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SUMÁRIO:
1. A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. O presente Tribunal Arbitral não tem competência para se pronunciar sobre atos subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de CSR.
2. A Requerente não é parte ilegítima para pedir a apreciação dos atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela sua fornecedora de combustíveis.
3. Apenas o sujeito passivo responsável pela introdução dos produtos petrolíferos (gasolina e gasóleo rodoviário) no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a apreciação e anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, (Presidente), Dra. Sílvia Oliveira e Dr. António Melo Gonçalves (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
1. Relatório
A...” (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), com sede no ..., em Évora, pessoa coletiva n.º ..., requereu, ao abrigo do disposto no art. 10.º/2 do DL 10/2011, de 20.1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu o respetivo pedido de pronúncia sobre a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa com o n.º ...2024... .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante referida por AT ou Requerida.
O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentado na Alfândega de Setúbal, contra as liquidações de CSR relativas ao período compreendido entre 10 de janeiro de 2020 e 22 de dezembro de 2022.
A Requerente concretiza o seu pedido:
Nestes e nos melhores termos de direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se, com as devidas consequências legais:
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A anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024...;
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A anulação parcial das liquidações de CSR subjacentes às faturas identificadas no probatório, no montante de 129.020,74 Euros;
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A condenação da Requerida no pagamento do referido montante; e
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A condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
1.1. Requerimento da Requerida
Em 04 de setembro de 2024 a AT apresentou um requerimento no qual solicitou que a Requerente identificasse os atos de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada, tendo o Ex.mo Presidente do CAAD, nessa data, determinado o envio do mesmo ao tribunal arbitral a constituir, por ser o órgão competente para a sua apreciação.
O referido requerimento foi integrado nos autos, constando do SGP do CAAD. De mencionar que não cabe ao Tribunal Arbitral praticar quaisquer atos processuais ainda antes da sua constituição e as questões colocadas, mormente quanto à alegada não identificação dos atos tributários impugnados e a legitimidade processual apenas releva no âmbito do saneamento do processo.
1.2. Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado no dia 08-08-2024 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-08-2024.
Os Árbitros designados em 01-10-2024 pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação no mesmo dia.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 21-10-2024.
Por despacho de 221-10-2024 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta e juntar o Processo Administrativo (PA).
Em 18-11-2024 a AT apresentou Resposta em que suscitou exceções e juntou o Procedimento Administrativo.
Por despacho de 25-11-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente responder às exceções nas alegações finais. Foi ainda dirigido à Requerente o seguinte: “Nos termos do artigo 78.º n.º 2 b) do CPTA, ex vi artigo 29.º c) do RJAT um dos requisitos da petição inicial (PPA) -se é a identificação das partes, pelo que se convida a Requerente a identificar com clareza a entidade Requerida.”
Por requerimento de 11-12-2024 a Requerente juntou comprovativos do pagamento das faturas emitidas pelas suas fornecedoras de combustíveis e identificou a Requerida como sendo “a Autoridade Tributária e Aduaneira, com o número de pessoa coletiva e identificação fiscal 600084779, com sede na Rua da Prata n.os 20/22, em Lisboa.”
Em 16-12-2024 a Requerente e a Requerida apresentaram alegações tendo a Requerente se pronunciado sobre as exceções deduzidas na Resposta.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).
Para efeitos de saneamento do processo há que apreciar as exceções invocadas pela Requerida, o que se fará infra.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade de direito português, a qual prossegue, no âmbito do seu objeto social, a atividade principal de recolha, recolha seletiva, triagem, tratamento e valorização de resíduos sólidos dos municípios de Alandroal, Arraiolos, Borba, Estremoz, Évora, Montemor-o-Novo, Mora, Mourão, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Vendas Novas e Vila Viçosa.
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A Requerente é uma empresa local com natureza intermunicipal de capitais maioritariamente públicos, a qual, para efeitos fiscais, encontra-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil.
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No âmbito da sua atividade, a Requerente encontra-se sujeita ao Código dos Contratos Públicos, constante do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, e legislação conexa, tendo procedido à aquisição de gasóleo rodoviário a granel, mediante celebração de contratos públicos conforme o seguinte quadro síntese (Cfr. docs 1, 2, 3, 4 e 5 juntos com o PPA):
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A Requerente afirma que no âmbito dos procedimentos de contratação pública acima identificados, a Requerente adquiriu às referidas fornecedoras de combustíveis 1.162.349 litros de gasóleo rodoviário, durante o período compreendido entre 10 de janeiro de 2020 e 22 de dezembro de 2022, tendo suportado, nesse contexto, entre outros tributos, a correspondente CSR, no montante global de 129.020,74 €.
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A Requerente identifica as respetivas faturas emitidas para pagamento do gasóleo rodoviário adquirido, agrupadas e organizadas por data: (Documentos 6, 7, 8, 9 e 10 juntos com o PPA).
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A Requerente, remeteu por correio registado com AR, em 24-01-2024, um pedido de revisão oficiosa dirigido à Alfândega de Setúbal; (cfr. doc.s 11 e 12 juntos com o PPA).
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A Autoridade Tributária, não decidiu o pedido de revisão oficiosa.
3.2. Factos não provados
Considera-se não provado que:
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As fornecedoras de combustíveis à Requerente são sujeitos passivos de CSR;
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Os sujeitos passivos de CSR, em relação aos combustíveis adquiridos pela Requerente aos seus fornecedores entregaram ao Estado, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas;
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As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
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Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 119.917,40.
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A Requerente é um consumidor final.
3.3. Motivação da matéria de facto
O Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos ao PPA.
Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, e como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados e não provados com relevo para a decisão, os supra elencados.
4. Das exceções
A Requerida na Resposta invoca exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.
São as seguintes exceções invocadas:
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incompetência do Tribunal em razão da matéria;
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ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;
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ineptidão da petição inicial;
i) Por alegada falta de objeto;
ii) Por alegada ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir;
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caducidade do direito de ação.
Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, dado que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Porém, e considerada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisamos a questão da natureza jurídica da CSR.
4.1. Da natureza jurídica da CSR
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.
Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:
“Artigo 4.º - Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado e o destinatário registado;
(...).
Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Adicionamento sobre emissões de CO2 e de CSR.
O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.
Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.
São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.
A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC.
De acordo artigo 10.º-A do CIEC, as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.
Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.
Como é afirmado no preâmbulo, à CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal I.P.
Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.
Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:
“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)
Salientamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:
“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”
De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(...)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”
Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, um imposto monofásico, em que não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão. O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, com a apresentação da e-DIC, nos termos do CIEC.
4.2. Da competência material do Tribunal Arbitral para apreciação a legalidade de atos de liquidação de CSR
Nestes autos, a AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que a CSR é uma contribuição e não um imposto, pelo que as matérias sobre a CSR na sua perspetiva encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributaria, por ausência de enquadramento legal.
A AT alega ainda que os Tribunais Arbitrais não têm competência para sindicarem atos de repercussão de CSR.
Por seu lado a Requerente defende que a CSR é um imposto, pelo que o Tribunal Arbitral tem competência material.
Vejamos,
A competência dos Tribunais Arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.
O Acórdão do TCAS de 24-10-2024 proferido no Processo n.º 128/23.9BCLSB, decidiu que:
“Os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios.”
Considerando que a CSR é um imposto não procede a exceção alegada da Requerida quanto à competência do Tribunal Arbitral para apreciação a legalidade de atos de liquidação de CSR.
4.2. Da competência material do Tribunal Arbitral para apreciação a legalidade de atos de liquidação de CSR
Para se concluir pela competência material deste Tribunal Arbitral temos ainda de analisar o concreto pedido da Requerente e verificar a sua inclusão ou não nas normas de competência previstas no RJAT e da Portaria de Vinculação.
Como refere SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. pág. 399, os atos de repercussão consistem “(...) na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”.
Sobre o conceito de ato de liquidação é dito no Acórdão do TCAN de 30-11-2017, Processo n.º 00598/16.1BEPRT.
“Como referido por Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, em anotação ao artigo 97.2, páginas 34 a 56, transcrição trazida pelo Ministério Público nas suas Contra-alegações:
«5 - Impugnação de atos de liquidação
Atos de liquidação, em matéria tributária, são os atos administrativos, praticados pela administração tributária que determinam o quantitativo do tributo a pagar pelo sujeito passivo, consubstanciando-se na aplicação de uma taxa à matéria coletável.
(…)”
JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 2010, 6.ª edição pág. 317 escreveu:
“A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina ataxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação (stricto sensu) traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais)deduções à colecta.
De entre todas essas operações destaca-se a determinação da matéria colectável, a qual pode ser objecto de mero cálculo ou de avaliação (v. o art. 81.º, n.º 1, da LGT). Será objecto de cálculo se a matéria colectável for determinada com base em elementos exclusivamente objectivos (como a contabilidade e respectiva documentação de suporte), através da verificação desses elementos ou de operações matemáticas elaboradas com base neles.”
Entendemos que os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada.
Da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, resulta que não está comtemplada qualquer situação de repercussão legal nem sequer de repercussão económica.
Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399. Este fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).
Os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada.
Este é o entendimento que vem sendo seguido pela jurisprudência, que se pronunciou sobre esta questão, nomeadamente nos processos arbitrais n.º 296/2023-T, 297/2023-T 375/2023-T, 332/2023-T, 408/2023-T e 250/2024-T.
Assim, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
4.3. Exceção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
A Requerida alega que a Requerente não tem legitimidade ativa:
“Nos presentes autos, vem a Requerente pedir que seja anulada os atos de liquidação ISP, CSR, dos seus fornecedores, (gasolina e gasóleo) no período compreendido entre 10.01.2020 e 22.12.2022, determinando-se, o reembolso de todas as quantias alegadamente suportadas pela Requerente a esse título de CSR.
Alegando terem-lhe sido cobrados valores indevidos a título de CSR.
Ora, desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo (...)
Pelo que são apenas estas entidades as detentoras de liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).
(...)
Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro.
Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
Dito de outra forma, porque a Requerente de reembolso não corresponde à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento do ISP, e da CSR, carece de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente – vide artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.
Refira-se que esta situação contém duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica tributária de direito público, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a relação jurídica de direito privado, pela qual os adquirentes do combustível, na medida em que entendem ser repercutidos, podem vir a ter o direito de exigir uma certa quantia do sujeito passivo.
O que não pode é vir a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado.
Por outro lado,
Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e equaciona por mero dever de cautela, carece igualmente para o efeito a Requerente de legitimidade atendendo igualmente ao disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro (Lei Geral Tributária – LGT), pois não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal.
No caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto.
Perdendo a sua natureza de tributo aquando eventual incorporação no PVP pelo sujeito passivo, assumindo então a natureza de um custo, conforme explanado supra.
(ao contrário do que sucede com a estatuição da repercussão legal prevista em sede de IVA, conforme artigo 37.º do Código de IVA e em sede de Imposto de Selo, (IS), conforme artigo 3.º do Código do IS)”
Defende a Requerente no PPA:
“Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), 2.ª parte, da LGT, não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias.
Por seu turno, o artigo 54.º, n.º 2, da LGT, determina que as garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.
No mesmo sentido, o artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, consagra uma abrangência alargada no que concerne à determinação de legitimidade no procedimento tributário, reportada, além da administração tributária, aos contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, às partes dos contratos fiscais e a quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
(...)
“Assim, não existindo dúvidas sobre o sentido da decisão do TJUE quanto à desconformidade da CSR para com o direito da União Europeia, impõe-se ao Estado assegurar a eficácia do direito da União Europeia, garantindo-se o cumprimento do direito à tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos.”
E refere nas alegações:
“Quanto à alegada ilegitimidade ativa da Requerente, esta entende ter demonstrado que lhe assiste um interesse legalmente protegido. De outro modo, fazer depender da prova plena o requisito da legitimidade, como a Requerida o pretende fazer, constituiria uma inversão metódica no direito processual, culminando na recusa liminar da tutela jurisdicional efetiva.”
Vejamos
O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.
Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.
E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.
A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E, o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.
Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, a legitimidade neste caso, para questionar os atos de liquidação da CSR, só poderia advir da comprovação de a Requerente é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Neste sentido é de referir a decisão arbitral, de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T e Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM, nos termos da qual se refere “(...). V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.
Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CSR pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.
A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo, bem como, a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação.
A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiriu à fornecedora de combustíveis e junta ao pedido arbitral cópia das faturas emitidas pelas suas fornecedoras de combustíveis.
As faturas não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes por si alegados.
Uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais”; cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.
Das faturas mencionadas não se pode considerar que delas resultaria qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Por definição uma fatura é um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e que é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA.
Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.
As entidades que introduzem os combustíveis no consumo e que estejam registadas como tal, são os sujeitos passivos da CSR e têm a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas faturas juntas com o PPA, não é possível comprovar qual a entidade que procedeu à introdução no consumo, se submeteu as DICs respetivas, se procederam ou não a esse pagamento porque não é junto qualquer documento que se possa considerar como prova desse pagamento.
E, das faturas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, (estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições) pelo que não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DIC).
De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.
Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
Apenas a entidade que introduziu no consumo os combustíveis e apresentou nas Alfândegas as DICs, o sujeito passivo de ISP/CSR, teria legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.
Pelo exposto, considera-se que a Requerente não tem legitimidade processual para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira, com base nas DIC submetidas pelas entidades que introduziram no consumo os combustíveis, porque no âmbito dos impostos especiais de consumo apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.
Acresce ainda o seguinte:
O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E, o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, constituiu-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal, que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
A LGT determina e pressupõe que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). Não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.
A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”
Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil.
De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que a Requerente reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Sendo que, na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada.
Interessa ainda sublinhar que a Requerente não alega nem prova a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a AT e solicitar o reembolso do imposto (CSR) se comprovasse que é titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Assim, teria que alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhe tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por si suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes).
Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que foi repercutida e que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal.
Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).
De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. o Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).
Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelas fornecedoras de combustíveis, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).”
A referida norma (artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC) estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 297/2024-T, 375/2023-T e 633/2023-T.
Importa, ainda, notar que, contrariamente ao que a Requerente afirma, sem, contudo, indicar qualquer base jurídica, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.
Pelo exposto julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Considerando o decidido, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo, não havendo necessidade do reenvio prejudicial para o TJUE, uma vez que o Tribunal Arbitral não tem dúvidas acerca do sentido e alcance do direito da União Europeia pertinente neste processo.
5. Decisão
a) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;
b) Julgar procedente a exceção dilatória da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR;
c) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR;
d) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.
6. Valor do processo
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 129.020,74, indicado pela Requerente, sem oposição da Requerida.
7. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de abril de 2025
Os Árbitros
(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
(Sílvia Oliveira– Adjunta)
(Vencida conforme declaração anexa)
(António Melo Gonçalves – Adjunto)
(Vencido conforme declaração anexa)
Declaração de Voto de Vencida
Votei vencida porquanto entendo que não deveriam proceder as excepções suscitadas pela Requerida que foram consideradas procedentes, pelos motivos que, a seguir, apresento.
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Questão da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria
Desde logo, e quanto à questão da competência do Tribunal Arbitral refira-se, em síntese, seguindo a posição adoptada no âmbito de outros processos, nomeadamente no processo n.º 410/2023-T (cujo TAC integrei) que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (…), que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
Nestes termos, a vinculação reporta-se a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
Por outro lado, e no que diz respeito à natureza da CSR (no regime em vigor à data a que se reportam os factos), sendo esta uma contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constituindo uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento), à luz do seu regime jurídico dificilmente se poderia concluir que a mesma constitui uma contribuição financeira, antes se qualificando como um imposto. E, a somar a este entendimento, o referido pelo TJUE no seu Despacho de 07-02-2022, no âmbito do processo C-460/21 (Vapo Atlantic) que, para além de não colocar em causa essa qualificação, assumiu, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da Diretiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil”.
No caso em análise, tendo em consideração que a Requerente apresentou “PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL quanto ao ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa com o n.º 0665202402000067 relativo aos atos de liquidação que englobam o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos, referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no período compreendido entre 10 de janeiro de 2020 e 22 de dezembro de 2022, refletido nas faturas emitidas pela B..., Lda. e pela C..., Lda. (doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por “fornecedores de combustíveis”), apenas na parte que respeita ao montante liquidado a título de CSR)”, peticionando “a) A anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024...; b) A anulação parcial das liquidações de CSR subjacentes às faturas identificadas no probatório, no montante de 129.020,74 Euros; c) A condenação da Requerida no pagamento do referido montante; e d) A condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios”, teria considerado totalmente improcedente a alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria (suscitada pela Requerida) no que diz respeito ao pedido apresentado pela Requerente porquanto, o que está aqui em causa é uma alegada desconformidade dos actos de liquidação da CSR face ao disposto na Diretiva 2008/118, de 16 de Dezembro e não um pedido de anulação dos actos de repercussão de CSR propriamente ditos.
2.Questão da ilegitimidade da Requerente
Neste âmbito, refira-se que também não consideraria procedente a excepção da ilegitimidade (processual e substantiva) da Requerente atentos os argumentos que, em síntese, a seguir apresento (seguido uma vez mais a posição assumida no âmbito de outros processos que integrei, nomeadamente, no processo n.º 1049/2023-T e no processo nº 1049/2023-T, cujos TAC integrei).
Neste âmbito, cabe começar por referir que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor. E, deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (cfr. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e segs.).
Alegando a Requerente, na petição inicial, que pretende impugnar os actos tributários de liquidação da contribuição de serviço rodoviário (CSR) incidentes, em determinado período de tempo, sobre os fornecedores de combustíveis e cujo encargo tributário se repercutiu na sua esfera jurídica, não pode deixar de entender-se que a Requerente dispõe de legitimidade processual para deduzir o pedido, independentemente de saber se houve uma efectiva repercussão ou se as faturas de aquisição de combustível corporizam o valor pago a título de CSR, questão a analisar numa fase posterior, em sede de mérito da causa.
A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, nos termos da qual se refere que “(…) como sujeito passivo entende-se a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.
Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT (que refere que “não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias”), o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação (cfr. ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
Como resulta do regime originário da CSR (Lei nº 55/2007), o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal “é assegurado pelos respetivos utilizadores” e “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”. Por outro lado, segundo o disposto no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro [disposição essa a que foi atribuída natureza interpretativa (artigo 6.º dessa Lei)], “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Assim, quer as disposições da Lei n.º 55/2007, quer a disposição geral do artigo 2.º do CIEC, consagram um princípio de repercussão legal do imposto, significando que o encargo do imposto não seja suportado pelo sujeito passivo, mas pelo contribuinte que intervém no processo de comercialização dos bens ou serviços. E, em consequência, terá de se admitir que, por efeito da norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, as entidades repercutidas dispõem de legitimidade procedimental e processual para deduzirem reclamação graciosa ou recurso hierárquico ou impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação do imposto que é objeto de repercussão (cfr. LOPES DE SOUSA, Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, vol. I, Lisboa, 2011, pág. 115, e SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 98).
Por outro lado, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pela referida disposição da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.
Ou seja, ainda que se entendesse que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o acto de liquidação com fundamento em ilegalidade.
Nestes termos, a questão da legitimidade activa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das disposições do CIEC.
E, como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “(…) 43 (…) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (sublinhado nosso).
Com efeito, é corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo. E, como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.
Por outro lado, e quanto à questão alegada pela Requerida de a Requerente, não sendo sujeito passivo do imposto, carecer não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efectividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido (cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20). Assim, entendo que não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados. E, quanto à prova de efectiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis, trata-se de matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral e que não integra, em si, uma qualquer excepção.
Assim, no caso em análise, teria também considerado improcedente a alegada excepção da ilegitimidade da Requerente e, em consequência, entendo que teriam de ter sido, individualmente, avaliadas as restantes excepções suscitadas pela Requerida sendo que, no caso de todas serem consideradas improcedentes, ser avaliado o mérito do pedido arbitral.
Sílvia Oliveira
Declaração de Voto
1. No uso da faculdade concedida pelo artigo 22.º, n.º 1 do RJAT, em matéria de pronúncias parciais, muito embora concorde com a decisão que fez vencimento, no sentido da improcedência do pedido arbitral, julgo que o Tribunal Arbitral careceria de competência material para, no domínio da CSR, apreciar atos de liquidação, razão pela qual voto vencido.
2. De facto, de uma autorização legislativa que previa a possibilidade de incluir na arbitragem tributária a generalidade dos litígios relativos à liquidação de tributos, o legislador veio sucessivamente a restringir o seu alcance, através da publicação do RJAT, e dentro do próprio RJAT, através de portaria que estabeleceu os termos em que a AT se vinculou ao referido regime.
3. O artigo 2.º da Portaria de Vinculação, ao referir que os serviços e organismos (de administração de impostos) se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, mencionados no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a nosso ver, só fará sentido à luz da Lei Orgânica da AT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, a qual estabelece as missões e o quadro geral de atuação dos diversos serviços técnico-normativos, com a tipicidade e especificação próprias da administração de cada tributo, e da portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, e respetivas sucessivas alterações, que enformam e dão suporte ao poder de administração dos impostos.
4. A ligação da AT à CSR surge em resultado da incumbência da prestação de serviço de cobrança, pela qual é especificamente remunerada, donde o quadro classificativo atribuído pelo legislador à CSR, enquanto tributo, parece-nos, deveria ser respeitado e não afastado, sem mais, pelo intérprete. Mas, mesmo que assim não fosse, e a mesma fosse considerada imposto, os termos em que a vinculação se encontra estabelecida afastaria a sua inclusão na jurisdição arbitral, em razão de não pertencer a um tributo do universo dos impostos administrados pela AT, na aceção da respetiva lei orgânica e portarias regulamentadoras.
5. Analisando os quadros gerais das competência dos respetivos serviços técnico normativos da AT, decorrentes da publicação da portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, e sucessivas alterações, não se vislumbra a competência de qualquer serviço para relativamente à CSR desenvolver estudos e propor ações legislativas ou regulamentares para uma melhor cobrança, elaborar estudos técnicos e estatísticos de utilização das vias, fazer um acompanhamento da evolução da cobrança da sua receita e fazer o seu reporte superiormente, apreciar pedidos de isenção e redução da contribuição, elaborar os trabalhos preparatórios de previsão de cobrança e de despesa fiscal a fazer constar nos orçamentos de estado, em suma, tudo atribuições que consubstanciam um poder de administração típico da generalidade dos impostos por ela administrados.
6. É notória a estabilidade das taxas da CSR fixadas pela Lei n.º 55/2007, de 64 €/1000 litros para a gasolina e 86 €/1000 litros para o gasóleo, só alteradas pela Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro, após parecer do InIR – Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P,, aliás agora, por força do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, Infraestruturas de Portugal, S.A., emitido nos termos da respetiva lei orgânica, para 87 e 111 euros, respetivamente, ou seja, não há um envolvimento da AT na administração da CSR, resultando a sua gestão em termos de fixação das correspondentes taxas e dos fluxos financeiros a gerar, unicamente da avaliação pelo acionista Estado dos resultados alcançados pelo referido instituto em favor do interesse público (mobilidade, segurança, ambiente, etc).
7. Enquanto tributo parece-nos que o quadro classificativo atribuído pelo legislador deve ser respeitado, pois é a ele que cabe legislar, o que não deve impedir os demais poderes de exercerem a sua atividade de controlo judicial.
Com efeito, não é inócua a escolha da via judicial ou arbitral para dirimir os conflitos que se suscitem com a aplicabilidade da CSR.
No conjunto de direitos e obrigações atribuídos à concessionária Infraestruturas de Portugal por intermédio do quadro de concessão, foi-lhe conferido, no quadro dos direitos, entre outros, ter como receita o produto da CSR, (alínea b) da Base 3, do anexo ao Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13.11.2007).
Estando em causa o cumprimento de obrigações contratuais do Estado para com entidades terceiras, igualmente pertencentes à esfera pública, o Ministério Público, enquanto defensor da legalidade e da promoção do direito público, deve, conforme o artigo 14.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ser ouvido nos processos judiciais antes de ser proferida a decisão final, situação que não se mostra acautelada na jurisdição arbitral.
Por outro lado, considerando que estão em causa direitos do Estado fruídos por entidades autónomas, nos termos do artigo 24.º n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, as referidas entidades autónomas deveriam ter a possibilidade de intervir no próprio processo, através de mandatário próprio, prerrogativas que não se verifica igualmente na jurisdição arbitral.
8. Em conclusão, em nosso entender, em razão dos termos em que se encontra estabelecida a vinculação, a CSR, independentemente de poder ser considerado um imposto, uma contribuição ou um tributo de uma terceira espécie, não está abrangido pela jurisdição arbitral em razão de a ilegalidade dos atos de liquidação de que padeça não pertencerem a um tributo administrado pela AT, a qual se configura como uma simples prestadora de um serviço de cobrança, Esta interpretação é a que melhor salvaguarda os interesses do Estado e de entidade terceira nos litígios em que se mostrem envolvidos.
Daqui decorre que as impugnações dos atos de liquidação da CSR entrem na esfera de competências dos tribunais tributários, em conformidade com o artigo 49.º, n.º 1, alínea a), i), da Lei n.º 13/2022, de 19 de fevereiro, (ETAF).
António Manuel Melo Gonçalves