Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 980/2024-T
Data da decisão: 2025-04-22  IVA  
Valor do pedido: € 82.846,69
Tema: Pagamentos para adesão a Planos de Saúde; Enquadramento em IVA; Reenvio Prejudicial
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 SUMÁRIO:

 

  1. No entendimento do TJUE, o conceito de “assistência médica”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Diretiva IVA, e o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea c), dessa Diretiva, “visam ambos prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde” — acórdão Future Health Technologies, C‑86/09, 10.06.2010, n.ºs 37 e 38.
  2. Da leitura do artigo 132.°, n.°1, alínea c), da Diretiva IVA que “uma prestação deve estar isenta se preencher dois requisitos, a saber, por um lado, constituir uma prestação de serviços de assistência na saúde e, por outro, esta prestação deve ser efetuada no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”
  3. A atividade desenvolvida pela Requerente de prestação de serviços de comercialização de planos de saúde não cumprindo assim com os requisitos objetivos e subjetivos previstos para a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9, nº 1 do CIVA, bem como para a isenção do n.º 2, do art.º 9.º do mesmo Código, não pode gozar da mesma.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins (árbitro-presidente), Dr. António de Barros Lima Guerreiro e Dr. António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-10-2024, acordam no seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO

 

A..., S.A., sociedade comercial com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na ..., n.ºs ... e ...,  ...-... Lisboa, doravante designada por “Requerente, apresentaram ao abrigo do disposto no artigo 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no artigo 97.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), na alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 5.º, no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (“RJAT”) e, ainda, nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação adicional de IVA com o n.º 2024..., bem como do ato de liquidação de juros compensatórios identificado com o mesmo número, cujas demonstrações de acerto de contas determinam o montante a pagar de EUR 71.237,85 e EUR 11.608,84, respetivamente, referindo-se os atos em causa ao período de dezembro de 2019

Subsidiariamente, as Requerentes pedem que se efetue reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-8-2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 9-10-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal arbitral coletivo foi constituído em 29-10-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em 5/12/2024, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

O Requerente apresentou requerimento em 18/12/2024, que denominou pronunciar-se ao abrigo do princípio do contraditório, relativamente à alegada desnecessidade de produção de prova testemunhal (cf. o artigo 198.º da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira)

Após ter sido designado o dia 8/1/2025 para a realização da reunião do art.º 18.º do RJAT e inquirição de testemunhas e face à impossibilidade da Requerente também no dia 20/2/2025, foi realizada a mencionada reunião no dia 6/3/2025, conforme acta constante do SGP.

Por requerimento de 21/3/2025, o Requerente procedeu à junção de cópia dos contratos que respeitam a contratos de profissionais de saúde celebrados e vigor no ano de 2019 e do Balancete analítico referente ao período de 2019.

Por fim, a Requerente apresentou as suas alegações por requerimento de 24/3/2025.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
  1. POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima sediada em Portugal, cujo objeto social consiste, entre outros, na prestação de serviços de saúde e assistência médica no lar, para o que se encontra registada com o CAE 86210 – Atividades de prática médica de clínica geral, em ambulatório.

 

  1. A Requerente integra o Grupo B..., um grupo privado internacional especializado no desenvolvimento e gestão de produtos de Saúde e Vida e cuja missão é proporcionar aos seus clientes as melhores condições de saúde, vida e bem-estar.

 

  1. Note-se que a Requerente nasce da cisão da C..., S.A. (doravante “C...”) – mormente, o destaque de uma parte do seu património –, com a consequente fusão com uma sociedade já existente (a Requerente) (cf. Documento 3 que se junta e dá como reproduzido).

 

  1. Resulta do projeto de cisão que a mesma visou a reorganização da estrutura societária do grupo, potenciando-se a especialização de cada entidade numa área de negócio distinta, com o inerente incremento da rentabilidade e competitividade (cf. citado Documento 3).

 

  1. A Requerente, que à data não dispunha de trabalhadores, passou a contar com os recursos humanos, técnicos e intangíveis transferidos pela C..., podendo assim desenvolver a sua atividade de forma mais especializada e alargada, tanto no seio do grupo como em relação a entidades terceiras a atuarem no ramo da saúde.

 

  1. O modelo de negócio atual da Requerente resulta dessa reorganização, tendo a C... mantido na sua esfera os serviços de gestão da rede de cuidados de saúde, que constituem o seu core business (e sem prejuízo do facto de a Requerente dispor de colaboradores próprios).

 

  1. A decisão de manter determinados serviços na esfera da C... (e não da Requerente) foi tomada tendo em conta o sentido estratégico da cisão, que visava, conforme referido (e, de resto, resulta explicitamente do projeto de cisão) potenciar as capacidades competitivas de cada entidade num mercado cada vez mais exigente e em linha com a sua estratégia de internacionalização.

 

  1. No âmbito da sua atividade, a Requerente disponibiliza aos seus clientes Planos de Saúde que garantem a prestação de atos médicos aos seus subscritores, a preços previamente convencionados, por profissionais que integram a sua rede de medicina privada.

 

  1. Entre os atos médicos incluídos nos Planos de Saúde comercializados pela Requerente incluem-se, entre outros, consultas (presenciais ou remotas), exames de diagnóstico e internamento, variando a natureza dos mesmos em função da tipologia de plano comercializado: Plano de Saúde Oral, Plano de Saúde..., Plano de Saúde Sénior, Plano de Saúde Visão e Plano de Saúde Multi-Especialidade (cf. as cópias dos contratos dos planos de saúde constantes dos anexos 4 a 6 do Relatório de Inspeção Tributária junto como Documento 4).

 

  1. A rede de medicina privada da Requerente é constituída por (i.) colaboradores próprios – médicos, enfermeiros e assistentes técnicos –, assim como por (ii.) parceiros credenciados e entidades subcontratadas – desde médicos a hospitais, passando por centros de exames e tratamento ou clínicas de medicina dentária, assim garantindo uma atuação abrangente das várias especialidades médicas existentes.

 

  1. Os colaboradores e parceiros da Requerente são contratados mediante celebração de contratos através dos quais os primeiros se comprometem a prestar aos utilizadores da rede de medicina privada da Requerente os atos médicos da sua especialidade e competência, que incluem avaliações, diagnósticos clínicos, tratamentos terapêuticos, entre outros.

 

  • Os Planos de Saúde comercializados pela Requerente compreendem, portanto, um conjunto de serviços médicos agregados, nomeadamente:

(i) serviços médicos presenciais;

(ii) serviços médicos remotos; e

(iii) serviços conexos com a prática de atos médicos.

 

  1. Os serviços médicos presenciais compreendem tratamentos médicos ao domicílio, o acesso a hospitais, centros de exames e tratamento ou clínicas de medicina dentária.

 

  • Os serviços médicos remotos compreendem o acesso a consultas médicas à distância, com recurso a uma “clínica virtual”, operacionalizada através de uma plataforma online própria, dotada de profissionais médicos contratados pela Requerente, proporcionando o diagnóstico e tratamento de doenças ou de quaisquer anomalias de saúde, recebendo os utentes cuidados médicos de forma conveniente e eficiente, sem a necessidade de deslocação física.

 

  • Os serviços conexos são, como indicia a própria nomenclatura, serviços relacionados com a prática de atos médicos (aqueles antes mencionados), essencialmente relativos à gestão clínica: a análise historial/processual e clínica dos utentes para determinação da aptidão de/para determinado tratamento, o controlo de qualidade do(s) serviço(s) prestado(s) pela rede de medicina privada, bem como o atendimento telefónico permanente, para fins de pré-diagnóstico e marcação de consultas.

 

  1. Estes serviços são, naturalmente, realizados por profissionais devidamente habilitados e credenciados, contratados pela Requerente, e integrantes da referida rede de medicina privada.

 

  1. Para usufruírem do conjunto de serviços integrados no Plano de Saúde contratado, os beneficiários pagam uma quantia fixa que varia em função do tipo de plano escolhido, assim podendo utilizar os serviços compreendidos no plano, quando o pretendam em linha com um modelo de financiamento por capitação.

 

  1. Em alguns casos, os beneficiários dos Planos de Saúde poderão ter de pagar diretamente ao parceiro da Requerente que concretiza o ato médico, um valor adicional convencionado.

 

  1. De qualquer forma, esse valor será sempre inferior ao valor que seria pago se o Plano de Saúde não tivesse sido subscrito pelo beneficiário.

 

  1. Adicionalmente, cumpre referir que a Requerente se encontra devidamente registada como entidade prestadora de serviços de saúde junto da ERS, sendo o responsável técnico o senhor DR. D..., inscrito na Ordem dos Médicos, cujo número da cédula profissional é o ... (cf. a informação disponível em www.ers.pt e www.ordemdosmedicos.pt).

 

  1. Atentos os serviços disponibilizados mediante comercialização dos referidos Planos de Saúde, conclui-se que a Requerente se dedica à prestação de serviços de saúde(3), sem prejuízo de o fazer através de um modelo organizacional diferente do tradicional.

 

  1. O modelo de negócio adotado pela Requerente – que passa, por exemplo, pelo recurso à subcontratação, bem como pela realização de consultas à distância – é o resultado de uma opção de gestão que visa garantir uma resposta mais eficiente e modernizada ao desafio da prestação de serviços de saúde.

 

  1. Acresce que, e em linha com o que se expôs supra, por motivos de organização interna do Grupo B... (4) (que conta com várias entidades estabelecidas em diversas jurisdições que comercializam Planos de Saúde), é a C..., com o número de identificação fiscal ..., que, atuando como entidade do grupo que centraliza a aquisição de serviços de saúde, adquire a prestadores de cuidados de saúde (como hospitais, clínicas, médicos) parte dos serviços de saúde que são incluídos nos Planos de Saúde disponibilizados aos clientes, refaturando o custo desses serviços médicos à Requerente e a outras entidades do Grupo, conforme resulta da fatura incluída no anexo 7 do Relatório de Inspeção Tributária junto como Documento 4.

 

  1. Assim, os serviços de saúde prestados pela E... aos clientes da Requerente (na medida em que a C... funciona apenas como centralizadora da aquisição dos serviços) são, em rigor, prestados pela Requerente, que é a entidade responsável pela gestão clínica, controlo de qualidade e apoio telefónico permanente para pré-diagnóstico e marcação de consultas.

 

  1. Posto isto, importa reter que é a Requerente quem acaba por prestar, efetivamente (e, consequentemente, diretamente!), os serviços de saúde aos seus clientes, através da sua rede de medicina privada, da qual a E... faz parte como entidade subcontratada.

 

  1. A relação contratual entre a C... e a E... não altera esta realidade, mas apenas estabelece as condições e os termos da prestação de serviços por parte da E... aos clientes da C..., que são, na verdade, clientes da Requerente.

 

  1. Em todo o caso, sobre a figura dos Planos de Saúde, e tendo em vista um enquadramento mais aprofundado deste produto, remete-se para o estudo “Os cartões de saúde em Portugal” realizado pela Entidade Reguladora da Saúde (“ERS”), datado de maio de 2014(6) (cf. Documento 6 que se junta e dá como reproduzido).

 

  1. Prosseguindo, no decurso de 2023 teve início uma ação de inspeção tributária de natureza externa e âmbito parcial na esfera da Requerente, a qual foi credenciada pela ordem de serviço OI2023... e versou sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e IVA referentes ao período de tributação de 2019.

 

  1. A referida ação de inspeção tributária teve início em 19.10.2023, com a assinatura da ordem de serviço por um dos representantes da Requerente.

 

  1. Na sequência dos diversos atos de inspeção praticados, e sem prejuízo dos esclarecimentos que a Requerente foi prestando no decurso da ação inspetiva, foram projetadas correções, que se limitaram ao IVA, conforme plasmado no projeto de relatório de inspeção tributária notificado à Requerente em 1.03.2024, de harmonia com o disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).

 

  1. Como referido no projeto de relatório de inspeção tributária notificado à Requerente, esta “foi alvo de procedimento inspetivos (sic) anterior, nomeadamente ao exercício de 2020 ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022...”, tendo as correções propostas revestido teor idêntico, num e noutro caso (cf. A página 8 do citado Documento 4).

 

  1. Inconformada com as correções propostas e uma vez notificada para se pronunciar sobre as mesmas, ao abrigo do princípio da participação os contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito consagrado no artigo 60.º da LGT, assim como no contexto da inspeção, no artigo 60.º do RCPITA, a Requerente exerceu o seu direito mediante apresentação de requerimento de audição prévia em 12.03.2024 (cf. Anexo 9 do Documento 4).

 

  1. Sem prejuízo dos argumentos avançados pela Requerente em sede de audição prévia, os SIT mantiveram, no relatório final de inspeção tributária, as correções propostas, que foram então convertidas em definitivo.

 

  1. Com base nas correções operadas, foi emitido, entre outros, o ato de liquidação adicional de imposto e juros compensatórios que aqui se impugna, com o n.º 2024..., cujas demonstrações de acerto de contas determinam o montante a pagar de EUR 71.237,85 e EUR 11.608,84, respetivamente, referindo-se os atos em causa ao período de dezembro de 2019.

 

  1. A Requerente não procedeu ao pagamento do quantum de imposto liquidado, razão pela qual foi contra si instaurado o correspondente processo de execução fiscal, com o n.º ...2024... e apensos, cuja quantia exequenda monta a EUR 2.068.687,61 e o total a pagar, incluindo juros de mora e custas do processo, EUR 2.081.458,44.

 

  1. Nos termos da lei, nomeadamente do disposto no n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, a Requerente apresentou garantia com vista à suspensão do referido processo de execução fiscal, enquanto é discutida a legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto e juros compensatórios que subjazem à dívida exequenda (cf. Documento 7 que se junta e dá como reproduzido).

 

  1. Refira-se, a título informativo, que a idoneidade da garantia prestada se encontra, à presente data, sob apreciação da AT

 

  • Mas o que releva na presente sede é o facto de a Requerente não se conformar com a manutenção dos referidos atos tributários na ordem jurídica, na medida em que os mesmos se encontram, na sua óptica, e conforme demonstrará de seguida, feridos de ilegalidade.

 

  1. A Requerente entende que os atos tributários de liquidação de imposto e juros compensatórios antes identificados, referentes ao período de dezembro de 2019, têm por base uma errónea qualificação e quantificação do facto tributário alegadamente na sua génese, culminando num inarredável vício de violação de lei, que este Tribunal arbitral deve, pelas razões adiante expostas, analisar e reconhecer.

 

  1. POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Por sua vez, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. Face à argumentação expendida pela Requerente e a todos os elementos constantes do processo, constata-se que o objeto da divergência reside na questão de saber se a atividade da Requerente, referente aos planos de saúde por si contratualizados com clientes/aderentes, configuram prestações de serviços subsumíveis nas alíneas 1) e 2) do art.º 9.º do Código do IVA (CIVA) e, se são, portanto, isentas de IVA. Ou se, contrariamente, se tratam de operações sujeitas a IVA e dele não isentas.
  2. A Requerente entende, em síntese, que as operações por si realizadas se enquadram nas previsões normativas contidas nas alíneas 2), ou 1) do art.º 9.º do CIVA, sendo, consequentemente, tais operações isentas de IVA.
  3. Nessa esteira, começa por classificar tais operações como isentas, ao abrigo da alínea 2) do art.º 9.º do CIVA, para, posteriormente, as enquadrar como isentas, mas ao abrigo da alínea 1) do art.º 9.º do mesmo diploma. Talvez por isso não indique a norma nas faturas por si emitidas.
  4. De todo o modo, sem razão, em ambos os casos. Desde logo, atenta não só a jurisprudência do TJUE sobre esta matéria, mas igualmente as decisões arbitrais que se pronunciaram sobre matéria semelhante à dos presentes autos, proferidas nos processos nº 132/2020-T e 469/2021-T, ambas já transitadas em julgado.
  5. Em primeiro lugar, e para melhor compreensão, impõe-se iniciar pela distinção entre seguro de saúde e plano de saúde.
  6. Existem, essencialmente, duas formas de beneficiar de uma ampla rede de prestação de cuidados de saúde privada: subscrevendo um seguro de saúde ou um plano de saúde e, apesar de as designações serem semelhantes, estes dois produtos são completamente distintos, desde logo na proteção que oferecem, e, bem assim, no facto de uma atividade estar regulamentada e outra não, como de resto surge explicitado pela ERS e acima se evidenciou, para que se remete e se dá aqui por reproduzida.
  7. O seguro de saúde é um produto de proteção que cobre riscos relacionados com a prestação de cuidados de saúde, mediante as coberturas e os respetivos limites de capitais que constam nas condições do contrato; por outras palavras, o seguro de saúde garante o pagamento, total ou parcial, de despesas médicas, como cirurgias, internamentos, consultas, exames de diagnóstico, medicamentos e próteses e ortóteses, até aos valores previstos para cada uma.
  8. Nos seguros de saúde existe a possibilidade de a pessoa segura poder escolher o médico, hospital ou laboratório da sua preferência, na eventualidade de não fazer parte da extensa rede de prestação de cuidados de saúde disponibilizada pela seguradora; por sua vez, no caso dos planos de saúde o cliente está limitado à rede que é disponibilizada pela entidade que gere esses mesmos planos.
  9. O plano de saúde permite aceder a cuidados de saúde, mas tem uma lógica diferente da do seguro de saúde: oferece apenas acesso a uma rede de prestadores de cuidados de saúde a preços convencionados (com desconto, face aos valores privados).
  10. Ao contrário do seguro de saúde, o plano de saúde não contempla a possibilidade de recorrer a um prestador de saúde fora da rede de prestadores de cuidados de saúde - aderindo a esse plano tem acesso a cuidados de saúde, junto das entidades prestadoras incluídas naquele plano, pagando um valor mais baixo do que o que é cobrado aos utentes não aderentes; caso pretenda outro prestador fora dessa rede, deve pagar a despesa na totalidade, sem direito a reembolso.
  11. Acresce ainda que, como referido, os planos de saúde não estão abrangidos pelas regras que se aplicam aos seguros, nem sujeitos à supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, a entidade reguladora para o setor.
  12. Assim, ao contrário do que a Requerente pretende fazer crer, no que aos planos de saúde concerne (a única atividade da Requerente em causa no procedimento inspetivo e consequentemente, nos presentes autos), não se está perante uma atividade regulada ou regulamentada,
  13. Essa distinção verifica-se também no CIVA, ou seja, o legislador pretendeu efetivamente dar um tratamento diferente aos seguros - a própria Requerente reconhece que se tratam de situações distintas, uma vez que relativamente aos seguros que comercializa, isenta a operação nos termos do artigo 9º, alínea 28) do CIVA, relativamente aos planos de saúde, indica nas faturas o artigo 9º do CIVA ou similar.

 

  1. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima sediada em Portugal, cujo objeto social consiste, entre outros, na prestação de serviços de saúde e assistência médica no lar, para o que se encontra registada no cadastro fiscal com o CAE 86210 – Atividades de prática médica de clínica geral, em ambulatório, bem como para outras atividades consultoria para os negócios e a gestão, CAE 70220;

 

  1. A Requerente integra o Grupo B..., um grupo privado internacional especializado no desenvolvimento e gestão de produtos de Saúde e Vida e cuja missão é proporcionar aos seus clientes as melhores condições de saúde, vida e bem-estar.

 

  1. É a C..., Lda, que celebra a maioria dos contratos de trabalho com profissionais médicos e os contratos de prestação de serviços de subcontratação de serviços, como o celebrado com a F..., Lda., cuja cláusula primeira dispõe o seguinte:

CLAUSULA PRIMERA

(Objeto do Contrato)

1. A C... e uma empresa que se dedica à prestação de serviços de saúde, detendo para o efeito uma Rede de Prestadores de Medicina Privada.

2. A C... consultou a Prestadora, no sentido de desenvolver para si, de acordo com as suas instruções e interesses, a prestação de serviços de Medicina nas mais variadas áreas, bem como serviços de analise clínica dos processes que importem, previamente a realização dos atos clínicos, uma autorização da C... na qualidade de gestora dos processos.

 

  1. Dispondo a cláusula segunda:

CLAUSULA SEGUNDA

(Local, Periodicidade e Carga Horaria)

1. Os serviços contratados serão realizados na morada da sede da C..., por um Medico a identificar pela Prestadora, ao qual serão disponibilizados pela C... todos os meios necessários à prestação dos serviços.

 

  1. A Requerente encontra-se registada na Entidade Reguladora da Saúde da forma seguinte:

 

A...

A...

 

 

  1. A Requerente contrata vários planos de saúde, Plano de Saúde Ideal, Plano de Saúde Oral, Plano de Saúde Base, (à data de 2019, para além destes produtos, também disponibilizava um Plano de Saúde Sénior, Plano de Saúde Visão e um Plano Multi-Especialidade), cujas condições gerais dispõem de forma semelhante e “inter alia” o seguinte:

1.2. Por efeito do contrato celebrado entre as Partes, a A... compromete-se a prestar ao ADERENTE os seguintes serviços de assistência médica:

i) Consultas, Exames de Diagnóstico, Cirurgias e Internamentos numa Rede de Medicina Privada a preços convencionados;

ii)Consultas e Tratamentos de Medicina Dentária a preços convencionados, sendo alguns Exames e Tratamentos gratuitos;

iii) Consultas Médicas ao Domicílio, mediante o co-pagamento de € 15,00, com excepção da primeira consulta do ano/por contrato que é gratuita (o cliente deverá efectuar o pagamento ao médico e enviar o recibo da consulta acompanhado de formulário para o efeito)

iv) Transporte de Urgência em Ambulância (para Hospital Público) na sequência de uma Consulta Médica ao Domicílio: serviço gratuito;

v) Aconselhamento Médico “2ª Opinião Médica”;

vi) Realização de um Check-up anual por aderente, que consiste num conjunto de exames previamente definidos na ficha de produto, a valores convencionados, em prestadores com acordo para a especialidade de Check-Up; vii) Prestação de Cuidados de Enfermagem ao domicílio a preços convencionados;

viii) Prestação de Cuidados na Rede de Saúde e Bem Estar, com descontos em diversas valências;

ix) Prestação de uma selecção de actos farmacêuticos, nas Farmácias Portuguesas, a preços convencionados.

1.3. Compete à A... assegurar o credenciamento, habilitação técnica e legal de todos os colaboradores, parceiros e demais entidades referidas no “Directório Clínico” que fazem parte da sua Rede de Medicina Privada, incluindo hospitais, médicos, enfermeiros, clínicas e outros, doravante designados por “PROFISSIONAIS DE SAÚDE”, não existindo, contudo, qualquer relação de subordinação hierárquica e/ou funcional entre estes e a A..., termos pelos

quais a A... sempre será alheia a qualquer diferendo ou litígio entre o ADERENTE e os PROFISSIONAIS DE SAÚDE resultante dos serviços prestados por estes ao abrigo do

presente Contrato, não respondendo, portanto, por quaisquer acções ou omissões

destes, nem pelos danos decorrentes dos seus actos.

1.4. O “Directório Clínico” poderá, em qualquer altura, ser objecto de modificação pela A... no que respeita, designadamente, aos PROFISSIONAIS DE SAÚDE que integram a sua Rede de Medicina Privada, à natureza, ao preço e/ou à localização dos serviços e benefícios proporcionados ao abrigo deste Contrato. Qualquer modificação ou actualização do Directório Clínico será disponibilizada online e poderá ser consultada através do website www...pt.

1.5. Para além do ADERENTE poderão beneficiar dos serviços referidos em 1.1 as pessoas que compõem o seu agregado familiar, designadamente o seu cônjuge ou pessoa que com ele viva em união de facto e um máximo de 4 (quatro) descendentes, ascendentes ou outros familiares que residam em economia comum ou no mesmo domicílio do ADERENTE, bastando, para tanto, que tenham sido identificadas pelo ADERENTE no momento da celebração do contrato. No caso de o ADERENTE ser uma Empresa considera-se como “agregado” o conjunto de colaboradores dessa Empresa, melhor identificados pela mesma no momento da

contratação.

1.6. Caso o ADERENTE deseje alterar a morada do seu domicílio, deverá informar, por escrito, a A... da nova morada, nos termos referidos na cláusula 3.4.

1.7. O ADERENTE é o único responsável pela veracidade e autenticidade das informações prestadas. A falsidade de qualquer informação poderá determinar a resolução imediata do contrato e pode fazer o ADERENTE incorrer em responsabilidade civil ou penal.

1.8. O ADERENTE reconhece que a natureza do contrato celebrado é de um contrato de prestação de serviços e não de um contrato de seguro de saúde.

2. EXCLUSÕES:

Encontram-se excluídos do âmbito do contrato celebrado os seguintes serviços e benefícios:

a) Quaisquer serviços médicos domiciliários de carácter permanente e contínuo;

b) Todos os serviços e/ou benefícios que não estejam incluídos no “Directório Clínico”;

3. UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS:

3.1. Para efeitos de utilização dos serviços contratados, descritos em 1.2., a A... enviará ao ADERENTE um Cartão de beneficiário denominado “Cartão...”, cuja apresentação aos PROFISSIONAIS DE SAÚDE, conjuntamente com outro documento de identificação oficial com fotografia, é imprescindível.

3.2. Em caso de dúvida, os PROFISSIONAIS DE SAÚDE poderão solicitar à A... esclarecimentos sobre a validade ou elegibilidade do Cartão.

3.3. O ADERENTE é responsável pela correcta utilização dos serviços e benefícios, bem como pela posse do Cartão Saúde..., uma vez que se trata de um documento pessoal e intransmissível.

3.4. Em caso de perda, roubo ou extravio do Cartão, o ADERENTE deverá proceder, de imediato, ao seu cancelamento, através do telefone 210 402 425 - chamada para a rede fixa nacional, por e-mail remetido para o endereço electrónico clientes@...  ou por escrito para a morada da sede da A... sita na  ... ...-... Lisboa.

 3.5. O ADERENTE é o único responsável pelo pagamento da anuidade, bem como pelo pagamento das importâncias que vierem a ser devidas aos PROFISSIONAIS DE SAÚDE pela prestação dos seus serviços, nos termos e condições previstas no “Directório Clínico”, ficando excluída, de todo, qualquer comparticipação nesses custos por parte da A... .

 

  1. No decurso de 2023 teve início uma ação de inspeção tributária de natureza externa e âmbito parcial na esfera da Requerente, a qual foi credenciada pela ordem de serviço OI2023... e versou sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e IVA referentes ao período de tributação de 2019.

 

  1. A referida ação de inspeção tributária teve início em 19.10.2023, com a assinatura da ordem de serviço por um dos representantes da Requerente.

 

  1. Na sequência dos diversos atos de inspeção praticados, e sem prejuízo dos esclarecimentos que a Requerente foi prestando no decurso da ação inspetiva, foram projetadas correções, que se limitaram ao IVA, conforme plasmado no relatório de inspeção tributária notificado à Requerente por carta registada com data de 25/3/2025, de harmonia com o disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).

 

  1. Inconformada com as correções propostas e uma vez notificada para se pronunciar sobre as mesmas, ao abrigo do princípio da participação os contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito consagrado no artigo 60.º da LGT, assim como no contexto da inspeção, no artigo 60.º do RCPITA, a Requerente exerceu o seu direito mediante apresentação de requerimento de audição prévia em 12.03.2024 (cf. Anexo 9 do Documento 4).

 

  1. Sem prejuízo dos argumentos avançados pela Requerente em sede de audição prévia, os SIT mantiveram, no relatório final de inspeção tributária (RIT), as correções propostas, que foram então convertidas em definitivo, por despaho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa/ Serviços, datado de 22/3/2024, que concordou com o parecer e relatórios.

 

  1. Conforme consta no relatório de inspeção tributária notificado à Requerente, esta “foi alvo de procedimento inspetivos (sic) anterior, nomeadamente ao exercício de 2020 ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022...”, tendo as correções propostas revestido teor idêntico, num e noutro caso (cf., documento 4 junto pela Requerente e página 8 do relatório de inspecção tributária).[1]

 

  1. Conforme consta do RIT no capítulo V “Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades”:

V.1. IVA

Da análise efetuada no âmbito do procedimento de inspeção, com a profundidade que se considerou adequada, e considerando os esclarecimentos prestados, foram detetadas as situações irregulares que neste capítulo se descrevem e fundamentam e das quais resultam as correções que devidamente se quantificam.

Releva ainda referir que a fundamentação legal mencionada se reporta à legislação em vigor, à data dos factos.

V.1.1 FACTOS VERIFICADOS

  • A sociedade iniciou a sua atividade em 30 de agosto de 2012 e está coletada para o exercício de atividades prática médica clinica geral e ambulatório, CAE 86210, bem como para outras atividades consultoria para os negócios e a gestão, CAE 70220;
  • Em sede de IVA está enquadrada pelo regime normal mensal por ser adquirente de prestações de serviços intracomunitários e na sua atividade normal não liquida imposto, bem como não deduz qualquer imposto;
  • Na Conservatória do Registo Comercial, registou-se inicialmente para a “prestação de serviços de saúde e assistência médica no lar” e “comercialização de serviços financeiros para a saúde”, tendo acrescentado em novembro de 2013 “outras actividades de consultoria para os negócios e a gestão” e “gestão de sistemas de saúde”;
  • Atento aos produtos comercializados pela sociedade, temos que a mesma disponibiliza

atualmente aos seus clientes os seguintes produtos:

  • Particulares: Plano de Saúde Oral, Plano de Saúde ...(que por sua vez se desdobra

em dois níveis – O Ideal e o Base) e Seguro de Saúde;

  • Empresas: Seguro sem limites e Seguro de Saúde.
  • A componente dos planos de saúde representa cerca de 92% da atividade da sociedade (ver imagem infra retirada do Relatório e Contas do exercício de 2019, com a descrição pormenorizada do Rédito)

 

...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

G...

 

 

  • Nos seguros, a entidade age como Mediadora entre o cliente e a G..., S.A., com o NIPC..., faturando à Seguradora uma comissão (ver exemplos de faturas de comissões de seguros no anexo 2);
  • À data de 2019, para além dos produtos acima mencionados também disponibilizava um Plano de Saúde Sénior, Plano de Saúde Visão e um Plano Multi-Especialidade;
  • A sociedade, como se mencionou, não liquida imposto na sua atividade, sendo os seguros por via da al. 28) do artigo 9.º do CIVA e os planos de saúde por via do artigo 9.º, al. 2) do CIVA;
  • Da análise às faturas, verifica-se que os seguros de saúde mencionam apenas o artigo 9.º do CIVA (ver as faturas 4, 34 e 84 constantes do anexo 2), sendo que os planos de saúde indicam o artigo 9.º do CIVA ou similar (ver as faturas 7716, 80230 e 166820 constantes do anexo 3);
  • Solicitou-se cópia dos contratos dos planos de saúde efetuados entre si e os seus clientes, e que constam nos anexos 4 a 6 do presente relatório;
  • Resumidamente, o que consta nestes contratos entre a A... e o cliente (tratado como aderente) é que a  A... compromete-se a prestar ao Aderente um conjunto de serviços médicos como consultas e tratamentos de medicina ou medicina dentária, prestação de uma seleção de atos farmacêuticos em Farmácias Portuguesas e a preços convencionados, entre outros serviços descritos no ponto 1.2 do contrato.
  • Porém, no ponto 1.3 vem imediatamente indicar que a cabe a si “assegurar o credenciamento, habilitação técnica e legal de todos os colaboradores, parceiros e demais entidades referidas no “Directório Clínico” que fazem parte da sua Rede de Medicina Privada, incluindo hospitais, médicos, enfermeiros, clínicas e outros, doravante designados por “PROFISSIONAIS DE SAÚDE”, não existindo, contudo, qualquer relação de subordinação hierárquica e/ou funcional entre estes e a A..., termos pelos quais a A... sempre será alheia a qualquer diferendo ou litígio entre o ADERENTE e os PROFISSIONAIS DE SAÚDE resultante dos serviços prestados por estes ao abrigo do presente Contrato, não respondendo, portanto, por quaisquer acções ou omissões destes, nem pelos danos decorrentes dos seus actos”.
  • Ou seja, a A... tem uma rede de medicina privada que os aderentes podem usar, que neste caso se designam por Profissionais de Saúde, profissionais estes independentes da sociedade;
  • Em troca, o aderente deverá pagar “uma anuidade, no valor, prazos e pela forma de pagamento convencionados no momento da contratação dos serviços”, podendo esta ser fracionada (ver anexo 3);
  • Aquando do acesso à rede pelo aderente, este deve proceder ao pagamento junto dos

Profissionais de Saúde da respetiva prestação de serviço a um preço previamente convencionado;

  •  De destacar que existe a possibilidade nos planos de saúde de terem acesso a VideoConsultas, sendo gratuita no Plano de Saúde ..., bem como acesso gratuito a uma 2.ª

Opinião Médica.

Ainda para um entendimento global da atividade, temos de referir que a Rede de Medicina Privada disponibilizada aos aderentes é desenvolvida pela sociedade relacionada B... , SA.

Esta sociedade tem como objeto social a “prestação de serviços de saúde e assistência médica no lar. Gestão de redes de medicina privada. Prestação de outros serviços de saúde humana, tais como fisioterapia, optometria, ortóptica, dietética, hidroterapia, massagem, ginástica médica, terapia, quiropodia, homeopatia, acupunctura, hipoterapia, psicologia e actividades similares, exercidas em consultórios privados, nos postos médicos das empresas, escolas, lares, no domicílio ou noutros locais”[2].

Nomeadamente e conforme indica na sua página de internet, são “especialistas em desenvolvimento e gestão de planos de serviços médicos, seguros de saúde e outros sistemas de saúde, que disponibilizamos ao mercado através de clientes institucionais ou directamente ao cliente final”.

Esta sociedade fatura mensalmente essa disponibilidade à A... como uma prestação de serviços

médicos isenta de IVA (ver anexo 7).

Da análise económica efetuada constatou-se que os montantes faturados pela B..., SA corresponde ao gasto de maior relevância para o SP (39% dos gastos), a que se seguem as comissões dos parceiros na venda dos planos de saúde e os fees da empresa-mãe, não havendo gastos com terceiros prestadores de serviços de saúde, como hospitais, clínicas, etc..

O sujeito passivo foi questionado aquando da ação inspetiva ao exercício de 2020 (OI2022...) dos motivos pelos quais considerava estas prestações de serviço como isentas ao abrigo do artigo 9.º, al. 2) do CIVA, tendo-nos apresentado um parecer emitido pelo Gabinete de Advogados H..., SP, RL (anexo 8), conclusões que são transversais ao longo da atividade do SP.”

 

  1. A Requerida procedeu então às seguintes correcções concretas:

“V.1.5. CORREÇOES A EFETUAR

Nestes termos, e tendo em consideração o exposto, vaI ser liquidado imposto à taxa normal por estas prestaçóes de serviços. Para esse efeito, iremos calcular o imposto devido aplicando a taxa normal de imposto de 23% sobre os montantes indicados nos SAFT’s de faturação como Planos de Saude, imposto esse calculado fatura a fatura, deduzindo a esses montantes o imposto referente às notas de crédito emitidas, procedendo de igual forma neste caso, ou seja, vai ser deduzido o imposto nota de crédito a nota de crédito.

Nos quadros seguintes, identificaremos todas as linhas de faturação constantes dos SAFT's de

Faturação, bem como os valores líquidos (valores das faturas deduzido dos valores das notas de crédito)-quadro 5, e com base nesses valores identificaremos o imposto calculado no quadro seguinte - quadro 6, tendo em consideração que este imposto resulta da aplicação do respetivo imposto por documento emitido e não por aplicação da taxa aos valores globais.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resumindo o quadro 6, teremos os seguintes valores de imposto a corrigir no exercício de 2019:

 

QUADRO 7

PERÍODOS

VALOR €

JANEIRO

228 330,72

FEVEREIRO

147 952,39

MARÇO

147 136,57

ABRIL

141 060,44

MAIO

149 782,57

JUNHO

145 292,86

JULHO

146 843,09

AGOSTO

145 844,29

SETEMBRO

155 214,97

OUTUBRO

143 595,81

NOVEMBRO

125 248,51

DEZEMBRO

71 237,85

TOTAL

1 747 540,07

 

  1. Com base nas correções operadas, foi emitido o ato de liquidação adicional de imposto e juros compensatórios que aqui se impugna, com o n.º 2024 ..., cujas demonstrações de acerto de contas determinam o montante a pagar de EUR 71.237,85 e EUR 11.608,84, respetivamente, referindo-se os atos em causa ao período de dezembro de 2019.

 

  1. A Requerente não procedeu ao pagamento do quantum de imposto liquidado, razão pela qual foi contra si instaurado o correspondente processo de execução fiscal, com o n.º ...2024... e Apensos, cuja quantia exequenda monta a EUR 2.068.687,61 e o total a pagar, incluindo juros de mora e custas do processo, EUR 2.081.458,44.

 

  1. Nos termos da lei, nomeadamente do disposto no n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, a Requerente apresentou garantia com vista à suspensão do referido processo de execução fiscal, enquanto é discutida a legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto e juros compensatórios que subjazem à dívida exequenda eoncontrando-se em análise a idoneidade da garantia prestada, por parte da AT(cf. Documento 7 que se junta e dá como reproduzido).

 

  1. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

Não existem quaisquer factos não provados que sejam relevantes para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e a audiência realizada, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

A prova testemunhal apenas corroborou todos os factos pertinentes para a decisão do presente processo. A Dra I..., testemunha da Requerente, Diretora Financeira do Grupo  B... (atual administradora da Requerente), apesar da sua qualidade depôs com isenção, acentuando que os planos de saúde que comercializam possuem uma função social, realçando no seu entender o carácter da existência de uma rede fechada. A subscrição dos planos divide-se em dois tipos de pagamentos - um pagamento pela anuidade que designou de “fee” por capitação e tem um “fee” pela utilização do acto médico. Explicou que a C... contratava os profissionais do foro e prestava serviços.

 Confirmou assim o constante do conteúdo dos contratos que se deram então como reforçadamente provados, que já constava dos documentos que não foram impugnados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

No presente processo cuida-se de saber se a actividade que pelo Requerente é exercida, referente aos planos de saúde por si contratualizados com clientes/aderentes, configura prestações de serviços subsumíveis nas alíneas 1) e 2) do art.º 9.º do Código do IVA (CIVA) e, se são, portanto, isentas de IVA, ou se pelo contrário, estamos perante operações sujeitas a IVA e dele não isentas. Vejamos.

Reza o art.º 9.º alíneas 1) e 2):

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1)         As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas; (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)

2)         As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;

A Lei opta pela enunciação da forma de actividade, qual seja, a prestação de serviços.[3]

A distinção entre a alínea 1) e a 2), acaba por não fazer sentido, porque na alínea 1) especifica profissões utilizando o elemento subjectivo e na alínea 2), especifica actividades em geral, utilizando o elemento objectivo, inculcando a ideia em termos de conjugação que serão todas as prestações de serviços médicos e sanitários praticadas mesmo por profissões para além das especificadas no seu número 1)!  O recorte normativo de abrangência deveria ter sido antes feito numa única alínea com o elemento subjectivo e objectivo, mas o legislador Portuguès seguiu a separação originária constante do art.º 132.º da Diretiva IVA. Daí que da leitura da lei não se retire o essencial para a devida interpretação, porquanto o elemento objectivo e subsjectivo são interdependentes e cumulativos.

Em geral, as prestações de serviços médicos, diagnósticos e terapêuticos estão isentas de IVA, em conformidade com o artigo 9.º do CIVA, que tem por base o n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA).

O art.º 132.º da mencionada Diretiva insere-se no capítulo 2, de epígrafe Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral, onde surpreendemos as alíneas, b),  A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;  c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa;

Analisando esta norma temos variados conceitos que carecem de preenchimento. Hospitalização, assistência médica e operações com ela conexas, cujas entidades deverão ser organismos de direito público ou, em condições sociais análogas, estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.

Começamos por assinalar que impende sobre o Estado garantir o exercício efectivo do dever fundamental à saúde, incumbindo-lhe nos termos da CRP, art. 64, n.º 2 e n.º 3, al. d), da CRP essa obrigação.

Na prossecução e garantia do dever fundamental à saúde, o direito constitucional, faz impender sobre o Estado o dever de criar um serviço nacional de saúde (art. 64, n.º 2 e n.º 3, al. d), da CRP), ao qual se encontram vinculadas todas as entidades que têm o dever constitucional de criar e pôr em funcionamento este serviço. A Constituição não proíbe a prática de serviços médicos por entidades privadas (ainda que com caráter lucrativo), necessitando-se antes de que o mesmo exercício seja regulado, regulamentado e fiscalizado pelas entidades públicas.

Seguimos por assinalar que professando que “os serviços médicos, quando praticados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, por corresponderam ao exercício de jus imperii do Estado estão excluídos da incidência de IVA do art. 2º, n.º 1, al. a), do CIVA, desde logo, porque pela sua não tributação não ocorre qualquer distorção de concorrência no confronto entre a atividade médica exercida por organismos públicos e, a exercida por operadores privados.”[4]

Ora, face a este quadro, quando o Estado ou as suas entidades no seu sentido amplo, actuam na prática de serviços médicos, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, por corresponderam ao exercício de jus imperii do Estado estão excluídos da incidência de IVA do art. 2º, n.º 1, al. a), do CIVA.[5] Daí que, toda e qualquer referência que se faça quanto às isenções de que goza o Estado nas previsões específicas das isenções seja meramente tautológica. Mas temos de tentar ir mais fundo!

Fazendo o relator do presente processo suas as palavras do seu colega àrbitro no seu contributo para a a tarefa do relator, “os factos sobre os quais o Tribunal se deve pronunciar  são substancialmente  idênticos àqueles sobre os quais recaíu a Decisão Arbitral nº134 /2020-T.

Num caso e noutro , está em causa a aquisição de planos de saúde,  em geral  titulados por cartões de saúde, mediante o pagamento , que pode ser fracionado , de uma prestação periódica designada de  anuidade. .

Tais planos não abrangem , por natureza , as situações em que seja a própria entidade que promove e gere os planos de saúde a prestar diretamente os cuidados de saúde,sem recurso a qualquer rede externa.Os planos de saúde emitidos por  essa entidade, na ausência  de qualquer rede externa de prestação de cuidados de saúde, têm geralmente finalidades   apenas  promocionais.

Os planos de saúde  garantem  o acesso  do aderente a uma  rede  externa de cuidados  de saúde ~ em geral  a preços reduzidos , rede que, no caso, é  gerida e desenvolvida,  não pela própria  Requerente, ,mas por outro membro do mesmo grupo económico, o C... .,  em regime de subcontratação.

Em ambos ao processos  está em questão o enquadramento da aquisição de cartões de  saúde na alínea b ) do nº 1 do art. 132º  da Diretiva IVA, correspondente ao art. 9º, 2º, do  CIVA, que estende a isenção dos serviços médicos e sanitários efetuados por estabelecimentos hospitalares, clínicas dispensários e similares às operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica, entendendo-se como tal as transmissões de bens ou prestação de serviços acessórios que se inscrevam logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica, desde que constituam uma etapa indispensável no processo de prestação dos serviços isentos, para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas.  Sobre esse  enquadramento a referida Decisão   Arbitral nº 134/2020- T pronunciou- se  negativamente, com fundamentos que se  consideram  pertinentes.

Nos contratos que concretizam os planos de saúde, o beneficiário ou utente  é  único responsável pelo financiamento dos cuidados de saúde que lhe são prestados pela  entidade prestadora,  não havendo transferência para terceiros, no caso a Requerente e FU, da responsabilidade pelo pagamento das despesas em que incorra . É o que resulta da Cláusula 3.5 do contrato- tipo  de adesão .Esse regime é distinto do aplicável aos seguros de saúde que justamente se caracterizam  pela transferência do risco do segurado para uma empresa seguradora(  Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo art. 1º do DL nº 72/2008, de 16/4).

Tal não sucederia se  a anuidade integrasse a remuneração do  serviço dos profissionais de saúde prestados  no âmbito dos planos de saúde.

Tal não acontece: o pagamento da anuidade não liberta o subscritor/utilizador da obrigação de pagamento dos serviços de saúde que lhe são prestados, aproveitando apenas, salvo nos casos excecionais de  gratuitidade, das reduções de preço inerentes ao regime de co-pagamento. Essa exclusiva responsabilidade do subscritor/utilizador, com a consequente exoneração da responsabilidade da entidade gestora do plano de saúde consta do 3.5. do contrato de adesão.

Na verdade,  por opção da partes no exercício da liberdade contratual que o legislador lhes não retirou, essa obrigação de pagamento dos cuidados de saúde pelos subscritores  dos planos de saúde segundo a  Cláusula 5.4  do contrato- tipo  de adesão que integra o Processo Administrativo (PA).é independente da obrigação de pagamento da anuidade, cujo incumprimento determina a cessação do plano de saúde:  a anuidade não compreende os cuidados de saúde prestados por terceiros debitados à C... em cumprimento das obrigações previstas no plano de saúde.

Os serviços e cuidados de saúde contratados abrangem, em regra, consultas,  exames de diagnóstico , cirurgias e  internamentos a preços convencionados, a assistência médica e/ou de enfermagem ao domicílio, o transporte gratuito em ambulância em caso de internamento urgente, aconselhamento por telefone , acesso preferencial a consultas médicas de especialidade , uma segunda opinião sobre a situação clínica., um “check in” anual a preços convencionados e cuidados de enfermagem.

Tais serviços prestados por profissionais de saúde estão em geral isentos de IVA nos termos dos 1º e 2º do art. 9º do CIVA, que abrangem respetivamente as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas e as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

Tais serviços podem ser, no todo ou em parte:

a )Prestados ao  beneficiário/utente e subscritor  pela própria  entidade que promove e gere os planos de saúde, como é o caso dos serviços clínicos virtuais prestados por  médicos que nela exerçam funções ou de operações estreitamente conexionadas com esses serviços médicos, caso em que não há recurso a qualquer rede externa;

(ii) Prestados ao beneficiário/utente e subscritor por uma rede externa de  terceiros  a preços reduzidos e previamente negociados , em regime de co-pagamento. 

Nos planos de saúde,  diferentemente dos seguros de saúde, não são  exigidos  em geral, quaisquer períodos de carência, limite de idade, capital mínimo ou franquia, nem, nos contratos de adesão celebrados entre a entidade comercializadora e os aderentes, figuram  cláusulas contendo qualquer  limite de utilização ou teto anual,  bem como de exclusão de doenças preexistentes. 

Assim, tal entidade gestora  , seja banco, empresa seguradora ou empresa prestadora de serviços de saúde, desempenha o papel de intermediário entre os beneficiários dos cartões de saúde e os prestadores, definindo os preços a praticar, a dimensão das redes de prestadores aderentes e a distribuição geográfica dos prestadores.  Tal função foi, como se referiu , subcontratada a outro membro do mesmo grupo de saúde.

Haveria violação do princípio da neutralidade se o o facto de os serviços  de saúde serem sub-contratados a uma terceira entidade, a C..., obstasse à isenção dos 1º e 2º do art. 9º do CIVA.

Não seria essa a posição da administração fiscal (pgs. 25 e 26 do  RIT). O facto de o serviço ser prestado em regime de sub-contratação não prejudica essa isenção, que depende exclusivamente do critério objetivo da natureza do serviço prestado.

De acordo com a factualidade apurada nos autos, os membros da rede externa faturaram os seus serviços  à C... com isenção de IVA, não obstante , por ser uma sociedade, esta não poder ser  beneficiária direta desses cuidados, procedimento que a AT não pôs em causa.

Posteriormente, a  C... faturou, como mostra a documentação que integra o Anexo 7 do RIT, esses encargos  à Requerente com isenção de IVA, com menção também dos 1º e 2º do art. 9º do CIVA.

Esse procedimento segue estritamente o entendimento da administração fiscal expresso no Ofício- circulado nº 30.019 de 4/5/2010.

Seria reafirmado na  Informação nº 1163, de 21/11/2010,a propósito do débito de despesas isentas nos termos seguintes:

“31.1 A refacturação desses mesmos serviços pela sociedade H…. à requerente, pelo mesmo montante, para efeitos do direito nacional, configura uma prestação de serviços, nos termos do nº 1 do artº 4º do CIVA, em que, a requerente, como destinatária dos mesmos é, efectivamente, abrangida pela regra geral de localização, prevista na alínea a) do nº 6 do artº 6º do CIVA, ou seja, os serviços são submetidos a tributação em território nacional. No entanto, dado o princípio da igualdade de tratamento que se traduz no princípio da neutralidade fiscal, estando, efectivamente, em causa débitos referentes a prestações de serviços abrangidas pelas isenções previstas nos nºs 1 e 2 do artº 9º do CIVA, aproveitam do enquadramento na referida isenção, não havendo assim, lugar à liquidação de imposto.

31.2 Por sua vez, o redébito pelos mesmos montantes, efectuado aos beneficiários dos seguros de saúde geridos pela requerente, não obstante, ser igualmente enquadrável no conceito de prestação de serviços, abrangido pelo nº 1 do artº 4º do CIVA, beneficia, igualmente, da isenção prevista nos nºs 1 e 2 do artº 9º do mesmo código. 33. Num e noutro caso, existe, no entanto, a obrigatoriedade de mencionar o motivo da não liquidação do imposto, conforme alínea e) do n º 5 do art. 36º do CIVA.”

A posição da Requerente apenas teria fundamento se a anuidade fosse a contraprestação de serviços de  saúde, enquadramento que o contrato de adesão não permite.

Como evidencia o estudo de 2014 da Entidade Reguladora dos Serviços de Saúde, a anuidade não constitui a contrapartida de qualquer cuidado médico prestado por profissionais de saúde, mas do acesso do subscritor ou beneficiário a uma rede de cartões de saúde, a um preço mais baixo.

Esse  acesso não constitui  qualquer cuidado médico ou serviço de assistência médica, nem  pode ser considerado como qualquer “operação  estreitamente conexa” com serviços de assistência médica, não passando pelo crivo da indispensabilidade para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas por esses serviços,  de acordo com o rigoroso critério referido nos nºs 29 e 3º do  Acórdão do TJUE no proc. C-395/04.

O facto de a Requerente dispor um diretor clínico apenas indicia que presta diretamente cuidados de saúde abrangidos eventualmente pela isenção do 1º do art. 9º do CIVA, mas não que as anuidades pagas tenham enquadramento nessa norma legal, ou seja, que constituam a contrapartida de um serviço de  saúde, cujas vantagens para o beneficiário dos planos de saúde são meramente reflexas, uma vez não se traduzir de modo directo em uma efetiva melhoria dos cuidados médicos

O acesso à rede de prestadores não tem, assim , natureza acessória de cuidados de saúde, pelo que a anuidade de cujo pagamento depende está sujeita a IVA nos termos gerais, sem prejuízo da dedução dos encargos consequentes da sub-contratação desse serviço, nos termos do nº 1 do art. 19º do CIVA..

A compra de um cartão de saúde é um fim em si mesma, podendo esse cartão não vir a ser utililizado e o cliente recorrer a outros meios de pagamento, o que exclui à partida tal acessoriedade.

Também não é possível que o valor da anuidade já compreenda o IVA(IVA incluído), já que  tal dependeria de tal inclusão ser mencionada na factura (acórdão do TJUE C- 249/12). Não só a faturação junta não comporta qualquer menção à inclusão do imposto e seu fundamento legal, como  não se pode considerar incluído no valor da operação  um IVA que não existe, por a operação estar isenta, isenção que a administração fiscal não põe sequer em causa.

Não se vislumbra, assim, como tenha sido violado o princípio da neutralidade do imposto: a sub-.contratação dos cuidados de saúde em nada perturbou a isenção dos 1º e 2º do art. 9º do CIVA.

Não se olvida que a questão do que se pode considerar prestaçáo de serviços médicos conexos é controvertida e difícil de dirimir e que a isenção deverá ser inserida nos objectivos que levaram à sua criação ditados pela finalidade de protecção da saúde dos cidadãos, direito social assegurado no art.º 64.º da CRP.[6] E que “…toda a actividade médica visando a protecção da saúde dos cidadãos, seja de natureza preventiva ou terapêutica, de diagnóstico ou de tratamento de patologias existentes, se incluem nos objectivos da isenção. Claro que um sujeito pode exercer uma actividade como médico que não se destine, ao menos directamente, à protecção da saúde dos cidadãos. Tal será o caso de um parecer cientifico elaborado por um médico, da participação em conferências médicas ou de um escrito em revista científica ou académica. Esses documentos não se debruçam sobre casos clínicos concretos, não se focam nem têm por objectivo a prevenção, o diagnóstico ou o tratamento de determinado paciente, nem a avaliação da sua particular situação clínica, objectivos que se inserem no âmbito da isenção.[7]

Neste âmbito, como se escreve no Acórdão Arbitral nº 642/2018-T, de 26 de Novembro de 2019, “as isenções (…) contempladas no CIVA e na Directiva IVA constituem isenções com finalidade social — “isenções em benefício de actividades de interesse geral” (…) — cujo propósito está em prevenir o encarecimento e garantir o acesso universal a serviços que se reconhecem indispensáveis à sobrevivência da população. Esta preocupação social compreende-se com facilidade e explica que, com pequena alteração de redacção, uma e outra norma tenham integrado o sistema europeu do IVA desde o momento em que primeiro se codificaram as suas isenções. O art. 13º da Sexta Directiva (…) compreendia normas não muito diferentes das que hoje figuram no art. 132º da Directiva IVA.[8]

Mas o intérprete não pode partir da especialidade para o geral, mas sim do geral para a especialidade, pela singela razão que a especialidade (isenções) devem possuir um recorte mais limitado, balizado pelo controlo da fraude, evasão e ilisão fiscal.

No entanto, no presente processo do que se cuida são de pagamentos para adesão a planos de saúde nos termos objectivados na matéria de facto dada como provada.

É importante trazer à colacção a interpretação que o TJUE acaba por fazer das normas em questão e nesse conspecto essas normas, por um lado, as isençóes constituem derrogações, mas por outro, as mesmas não se podem confundir com restrições.

O sentido que fixemos a estas normas de isenção não poderá ir além do que permite a letra da lei mas, respeitado que seja esse limite, importa olhar a outros elementos ainda, desde logo à finalidade que as normas prosseguem e ao princípio da neutralidade — acórdão TJUE, De Fruytier, C-334/14, 2.07.2015 e nessa linha firmou-se que apenas estão abrangidas pelas alíneas b) e c) do n. º1 do art. 132º da Directiva IVA as prestações de serviços que possuam fins terapêuticos, nisso estando o que estas disposições têm em comum de mais importante.[9]

No entendimento do TJUE, o conceito de “assistência médica”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva IVA, e o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea c), dessa Directiva, “visam ambos prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde” — acórdão Future Health Technologies, C‑86/09, 10.06.2010, n.ºs 37 e 38.

Aos olhos do TJUE, portanto, a “assistência médica” assegurada por hospitais e os “serviços de assistência” assegurados por profissionais médicos, subordinados em comum a uma finalidade terapêutica, não se mostram substancialmente distintos. Com as alíneas b) e c) do artigo 132. °, n.°1, da Directiva IVA, o legislador europeu pretenderá simplesmente assegurar-se de que está abrangida “a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito”, qualquer que seja o âmbito em que essas prestações médicas sejam realizadas.

O artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva — correspondente ao art. 9º, nº 2, do CIVA português — visará assim as prestações efectuadas em meio hospitalar, ao passo que o artigo 132.°, n.°1, alínea c) da Directiva — correspondente ao art. 9º, n.º 1 do CIVA português — visará as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar (…)”.

Temos então que da leitura do artigo 132.°, n.°1, alínea c), da Directiva IVA que “uma prestação deve estar isenta se preencher dois requisitos, a saber, por um lado, constituir uma prestação de serviços de assistência na saúde e, por outro, esta prestação deve ser efectuada no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa” (…). (sublinhado nosso)

Louvando-nos novamente na fundamentação da douta mencionada Decisão Arbitral, concordamos com a conclusáo aí vertida de que: “Desde logo, e como acima já referido, o disposto no nº1 do artigo 9º do Código do IVA tem por base a alínea c) do nº1 da parte A do artigo 13º da Sexta Directiva a respeito da qual, o Acórdão de 27 de Abril de 2006, proferido pelo TJUE (então TJCE) nos processos C-443/03 (caso H. A. Solleveld/ Staatssecretaris van Financiën) e C-444/04 (caso J. E. van den Hout-van Eijnsbergen/ Staatssecretaris van Financiën) afirmou que “(…) no que respeita (…) ao objectivo prosseguido pelo artigo 13.º, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva, há que assinalar que o requisito previsto por esta disposição, segundo o qual as prestações de serviços de assistência devem ser efectuadas no âmbito do exercício das actividades paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-Membro em causa, visa garantir que a isenção se aplica apenas às prestações de serviços de assistência efectuadas por prestadores com as qualificações profissionais exigidas (acórdão Kügler) (…). Por conseguinte, nem todas as prestações de serviços de assistência beneficiam de tal isenção, pois esta abrange unicamente as prestações que apresentam um nível de qualidade suficiente tendo em conta a formação profissional dos prestadores”.

Ora, do exposto resulta que a actividade desenvolvida pela Requerente de prestação de serviços de comercialização de planos de saúde, através da colocação à disposição dos seus clientes (aderentes) do acesso a um conjunto de serviços de saúde bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pelas entidades parceiras da Requerente, não pode ser enquadrada como um actividade médica nem como uma actividade paramédica, nos termos do definido pela legislação nacional, para efeitos da isenção do IVA, porquanto a actividade desenvolvida não consiste na realização de uma actividade daquela natureza, seja médica ou paramédica (porquanto só proporciona o acesso a uma actividade que é desenvolvida por outros profissionais) e, não cumprindo assim com os requisitos objectivos e subjectivos previstos para a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9, nº 1 do Código do IVA.

A mesma interpretação deverá ser aplicada à exegese da isenção do n.º 2, do art.º 9.º, - A isenção para as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares. Ousando remeter também para a fundamentação vertida nas decisões arbitrais em que nos vimos arrimando, a actividade, em análise, desenvolvida pela Requerente, não é subsumível na isenção prevista no nº 2 do artigo 9º do Código do IVA (“isenção para as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”) porquanto esta disposição, na esteira do disposto no artigo 132º, nº 1, alínea b) da Directiva IVA (“isenção para a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”) assenta a sua aplicabilidade também em dois requisitos: um requisito objectivo, que se prende com a natureza do serviço prestado e um requisito subjectivo, que se prende com a qualidade do respectivo prestador e estes requisitos não se verificam de todo no presente caso.

As prestações de serviços médicos e sanitários a que se refere o art.º 9, nº 2, do Código do IVA, não devem ser concebidas em termos distintos das prestações de serviços realizadas no exercício de profissões médicas e paramédicas a que se dirige o seu art. 9º, nº1, sendo exigível a umas e outras a mesma finalidade terapêutica em que tem insistido o TJUE, nem o que o n.º 2 do art. 9º, do Código do IVA, tem como “prater”,  às “operações estreitamente conexas” com os serviços médicos e sanitários, omissa no nº 1 do mesmo artigo.

Com esta referência, o âmbito objectivo da isenção dirigida aos hospitais e estabelecimentos similares alarga-se algo além do que abrange a isenção dirigida aos profissionais médicos, parecendo ficar assim abrangidas prestações às quais só mediatamente se pode atribuir função terapêutica.

A noção de “operações estreitamente relacionadas” tem sido explorada pelo TJUE, embora em decisões menos numerosas do que as que respeitam ao conteúdo essencial da isenção.

No acórdão TJUE, Dornier, C-45/01, 6.11.2003, nº33 ss, o TJUE sublinha que esta noção exclui as prestações “que não apresentem alguma conexão” com os cuidados de saúde hospitalares, abrangendo apenas as prestações que daqueles possam dizer-se acessórias, no sentido em que não constituem um fim em si mesmo mas apenas o meio de melhor beneficiar daqueles cuidados (…).

No acórdão TJUE, Ygeia, C-394/04 e C-395/04, 1.12.2005, nº25, o TJUE fixa que “só as prestações de serviços que se inscrevem logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica e que constituem uma etapa indispensável no processo de prestação desses serviços para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas por estes são susceptíveis de constituir «operações [...] estreitamente conexas” (…).

Nos acórdãos TJUE, Copy Gene, C-262/08, 10.06.2010, nº52, e Future Health Technologies, C-86/09, 10.06.2010, nº50, o tribunal conclui que a noção de operações “estreitamente conexas” não abrange actividades como a colheita, transporte, análise de sangue do cordão e armazenamento das células estaminais contidas nesse sangue, “quando a assistência médica prestada em meio hospitalar, com a qual estas actividades só eventualmente são conexas, não existe, não está em curso nem está sequer planificada.

E se o requisito objectivo não se verifica, também o subjectivo não possui arrimo.

À aplicação do art. 9º, nº2, não basta, portanto, que se demonstre a função terapêutica de uma prestação ou a sua conexão estreita com prestações que tenham essa função, havendo que comprovar que o sujeito passivo que as realiza é um “estabelecimento hospitalar” ou “similar”.

A qualidade do sujeito passivo que realiza as prestações de “hospitalização e assistência médica” ou as prestações que com estas estejam “estreitamente relacionadas” não é uma questão menor no contexto do art. 132.º, n. º1, alínea b), da Directiva IVA. Este é um requisito subjectivo indispensável à aplicação da isenção (…).

A este respeito, importa notar que o art. 132.º, n. º1, alínea b), da Directiva IVA, tal como o art. 9º, nº2, do Código do IVA, não se refere a prestações realizadas em hospitais mas a prestações realizadas por hospitais e estabelecimentos similares. É assim na versão portuguesa, “por organismos de direito público ou (…) por estabelecimentos hospitalares (…) e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos” (…).

É verdade que o TJUE, ao traçar a linha divisória entre as alíneas b) e c) do art. 132º, nº1, da Directiva IVA, nos diz que a primeira visa as prestações efectuadas “em meio hospitalar” e a segunda as que são efectuadas “fora desse âmbito”.

Sem dúvida que é assim: a alínea d) terá sido pensada com os hospitais e estabelecimentos de saúde em mente; a alínea c) terá sido pensada tendo em mente os médicos enquanto profissionais independentes. Com esta referência muito aberta, no entanto, o TJUE mais não pretende do que sinalizar que existe identidade de natureza nas prestações de assistência médica em causa numa e outra disposições e que, com uma e outra alíneas, fica abrangida “a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito”, onde quer que se realizem — acórdão TJUE, Kügler, C‑141/00, 10.09.2002, n.°36.

À aplicação da isenção prevista no art. 9º, nº 2, do Código do IVA, não basta, portanto, que as prestações “estreitamente conexas” sejam realizadas “em meio hospitalar” ou “no contexto da saúde” (…) [sendo] imperativo (…) que sejam realizadas “por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”, i.e., que o sujeito passivo que efectua a prestação reúna em si a qualidade que exige o art.º 132º da Directiva IVA e o art. 9º do Código.

                Em nenhuma decisão do TJUE de que este tribunal tenha conhecimento se admitiu a aplicação da isenção prevista no art. 132º, nº1, alínea b), da Directiva IVA, a sujeitos passivos que não fossem, eles mesmos, “organismos de direito público”, “estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico” ou “outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos” (…).

O que se vem acabando de dizer mantem-se mesmo que se considere que a Requerente se encontra devidamente registada como entidade prestadora de serviços de saúde junto da ERS e que tal situação permitisse considerar a mesma como “estabeecimento”, “dispensário” ou “similar”, porquanto faltaria sempre a verificação do elemento objectivo além do nexo de causalidade concreto. E o simples registo, não significa objectivamente que faça serviços de saúde até porque como menciona “… sem prejuízo de o fazer através de um modelo organizacional diferente do tradicional.”

Atenta a letra da lei e o princípio da interpretação conforme ao Direito Europeu, não se pode, portanto, reconhecer a aplicação da isenção prevista no art.9º, nº2, do Código do IVA, a “operações conexas” levadas a cabo por sujeitos passivos que não possuam, em si mesmos, a qualidade de “estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.[10]

Assim, tendo em consideração a matéria dada como provada, todo o acima exposto, não poderá deixar de ser concluído que a actividade desenvolvida pela Requerente de colocação à disposição dos seus Clientes (Aderentes) do acesso a um conjunto de serviços de saúde, bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pelas entidades parceiras da Requerente, não poderá beneficiar de nenhuma das isenções de imposto previstas no artigo 9°, n°1 e nº 2 do Código do IVA, devendo assim incidir imposto, à taxa normal, sobre o montante pago pelos Aderentes à Requerente, como contraprestação dos serviços prestados, tal como definido no Plano de Adesão, não havendo qualquer violação do princípio basilar da neutralidade do IVA.

Da apreciação do pedido de reenvio prejudicial

Fazendo o relator do presente processo suas as palavras do seu outro colega àrbitro no seu contributo para a a tarefa do relator, que quanto a esta parte considerou desnecessário o reenvio prejudicial  com o qual concordamos, reproduzimos a fundamentação:

 

Quanto ao reenvio prejudicial somos igualmente de concluir pela sua desnecessidade. Ora, estabelece o artigo 267.º do TFUE:

“Artigo 267.º

O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a)         Sobre a interpretação dos Tratados;

b)         Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…)”

Sobre a questão da natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, a mesma já foi apreciada pelo TJUE que decidiu de forma afirmativa: “Resulta das considerações expostas que o organismo de reenvio apresenta todos os elementos necessários para ser qualificado de órgão jurisdicional de um Estado Membro para efeitos do artigo 267.º TFUE”.

Tratando-se a questão prejudicial em causa de uma questão de interpretação do direito da União, o reenvio prejudicial é obrigatório apenas quando tal questão seja suscitada perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial.

Nos termos do disposto no artigo 25.º do RJAT, na redação atualmente em vigor, as decisões arbitrais em matéria tributária são, em regra, irrecorríveis quanto ao mérito, sendo apenas passíveis de recurso para o Tribunal Constitucional, por violação de normas constitucionais, e para o Supremo Tribunal Administrativo, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Contudo, de acordo com a jurisprudência fixada no Acórdão CILFIT, a obrigação de reenvio admite exceções quando:

•           exista já jurisprudência na matéria e desde que o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicação dessa jurisprudência ao caso concreto;

•           o correto modo de interpretação da norma jurídica em causa seja inequívoco;

•           a questão prejudicial não seja necessária nem pertinente para o julgamento do litígio no órgão jurisdicional nacional.

 

Podemos solidificar ainda mais dizendo que, por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do acto claro.

Por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada) que não deixa dúvidas de interpretação do normativo da UE que esteve na base do normativo nacional aplicável.

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não há fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE sendo, por isso, indeferido o pedido apresentado pela Requerente.

 

  1. DECISÃO

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências;
  2. [11]Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 82.846,69, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.754,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 22 de abril de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

Com declaração de voto em anexo

 

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

 

(António Pragal Colaço)

                                                                     Relator

 

 

 


 

 

Declaração de voto do Árbitro Guilherme W. d’Oliveira Martins

 

É nosso entender que devia ter sido dada procedência ao pedido.

Ora, o objeto da divergência reside na questão de saber se a atividade da Requerente, referente aos planos de saúde por si contratualizados com clientes/aderentes, configuram prestações de serviços subsumíveis nas alíneas 1) e 2) do art.º 9.º do Código do IVA (CIVA) e, se são, portanto, isentas de IVA. Ou se, contrariamente, se tratam de operações sujeitas a IVA e dele não isentas.

A Requerida assenta a sua posição no facto de Assim, ao contrário do que a Requerente pretende fazer crer, no que aos planos de saúde concerne (a única atividade da Requerente em causa no procedimento inspetivo e consequentemente, nos presentes autos), não se está perante uma atividade regulada ou regulamentada.

No seu entender, essa distinção verifica-se também no CIVA, ou seja, o legislador pretendeu efetivamente dar um tratamento diferente aos seguros - a própria Requerente reconhece que se tratam de situações distintas, uma vez que relativamente aos seguros que comercializa, isenta a operação nos termos do artigo 9º, alínea 28) do CIVA, relativamente aos planos de saúde, indica nas faturas o artigo 9º do CIVA ou similar.

No entanto, e depois da prova produzida em audiência, somos de entender que há vários pontos adicionais a ter em conta:

  • O objetivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde.
  • As isenções previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, em conformidade com as regras da Diretiva IVA e com a interpretação que das mesmas tem vindo a ser feita pelo TJUE, abrangem as atividades que tenham por objetivo diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.
  • Ambas as isenções se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, bem como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades e do facto de se recorrer ou não a subcontratação para o efeito, sendo tais atividades exercidas direta ou indiretamente.
  • Para efeitos de concessão das aludidas isenções interessa sim, essencialmente, aferir do respetivo escopo terapêutico e do facto de estarem em causa atividades principais com tal fim, bem como serviços acessórios necessários e indispensáveis para o efeito.

 

Assim, sendo, a assistência médica, enquanto conjunto de atividades que funcionalmente se destinam a manter ou a restabelecer a saúde, é um processo constituído por diversos atos que visam a manutenção ou o restabelecimento da saúde, que incluem, desde logo, atos de observação e de exame e, depois, eventualmente, de diagnóstico e de tratamento, sendo que existe todo um conjunto de operações acessórias, auxiliares ou conexas necessárias e /ou indispensáveis para a consecução das operações principais.

 

Para esse efeito, subscrevemos as conclusões do parecer junto da Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma, a saber:

  1. “Na situação controvertida estão em causa Planos de Saúde, um serviço que permite aos adquirentes aceder a vários serviços e cuidados médicos prestados directa e indirectamente pelo respectivo fornecedor, de acordo com o qual os adquirentes suportam um montante a título mensal ou anual como contrapartida pelo acesso a serviços, cuidados de saúde e tratamentos médicos específicos que poderão ser: (i) Fornecidos directamente pelo fornecedor do Plano de Saúde (como serviços clínicos virtuais prestados por médicos funcionários do fornecedor do plano de saúde, entre outras operações consideradas auxiliares dos serviços médicos); ou (ii) Fornecidos por prestadores de serviços médicos que fazem parte de uma rede externa de parceiros, prestados a preços reduzidos e previamente negociados (regime de co-pagamento).

 

  1. No caso em apreço temos, desde logo, um conjunto de operações principais de prestação de serviços de saúde levadas a cabo de forma indirecta pela A... mediante subcontratação, disponibilizando serviços de assistência médica, através da comercialização de planos de saúde, encontrando-se para o efeito devidamente registada na Entidade Reguladora da Saúde como entidade prestadora de cuidados de saúde.

 

  1. Os planos de saúde integram um conjunto de serviços com finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de patologias, abrangendo, consoante o tipo e/ou a modalidade do plano contratado, consultas ao domicílio, exames de diagnóstico, bem como internamentos em estabelecimentos hospitalares ou similares.

 

  1. Como contrapartida do pagamento de uma anuidade/mensalidade, os aderentes dos planos de saúde têm acesso à rede de medicina privada da A..., a qual é composta por colaboradores e entidades subcontratadas que exercem diferentes especialidades médicas.

 

  1. Para o efeito, a A... dispõe de uma rede de medicina privada constituída por colaboradores e parceiros credenciados que vão desde médicos a hospitais, centros de exames e tratamento ou clínicas de medicina dentária, os quais são contratados através da celebração de acordos mediante os quais os colaboradores/parceiros se obrigam a prestar os actos médicos da sua especialidade aos vários utilizadores da rede de medicina privada.

 

  1. De forma complementar aos actos médicos supra referidos, a A...  presta directamente um conjunto de serviços de gestão clínica, a saber, (i) a análise processual e clínica para decidir sobre a adequabilidade de uma terapia; (ii) o controlo de qualidade do serviço executado pela rede de prestadores; e, (iii) o atendimento permanente da linha de atendimento telefónico para pré-diagnóstico e marcação de consultas e outros actos médicos.

 

  1. Está em causa a apreciação da aplicação das isenções da saúde em IVA entre nós acolhidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, cujo objectivo, como vimos, em conformidade com a jurisprudência clara do TJUE, consiste na redução dos custos de uma actividade económica considerada essencial, devendo, para o efeito, abranger-se quer as prestações de serviços principais, nomeadamente actos médicos directos, como consultas, exames, etc, com finalidades terapêuticas, como prestações de serviços auxiliares, acessórias ou conexas, que se revelem necessárias e indispensáveis à prossecução dos ditos fins terapêuticos.

 

  1. Com efeito, devemos, sobretudo, salientar os seguintes aspectos:
  1. O objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde.
  2. As isenções previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, em conformidade com as regras da Directiva IVA e com a interpretação que das mesmas tem vindo a ser feita pelo TJUE, abrangem as actividades que tenham por objectivo diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.
  3. Ambas as isenções se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou colectiva, bem como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas actividades e do facto de se recorrer ou não a subcontratação para o efeito, sendo tais actividades exercidas directa ou indirectamente.
  4. Para efeitos de concessão das aludidas isenções interessa sim, essencialmente, aferir do respectivo escopo terapêutico e do facto de estarem em causa actividades principais com tal fim, bem como serviços acessórios necessários e indispensáveis para o efeito.

 

  1. A assistência médica, enquanto conjunto de actividades que funcionalmente se destinam a manter ou a restabelecer a saúde, é um processo constituído por diversos actos que visam a manutenção ou o restabelecimento da saúde, que incluem, desde logo, actos de observação e de exame e, depois, eventualmente, de diagnóstico e de tratamento, sendo que existe todo um conjunto de operações acessórias, auxiliares ou conexas necessárias e /ou indispensáveis para a consecução das operações principais.

 

  1. Ora, não se nos oferece dúvidas de que na situação controvertida e para efeitos de aplicação das isenções previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, se deve aplicar a isenção de IVA quer aos serviços principais prestados indirectamente através de subcontratação, quer aos serviços acessórios prestados directamente pela Consulente.

 

  1. Com efeito, os serviços em apreço, de acordo com as regras plasmadas no CIVA, devidamente transpostas das regras da Directiva IVA e a interpretação que das mesmas tem vindo a ser levada a efeito pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pela doutrina, são prestações de serviços que merecem ser isentas, sob pena de se violar o princípio da neutralidade que caracteriza este imposto e os objectivos fundamentais subjacentes à concessão das isenções previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA.

 

  1. Como vimos, de acordo com jurisprudência firmada do TJUE, as prestações de serviços de “assistência médica”, a que se refere a alínea b), bem como as “prestações de serviços de assistência”, na alínea c), ambas do n.º1 do artigo 132.º da Directiva IVA, são aquelas que “tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”.

 

  1. Como o TJUE sublinhou, “prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas podem beneficiar da isenção prevista no artigo 132.º, n.°1, alíneas b) e c), da diretiva IVA”, pelo que “esta isenção destina‑se às prestações que têm como finalidade diagnosticar, tratar ou curar as doenças ou as anomalias de saúde ou proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas”.

 

  1. Quer isto dizer que as prestações em causa, para poderem ser isentas, tanto ao abrigo das aludidas alíneas b) como ao abrigo da alínea c), têm que prosseguir um objectivo terapêutico.

 

  1. Como é sabido, nos tempos que correm, com as mudanças comportamentais ocorridas em termos sócio económicos, com a globalização e a economia digital, com a pandemia da Covid -19 e os seus efeitos, a prestação de serviços médicos assumiu, inevitavelmente, novos modelos organizacionais.

 

  1. Ora, não é pelo facto de as prestações de cuidados de saúde assumirem novas formas, nomeadamente mediante um maior recurso à subcontratação, que deixam de se qualificar com tal, ou seja, como prestações de cuidados de saúde, devendo ser tratadas enquanto tal.

 

  1. Na determinação do sentido jurídico-normativo da norma fiscal atender-se-á aos respectivos sentido e fim, procedendo-se, em suma, a uma interpretação teleológica da mesma, obediente aos cânones gerais da hermenêutica jurídica.

 

  1. Mas importa em especial salientar que a interpretação das normas fiscais deve também ancorar-se no princípio da prevalência da substância sobre a forma.

 

  1. Por sua vez, o princípio da neutralidade fiscal, fundamental em sede de IVA, implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira, o mesmo sucedendo quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações.

 

  1. Prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, o que sucederia caso, por absurdo, as prestações de serviços de cuidados de saúde não merecessem isenção pelo simples facto de serem realizadas por recurso a subcontratação.

 

  1. Como nota a Advogada Geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT, o princípio da neutralidade fiscal opõe‑se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

 

  1. É jurisprudência constante que, com alguns matizes, as isenções devem ser objecto de interpretação estrita, quer no que toca aos prestadores de serviços, quer relativamente ao tipo de actividades que devem ser isentas.

 

  1. Contudo, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA.

 

  1. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá‑las dos seus efeitos.

 

  1. Por sua vez, no que concerne à interpretação sistemática das isenções, o TJUE tem vindo a afirmar que os conceitos utilizados nas normas das isenções são conceitos independentes de direito comunitário que devem ser situados no contexto geral do sistema comum do IVA e ser interpretados à luz do contexto em que se inscrevem, das finalidades e da economia da Directiva IVA, tendo especialmente em conta a ratio legis de cada isenção.

 

  1. Como se reconhece na exposição de motivos da Sexta Directiva e a Comissão e o TJUE têm vindo sucessivamente a reiterar, o objectivo subjacente à concessão das isenções relativas à saúde consiste em não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde.

 

  1. As isenções previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, em conformidade com as regras da Directiva IVA e com a interpretação que das mesmas tem vindo a ser feita pelo TJUE e tal como a AT tem vindo a reconhecer, abrangem as actividades que tenham por objectivo diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.

 

  1. Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou colectiva, bem como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas actividades e do facto de se recorrer ou não a subcontratação para o efeito.

 

  1. Isto é, não interessa  para efeitos da concessão das isenções relativas à saúde que as actividades de prestação de serviços de saúde sejam levadas a cabo directa ou indirectamente mediante o recurso a outras entidades.

 

  1. De acordo com a jurisprudência do TJUE, é irrelevante que os cuidados de saúde, na sua acepção ampla, sejam ou não realizados directamente pelas entidades ou com recurso a subcontratação. O que interessa, na realidade, é estarem em causa cuidados de saúde com fins terapêuticos, abrangidos pela isenção.

 

  1. Circunscrever a aplicação de tais isenções às situações em que as prestações sejam realizadas directamente vai contra a respectiva ratio legis, como o TJUE tem vindo, claramente, a decidir.

 

  1. É habitual ainda, neste contexto, afirmar-se que as isenções em sede de IVA assumem uma natureza objectiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da actividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a actividade.

 

  1. Acresce ainda, para efeitos do correcto enquadramento das operações complementares levadas a cabo pela Consulente, que, como o TJUE tem vindo a salientar, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única para efeitos do IVA, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

 

  1. Para efeitos de IVA estamos perante uma operação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um carácter artificial, tal como sucede, no caso em apreço.

 

  1. É jurisprudência firmada pelo TJUE que “…se está perante uma prestação única designadamente no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal. Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador.

 

  1. Em conformidade com a jurisprudência assente do TJUE, nomeadamente no Caso Ygeia, "As prestações só são estreitamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica quando forem efectivamente fornecidas como prestações acessórias de tal assistência prestada aos doentes como prestação principal, quando se inscreverem logicamente no quadro do fornecimento desses serviços e só quando constituírem uma etapa indispensável no processo de prestação desses serviços para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas, porque só tais prestações são susceptíveis de influir no custo dos cuidados de saúde cuja isenção permite torná-los acessíveis. "

 

  1. Ora as prestações de serviços acessórias, como as que estão ora em causa, devem merecer o mesmo tratamento das prestações de serviços principais.

 

  1. Tais serviços são indiscutivelmente prestados no contexto da saúde, com fins terapêuticos, necessários e, mais do que tal, indispensáveis, à cabal realização das principais prestações de serviços em causa.

 

  1. Assim sendo, as actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo, na parte que respeita aos serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar, relacionando-se com a área da saúde, inserindo-se logicamente nos actos de saúde em causa e sendo indispensáveis e necessárias para a realização dos ditos serviços de assistência a pessoas, diagnosticando e/ou tratando de doenças, devem ser isentas de IVA.

 

  1. Note-se ainda que os serviços se consideram prestados a partir do momento em que são disponibilizados, pelo que a mera disponibilização de serviços de assistência médica é suficiente para efeitos da aplicação da isenção IVA aplicável aos serviços de saúde, sendo irrelevante a circunstância de os serviços serem, ou não, efectivamente utilizados pelos aderentes dos planos de saúde.

 

  1. De salientar as Conclusões da Advogada Geral Juliane Kokott no Caso Frenetikexito, na parte em que se esclarece que”[a] questão de saber se a isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA exige que se usufrua efetivamente da prestação só excecionalmente será relevante. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, noutro contexto, que a apreciação para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços não depende da questão de saber se o prestador se limita a colocá-la à disposição ou se a fornece efetivamente.”

 

  1. Decorre assim de forma clara que, em consonância com o entendimento do TJUE, se a A... se limitar a disponibilizar a prestação de actos médicos, através da comercialização dos planos de saúde e prestação de serviços acessórios, presta um serviço para efeitos de IVA, serviços este que, enquanto tal, como vimos supra, beneficiam das isenções aplicáveis aos serviços de saúde.”

 

Temos então de concluir que o que está em causa nos presentes autos incide sobre a violação do princípio basilar da neutralidade do IVA.

Este juízo é de direito e assente na explicação detalhada produzida em sede de audiência da prática de atos médicos pela organização no seu todo, sendo que a assistência médica deve ser encarada enquanto conjunto de atividades que funcionalmente se destinam a manter ou a restabelecer a saúde, num processo constituído por diversos atos que visam a manutenção ou o restabelecimento da saúde, que incluem, desde logo, atos de observação e de exame e, depois, eventualmente, de diagnóstico e de tratamento, sendo que existe todo um conjunto de operações acessórias, auxiliares ou conexas necessárias e /ou indispensáveis para a consecução das operações principais.

Assim:

  1. No caso concreto estamos perante prestações de serviços de cuidados de saúde realizadas através de um modelo organizacional não tradicional, mediante subcontratação, mas que corresponde precisamente aos objetivos de tais prestações de serviços, fornecendo todo um conjunto de atividades cujo objetivo consiste em diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, devem ser isentas de IVA.
  2. Não atribuir a isenção dos cuidados médicos às atividades em apreço com fundamento no facto de não resultarem de uma contraprestação direta da administração de cuidados médicos consubstancia uma grave violação ao princípio da neutralidade do IVA. As prestações de serviços acessórias em causa, sendo indissociáveis destas, devem merecer o mesmo tratamento das prestações de serviços principais.

 

Pelo que teríamos de concluir pela total procedência do pedido.

 

O Árbitro-Presidente,

Guilherme W. d’Oliveira Martins

 



[1] Quer o documento 4 junto pela Requerente, quer o documento junto com o PA, tem de titulo nas suas diversas folhas Projecto de Relatório, mas conforme se deduz pela análise dos mesmos é o próprio Relatório final;

[2] Informação retirada do Registo Comercial da sociedade;

[3] Como é sabido, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA (CIVA); a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal; b) As importações de bens; c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias. Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, o conceito de prestação de serviços é residual, na medida em que "são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens".

[4] Cfr. Adriana Alexandra Pereira Monteiro, IVA NOS ATOS MÉDICOS, Alguns aspetos essenciais, Dissertação de Mestrado na área de Ciências Jurídico-Políticas, Menção em Direito Fiscal, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Julho de 2017, p. 28;

[5] Cfr. Adriana Alexandra Pereira Monteiro, IVA NOS ATOS MÉDICOS, Alguns aspetos essenciais, Dissertação de Mestrado na área de Ciências Jurídico-Políticas, Menção em Direito Fiscal, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Julho de 2017, p. 28;

[6] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25/2/2021, Processo 1494/04.0BELSB, VITAL LOPES, in.www.dgsi.pt;

[7] IN.Ibidem;

[8] Acompanharemos muitíssimo de perto o vertido no Acórdão Arbitral, SILVIA OLIVEIRA, Processo nº 134/2020-T, in.www.caad.org.pt;

[9] In. Ibidem;

[10] In. Ibidem;

[11] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-05-13.