Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1009/2024-T
Data da decisão: 2025-05-05  IMT  
Valor do pedido: € 14.907,29
Tema: IMT – Isenção prevista no artigo 7º. do CIMT; Isenção prevista no art.º 270º. do CIRE. Convolação de isenções. O carácter automático dos benefícios fiscais. O ónus de verificação dos pressupostos de uma isenção automática.
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SUMÁRIO:

  1. A convolação ou cumulação sucessiva de isenções, em sede de IMT, não está prevista no sistema fiscal. Tendo sido aplicada a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, do CIMT, que se encontra condicionada à alienação dos imóveis no prazo aí previsto, mas sem ser novamente para revenda, não poderá o adquirente, tendo concretizado uma revenda novamente para revenda, beneficiar da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
  2. O caráter automático de uma isenção de IMT não exclui o ónus de o interessado, relativamente a determinada operação, declarar à AT a verificação dos respetivos pressupostos.
  3.  Tal declaração deve ser feita, o mais tardar, até ao momento da liquidação (art.º 10º, nº 1, do CIMT).
  4.  Não enferma de ilegalidade a liquidação que não considerou factos que o sujeito passivo tinha o ónus de declarar.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

  1. Em 29 de agosto de 2024, A..., SA., contribuinte fiscal n.º..., com sede Rua..., ... Braga, doravante designada por “Requerente”, tendo sido notificada da decisão de deferimento parcial proferida no âmbito da reclamação Graciosa nº. ...2022..., através da qual se pretendia a anulação total da liquidação oficiosa de IMT, efetuada em 11.05.2021 pelo Serviço de Finanças da Maia, com base na declaração registada com o número 163167, no valor de € 37.475,08, acrescido de juros compensatórios no valor de € 4.246,49, respeitante à aquisição do prédio a que corresponde o artigo-..., situado no concelho da Maia, freguesia de ..., face ao deferimento apenas parcial da dita Reclamação graciosa, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu  a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos do art.º 2º., nº. 1, alínea a) e 10º., nº. 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), pretendendo obter o reembolso do montante de imposto de € 13.390,00 e respetivos juros compensatórios no montante de € 1.517,29, tudo num total de € 14.907,29, e consequente pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) sobre tais quantias indevidamente pagas e ainda o pagamento de juros indemnizatórios  sobre a quantia anulada em sede de Reclamação Graciosa e cujo pagamento nessa sede lhe foi negado.
  2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, a Senhora Drª ..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) é representada pelas juristas Senhora Dr.ª ... e Drª. ... .
  3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, não se tendo as partes oposto a tal nomeação.
  4. O presente Tribunal foi constituído no dia 11 de novembro de 2024, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular que se encontra junta aos presentes autos.
  5. No dia 12 de novembro de 2024, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
  6. Em 16 de dezembro de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo igualmente procedido à junção do processo administrativo.
  1. Em 18 de dezembro de 2024 o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

1. Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, nº. 2 do RJAT) o Tribunal entende ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18 do RJAT, sendo igualmente de dispensar a apresentação de alegações.

… …  … “

  1. Nesse mesmo Despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, determinou a prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

Ii - A Posição das partes

I). A Posição da Requerente

  1. A Requerente começa por apelar a que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios relativos à parte em que obteve ganho de causa em sede de reclamação graciosa e que pelas razões a seguir expostas a própria Requerida admite e condescende.
  2. A então Reclamante quantifica a base de cálculo dos juros indemnizatórios peticionados referindo que o deferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada provocou a anulação da quantia de € 24.085,08 a título de imposto e € 2.729,20 de juros compensatórios, tudo num total de € 26.614,28, devendo os juros ser contados desde 28.06.2021, que corresponde à data de pagamento dessas quantias.
  3. De seguida a Requerente invoca o seguinte:

i). A operação de aquisição do imóvel aqui em apreço, apesar de lhe ter sido aplicada a isenção de IMT com base no artigo 7.º do Código do IMT, beneficia também da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, visto que preenchia todas as condições legais exigidas para o efeito.

ii).  O entendimento da AT, à data da realização da operação em análise, era no sentido da isenção do artigo 7.º do Código do IMT ser única e exclusivamente aplicável nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens”, o que influenciou o enquadramento conferido à operação aqui em análise, optando a Requerente pela isenção de IMT do artigo 7.º do Código do IMT.

  1.  A Requerente refere ainda que a caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT – isenção condicionada - não acarreta a extinção do benefício fiscal previsto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE – isenção definitiva -, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição dos imóveis em causa.
  2.  Para terminar argumentando que a operação de aquisição do imóvel sub judice encontra-se abrangida pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que, por conseguinte, não poderia ter sido liquidado IMT com referência à mesma (síntese da posição da Requerente efetuada pela própria Requerida na sua Resposta).
  3. Efetivamente, defendendo a AT não ser aplicável ao caso concreto a isenção prevista no nº. 2 do art.º 270º. do CIRE, “por inutilidade”, já que a mesma havia beneficiado da isenção prevista no art.º 7º. do CIMT, entendendo a Autoritária Tributária que, por isso, a Requerente “renunciou ao direito de isenção que ora peticiona e cuja aplicação ficou subsequentemente prejudicada”, a Requerente manifesta quanto a tal o seu desacordo, começando por contextualizar quais as circunstâncias que a levaram a invocar, ao tempo, a isenção prevista no CIMT ao invés da isenção prevista no CIRE (deixaremos de referenciar os artigos de cada um daqueles normativos, por facilidade de exposição).
  4.  A Requerente recorda que o imóvel em causa, adquirido em 03.02.2017 com isenção de IMT ao abrigo do respetivo código, foi revendido pela Requerente em 16.01.2028, novamente para revenda, motivo pelo qual se deu a caducidade da isenção, facto que está na origem da liquidação oficiosa aqui impugnada.
  5. A Requerente não contesta que tal facto - a revenda do imóvel novamente para revenda - provocou a caducidade da isenção.
  6. Contudo, a Requerente invoca que tendo o prédio em causa sido adquirido no âmbito de um processo de insolvência deveria a sua aquisição beneficiar da isenção consagrada no CIRE.
  7. Particularizando, a Requerente que tal facto - a aquisição no âmbito de insolvência - consta da própria declaração modelo 1 de IMT apresentada em 07.10.2015, a qual inclui uma referência ao próprio número do processo de insolvência (Proc. nº. .../06.0TYVNG).
  8. Para justificar a sua opção pela aplicação de uma isenção e não de outra, a Requerente refere que, na altura, a AT defendia que a isenção prevista no CIRE era apenas aplicável às aquisições que abrangessem as denominadas ”universalidades” e não quando se tratasse de uma venda isolada de imóveis, como era o caso (Vd. Circular da AT nº. 10/2015 de 9 de setembro).
  9. Ora, a Requerente optou por aplicar a isenção prevista no CIMT, porque se estava efetivamente a adquirir um imóvel que pretendia revender.
  10. A Requerente refere que, posteriormente, na sequência de várias decisões dos tribunais superiores a Autoridade Tributária alterou o seu entendimento, passando a defender que:

“(…) A aplicação dos benefícios fiscais previstos nº. 2 do art.º 270º. do CIRE não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento (…)” (Vd. Circular da AT nº. 4/2017, de 10 de fevereiro).

  1. Isto, para dizer que os factos aqui controvertidos se verificaram entre a publicação de um e de outro dos entendimentos, vertidos pela Autoridade Tributária nas duas citadas Circulares administrativas, pelo que se admite que se a Requerente tivesse optado pela aplicação da isenção prevista no CIRE a probabilidade da mesma não ser aceite era grande, como aliás já lhe tinha acontecido em anterior procedimento inspetivo, que conseguiu inverter, obtendo ganho de causa em ação anulatória de tal liquidação, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (Proc. nº. 1385/13.4BEBRG).
  2. A Requerente invoca que, caso lhe tivesse sido aplicado a isenção do CIRE, a mesma não teria caducado, por não estar subordinada às condicionantes previstas no nº. 5 do art.º 11º. do CIMT (não ser novamente vendida e para revenda).
  3. Sabendo que a isenção aplicada caducou – por via da revenda novamente para revenda – a Requerente refere que, “… neste momento, terá renascido o direito à isenção prevista no nº. 2 do art.º 270º. do CIRE, por se encontrarem verificados os respetivos pressupostos, a data da aquisição, tendo presente, aliás, que a mesma não carece de qualquer reconhecimento por parte da AT, tratando-se, portanto, de uma isenção automática.”.
  4. Não pode a AT, entende a Requerente, liquidar adicionalmente impostos, quando sabe que a transmissão em causa beneficia de uma isenção, que nem carece de qualquer reconhecimento da sua parte.
  5. Em suma, entende a Requerente que:

“ … a caducidade da isenção prevista no artigo 7º do Código do IMT, não extingue ou preclude o direito ao benefício fiscal constante do artigo 270º. nº 2 do CIRE, cujos pressupostos se verificavam à data da aquisição.”

  1. Para tal conclusão invoca a seu favor a jurisprudência do CAAD, mais em concreto a decisão preferida no Proc. nº. 764/2014-T de 20.05.2015, Proc. nº. 20/2018-T de 16.07.2018, Proc. nº. 362/2021-T de 29.11.2021 e Proc. nº. 628/2022-T de 15.03.2023.
  2. Conclui, assim, a Requerente que a identificada jurisprudência “… é claríssima quanto a aplicação da isenção prevista no art.º 270º. do CIRE, mesmo que anteriormente tivesse sido invocada a isenção consignada no art.º 7º. do Código do IMT (e posteriormente tivesse ocorrido a respetiva caducidade), tal como sucedeu no caso que se discute nos presentes autos.”
  3. E termina solicitando:

“… a anulação da decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa e, consequentemente, da parte que ainda resta da liquidação de IMT em apreço, tendo em conta que a aquisição do prédio a que corresponde o artigo matricial-...foi efetuada no âmbito de um processo de insolvência, mais concretamente no âmbito da liquidação da massa insolvente da empresa envolvida nesse processo, beneficiando, portanto da isenção automática prevista no nº. 2 do art.º 270º. do CIRE, o que determina a ilegalidade da decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa (na parte em que indeferiu as pretensões da requerente) e, bem assim, a ilegalidade da própria liquidação que lhe subjaz, devendo a mesma, como tal, ser anulada na sua totalidade.”

 

II). A Posição da Requerida

  1. A Requerida começa por reconhecer o direito a juros indemnizatórios peticionados pela Requerente relativos à parte em que a Requerente obteve ganho de causa em sede de reclamação graciosa, derivados da situação assim descrita:

i). O sujeito passivo apresentou, em 30-06-2021, reclamação graciosa contra a liquidação de IMT em causa, a qual foi instaurada com o n.º ... 2022... .

ii). Por despacho de 2024-05-23, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças da Maia, foi determinado o deferimento parcial da reclamação graciosa, reconhecendo que a liquidação em causa não teve em conta a aplicação da regra 16ª do n.º 4 do art.º 12º do CIMT - que determina que “o valor dos bens adquiridos ao Estado,…bem como os adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato” -,assumindo erradamente como base tributária o VPT, por este ser o maior, como determina o disposto do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT.

  1. Todavia, apesar de ter havido tal deferimento, não se reconheceu o direito a juros indemnizatórios relativos a essa parte em que a Requerente obteve ganho, com o fundamento que não se verificam os pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT.
  2. Ora, resultando do ato tributário reclamado a obrigação de pagamento de imposto superior ao que era devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve de entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal.
  3. Assim sendo, relativamente à parte em que obteve ganho em sede de reclamação graciosa, o sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo. 43.º da LGT, a partir da data em que o tributo foi pago em excesso até à data em que deva ser emitida a nota de crédito.
  4. Este valor não está quantificado.
  5. A Requerida passa em seguida para a questão do pedido quanto à aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, pelo que importa analisar o que aí se encontra consagrado.
  6.  Nesta sede, recorde-se, a Requerente entende que estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e tendo a AT no momento da caducidade da isenção, verificado o preenchimento dos requisitos do art.º 270º nº. 2 do CIMT e aplicando automaticamente a isenção – o que a AT não fez, como lhe competia.
  7. E sobre esse facto a Requerida defende a sua posição, primeiro relativamente às questões declarativas, e do seguinte modo:

“Antes de mais, é bom referir que o código “31” foi declarado pela Requerente e que o mesmo deve ser declarado quando o sujeito passivo quer invocar a regra de determinação do valor tributável do art.º 12.º, n.º 4, Regra 16ª, do CIMT, a qual é mais abrangente que a “arrematação judicial ou administrativa”, e ainda mais abrangente que a adjudicação em processo de insolvência.”

  1. Mas, ainda que se entendesse que a aquisição resultava de uma ”arrematação judicial ou administrativa”, a Requerida entende que:

“tal não significa que a venda daí decorrente esteja integrada “no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente” (cf. Art.º 270.º, n.º 2 do CIRE).”, já que os pressupostos desta isenção não têm correspondência direta e exata com a regra de determinação do valor tributável ali referenciada.

  1. Ou seja, a Requerida salienta, face à posição manifestada pela Requerente quanto à possibilidade de aplicação de dois tipos de isenções, que os “…pressupostos da isenção do art.º 270º não têm correspondência direta e exata com a regra de determinação do valor tributável prevista no art.º 12º, nº 4, Regra 16ª do CIMT.”
  2. A Requerida chama a atenção para o facto de que não é dado por garantido que a Requerente, caso a tivesse solicitado oportunamente, teria tido a possibilidade de beneficiar da isenção prevista no CIRE, já que a mesma tem que preencher determinados pressupostos, as quais a entidade Requerida enumera.
  3. Manifestando o seu acordo com a Requerente quanto ao carácter automático da isenção aqui em causa, a Requerida faz referência ao ónus que impende sobre o contribuinte de declarar à AT que a aquisição se encontra em condições de beneficiar da isenção, conforme determina o disposto no nº. 1 do art.º 10º. do CIMIT.
  4. Em defesa da sua posição, referencia a Requerida diversa jurisprudência do CAAD, naturalmente em sentido oposto àquela que foi citada pela Requerente (Vd. Proc. nº. 458/2022-T de 13.03.2023, Proc. nº. 271/2022-T de 12.12.2022, Proc. nº. 613/2021-T de 18.03.2022).
  5.  A Requerida entende que, no caso concreto, não se verifica uma coexistência de um direito subjetivo a duas isenções aplicáveis ao mesmo facto tributário, não sendo possível a aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais.
  6. Sabendo-se que as condições para usufruir de uma isenção têm que ser aferidas no momento em que ocorre o facto gerador de imposto, e nessas circunstâncias o contribuinte optou por aplicar uma delas, a Requerida conclui daí que tal comportamento representa uma renúncia à outra isenção, ficando, desse modo, a sua aplicação consequentemente prejudicada, atendendo também a que a lei não prevê a sucessão ou acumulação dessas isenções.
  7. Em conclusão, a Requerida refere que, quanto ao caso concreto:

“…não está verificada uma coexistência de um direito subjetivo a duas isenções aplicáveis aos mesmos factos tributários, nem qualquer outra circunstância que, de algum modo, possam legitimar um direito superveniente à opção por parte da empresa interessada na isenção de IMT, pelo que o ora alegado deverá improceder, até porque o direito subjetivo a tal isenção perdeu-se à data do ato translativo do imóvel.”

  1. Donde refere a Requerida que:

“Assim, salvo melhor opinião, somos de entendimento que a alegação de que a Requerente pode beneficiar da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE - uma isenção definitiva -, mesmo que se tenha verificada a caducidade de isenção de IMT estabelecida no artigo 7.º do Código do IMT, - uma isenção condicionada-, deverá improceder, uma vez que, pelos motivos ora apontados, o direito subjetivo a tal isenção perdeu-se à data do ato translativo do imóvel”.

  1. Outro comportamento por parte da AT que não este, constituiria uma violação do princípio da legalidade, invocando a necessidade e se respeitar, na relação jurídico tributária o princípio da segurança jurídica e da estabilidade.
  2. Ora a Requerida entende que:

“A troca de isenções, com efeitos retroativos, ou a sua aplicação sucessiva, para além de carecer de fundamento legal, atenta contra o princípio da certeza e segurança jurídicas pois a AT confiou na veracidade e na boa fé do conteúdo dessa declaração modelo 1 de IMT (v. art.º 75.º n.º 1 da LGT), e, nessa base, confiou na estabilidade e previsibilidade da relação jurídico-tributária assim constituída.”.

  1. A entidade Requerida refere ainda a diversa razão de ser de cada uma das isenções em causa, para inviabilizar a pretensão da Requerente.  
  2.    A Requerida termina considerando não serem devidos os juros indemnizatórios peticionados pela Requerente e mesmo que esta obtenha ganho de causa nunca o tribunal estaria em condições de os arbitrar por carência de elementos, devendo isso sim remeter tal questão para execução de sentença.
  1. Termina pugnando para que a presente ação seja julgada improcedente por não provada e a Requerida absolvida de todos os pedidos.

 

III - SANEAMENTO

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

IV - Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1.  Factos dados como Provados

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima cujo objeto social visa a compra e venda de imóveis, arrendamento de imóveis, bem como alojamento para turistas;
  2. Em 27-10-2015, a Requerente procedeu à submissão da declaração modelo 1 de IMT, tendo a mesma sido registada com o n.º ..., para aquisição do imóvel identificado com o artigo ... da freguesia de..., concelho da Maia;
  3. A declaração foi submetida com o benefício da isenção prevista no art.º 7º do CIMT, pelo que foi emitido o documento de liquidação do IMT com o n.º..., no valor de € 0,00;
  4. A Requerente, em 03-02-2017, adquiriu, pelo valor de € 206.000,00, o referido prédio urbano, com destino a armazéns e atividade industrial, inscrito na respetiva matriz sob o artigo U..., com o valor patrimonial tributário (VPT) de € 576.539,69, no âmbito de processo de insolvência n.º .../06...TYVNG, em que era insolvente a sociedade B..., Lda., tendo beneficiado da isenção de IMT ao abrigo do art.º 7º do CIMT (prédios para revenda);
  5. Em 16-01-2018, a Requerente alienou o mesmo imóvel, novamente para revenda;
  6. Em 28-01-2020, a Direção de Finanças de Braga, no âmbito de procedimento de inspeção tributária, efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI2020..., detetou que relativamente à aquisição do imóvel identificado com o artigo U-...da freguesia de ..., concelho da Maia, tinha caducado a isenção do art.º 7º do CIMT e que o sujeito passivo não solicitou a liquidação de IMT (cf. art.º 34.º/CIMT);
  7. Em 15-03-2021, o Serviço de Finanças da Maia notificou a Requerente, através do ofício n.º 2021..., para no prazo de 30 dias, previsto no n.º 1 do art.º 38º do CIMT, proceder ao pagamento do IMT, no valor de € 37.475,08, acrescido de juros compensatórios no montante de € 4.246,49;
  8. Na sequência, em 11-05-2021, com base na declaração Mod. 1 registada com o n.º..., foi promovida, pelo Serviço de Finança da Maia, a liquidação oficiosa de IMT n.º..., no valor total de € 41.721,57 (IMT=€ 37.475,08 + JC=€ 4.246,48), (€ 37.475,08 de imposto e € 4.246,48 de juros compensatórios), referente ao DUC..., relativa à aquisição do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo U-..., da freguesia de..., concelho da Maia;
  9. A referida liquidação, no montante total de € 41.721,57, foi paga, em 28-06-2021, pela Requerente;
  10. Ainda, a título subsidiário, caso não fosse atendida a sua pretensão, a então Reclamante solicitou também a anulação parcial da liquidação, uma vez que a mesma havia sido efetuada tendo por base um valor tributável de € 576.539,69, correspondente ao VPT do imóvel, quando deveria ter sido aplicada a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMI, segundo a qual o valor tributável corresponde ao valor do contrato, ou seja, € 206.000,00, resultando assim que o valor do IMT devido deveria ascender apenas a € 13.390,00 (€ 206.000,00 x 6,5 %);
  11. No âmbito do referido procedimento de Reclamação Graciosa foi elaborado projeto de indeferimento, nos termos e com os fundamentos que se seguem:

(…) 5. Infere-se, do pedido, a intenção subjacente da Requerente numa “cumulação aparente” de isenções, no sentido da tributação de um determinado facto gerador de imposto, ser impedida sucessivamente por força da aplicação de duas isenções distintas, ou seja, após a perda de uma primeira isenção (pertinente será ter presente que a isenção prevista no Artigo 7º do Código do IMT está legalmente delimitada ao prazo de três anos de vigência, sujeita assim a uma condição resolutiva) ainda assim seria admissível a aplicação de um outro benefício.

6. No que tange ao reconhecimento das isenções fiscais, conforme refere o nº 1 do Artigo 10º do Código do IMT, são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efetuar.

7. Face a uma factualidade, que em abstrato (se verificados os respetivos pressupostos) até poderia ser enquadrável em ambas as previsões normativas das isenções aqui dirimidas, não há que se admitir porém que se possa verificar qualquer tipo de aplicação cumulativa ou até sucessiva de benefícios fiscais, nem tal decorre ex lege, pelo que o usufruto de uma isenção no momento que ocorre a obrigação tributária, e que de facto o requerente beneficiou, traduz-se assim na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.

8. Em suma, o direito subjetivo ao benefício fiscal requerido, que em abstrato (se verificados os respetivos pressupostos) poderia ver constituído, pereceu à data do ato translativo dos imóveis, tanto mais que a reclamante, nem sequer o fez valer em tempo oportuno, perante a entidade competente para o seu reconhecimento, no caso a Administração Tributária.

9. Não concedendo, ainda que se pudesse aquilatar que a exigência de “reconhecimento prévio” da isenção, pudesse não significar que a isenção tivesse necessariamente de ser reconhecida e comunicada à entidade requerente previamente às aquisições em causa, sempre será de ter em conta que o pedido das mesmas necessariamente teria de ser apresentado aos serviços em data anterior a essa aquisição.

10. Vir agora invocar uma isenção distinta de IMT, quando ab início teve a oportunidade de a requerer e não o fez, leva ao entendimento que a Requerente renunciou ao direito de isenção que ora peticiona e cuja aplicação ficou subsequentemente prejudicada;

11. Determina, ainda, o nº 1 do Artigo 10º do Código do IMT que “1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efetuar”.

12. Não obstante, a liquidação efetuada não teve em conta a aplicação da regra 16ª do n.º 4 do art.º 12º do CIMT que determina que “o valor dos bens adquiridos ao Estado…bem como os adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato”;

13. A Circular 22/2009, de 2009.09.14, veio, ainda, esclarecer eventuais dúvidas no sentido de esta corresponder a uma exceção ao n.º 1 do mesmo art.º 12º do CIMT que determina que o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário, consoante o que for maior;

14. Pelo que, nos termos explicitados no ponto 12 a liquidação deveria ter levado em conta como valor tributável o valor do ato ou contrato, ou seja, € 206.000,00;

15. A taxa aplicar a este tipo de aquisição é a prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 17º do CIMT (aquisição de outros prédios urbanos e outras aquisições onerosas) – 6,5%, pelo que o imposto a pagar deverá ser calculado da seguinte forma: € 206.000,00 x 6,5% = € 13.390,00

16. Cumpre ainda referir que por não se verificarem, in casu, os pressupostos do n.º 1 do artigo 43º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.”

  1. A Requerente foi notificada por via CTT em 11.03.2024, de acordo com o previsto no nº 10 do artigo 39º do CPPT, para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT, sobre o referido projeto de deferimento parcial.
  2. Terminado o prazo para a audição prévia sem que a Requerente o tenha exercido, a reclamação foi, por despacho de 23-05-2024 da Chefe de Finanças da Maia, deferida parcialmente, tornando-se definitiva a decisão nos termos e com os fundamentos constantes do projeto notificado.
  3. Procedeu-se à notificação da Requerente da decisão de indeferimento parcial, por ofício do Serviço de Finanças da Maia, datado de 23-05-2024, remetido “Via CTT”, a qual foi disponibilizada com registo de 24-05-2024, considerando-se notificada em 11-06-2024 - art.º 39.º, n.º 10 do CPPT.
  4. Contudo, não se conformando, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral em 2 de agosto de 2024, com vista a anular a decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa e consequentemente a anulação da liquidação oficiosa de IMT, e respetivos juros compensatórios no montante de € 14.907,29 e ainda o pagamento de juros indemnizatórios.
  5. A entidade Requerida reconheceu o direito da então Reclamante ao pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre a diferença de valores entre a liquidação inicial de imposto (€ 37.475,08) e aquele que seria devido na sequência do deferimento parcial da Reclamação Graciosa (€ 13.390,00), atendendo ao valor sobre o qual deveria ter incidido a taxa de imposto (taxa de 6,5 % sobre € 206.000,00 em vez de sobre € 576.593,69).

 

  1. Factos dados como não Provados
  1. Não se encontram factos relevantes que devam ser considerados como não provados.

 

THEMA DECIDENDUM –

Importa apurar se é admitido a um sujeito passivo que tenha beneficiado da isenção previsto no nº. 1 do art.º 7º. do CIMT – aquisição de imóveis para revenda – caducada essa isenção, por ter ocorrido uma venda novamente para revenda, - a atribuição da isenção de IMT, para o mesmo facto tributário, sete anos volvidos, mas agora ao abrigo do disposto no nº. 2 do art.º 270º. do CIRE.”

 

V – LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Artigo 270.º, nº. 2 do CIRE

“Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

Artigo 7º nº. 1 do CIMT:

“São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao Informação exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.”

Artigo 11.º, n.º 5 do CIMT:

“A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda (…) o foram novamente para revenda”.

 

VI – PRESSUPOSTOS DA DECISÃO.

  1. Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, importa decidir, começando por uma questão prévia.
  2. Como se referiu, a Requerente solicita que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios relativos à parte em que obteve ganho de causa em sede de reclamação graciosa.
  3. Acontece que, e que pelas razões que invocou, a Requerida admite e condescende nesse pedido que diz respeito à parte em que a Requerente obteve ganho de causa em sede de reclamação graciosa.
  4. Ora, refere a Requerida que em resultando do ato tributário reclamado a obrigação de pagamento de imposto superior ao que era devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve de entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal.
  5. Assim sendo, pode também o Tribunal concluir, como acordado entre as partes, que relativamente à parte em que obteve ganho de causa em sede de reclamação graciosa, o sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo. 43.º da LGT, a partir a data em que o tributo foi pago em excesso até à data em que deva ser emitida a nota de crédito.
  6. Assim, são devidos juros indemnizatórios calculados sobre a diferença de valores entre a liquidação inicial de imposto (€ 37.475,08) e aquele que seria devido na sequência do deferimento parcial da Reclamação Graciosa (€ 13.390,00), atendendo ao valor sobre o qual deveria ter incidido a taxa de imposto (taxa de 6,5 % sobre € 206.000,00 em vez de sobre € 576.593,69).
  7. Os juros são devidos desde a data do pagamento do imposto e juros compensatórios em causa - 20.06.2021 - até á data da emissão da respetiva Nota de Crédito.
  8. Retomando o tema principal, e as posições assumidas pelas partes, constatamos que, perante o facto tributário – a aquisição de um imóvel em sede de uma insolvência judicial – a Requerente, tendo ao seu dispor a possibilidade de requerer a isenção em sede de IMT da aquisição que ia efetuar, ao abrigo de duas disposições legais diferentes, que eram por si conhecidas, optou por solicitar a isenção prevista no art.º 7º. do CIMT, que consagra o seguinte:

“São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao Informação exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.”

  1. Trata-se, como se constata, de uma isenção condicionada.
  2. Acontece que, factualidade com a qual as partes estão de acordo – chegado o momento da revenda, a Requerente revendeu efetivamente o imóvel, condição imposta para que a isenção se mantivesse – mas optou por proceder a essa venda a uma empresa adquirente que declarou ser tal compra destinada a revenda.
  3. Ora tal circunstância - a venda de imóvel novamente para revenda – está expressamente prevista na lei como constituindo uma das situações que provocam a caducidade da isenção a que se refere o art.º 7º. do CIMT, que é aquela que está aqui em causa.
  4. Aqui chegados, indiscutível se torna afirmar, no que as partes não contestam, que a aquisição solicitada/utilizada pela Requerente caducou.
  5. Nessa sequência, e conforme seria de esperar, a AT, no cumprimento da lei, procedeu à liquidação do respetivo imposto, acrescido dos respetivos juros compensatórios.
  6.  Contudo, a Requerente não se conformou com tal decisão e apresentou Reclamação Graciosa, a qual veio a ser parcialmente favorável às suas pretensões, mas apenas no que diz respeito ao cálculo do valor que serviu de base à determinação do valor do imposto, matéria já aqui tratada.
  7. Tal decisão administrativa indeferiu uma outra pretensão da então Reclamante e que consistia na tentativa de anulação da liquidação em causa, agora apenas no montante de € 13.390,00, que resulta da incidência da taxa de imposto (6,5%) sobre o valor do bem adquirido por arrematação em hasta pública: - € 206.000,00.
  8. Pretende a Requerente que se reconheça que sobre o mesmo facto tributário relativamente ao qual já recaiu uma isenção possa ser aplicada uma outra isenção, ao abrigo de diferente normativo legal, mas que conduziria a idêntico efeito, ou seja, continuar a considerar-se a transmissão do imóvel em questão como isenta de IMT e anular a liquidação entretanto concretizada pela AT.
  9. O indeferimento de tal pretensão em sede administrativa, esteve na origem da apresentação deste pedido de pronúncia arbitral.
  10. Retomando a posição da Requerente em defesa da sua posição, salientamos os seguintes aspetos:
  11. A aquisição do imóvel em causa, apesar de lhe ter sido aplicada uma isenção (art.º 7º. do CIMI), também beneficiaria da isenção prevista no art.º 270º. do CIRE), visto que, no seu entender, preenchia todas as condições legais para o efeito.
  12. Ou seja, sete anos após a ocorrência do facto tributário, a Requerente pretende que, com efeitos retrativos, lhe seja reconhecida outra isenção, ao abrigo de outra legislação, com outras características e pressupostos.
  13. Mas, pretende também, que desse reconhecimento nasça o direito a ver anulada a liquidação resultante do facto de ter conduzido à caducidade da única isenção por si efetivamente requerida.
  14. Refira-se que a Requerente nunca solicitou administrativamente a aplicação desta segunda isenção, nem tão pouco requereu à Autoridade Tributária a convolação de uma na outra.
  15.  Recordemos o teor da segunda isenção agora pretendida aplicar:

“Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

 

  1. Não restam dúvidas que a aquisição em causa foi efetuada no âmbito de um processo de insolvência perfeitamente identificado, havendo que provar que tal venda se efetuava no âmbito de um plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, como a lei exige.
  2. Isto, com a agravante de que, ao tempo, tais isenções só eram reconhecidas para a transmissão da universalidade dos bens em causa no plano de insolvência ou de liquidação da massa.
  3. Apesar dessa isenção ser automática, contudo, como diz a Requerida:

“…o caráter automático da isenção não elimina o ónus que impende sobre o contribuinte de declarar à administração tributária que a aquisição se encontra em condições de beneficiar da isenção, conforme previsto do disposto no n.º 1 do art.º 10.º do Código do IMT, que diz:

 1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efetuar.”

  1. E não há garantia de que se a tivesse utilizado, apesar de automática, o direito a essa isenção seria suportado em factos que a viabilizassem.
  2. Não só essa prova não foi feita na altura, porque a Requerente não solicitou a sua aplicação, como do processo não constam dados suficientes para se reconhecer que a ela a Requerente teria direito.
  3. E essa prova sempre teria que dizer respeito às circunstâncias concretas da operação em causa.
  4. Por outro lado, a Requerente invoca, como pressuposto que condicionou a sua opção pela isenção do CIMT em detrimento da do CIRE, o facto de, ao tempo, ser entendimento da AT que a do CIRE só se aplicava apenas quando estivesse em causa a “aquisição da universalidade de bens”.
  5.  Independentemente de ter sido esse o racional da Requerente para optar entre duas isenções que tinha, ao tempo, ao seu dispor, o que é facto é que optou por uma em detrimento da outra, naturalmente face às circunstâncias que, no momento, entendeu que lhe seriam as mais favoráveis. 
  6. Terá, agora, naturalmente, que assumir as consequências de tal decisão, do mesmo modo como se tivesse optado pela isenção do CIRE, também poderia ver a AT negar-lhe tal direito face, nomeadamente, à interpretação que a própria Requerente reconhece ser aquela que era adotada ao tempo, pela própria AT.
  7. Mas, lá por ter a AT mudado de opinião, ditada pela jurisprudência que sobre esta matéria se debruçou, estando agora em momento mais propício para a sua aplicação, sendo-lhe tal conveniente, continua a faltar à Requerente o enquadramento legal e o suporte fáctico para que tal pretensão se possa tornar válida.
  8. Mas, relativamente a esta questão da suposta opção entre duas isenções, notemos o que se encontra expresso no Acórdão do CAAD tirado no Proc. nº. 613/2021, que transcrevemos:

“Em primeiro lugar, há que salientar não estarmos perante um caso em que o legislador conferiu um direito de opção aos interessados. Estaremos sim perante um concurso aparente de normas, pois a factualidade em causa (as aquisições de imóveis) é subsumível às hipóteses de dois tipos legais de isenção, as quais tutelam interesses extrafiscais diferentes (não originar uma cascata de tributações em IMT, no caso do art.º 7º do CIMT; facilitar, não onerando com a incidência de imposto, a aquisição de bens integrantes de massas insolventes, de modo a permitir uma mais cabal satisfação dos credores, no caso do art.º 270º do CIRE). Num concurso aparente de normas só uma, a apurar em sede interpretativa atentos os objetivos prosseguidos por cada uma delas, resultará aplicável.”

  1. E concluindo:

“Não sendo necessário prosseguir nesta senda, fica apenas o entendimento de que a questão nunca poderia ser decidida à luz do exercício de uma opção entre duas isenções, como pretende a Requerida.”

  1. Invoca, ainda, a Requerente que a caducidade da isenção de que beneficiou não acarreta a extinção do benefício do art.º 270º. do CIRE.
  2. E isso é um facto, o benefício está ainda em vigor e ao dispor dos sujeitos passivos que preencham os requisitos para tal.
  3. Não pode é estar disponível para quem não manifestou a intenção de o utilizar em devido tempo, aquando da ocorrência do facto tributário e antes da respetiva liquidação, apesar de não haver dúvidas que estamos perante benefícios fiscais automáticos.
  4. E retomemos a mesma Decisão Arbitral acima referenciada, e que também se debruça sobre a natureza dos benefícios fiscais automáticos:

“Segunda nota para salientar que, em ambos os casos, estamos perante benefícios fiscais automáticos, pois que resultam diretamente da lei. Mas haverá que atentar no significado da expressão “benefícios fiscais automáticos”: são aqueles que não pressupõem a existência de um procedimento, que culminará na prática de um ato administrativo que concluirá pela verificação ou não dos pressupostos legais da sua concessão (art.º 5º, nº 1 e 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

Porém, o caráter automático de um benefício fiscal não desonera o interessado de o invocar perante a administração. Aliás, nem poderia ser de outro modo, pois sistemas de “tributação em massa”, como são os atuais, assentam nas declarações dos contribuintes – a obrigação de imposto é, num primeiro momento, apurada face ao por eles declarados, até pela impossibilidade prática de ser a administração a conhecer e apurar oficiosamente cada situação tributária. Isto sem prejuízo da possibilidade de posterior correção do declarado, por não correspondência à verdade ou à legalidade, a iniciativa da administração e, também, por iniciativa dos próprios, os quais se podem insurgir, através das vias procedimentais ou processuais adequadas, contra liquidações fundadas em erróneas declarações por si apresentadas.”

  1. Ora, tais procedimentos, no caso concreto que nos ocupa, a Requerente não promoveu.
  2. A Requerente avança na sua argumentação, agora no sentido de defender que a AT não deveria ter procedido à liquidação do imposto aqui posto em causa, porquanto sabia que a aquisição do imóvel se encontrava abrangida pela isenção previsto noa art.º 270º. do CIRE.
  3. Mas, neste particular, esquece-se a Requerente que tal teria sempre que ter sido requerido antes da ocorrência do facto tributário, e que a Requerente deveria disponibilizar à AT os elementos de prova que entendesse relevantes para que a mesma se consolidasse na sua esfera jurídica.
  4. O que não fez.
  5. Retomando a mesma decisão do CAAD:

“Este princípio da declaração – estrutural do sistema fiscal, como vimos - aparece expressamente afirmado para casos como os em análise pela al. d) do nº 8 do art.º 10 do CIMT - são de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções: d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código (no presente caso, o CIRE).

Está em causa um ónus, a exigência legal que o interessado pratique determinada conduta, juridicamente relevante, sob pena de não alcançar um benefício, ou, eventualmente, suportar uma desvantagem. Neste caso, o ónus de declarar que as aquisições efetuadas preenchiam os pressupostos da isenção prevista no art.º 270º, nº 2, do CIRE. Ónus que, por regra, deveria ser cumprido antes dos atos translativos dos imóveis, como dispõe a citada norma do CIMT.”

  1. E, continuando relativamente à situação concreta daqueles autos, que em tudo se assemelha àquela que aqui estamos a analisar:

 

“Ora, a Requerente nunca declarou à AT que tais aquisições estavam abrangidas pelo artº 270º, n.º 2 do CIRE, nunca substituiu ou tentou substituir a declaração inicial (na qual invocou a aplicabilidade da isenção prevista no art.º 7ª do CIMT) por outra em que invocasse a aplicabilidade desta outra isenção.”

  1. Podemos, por isso, também concluir como o faz a Decisão do CAAD tirada no Proc. nº. 271/2022, de 12.12.2022, onde se pode ler:

“Como amplamente explanado, entende o tribunal arbitral que a pretensão da Requerente não pode proceder, por um lado, porque, como supra desenvolvido, não deu cumprimento aos requisitos legais previstos no CIMT e, por outro lado, porque só depois de verificada a caducidade, é que veio pedir a convolação da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, que requereu e de que beneficiou, para a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, que não requereu e de que pretende agora beneficiar, sem que, no decurso dos referidos cinco anos, tenha utilizado os procedimentos administrativos ou judiciais previstos nas leis tributárias para suscitar a pretendida correção, convolação ou troca.”

  1. Assim sendo, se outras razões não houvesse, as liquidações impugnadas não enfermam de qualquer dos vícios que lhe foram apontados, nada justificando a sua anulação.

 

VII - DECISÃO

  1. Face ao exposto, improcede assim o pedido formulado pela Requerente no sentido de ser declarada a ilegalidade das liquidações impugnadas no montante de imposto de € 13.390,00 e respetivos juros compensatórios no montante de € 1.517,29, tudo num total de € 14.907,29, cuja liquidação assim se deve manter na ordem jurídica.
  2. Prejudicado fica o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º. da LGT relativamente aos pagamentos efetuados pela Requerente das quantias acima referidas na alínea A).
  3. Mais se determina, conforme reconhecido pela Requerida, que a AT procederá em sede de execução de sentença ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a diferença de valores entre a liquidação inicial de imposto (€ 37.475,08) e aquele que seria devido na sequência do deferimento parcial da Reclamação Graciosa (€ 13.390,00), atendendo ao valor sobre o qual deveria ter incidido a taxa de imposto (taxa de 6,5 % sobre € 206.000,00 em vez de sobre € 576.593,69).

 

 

 

VIII - Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 14.907,29 (catorze mil novecentos e sete euros e vinte e nove cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX - Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de maio de 2025

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O Árbitro

 

 

(Jorge Carita)