Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1024/2024-T
Data da decisão: 2025-05-06  IRS  
Valor do pedido: € 183.155,45
Tema: IRS. Mais-valias. Revisão oficiosa. Erro imputável aos serviços
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Sumário:

I – Durante a pendência do artigo 11.º, da Lei n.º 82-A/2014, os ganhos relativos a mais-valias com a alienação do imóvel destinado a habitação própria e permanente ficavam excluídos de tributação no caso de existência de reinvestimento ou de mera amortização de empréstimo contraído para a aquisição de tal imóvel.

II – Existindo uma manifestação expressa de vontade de reinvestimento que apenas é controvertida após esgotado o prazo de reinvestimento sem que o mesmo tivesse sido realizado, inexiste erro imputável aos serviços quando estes conformam a liquidação com base nos elementos declarados pelos sujeitos passivos.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º ..., e B..., contribuinte n.º ..., residentes na Rua ..., n.º..., vêm, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, abreviadamente designado por RJAT) e nos artigos 1.º, alínea b) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, peticionando a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023..., e a anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020..., no valor de € 181.154,58, e, bem assim, da liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de € 2.000,66.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 4 de setembro de 2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os signatários desta decisão como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a sua aceitação no prazo legal.

Notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 13 de novembro de 2025.

Nesse mesmo dia, foi prolatado o despacho determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

No dia 13 de dezembro de 2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) apresentou resposta, suscitando exceções obstativas ao conhecimento do pedido.

Na sequência, foi proferido despacho para resposta às exceções.

Os Requerentes apresentaram um requerimento de resposta às exceções, em 14 de janeiro de 2025.

No dia 17 de janeiro de 2025, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião referida no artigo 18.º do RJAT, determinar o prazo para apresentação de alegações escritas e fixar a data de prolação da decisão arbitral.

Apenas os Requerentes apresentaram alegações escritas.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

 

            4. Posição das Partes

            4.1. Posição dos Requerentes

            Os Requerentes fundam a sua pretensão na existência de um erro imputável aos serviços que, na sua perspetiva, seria determinante da procedência do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, da anulação da liquidação adicional de IRS.

            Os Requerentes apoiam a sua pretensão no entendimento de que o conceito de erro imputável aos serviços abrange qualquer ilegalidade que conduza a uma cobrança ilegal de tributos, devendo tal erro revestir caráter relevante, gerando um prejuízo efetivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.

            Invocam que no caso concreto subsiste “um  erro de direito – qualificação dos rendimentos auferidos pelos Requerentes como mais valias – erro, este, evidenciado nas declarações apresentadas pelos Requerentes e pelos elementos documentais apresentados em sede de pedido de revisão oficiosa – designadamente as declarações emitidas pelo Banco que comprovam a amortização do empréstimo – pelo que não poderá deixar de se considerar imputável aos serviços, para efeito de pedido de revisão do ato tributário”.

Alegam, a propósito, o disposto no artigo 10.º, n.os 5 e 6, do CIRS, acrescentando que, com base no ano em que se procedeu à alienação do imóvel, se deverá ter em consideração, para efeitos do cálculo da mais-valia, o regime especial de isenção introduzido pelo artigo 11.º da Lei n.º 82.º-E/2014, de 31 de dezembro, onde se dispõe que “a exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS é extensível às situações em que o valor de realização seja aplicado na amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado”. 

Contestam o entendimento da Autoridade Tributária por não ter considerado a amortização do valor do empréstimo em virtude do “formalismo” de os Requerentes não terem procedido ao preenchimento dos “campo 5032 ao 5035” da sua declaração de rendimentos, alegando que “ao refugiar-se nestes argumentos de natureza formal a Autoridade Tributária levou a cabo uma conduta manifestamente ilegal e violado do princípio da legalidade a que está legal e constitucionalmente vinculada (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP), que culminou com um enriquecimento sem causa da Autoridade Tributária”.

Referem, ainda, que se limitaram a dar cumprimento às instruções de preenchimento da declaração emitidas pela Autoridade Tributária e ao disposto na lei, uma vez que “resulta das instruções de preenchimento do Anexo G da declaração Modelo 3 de IRS que: ‘No campo 5005 – o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição do bem alienado (excluem-se os juros e outros encargos, bem como os empréstimos para obras) à data da alienação do imóvel’, o que significa que a parte do valor obtido com a alienação da habitação própria e permanente que seja utilizada na amortização de empréstimo contraído para a aquisição da mesma não concorre para a quantificação do valor de realização a ser reinvestido” e que quando do preenchimento da declaração os ora Requerentes tiveram ainda em consideração o regime especial de isenção introduzido pelo artigo 11.º da Lei n.º 82.º-E/2014, de 31 de dezembro.

Consideram, assim, que “[n]ão obstante não terem reinvestido o referido montante – facto, aliás, que levou a que a Autoridade Tributária o desconsiderasse e que os Requerentes não contestam -, o facto é que, conforme aqui documentalmente comprovado, os ora Requerentes procederam ao pagamento do empréstimo contraído junto do Novo Banco para aquisição do imóvel alienado, devendo assim beneficiar do regime do artigo 11.º da Lei n.º 82.º-E/2014, de 31 de dezembro”.

Concluem pela inexistência de razões legais “para a Autoridade Tributária – a qual está vinculada ao princípio da legalidade e tem o poder-dever de anular os atos ilegais – desconsiderar os documentos ora apresentados e não se pronunciar sobre o pedido ora apresentado”.

Mais invocam a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios e peticionam, por fim, que a Requerente seja condenada ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

 

            4.2. Posição da Requerida

  A Requerida defendeu-se por exceção, alegando a incompetência do CAAD para declarar a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e por considerar existir um erro na forma do processo, afirmando que o meio de reação apropriado à decisão de indeferimento seria a ação administrativa e não a impugnação arbitral.

            Considera que não existe erro imputável aos serviços na medida em que os Requerentes contribuíram para a liquidação, sendo esta o resultado da atuação daqueles, posto que “tendo os Requerentes manifestado a intenção de adquirir um novo imóvel destinado a habitação própria e permanente e não tendo concretizado esse reinvestimento, não podem, no fim do prazo previsto para o reinvestimento, 36 meses contados da data da realização, virem alterar a declaração para aproveitar, em alternativa, o regime do artigo 11.º da Lei n.º 82-E/2014”.

A Requerida considera ainda que os Requerentes foram negligentes “quer no momento do preenchimento da declaração em que declararam pretender reinvestir na aquisição de outro imóvel, quer em sede de procedimento de gestão de divergências, em que não cumpriram a obrigação de comprovação dos elementos declarados, mas também quando não reagiram, graciosa ou judicialmente, contra as liquidações que ora pretendem ver ‘revistas’, sem ser possível, neste momento, usufruírem do mecanismo previsto no artigo 78.º da LGT”.

Conclui, assim, pela inexistência de qualquer erro imputável aos serviços.

 

 

II. Fundamentação

 

5. Matéria de facto

5.1. Factos Provados

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

5.1.1. Em junho de 1999, os ora Requerentes, adquiriram, em partes iguais, por escritura pública de compra e venda, a fração autónoma designada pela letra “C”, inscrita sob o artigo matricial n.º..., na freguesia da ... (...);

5.1.2. O imóvel adquirido constituiu a habitação própria e permanente dos Requerentes e respetivo agregado familiar.

5.1.3. Posteriormente, em agosto de 2018, os Requerentes procederam, através de escritura pública de compra e venda, à alienação onerosa do imóvel supra identificado pelo valor global de € 800.000,00.

5.1.4. Requerentes apresentaram a correspondente Declaração Modelo 3 de IRS, relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2018, no âmbito da qual declararam i) a intenção de reinvestimento do montante de € 385.491,63 (campo 5006), e ii) o valor em dívida do empréstimo à data de alienação do imóvel, correspondente ao montante de € 414.508,37 (campo 5005).

5.1.5. Tal declaração deu origem posteriormente à liquidação IRS n.º 2019..., da qual resultou o montante a pagar de € 127.411,73, valor esse que foi pago.

5.1.6. Em Julho de 2019, a Autoridade Tributária instaurou um processo de divergências tendo em vista "a comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarados".

5.1.7. A AT promoveu a notificação dos Requerentes no âmbito desse procedimento, não tendo os mesmos tomado conhecimento dessas notificações por terem alterado a sua morada.

5.1.8. Em 26 de dezembro de 2019, a AT emitiu uma declaração oficiosa Modelo 3, tendo desconsiderado o valor relativo ao empréstimo bancário no campo 5005 da declaração.

5.1.9. Na sequência das correções efetuadas no processo de análise de divergências foi emitida a liquidação oficiosa n.º 2020..., de 3 de janeiro de 2020, no valor de € 181.154,54, com data-limite para pagamento voluntário de 25-02-2020.

5.1.10. Posteriormente, em 28 de novembro de 2022, foi emitida a liquidação n.º 2022..., no valor de € 231.401,46, com base na seguinte informação: "decorrido o prazo para a concretização da intenção de reinvestimento demonstrada e atendendo a que os reclamantes não declararam o referido valor (€ 385.491,63) como reinvestimento, em 28-11-2022, a AT procedeu à reliquidação n.º 2022 ... no valor de € 231.401,46 e ao acerto de contas n.º2022..., datado de 02-12-2022, no qual foi efetuado o Estorno – Liquidação 2020 ... no montante de € 181.154,58, que resultou no valor a pagar de € 50.246,88, com data limite de pagamento de 2023-01-11".

5.1.11. A demonstração da liquidação tem o seguinte teor:

 

 

 

 

 

5.1.12. Ficou ainda provado que o Novo Banco concedeu à Requerente B... os seguintes empréstimos bancários:

  1. Empréstimo n.º..., com finalidade de “aquisição de habitação própria e permanente”, com um valor inicial de € 191.798,80, com início em 19 de dezembro de 2006 e prazo de 516 meses, relativamente ao qual o capital em dívida, em 31 de julho de 2018, ascendia a € 155.438,30.
  2. Empréstimo n.º..., com finalidade de “compromissos financeiros/Aquisição de equipamento”, com um valor inicial de € 51.000,00, com início em 31 de julho de 2014 e prazo de 360 meses, relativamente ao qual o capital em dívida, em 31 de julho de 2018, ascendia a € 49.057,40.
  3. Empréstimo n.º..., com finalidade de “compromissos financeiros/Aquisição de equipamento”, com um valor inicial de € 258.000,00, com início em 19 de dezembro de 2006 e prazo de 516 meses, relativamente ao qual o capital em dívida, em 31 de julho de 2018, ascendia a € 209.089,27.

5.1.13. Os Requerentes não procederam ao reinvestimento do valor de realização decorrente da alienação do imóvel.

5.1.14. Em 22 de setembro de 2023, os Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa relativamente à liquidação n.º 2020..., o qual foi objeto de indeferimento, por decisão datada de 18 de abril de 2024.

5.1.15. Essa decisão assentou, entre o mais, na seguinte fundamentação: “(...) não tendo os Requerentes declarado a concretização do reinvestimento, foi instaurado procedimento de gestão de divergências, tendo os contribuintes sido chamados a comprovar os elementos declarados e bem assim invocar e corrigir qualquer lapso no preenchimento da declaração [§] Não tendo os Requerentes, em sede deste procedimento de divergências, cumprido a obrigação de comprovar os elementos das declarações, pelo que promoveu a AT a correção da declaração, nos termos legalmente previstos (n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS). [§] Pelo que, tal como se concluiu no projeto de decisão, por não ter o Requerente cumprido a obrigação legal de comprovar os elementos constantes da declaração anual de rendimentos não é imputável a qualquer erro dos serviços, que se limitaram a seguir o procedimento legal para a correção de erros, lapsos ou omissões na declaração”.

Mais se provou que:

          5.1.16. Os Requerentes não promoveram o pagamento do referido montante dentro do prazo de pagamento voluntário concedido para o efeito, tendo procedido à constituição de uma hipoteca voluntária de um imóvel.

5.1.16. Os Requerentes encontram-se a cumprir um plano prestacional, encontrando-se atualmente em dívida o valor de €16.554,39.

5.1.17. O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 2 de setembro de 2024.

 

            5.2. Factos não provados

          5.2.1. Não se provou que o valor de € 414.508,37, respeitasse integralmente a crédito concedido para a aquisição de habitação própria e permanente.

 

  5.3. Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão.

No caso sub iudicio, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou no acervo documental presente nos autos, valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e as regras de experiência comum, considerando igualmente a posição das partes relativamente à matéria de facto.

Quanto ao facto não provado, a prova documental produzida não permite concluir que os créditos bancários invocados pelos Requerentes tivessem sido concedidos com a finalidade de aquisição do imóvel. Desde logo, a própria documentação emitida pelo banco distingue a finalidade dos créditos concedidos, sendo que apenas o empréstimo n.º..., foi contraído com a finalidade de “aquisição de habitação própria e permanente”. Não se olvida que, em diversas situações de aquisição de imóveis os bancos concedem créditos que podem estar mais ou menos relacionados com a aquisição, v.g. destinando-se à aquisição de equipamento para a mesma ou para o cumprimento de outros compromissos financeiros com a aquisição; no entanto, tais financiamentos não se confundem com aqueles que são diretamente concedidos com a finalidade de aquisição de habitação própria. Ademais, resultando da declaração de IRS que o valor de aquisição foi de € 234.435, 01 e tendo em conta os documentos juntos nos autos, considera-se que os requerentes não lograram provar que os empréstimos n.os ... e ... estivessem afetos à aquisição do imóvel e que essa tinha sido a sua finalidade.

 

 

6. Exceções invocadas

Na sua Resposta, a Requerida começa por suscitar a incompetência material do Tribunal Arbitral para “declarar a alegada ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa”.

Alega, para o efeito, que “[n]os termos do disposto no artigo 2.º do RJAT decorre que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da

matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”, pelo que, centrando-se o pedido principal na anulação do ato administrativo que indeferiu o pedido de revisão oficiosa com o fundamento no não preenchimento dos pressupostos consagrados no artigo 78.º, n.º, 1, da LGT, não pode o CAAD pronunciar-se sobre o mesmo.

            Na esteira da mesma argumentação, considera ainda a Requerida existir uma impropriedade do meio processual por entender que o “ato aqui impugnado só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA”, concluindo existir um erro na forma de processo que determina a absolvição da instância.

            Por seu turno, os Requerentes sustentam inexistir qualquer exceção, sendo o pedido de pronúncia arbitral admissível ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, porquanto o indeferimento do pedido de revisão com base na falta de pressupostos legais, concretamente por não se ter reconhecido a existência de um erro imputável aos serviços, comporta uma apreciação relativa à legalidade do ato de liquidação.

            Esta questão não apresenta novidade, tanto no âmbito do CAAD, como no domínio da jurisdição administrativa e fiscal. O Supremo Tribunal Administrativo, num caso em que a revisão oficiosa foi precisamente indeferida com base na inexistência de um erro imputável aos serviços, decidiu que esse juízo comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, sendo o mesmo controvertível através do processo de impugnação judicial e não através de uma ação administrativa. Fê-lo, entre outros, no Acórdão de 14 de maio de 2015, tirado no processo n.º 01958/13, onde deixou consignado:

            “(...)

            A decisão sindicada considerou que do indeferimento do pedido de revisão dos actos tributário com base na sua intempestividade cabia acção administrativa especial.
(…)

Sucede que a informação que precede o referido despacho de indeferimento, exarado como se disse em concordância com tal fundamentação, não faz apenas referência ao decurso de prazos para concluir pelo indeferimento do pedido.

Tal informação alicerça a proposta de indeferimento do pedido de revisão na seguinte fundamentação: por um lado considerou-se que o pedido de revisão apresentado com fundamento em ilegalidade não foi apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa referido na 1ª parte do n° 1 do artigo 78° da LGT; por outro lado entendeu-se não ter havido erro imputável aos serviços na medida em que as liquidações de IRC foram emitidas em tempo oportuno com origem nos documentos de correcção elaborados - DC 22.

Mais se ponderou que a liquidação teve por base o relatório da inspecção tributária em que se concluiu que a não consideração como custos do conjunto de facturas nele elencadas resulta do facto de se ter apurado que as mesmas não correspondiam a serviços prestados ao sujeito passivo e, por isso, não podiam ser considerados como custos para efeitos de IRC nos termos do artigo 23° do Código de IRC.

E, com base nesta argumentação, a proposta de indeferimento do pedido de revisão concluiu que não se verificou qualquer ilegalidade nem a existência de qualquer erro imputável aos Serviços.

Em suma no caso vertente estava em causa a legalidade do acto tributário de liquidação, sendo que a decisão do director distrital de finanças ao indeferir o pedido de revisão com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

Assim, é de concluir que no presente caso, ao atacar contenciosamente aquele despacho pela via da impugnação judicial, e não por via de acção administrativa especial, a recorrente utilizou o meio processual adequado”.

            Desta jurisprudência resulta, assim, que nos casos em que o pedido de revisão seja indeferido face à inexistência de um erro imputável aos serviços, a impugnação judicial será o meio processual adequado na medida em que tal juízo não deixa de comportar a apreciação dos fundamentos invocados em sede de revisão e, por essa via, uma pronúncia sobre a própria legalidade da liquidação controvertida por essa via.

            Idêntico juízo foi firmado no acórdão arbitral tirado no Processo n.º 457/2022-T (Relator: Rui Duarte Morais), no qual se concretizou que “[o] que foi pedido a este tribunal arbitral é, pois, que aprecie a legalidade das liquidações impugnadas, o que inclui apreciar se as mesmas, independentemente da sua eventual ilegalidade substancial, se consolidaram definitivamente por força do decurso do tempo. O que se pede a este tribunal não é, pois, que aprecie uma decisão “autónoma” de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, pois que tal decisão surge baseada em razões relativas consolidação na ordem jurídica (e, portanto, à legalidade) das liquidações que lhe deram origem”.

            Nestes termos, são de afastar as exceções invocadas pela Requerida.

 

            7. Matéria de direito

Cuidemos, agora, da questão decidenda, apurando se a liquidação contestada padece de ilegalidade nos pressupostos de facto ou de direito e se na mesma pode discernir-se o erro imputável aos serviços alegado pelos Requerentes.

            Para tal, convém previamente recordar o disposto na legislação pertinente para a presente questão de direito.

            Dispunha o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 5, do Código do IRS, à data da verificação do facto tributário:

“Artigo 10.º
Mais-valias 


1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

  1. O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
  2. O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
  3. O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”.

 

Por seu turno, o artigo 11.º da Lei n.º 82-A/2014, de 31.12.2014 (Lei do Orçamento do Estado para 2015), estabeleceu o seguinte regime:

Artigo 11.º

Regime especial aplicável às mais-valias imobiliárias

1 - A exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS é extensível às situações em que o valor de realização seja aplicado na amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado. 

2 - Nas situações referidas no número anterior em que o valor de realização seja apenas parcialmente aplicado na finalidade aí prevista, a exclusão de tributação abrange somente a parte proporcional dos ganhos correspondentes àquela aplicação. 

3 - O regime previsto no n.º 1 não é aplicável se, à data da alienação, o sujeito passivo for proprietário de outro imóvel habitacional”.

4 - O disposto nos números anteriores aplica-se às alienações de imóveis ocorridas nos anos de 2015 a 2020, em que os contratos de empréstimo tenham sido celebrados até 31 de dezembro de 2014.

 

            Numa primeira análise relativa aos preceitos legais, resultava da disposição do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, numa leitura à margem  do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 82-A/2014, que a exclusão de tributação de mais-valias dependia do reinvestimento do valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo fim. Assim, ao prever que a exclusão de tributação se aplica quando “(…) o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido (…)”, a alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não consagra uma exclusão de tributação autónoma para a parte do valor de realização destinada à amortização ou liquidação do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado [realçado no original]”, como concretizou o STA no seu Acórdão de 28 de novembro de 2018, processo n.º 0748/17.

            Assim, a introdução do regime constante do mencionado artigo 11.º da Lei n.º º 82-A/2014, correspondeu a um alargamento do âmbito de exclusão de tributação da mais-valia, passando a admitir-se que, independentemente do reinvestimento, a mera amortização do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado conduzisse a uma exclusão de tributação total ou parcial dos ganhos sujeitos a imposto.

            No período de convivência aplicativa das normas, coexistiram dois regimes de exclusão de tributação das mais-valias, com diferentes pressupostos e com efeitos práticos não coincidentes, porquanto, nos casos em que o valor de realização fosse superior ao da amortização do empréstimo, apenas o reinvestimento nos termos do n.º 5 do artigo 10.º, permitiria a exclusão total de tributação, dado que nas situações de mera amortização de eventual empréstimo, sempre que o valor de realização seja apenas parcialmente aplicado para esse fim, “a exclusão de tributação abrange somente a parte proporcional dos ganhos correspondentes àquela aplicação” (n.º 2 do referido artigo 11.º).

Daí concluir-se que a aplicação de um ou de outro regime sempre dependeria de uma avaliação ponderada e da decisão do sujeito passivo. No caso de pretender reinvestir, através de declaração para o efeito, indicando o valor de realização que pretende reinvestir para além do valor em dívida na data do empréstimo; no caso de amortização de empréstimo, indicando ainda o valor de realização aplicado na amortização do empréstimo.

Trata-se, assim, de uma das situações em que o direito fiscal releva a autonomia da vontade dos sujeitos passivos, colocando nas mãos destes, a possibilidade de optar por um determinado regime tributário, produzindo-se os efeitos jurídicos de acordo com a escolha efetuada. Ora, não foi seguramente a pensar nestes casos que o legislador admitiu a possibilidade de revisão oficiosa com base na noção de erro imputável aos serviços.

Vejamos, centrando-nos agora no procedimento em causa.

O instituto da revisão oficiosa dos atos tributários, como figura de âmbito geral, encontra-se enraizado no nosso sistema fiscal, tendo-se mantido – e evoluído – ao longo de décadas, acompanhando as profundas transformações que em matéria de procedimento foram sendo introduzidas no nosso sistema jurídico numa lógica de equilíbrio entre administração e sujeito passivo e de reforço das garantias de tutela da legalidade material.

Assim, o procedimento da revisão oficiosa traduz-se num mecanismo de tutela, garantia e salvaguarda da legalidade material que, no domínio dos impostos, pela sua natureza eminentemente ablativa, assume importância fundamental, tendo em vista a reposição de uma legalidade que se encontra comprometida pela verificação de erros que podem contender com a correção do imposto, face ao que resulta das normas que interferem na definição do an e do quantum do encargo tributário.

É consabido que a LGT promoveu um claro desenvolvimento do instituto face à regulamentação anterior, ampliando as possibilidades de revisão dos atos tributários em consonância com o ideário de reforço das garantias dos contribuintes, expressamente assumido pelo artigo 1.º da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto. Assim, o artigo 78.º da LGT passou a admitir a revisão dos atos tributários nos seguintes casos: i) por iniciativa do sujeito passivo, dentro do prazo de reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT); ii) oficiosamente, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT); iii) a revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave – quando resulte de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade – ou notória, no prazo de três anos após prolação do ato tributário (artigo 78.º, n.os, 4 e 5, da LGT); e, por fim, iv) a revisão por duplicação de coleta, independentemente do fundamento, dentro do prazo de quatro anos (artigo 78.º, n.º 6, da LGT).

Uma das notas suscitadas pelo regime saído da LGT prende-se com a instituição da revisão como meio gracioso alternativo de que o sujeito pode lançar mão dentro do prazo de reclamação para a discussão de qualquer ilegalidade que afete o ato tributário, configurando-se, desse modo, como um procedimento gracioso de reclamação ordinária – para recuperar a terminologia do regime do CPCI – nos casos previstos no artigo 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT; outra observação refere-se ao facto de, fora desse circunstancialismo,  a revisão poder operar igualmente a pedido do contribuinte nos casos de injustiça grave e notória e de duplicação de coleta (dois dos fundamentos taxativos da reclamação extraordinária previstos no artigo 85.º do CPCI, alíneas c) e e), e § único), podendo ser também despoletada uma revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços. Assim, não há apenas um procedimento de revisão por iniciativa do contribuinte, mas diversas hipóteses em que aquele pode ocorrer, sendo que todas elas têm subjacente um fundamento taxativamente delimitado e operam num horizonte temporal substancialmente alargado, independentemente da preclusão dos demais meios de garantia postos à disposição dos sujeitos passivos.

No caso concreto, os Requerentes mobilizaram o pedido de revisão oficiosa, previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o qual pressupõe a existência de um “erro imputável aos serviços”.

Trata-se de um conceito que exige concretização e que, obviamente, vai para além da restritiva densificação administrativa que era feita na vigência do CPT (cf. ofício-circulado n.º 15/91, de 5 de junho, que “reconduzi[a] taxativamente a referida noção legal aos casos de erros praticados na recolha e aos de errada indicação dos números fiscais” [1]), mas que não se presta, igualmente, a abarcar todas as situações em que exista uma ação ou omissão administrativa relativa à liquidação de um imposto, designadamente nos casos em que esta não prescinde de elementos declarativos ou, sobretudo, quando o valor do imposto possa ser conformado ex voluntate dentro das possibilidades de opção admitidas pela lei (vg. regime simplificado, englobamento, tributação conjunta, etc...).

Assim, tanto será de afastar uma posição onde se assuma que o erro nunca será imputável aos serviços quando tenha por base uma intervenção do contribuinte ou de outro sujeito passivo, como bem revelou o STA no seu Acórdão de 2 de novembro de 2022, tirado no processo n.º 087/22, a propósito de um caso de substituição tributária, como uma que defenda a cega imputabilidade aos serviços dos erros a partir do carácter administrativo da liquidação.

Refere Rui Duarte Morais, tendo como referência a redação original do artigo 78.º da LGT, que nos casos em que “a liquidação é efetuada pela administração fiscal, podemos afirmar, como regra, que a deficiente aplicação da lei ao caso concreto – o erro de direito – é de imputar aos serviços”, mas, como o próprio Autor reconhece, “a questão não é, porém, totalmente linear: a aplicação da lei pela administração acontece relativamente a determinada realidade factual, evidenciada pelo sujeito passivo nas suas declarações. Se a má aplicação da lei foi o resultado de uma deficiente declaração dos factos, nenhuma responsabilidade pelo erro poderá ser imputada à administração (assim, p. ex., no caso de o sujeito passivo se ter esquecido de declarar factos que lhe conferiam direito a determinadas deduções)”; já em situações que impliquem uma qualificação jurídica dos factos, dando como exemplo a declaração de mais-valias não sujeitas a tributação, o Autor considera, “por coerência sistemática com o que acontece na autoliquidação, que este erro (que é um erro de direito) deve ser tido como imputável aos serviços” - cf.  Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Coimbra, 2012, p. 205)

Em termos jurisprudenciais, foi-se pacificando o entendimento de que o erro imputável aos serviços “abrange não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos do STA: 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11)” – Acórdão do TCA Sul de 24 de abril de 2024, Proc. n.º 168/06.2BEBJA. Nessa base, assinala-se igualmente ser imputável aos serviços qualquer erro que não seja resultante de uma atuação do sujeito passivo, sendo hoje, como se esclarece no Acórdão do STA de 14 de março de 2012, Proc. n.º 01007/11 “doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266.° da Constituição como o artigo 55.° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração”. Tal obriga a ponderar se o sujeito passivo contribuiu, ou não, para a emissão do ato de liquidação, em termos deste resultar de uma ação ou omissão que apenas àquele pode ser imputada, como seja nos casos em que a liquidação resulte tout court dos elementos declarados ou de uma manifestação de vontade do contribuinte nos casos em que a lei o admita. Mesmo para além destes casos, a jurisprudência admite que “não pode ser considerado imputável aos serviços o erro relativo a aspetos que a AT não conheceu, nem podia conhecer, por falta de colaboração do contribuinte” (Acórdão de 28 de novembro de 2019 do TCA Sul, Proc. n.º 264/07.9BECTB), ainda que, no concernente ao dever de colaboração, também de admita que o pedido de revisão pode constituir meio idóneo de levar ao conhecimento da Autoridade Tributária elementos de facto que esta desconhecia por omissão declarativa do contribuinte, como sucede no caso decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23 de janeiro de 2025, Proc. n.º 1452/12.1BELRA.

Pode, assim, afirmar-se que nos casos em que a liquidação de IRS é feita com base nos elementos declarados pelos sujeitos passivos, não haverá, em regra, um erro que possa ser imputável aos serviços para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT. Acrescente-se apenas que a correção de erros ou omissões declarativas foi já admitida pela jurisprudência – cf. Acórdão do TCAN, de 13 de abril de 2023 –, mas apenas na vigência do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, tendo-se concluído aí que “o lapso material do contribuinte na autoliquidação de IRS aqui em causa – que como já aqui se referiu, se esqueceu de assinalar no campo próprio da declaração de rendimentos a condição de deficiente de que era titular – constitui um erro imputável à Administração fiscal, por força da aplicação conjugada do disposto nos n.ºs 2, 1 e 3 do art. 78.º da LGT, na redação então em vigor”. Independentemente da pertinência e admissibilidade de um juízo analógico entre “autoliquidação” e “autodeclaração” para efeitos de aplicação do artigo 78.º da LGT, o facto é que, sem a ficção do n.º 2 do artigo 78.º, tal omissão não constituía um erro imputável aos serviços.

            Ora, no presente caso concreto o erro imputável aos serviços resulta essencialmente de a AT ter desconsiderado in totum o valor declarado no campo 5005 da declaração de IRS dos Requerentes sem que o mesmo tivesse sido considerado nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 82-A/2014.

Não se vislumbra, porém, que tal consubstancie um erro e que esse erro possa sequer ser imputável aos serviços.

            Desde logo, não resulta evidente que a opção singela pelo regime do reinvestimento nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS constitua um erro, assentando-se que o mesmo depende de uma opção dos sujeitos passivos que lhes asseguraria a exclusão de tributação integral das mais-valias, cumpridos os respetivos pressupostos legais. Não pode, pois, considerar-se como erro imputável aos serviços uma situação de facto determinada exclusivamente por condicionantes volitivas que se impõem à administração.

            Com efeito, no presente caso concreto, não está sequer em causa a não invocação de um benefício fiscal e recorde-se, a este propósito o que se escreveu no Acórdão n.º 457/2022-T, já citado, “o caráter automático de um benefício fiscal não desonera o interessado de o invocar perante a administração. Aliás, nem poderia ser de outro modo, pois sistemas de “tributação em massa”, como são os atuais, assentam nas declarações dos contribuintes – a obrigação de imposto é, num primeiro momento, apurada face ao por eles declarados, até pela impossibilidade prática de ser a administração a conhecer e apurar oficiosamente cada situação tributária. Isto sem prejuízo da possibilidade de posterior correção do declarado, por não correspondência à verdade ou à legalidade, a iniciativa da administração e, também, por iniciativa dos próprios, os quais se podem insurgir, através das vias procedimentais ou processuais adequadas, contra liquidações fundadas em erróneas declarações por si apresentadas”. Com efeito, no caso sub judicio, o problema vai para além dessa realidade, na medida em que existe uma opção expressa por um benefício fiscal condicionado, e que apenas não se concretiza por razões que, sendo totalmente alheias à administração, não podem ser imputadas aos serviços.

            Assim, é manifesto que a liquidação impugnada não assenta num erro imputável aos serviços, pois quando aquela ocorreu, só com base em declaração retificativa expressa dos Requerentes seria admissível a aplicação do regime legal agora pretendido, não constituindo erro imputável aos serviços a liquidação com base na aplicação de um regime de benefício fiscal declarado pelo sujeito passivo e realizada num momento em que o mesmo pode ainda concretizar-se.

            Aliás, importa frisar considerando os factos provados, que apenas o valor relativo ao empréstimo contraído com a finalidade de aquisição do imóvel alienado seria relevante, nos termos da lei, para a exclusão de mais-valias. No caso, o valor em dívida cifrava-se em € 155.438,30. Seria apenas este o valor que a administração poderia ter relevado no campo 5005 da declaração para a determinação do valor de realização para efeitos de reinvestimento e seria também esse o montante a excluir de tributação, nos termos do regime do artigo 11.º da Lei n.º 82-A/2014. Ora, sendo ainda possível aos Recorrentes, no momento em que a tal liquidação ocorre, efetuar o reinvestimento de montante superior àquele, apenas existiria um erro dos serviços se estes tivessem desconsiderado as declarações dos Requerentes.

            É certo que os Requerentes podiam ter optado pela aplicação do regime excecional e transitório do artigo 11.º da Lei n.º 82-A/2014 e que, com isso, reduziriam a sua carga tributária face à não exclusão da tributação de mais-valias com que foram atingidos pela liquidação de 2022 realizada após não terem efetuado o reinvestimento. Porém, não é menos certo de que dispuseram do prazo de dois anos para reclamar graciosamente invocando erro na sua declaração de rendimentos, nos termos do artigo 140.º do CIRS, e que apenas após o facto de se ter gorado o reinvestimento vieram, em sede de revisão, manifestar a intenção de aproveitar de um regime que a administração não estava autorizada a aplicar no momento em que a liquidação contestada ocorreu.

            Face ao exposto, resta concluir que a alegada violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e a existência de um “enriquecimento sem causa” deve ter-se por manifestamente indemonstrada e improcedente.

             

8. Juros compensatórios

No que tange com a liquidação dos juros compensatórios, alegam os Requerentes que “em nenhum momento, no ato notificado, a Autoridade Tributária demonstrou os pressupostos de que depende a liquidação de Juros Compensatórios, limitando-se, a identificar o período de tributação e de cálculo, o valor base sobre qual estes foram contabilizados e a taxa aplicável”, “limitando-se a exigir, de forma automática, o indicado valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respetiva liquidação, o que inquina o ato tributário de liquidação de juros compensatórios, ora reclamado, de vício de forma, por falta de fundamentação, e de violação de lei, por ofensa ao disposto no artigo 91.º do CIRS e 35.º, n.º 1, da LGT”.

Nesta parte assiste razão aos Requerentes. Com efeito, a considerar-se que o dever legal de fundamentação da liquidação de juros compensatórios apenas pode dar-se por cumprido “se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros”, como vem decidindo o STA – citou-se aqui o Acórdão de 2 de fevereiro de 2022, tirado no Processo n.º 0671/18.1BELLE –, é patente que in casu a mera indicação do valor a pagar, desprovida de qualquer outra evidência, é insuficiente e corresponde a uma fundamentação manifestamente insuficiente que não cumpre as exigências do disposto no artigo 77.º, da LGT, sendo que, na verdade, nem a AT contestou ou aduziu qualquer argumento no que concerne a tal vício.

 

9. Juros indemnizatórios

Resultando improcedente a pretensão dos Requerentes e não se provando que foi paga uma dívida tributária em excesso, não resultam provados os pressupostos de que o artigo 43.º, da LGT, faz depender a atribuição do direito a juros indemnizatórios.

 

 

 

 

III – Decisão

 

10. Destarte, este Tribunal decide:

 

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral na parte relativa à liquidação n.º 2020..., e manter na ordem jurídica o ato de liquidação impugnado e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
  3. Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios;
  4. Julgar improcedente o pedido acessório de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios; e
  5. Condenar as Partes no pagamento das custas infra determinadas, em função do respetivo decaimento.

 

11. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, atribui-se ao processo o valor de € 183.155,45.

 

12. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, do qual 98,91% é da responsabilidade dos Requerentes e 1,09% da Requerida.

 

 

Lisboa, 6 de maio de 2025,

 

 

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente)

 

 

 

João Pedro Rodrigues (Relator)

 

 

 

Jorge Belchior de Campos Laires (vogal)

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Recomendação n.º 80/A/96, de 18 de outubro de 1996, do Provedor de Justiça, disponível em Provedor de Justiça, O Provedor de Justiça e os Direitos dos Contribuintes, Lisboa, 2012, pp. 12 e ss..