa ao exercício de actividades não sujeitas e, por isso, não suscetíveis de desoneração quanto ao IVA suportado nas mesmas.
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Tais elementos comprovam, de forma robusta, a interferência ativa na gestão da D..., o que, por si só, não podia deixar de autorizar a dedução do IVA suportado e aqui sindicado.
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Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.
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E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunais nacionais dos Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL .
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E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
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Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson[2], o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.
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Face ao exposto, na perspetiva do Coletivo, resulta meridianamente claro que os serviços de gestão e consultoria prestados pela Requerente à sua participada, iniciados em 2020 e reiterados nos períodos seguintes, configuram o exercício de uma actividade económica subsumível nas regras de incidência do IVA, donde, todos os custos inerentes à aquisição desses serviços (mesmo os que foram suportados aquando da aquisição das participações sociais da participada da aqui Requerente) não podem deixar de culminar na formação do preço das operações de gestão, pelo que, devem ser considerados como despesas gerais dedutíveis em conformidade com a Diretiva IVA, o Código do IVA e os diversos precedentes do TJUE e dos tribunais nacionais acima devidamente explicitados, devendo considerar-se legitimada, sem necessidade de outras considerações, a dedução integral do IVA suportado.
IV.E) Juros compensatórios e questões de conhecimento prejudicado:
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Os juros compensatórios que constituem objeto da presente ação referem-se aos atos tributários de liquidação adicional de IVA que, nos moldes acima enunciados, se julgam inválidos, por vício material de erro nos pressupostos de facto e de direito.
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A constituição da obrigação de juros compensatórios depende e assenta no retardamento, por facto imputável ao sujeito passivo, da liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, conforme preceituado no artigo 35.º, n.º 1 da LGT e 96.º, n.º 1 do Código do IVA.
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Inexistindo prestação tributária de IVA em dívida no período de tributação de 2020, ou cujo pagamento tenha sido retardado, face à anulação das liquidações adicionais de imposto [IVA] controvertidas, daí resulta que não estão reunidas as condições legais para a liquidação de juros compensatórios, de acordo com as normas acima referidas.
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A ilegalidade de que enfermam as liquidações adicionais de imposto, repercute-se, assim, nas liquidações de juros com aquelas conexas, sendo inútil conhecer dos vícios autónomos imputados pela Requerente a estas últimas liquidações.
IV.F) Indemnização por prestação de garantia indevida:
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A Requerente peticionou ainda o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
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E fê-lo uma vez que que se preparava (no momento da interposição do PPA) para prestar garantias tendentes à suspensão dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias de IVA e de juros compensatórios que estão a ser sindicadas nos presentes autos.
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Em 14.11.2024, apresentou a Requerente ao abrigo do artigo 588.º do Código de Processo Civil aplicável, ex vi da alínea e) do artigo 2.º e para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 171.º, ambos, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), todos, aplicáveis ex vi artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, requerimento onde suscitada a alteração do pedido com base em facto superveniente, com vista à apreciação e tomada de decisão, no âmbito dos presentes autos, do Pedido de Indeminização a atribuir à Requerente por prestação – indevida – de Garantia Bancária.
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Referindo-se ali que a Requerente, em 17.10.2024, prestou quatro garantias bancárias no montante e termos seguintes: i) de € 529.186,20, emitida pelo Banco Santander com o n.º ..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º ...; ii) de € 81.448,76, emitida pelo Banco Santander com o n.º..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º ...; iii) de € 26.928,54, emitida pelo Banco Santander com o n.º ..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º ...; iv) de € 186.947,51, emitida pelo Banco Santander com o n.º ..., para obviar ao prosseguimento do processo executivo n.º ... .
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Dava a Requerente ainda conta de que até àquele momento, suportou encargos com as garantias no montante de 6.678,67 € (devidamente comprovados com a junção do Doc. n.º 5 junto ao Requerimento superveniente).
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Referia ainda que até à data do seu cancelamento, a Requerente iria suportar acrescidos encargos a apurar em sede de execução de julgado.
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O n.º 1 do art.º 171.º do CPPT dispõe no sentido de que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda e que a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência (Cfr. n.º 2 do art.º 171º do CPPT).
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Assim sendo, resulta clarividente que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido.
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O pedido de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade de parte da dívida que está a ser exigida na fase executiva, pelo que, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
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O regime do direito a tal indemnização está previsto art.º 53.º da LGT.
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Ali se refere: “1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo. 3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. 4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
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Os pressupostos que fundamentam o direito à indemnização são: i) A existência de erro no ato de liquidação de um tributo; ii) Que ele seja imputável aos serviços; iii) A existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial ou ainda e como visto, em Pedido de Pronúncia Arbitral. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de novembro de 2007, proferido no Processo n.º 0633/07 diz a dado passo da sua fundamentação jurídica: “O fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar.”
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Defendem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, Encontro da Escrita Editora, 2012, Anotação 2, pág. 433, o seguinte: “O erro imputável aos serviços considerar-se-á́ verificado se o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação e o fundamento da anulação não lhe for imputável.”
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Neste mesmo sentido pode trazer-se à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de Novembro de 2021, Processo n.º 1353/04.7BELRS, onde se diz: “(...) o conceito de “erro imputável aos serviços”, quer para efeitos do artigo 43.º, n.º 1, quer para efeitos do artigo 53.º, n.º 2, ambos da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputável à Administração Tributária(...).”
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Donde se intui que o erro imputável aos Serviços deve ser entendido com o mesmo sentido que vale para os juros indemnizatórios, ou seja, tem ele respaldo na verificação de qualquer ilegalidade que possa estar a enfermar uma concreta liquidação de imposto.
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Nessa conformidade e tendo sido demonstrada a existência de erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade dos atos tributários sindicados e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão das execuções fiscais resultantes do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada nos atos tributários aqui sindicados, assiste à Requerente o direito a ser ressarcida dos custos incorridos com a prestação e manutenção das garantias bancárias prestadas.
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A já antevista anulação das liquidações sub judicio assentava na verificação do vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e de direito de tais liquidações, concretamente por indevida desconsideração do IVA dedutível aqui em causa ao abrigo do disposto nos art.ºs 19.º e seguintes do CIVA, pelo que se mostra comprovado o erro imputável aos serviços naquelas liquidações.
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Acrescendo dizer que os aludidos atos de liquidação de IVA e de Juros Compensatórios foram da exclusiva iniciativa da AT, não tendo a Requerente contribuído em nada para que eles fossem praticados.
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Resultou provado que a Requerente apresentou quatro garantias tendentes à suspensão dos processos executivos acima melhor identificados, tendo suportado custos (v.g. juros, comissões e impostos) com a constituição e manutenção das mesmas, não se mostrando esses custos definitivamente quantificados nos autos, já que no momento do pedido de ampliação do pedido formulado, não obstante se demonstrar a incorrência desses mesmos custos, o que é certo é que, nessa circunstância, já se antevia que eles não eram definitivos e iriam acrescer, donde, só em sede de execução do julgado tal determinação se poderia efetivar .
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Nesta conformidade, a prestação das referidas garantias bancárias por parte da Requerente têm de ser julgadas indevidas e, consequentemente, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3, da LGT, tem de ser reconhecido à Requerente o direito à indemnização prevista no artigo 53.º da LGT pelos custos suportados com as garantias bancárias prestadas até ao respetivo cancelamento, o que deve ser calculado em sede de execução voluntária da presente decisão.
V. DECISÃO:
Face ao exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular os seguintes atos de liquidação adicional: i) liquidação adicional de IVA n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 417.554,00, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; ii) liquidação adicional de IVA n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 147.376,39, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; iii) liquidação adicional de IVA n.º 2024..., na qual está refletida a redução em Euro 921.762,35 do crédito de IVA, a que corresponde a demonstração de acerto de contas n.º 2024...; iv) e das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 64.108,83 e n.º 2024..., com o valor a pagar de Euro 21.028,39, efetuadas no âmbito do procedimento de inspeção tributária realizado ao abrigo da ordem de serviço OI2022... .
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, a determinar em sede de execução voluntária do presente julgado.
VI. VALOR DO PROCESSO:
Fixa-se o valor do processo em 1.571.829,96 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações sindicadas.
VII. CUSTAS:
Fixa-se o valor das Custas em 20.808,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida por decaimento total, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de abril de 2025.
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Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente),
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Rita Guerra Alves – Árbitro Adjunto – com voto vencido
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Fernando Marques Simões - Árbitro Adjunto e Relator
VOTO VENCIDO
Votei vencido quanto à questão do direito à dedutibilidade do IVA, que entendo julgado como improcedente, pelas razões que seguem:
O TJUE tem vindo a classificar as operações desenvolvidas por um sujeito passivo de IVA, em atividades não económicas, que deverão ficar à margem da Diretiva do IVA, não conferindo direito à dedução, e em atividades económicas. Só as atividades económicas estão abrangidas no âmbito da Diretiva, distinguindo-se em atividades não sujeitas, sujeitas e isentas e em atividades sujeitas e não isentas (ou seja, efetivamente tributadas). Remeto para o resumo da jurisprudência do TJUE e do CAAD constante do processo n.º 269/2017-T do CAAD.
Nas conclusões do Caso EDM, na esteira do Caso Wellcome Trust, refere ainda o TJUE que a simples venda de ações e outros títulos negociáveis, tais como participações em fundos de investimento, assim como os rendimentos inerentes a estes fundos, não constituem uma “atividade económica”, de acordo com a Sexta Diretiva, por conseguinte não se encontram abrangidos pelo âmbito da sua aplicação.
Em conformidade com este aresto, a simples tomada de uma participação financeira noutra empresa, não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, na medida em que o eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem e não a contrapartida de uma qualquer atividade económica.
No caso Polysar, o TJUE fixou o princípio de que a aquisição e detenção de participações sociais não representa verdadeira atividade económica. Uma sociedade que se limite a adquirir e gerir participações sociais não realiza genuínas transmissões de bens, nem prestações de serviços, mas meras aplicações de capitais.
No entanto tem sido entendimento do TJUE, que quando se tratar de uma sociedade holding que tenha intervenção ativa na gestão das suas participadas, tendo como resultado a realização de outputs tributáveis, deverá ser considerada como uma entidade que exerce uma atividade económica, assumindo a qualidade de sujeito passivo de IVA, podendo deduzir o IVA suportado com essa atividade.
Isto mesmo foi decidido pelo TJUE no Acórdão Portugal Telecom, tendo concluído, que, se for «de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa [uma SGPS que, no âmbito da prestação de serviços técnicos de administração às suas participadas, lhes refatura, com IVA, os custos incorridos com a aquisição de serviços de consultoria e outros] teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, de deduzir a integralidade do IVA, que tenha onerado a aquisição a montante, dos serviços em causa, no processo principal.»
No caso concreto, não ficou provado que as despesas incorridas, estavam diretamente relacionadas com uma atividade económica, que confere direito à dedução do IVA, por parte da Requerente.
Entendo, que o facto de a participação ser a 100%, não é suficiente para afirmar que os bens e serviços adquiridos estavam afetos a uma atividade económica, que venha a dar origem a operações que conferem à Requerente o direito a dedução do IVA. Existe, por parte da Requerente, apenas uma relação indireta com uma atividade económica, a contrapartida a obter pela Requerente, pelo exercício da sua atividade constituem rendimentos fora do campo de incidência do IVA, ou seja, dividendos ou mais-valias.
Face ao exposto, e o que se vem dizendo, recai sobre o sujeito passivo, o ónus da prova sobre o direito à dedução, e os factos que permitam qualificar a atividade desenvolvida pela SGPS, como uma atividade económica.
Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como provado, entendo que a Requerente não demonstrou, cujo ónus lhe compete, os seguintes factos, que entendo, como não provados:
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A Requerente assume um papel fundamental na definição da estratégia de desenvolvimento e investimento do grupo B..., através dos serviços de apoio à gestão e consultoria em projetos que são prestados à sua participada D..., S.A..
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A Requerente, sustenta que os serviços de apoio à gestão e consultoria em projetos a desenvolver prestados pela Requerente à D..., S.A., consistem, essencialmente, na disponibilização e partilha de know-how estratégico em diversas valências de gestão, suporte ao nível das decisões de estratégia e investimento e acompanhamento da execução do planeamento estratégico e operacional.
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A Requerente acompanha a gestão desenvolvida pela D..., S.A., prestando-lhe o necessário aconselhamento estratégico e de desenvolvimento do negócio, que comporta nomeadamente, a definição da visão e missão do Grupo, a definição da estratégia do Grupo, contribuindo para a definição de objetivos a curto e médio e longo prazo, definição e preparação de cenários económicos de médio e longo prazo, desenvolvimento do sistema de gestão dos objetivos do Grupo B..., definição das estratégias básicas, ações-chave e ações que promovem o desenvolvimento do posicionamento estratégico do Grupo B... e que geram maior valor acrescentado para os seus acionistas, colaboradores e ambiente social e representação e comunicação em nome do Grupo B... com os shareholders, entidades públicas e outras partes interessadas.
Para o efeito, de demonstração dos factos, a Requerente juntou aos autos um contrato de prestação de serviços, junto como documento 3 do PPA, celebrado com a Sociedade H...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, sociedade que a Requerente detém a 100%, e uma fatura emitida em 23 de abril de 2021, referente a serviços prestados entre Maio e Dezembro de 2020.
Competia à Requerente demonstrar a existência do nexo direto e imediato entre tais custos e a atividade económica exercida pela SGPS (cfr. decisão 527/2024T), contudo essa prova não foi realizada.
Quanto à alegação respeitante a desenvolver uma atividade económica, concretamente, prestar à “D...”, aconselhamento estratégico e de desenvolvimento do negócio, e que disponibilizou e partilha de know-how estratégico em diversas valências de gestão, suporte ao nível das decisões de estratégia e investimento e acompanhamento da execução do planeamento estratégico e operacional, não demonstrou ou juntou qualquer evidencia que permitisse apurar que serviços foram prestados, por quem foram prestados e como foram prestados.
Com efeito, a Requerente, não juntou elemento de prova que suportasse tal alegação, sendo que a junção de um contrato, genérico, celebrado com uma entidade, que inclusivamente detém a 100%, sem suporte factual e de prova, é manifestamente insuficiente, para suportar a pretensão da Requerente, de que efetivamente desenvolveu a atividade económica por si alegada, tendo ficado aquém do que seria esperado, para comprovar a referida interferência na gestão da sua participada.
Nestes sentido, nos termos do n.º 1 do art.º 20 do Código do IVA o imposto suportado na aquisição de serviços no âmbito do processo de aquisição de 100% do capital social da D... S.A, não diz respeito a transmissões de bens ou serviços que confiram direito à dedução, estando antes diretamente relacionado com uma operação de aquisição de um investimento financeiro da A..., que não se enquadra na alínea a) do n.1 do art.º 2 do Código do IVA, ou seja, não se insere, em sede de IVA, no exercício de uma atividade económica.
Assim, aplicando a jurisprudência do TJUE e do CAAD, entendo que as liquidações impugnadas não enfermam do vício que a Requerente lhes imputa.
A Arbitra,
______________________________
Rita Guerra Alves
[1] Nesse sentido veja-se o acima transcrito n.º 2 do art.º 160º do Código Civil.
[2] Cfr. acórdão Von Colson, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83.
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