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SUMÁRIO
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A interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
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A legislação portuguesa infringe a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) ao tributar, por retenção na fonte a título liberatório e pelo seu montante ilíquido, os dividendos distribuídos por uma sociedade residente para efeitos fiscais em território português a uma sociedade não residente nesse território, que investiu em ações da primeira sociedade para cobrir obrigações de pagamento no futuro a tomadores de seguros unit-linked, ao passo que as sociedades residentes em idêntica situação têm direito a deduzir os gastos originados pelo aumento das suas obrigações de pagamento no futuro aos tomadores desses seguros e a um crédito de imposto pelas retenções sofridas (conforme resulta do Acórdão do TFEU proferido no processo C-782/22, em 1 de novembro de 2024).
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Rita Correia da Cunha (Árbitro Presidente), Dr. João Santos Pinto e Dra. Adelaide Moura (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:
RELATÓRIO
A... LIMITED (doravante designada por “Requerente”), sociedade seguradora constituída de acordo com o direito inglês e a operar no Reino Unido, titular do número de identificação fiscal inglês ... e do número de identificação fiscal português ..., com sede social em ..., em Inglaterra, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante referida por “AT” ou “Requerida”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC, referentes ao período compreendido entre 28 dezembro de 2021 e 23 de dezembro de 2022, no valor global de € 1.219.758,74, e da indecisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2023...), com a consequente restituição do imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Em 25 de junho de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Autoridade Tributaria.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, as quais nada disseram, foram designados árbitros os signatários que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 28 de agosto 2024.
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta ao PPA em 2 de outubro de 2024, tendo junto o processo administrativo (“PA”) em 3 de outubro de 2024.
Por despacho de 14 de outubro de 2024, foram as partes notificadas de que ficou dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações finais escritas, atento o facto de não terem arrolado testemunhas e a clareza das posições vertidas nos articulados.
Em 24 de outubro de 2024, a Requerente veio solicitar prazo para apresentação de alegações escritas.
Em 15 de novembro de 2024, a Requerente juntou aos autos cópia do Acórdão proferido a 7 de novembro de 2024 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no âmbito do Processo C-782/22.
Em 13 de janeiro de 2025, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para, querendo, no exercício do seu direito ao contraditório, se pronunciar relativamente ao Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia junto pela Requerente, o que a Requerida optou por não fazer.
Em 11 de março de 2025, a Requerente juntou decisão arbitral proferida no processo n.º 832/2024-T.
SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de retenção na fonte de IRC (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º do RJAT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e anos tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto (distribuição de dividendos de fonte portuguesa a sociedade seguradora não residente), e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.
Considerando os documentos juntos aos autos e a questão decidenda, o Tribunal Arbitral mantém a dispensa de alegações escritas, conforme determinado anteriormente por despacho.
QUESTÃO DECIDENDA
A principal questão de Direito a decidir respeita à compatibilidade com o Direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, dos atos de liquidação de imposto por retenção na fonte sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente (sociedade seguradora não residente em território português), e alocados a seguros unit-linked por ela geridos e comercializados, por comparação com o regime fiscal aplicável quanto aos rendimentos obtidos em idênticas circunstâncias por sociedades seguradoras residentes em território português.
POSIÇÃO DAS PARTES
Posição da Requerente no PPA
Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
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A Requerente é uma sociedade comercial residente para efeitos fiscais no Reino Unido, autorizada pelo Banco de Inglaterra a aí atuar como seguradora, que se dedica à comercialização de seguros de pensões unit-linked (“unit-linked pension products”), os quais consubstanciam instrumentos de captação de aforro estruturados, cujo risco do investimento é totalmente assumido pelo tomador do seguro.
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Concomitantemente, os tomadores dos seguros unit-linked comercializados pela Requerente têm direito à perceção da totalidade dos rendimentos emergentes dos investimentos gerados pelo respetivo contrato de seguro, assumindo igualmente a totalidade das perdas que deles advenham.
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Os seguros unit-linked comercializados pela Requerente são compostos por diferentes ativos, correspondentes aos investimentos realizados pela Requerente. Cada ativo encontra-se alocado a um específico seguro unit-linked, de tal forma que o valor a receber pelo tomador do seguro sofre flutuações em virtude das oscilações no valor dos ativos subjacentes.
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A Requerente é a titular dos rendimentos resultantes de cada um dos investimentos por si realizados e alocados a seguros unit-linked, não obstante a sua obrigação futura de, na data do vencimento do respetivo contrato, efetuar um pagamento de igual montante ao tomador do seguro.
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Entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022, a Requerente auferiu um conjunto de rendimentos de fonte portuguesa, decorrente da distribuição de dividendos por empresas residentes em território português nas quais a Requerente detinha participações sociais (que, nos termos supra expostos, se encontram economicamente alocados a cada um dos seguros unit-linked por si geridos e comercializados).
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Tais rendimentos foram colocados à sua disposição pelo B...– SUCURSAL EM PORTUGAL, entidade que assumiu as vestes de substituto tributário, tendo procedido à retenção na fonte de imposto, no montante global de € 1.219.758,74, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC (“CIRC”).
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Alguns dos rendimentos em referência foram sujeitos a retenção na fonte à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4, do CIRC e aplicável por via do artigo 94.º, n.º 5, do CIRC. Outros, por seu turno, foram sujeitos a retenção na fonte à taxa de 15%, prevista no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido (“CEDT Portugal-Reino Unido”).
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O B...– SUCURSAL EM PORTUGAL apresentou à AT as guias de retenção na fonte, tendo, em conformidade, procedido à entrega, junto dos cofres do Estado, do imposto nelas plasmado e retido à Requerente.
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Enquanto sociedade comercial residente no Reino Unido, a Requerente está sujeita e não isenta nesse território a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, incidindo tal imposto sobre a globalidade dos rendimentos por si auferidos, independentemente da respetiva proveniência. O imposto em referência incide, entre outras realidades, sobre os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos, designadamente os referidos supra, os quais concorrem para a formação do lucro tributável sujeito a imposto no Reino Unido.
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Não obstante, por se encontrar obrigada, conforme a regulamentação que rege a atividade seguradora, a transferir futuramente para os tomadores dos seguros os rendimentos alocados a cada um dos seguros unit-linked por si comercializados, as regras contabilísticas e fiscais vigentes no Reino Unido preveem a inscrição de um gasto de montante correspondente ao desses rendimentos.
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De acordo com as IFRS, a contabilização de dividendos recebidos por uma entidade seguradora como a Requerente e alocados a seguros unit-linked tem lugar através de uma dupla inscrição: por um lado, inscreve-se um rendimento no montante auferido; por outro, inscreve-se um gasto representando a responsabilidade futura de pagamento ao tomador do seguro. Assim, a técnica de contabilização consiste na relevação de um rendimento e de um gasto, os quais, anulando-se mutuamente, determinam que os dividendos recebidos não sejam tributáveis na esfera da Requerente. Por via disso, não se verifica qualquer efetiva tributação no Reino Unido dos rendimentos em referência.
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Perante a ausência de tributação no Reino Unido (e, por conseguinte, de dupla-tributação), as retenções na fonte sofridas em Portugal, relativas aos dividendos de fonte portuguesa, não deram lugar a qualquer crédito de imposto, parcial ou total, no Reino Unido. Ademais, as mencionadas retenções na fonte não geraram qualquer crédito de imposto na esfera dos tomadores dos seguros, inexistindo, aliás, qualquer mecanismo suscetível de transferir o encargo para estes últimos.
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Na decisão expressa de indeferimento apresentada pela Requerente em 20 de dezembro de 2023, pese embora reconheça a aplicabilidade a sujeitos passivos residentes em Estados terceiros da liberdade de circulação de capitais ínsita nos artigos 63.º e seguintes do TFUE, a Autoridade Tributária entende não poder desaplicar a legislação nacional [in casu, o artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Ficais (“EBF”)] desconforme ao Direito europeu, não sendo, na sua ótica e ademais, a decisão proferida pelo TJUE, no âmbito do processo n.º C-545/19, a 17 de março de 2022 [“Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN (Processo C-545/19)”], transponível para o caso em apreço, por versar sobre uma situação puramente intraeuropeia. Por outras palavras, entende a Autoridade Tributária que, não tendo o legislador nacional revogado o regime ínsito no artigo 22.º do EBF, e na ausência de jurisprudência europeia que expressamente refira ser tal legislação contrária ao Direito europeu em situação referente a sujeito passivo residente fora da União Europeia, não pode a entidade administrativa abster-se de tributar este último, nem tão-pouco anular quaisquer atos que reflitam tal tributação.
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Todavia, caso a Requerente fosse uma seguradora residente em Portugal, os dividendos em referência não estariam sujeitos a tributação em IRC neste território, o que significa que verificar-se uma discriminação injustificada entre sociedades residentes e não residentes em Portugal, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
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No que respeita às entidades residentes em território português, embora a perceção dos rendimentos seja igualmente sujeita a retenção na fonte, esta assume natureza provisória (i.e., por conta do imposto devido a final), nos termos do artigo 94.º, n.º 3, do CIRC. Assim, e contrariamente ao que sucede com as entidades não residentes, a retenção efetuada às entidades residentes é posteriormente relevada na liquidação de IRC referente ao exercício no qual haja sido efetuada, através de uma dedução à coleta, diminuindo o imposto a pagar a final e sendo passível de reembolso quando o seu valor exceda o da dívida total de imposto, nos termos dos artigos 90.º, n.º 2, alínea e), e 104.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC.
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Quanto às taxas de IRC aplicáveis, a tributação liberatória das entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal é, em princípio, efetuada à taxa de 25% (cf. artigo 87.º, n.º 4, do CIRC) ou à taxa da CEDT quando aplicável, enquanto as entidades residentes, sofrendo uma retenção na fonte não-liberatória à taxa de 25% (cf. artigo 94.º, n.º 4, do CIRC), são tributadas à taxa geral de 21% prevista no artigo 87.º, n.º 1, do CIRC.
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Atento o exposto, à primeira vista, poderia parecer que, independentemente da sua qualidade de residentes ou não residentes em Portugal, todas as entidades – incluindo as seguradoras – estariam sujeitas a carga tributária semelhante.
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Sucede, porém, que, no que respeita às seguradoras que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, as mesmas não são materialmente tributadas, a final, pelo auferimento de dividendos decorrentes da titularidade de participações sociais alocadas a seguros unit-linked por si comercializados.
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Embora, perante o auferimento de um dividendo, o Plano de Contas das Empresas de Seguros que se constituem e operem de acordo com a legislação nacional preveja o registo de um rendimento na conta #74 e do correspondente depósito à ordem na conta #21, o mesmo Plano prevê também o registo de um gasto na conta #67, por contrapartida de um passivo, a registar na conta #45. Como todas estas inscrições são pelo mesmo montante – o do dividendo –, há uma anulação do rendimento auferido, de tal forma que o mesmo não concorre para a formação do lucro tributável sujeito a IRC. Significa isto que as seguradoras residentes em Portugal não sofrem tributação sobre o montante destes dividendos, uma vez que, por via da inscrição contabilística do gasto acima referido, o valor contabilístico final do rendimento é zero.
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Em suma, enquanto uma seguradora residente em Portugal não é tributada sobre o montante dos dividendos decorrentes da detenção de participações sociais em sociedades comerciais portuguesas, alocadas a seguros de pensões unit-linked por si comercializados, uma seguradora não residente que se encontre em posição semelhante é sujeita a tributação liberatória, à taxa de 25% (ou inferior, se aplicável uma CEDT), sobre os mesmos rendimentos.
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É, assim, evidente a existência de um tratamento fiscal diferenciado com fundamento exclusivo na residência do sujeito passivo, em claro detrimento das seguradoras não residentes, o que constitui uma violação dos artigos 63.° e 65.º do TFEU e do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
Posição da Requerida na resposta ao PPA
A Requerida defendeu-se por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:
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A Requerente foi constituída de acordo com as leis do Reino Unido América pelo que não lhe é aplicável o artigo 22.º do EBF (sendo este artigo aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário, bem como a sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional).
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A aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional não afasta a tributação desses rendimentos (seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo), quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos.
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Não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento do Requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais.
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Acresce que a AT não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada.
MATÉRIA DE FACTO
Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A Requerente é uma sociedade comercial residente para efeitos fiscais no Reino Unido, aí atuando enquanto seguradora e dedicando-se à comercialização de seguros de pensões unit-linked, os quais consubstanciam instrumentos de captação de aforro estruturados, cujo risco é totalmente assumido pelo tomador do seguro (cf. Documentos 3 a 5 juntos ao PPA).
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A Requerente exerce a sua atividade sob supervisão da UK FINANCIAL CONDUCT AUTHORITY e da UK PRUDENTIAL REGULATION AUTHORITY, estando sujeita ao regime legal aplicável às entidades seguradoras, o qual deriva da Diretiva (EU) 2016/97, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de janeiro de 2016 (cf. alegado no artigo 6.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
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Os seguros unit-linked comercializados pela Requerente são compostos por diferentes ativos, correspondentes aos investimentos realizados pela Requerente (cf. alegado no artigo 7.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
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Apesar de a Requerente ser a titular desses rendimentos resultantes de cada um dos investimentos por si realizados, a perceção desses rendimentos constitui-a na obrigação futura de, na data do vencimento do respetivo contrato, efetuar um pagamento de igual montante ao tomador do seguro (cf. alegado no artigo 11.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
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Enquanto sociedade residente no Reino Unido, a Requerente está sujeita e não isenta nesse território a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, incidindo tal imposto sobre a globalidade dos rendimentos por si auferidos, incluindo os dividendos de fonte portuguesa (cf. alegado no artigo 16.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
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Todavia, não se verifica qualquer efetiva tributação no Reino Unido dos dividendos recebidos por uma entidade seguradora como a Requerente, quando respeitantes a ações alocadas a seguros unit-linked por si comercializados, porquanto, de acordo com as regras contabilísticas vigentes e aplicáveis para efeito de apuramento dos rendimentos sujeitos a imposto de uma entidade comercial sediada no Reino Unido, a contabilização dos referidos dividendos tem lugar através de uma dupla inscrição: por um lado, inscreve-se um rendimento no montante auferido; por outro, inscreve-se um gasto de igual montante representando a responsabilidade futura de pagamento ao tomador do seguro (cf. alegado nos artigos 18.º a 22.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
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Perante a ausência de tributação no Reino Unido (e, por conseguinte, de dupla-tributação), as retenções na fonte sofridas em Portugal, relativas aos dividendos de fonte portuguesa, não deram lugar a qualquer crédito de imposto, parcial ou total, no Reino Unido (cf. alegado no artigo 23.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
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No período compreendido entre 28 dezembro de 2021 e 23 de dezembro de 2022, a Requerente recebeu dividendos de capitais de fonte portuguesa, os quais foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal, ascendendo a tributação por si suportada a € 1.219.758,74 (cf. Documento 1 junto ao PPA).
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Alguns dos rendimentos em referência foram sujeitos a retenção na fonte à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4, do CIRC e aplicável por via do artigo 94.º, n.º 5, do CIRC; outros foram sujeitos a retenção na fonte à taxa de 15%, prevista no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da CEDT Portugal-Reino Unido (cf. Documento 3 junto ao PPA).
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O B...– SUCURSAL EM PORTUGAL, na qualidade de substituto tributário, apresentou à AT as guias de retenção na fonte (com o n.º ..., n.º ..., n.º..., n.º ..., n.º ... e n.º ...), tendo, em conformidade, procedido à entrega, junto dos cofres do Estado, do imposto nelas plasmado e retido à Requerente (cf. Documentos 6 a 8 juntos ao PPA, e referido no artigo 1.º da resposta ao PPA).
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Por não se conformar com os atos tributários sub judice, a Requerente apresentou reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2023...) em 20 de dezembro de 2023 (cf. Documento 9 junto ao PPA).
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Esta reclamação graciosa foi expressamente indeferida, com os seguintes fundamentos:
“A consagração da liberdade de circulação de capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma encontra-se consagrada nos art.os 63.º e seguintes do TFUE, concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados Membros como entre Estados Membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE. Efetivamente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo n.º C-545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força do qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção” […].
Todavia, não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável. Evidenciando-se que, a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, mas não afastam a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu. E, no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.os 2, 3 e 10 da referida norma legal. Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados Membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados Membros da UE e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC constituídos nos demais Estados Membros da UE e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado. Ora, no caso em apreço, confirme informado, a Reclamante é não residente fiscal (Reino Unido) e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que não se encontra enquadrada no n.º 1 do art.º 22.º do EBF. Pelo exposto, é de indeferir o pedido.”
(cf. Documento 2 junto ao PPA).
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Em 24 de junho de 2024, a Requerente apresentou o PPA na origem da presente ação arbitral.
Factos não provados
Não se considera provado ter sido a Requerente reembolsada em € 2.158,51 das importâncias que lhe foram retidas e que são objeto do presente processo.
Motivação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, do CPC (aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, que é consensual. Note-se que, na resposta ao PPA, a Requerida apenas manifestou desacordo com a Requerente relativamente à matéria de direito.
MATÉRIA DE DIREITO
Tal como referido supra, a principal questão de direito a decidir respeita à compatibilidade com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, dos atos de liquidação de imposto por retenção na fonte sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente alocados a seguros unit-linked por ela geridos e comercializados, por comparação com o regime fiscal aplicável quanto aos rendimentos obtidos em idênticas circunstâncias por sociedades seguradoras residentes em Portugal.
Neste contexto, interessa relembrar que, quando afetos a carteiras de seguros unit-linked, em que o risco do investimento recai integralmente sobre o tomador do seguro, o rendimento reconhecido na contabilidade da Requerente é anulado pela inscrição de um gasto representativo da responsabilidade futura de pagamento ao tomador do seguro. O mesmo se verifica quanto aos dividendos recebidos por seguradoras nacionais e afetos ao mesmo tipo de carteiras, em que o rendimento reconhecido em resultados por contrapartida de maios monetários, é compensado com um gasto de igual montante, por contrapartida de um passivo.
Apesar de, em ambos os casos, os dividendos auferidos de fonte portuguesa serem objeto de retenção na fonte em Portugal (25%), o imposto retido a seguradoras nacionais reveste a natureza de pagamento por conta, diminuindo o imposto a pagar e sendo passível de reembolso quando o seu valor exceda o valor total do imposto apurado na declaração anual de rendimentos (artigos 94.º, n.º 1, alínea c), nº 3 e n.º 7, e 104.º, n.º 2 e n.º 3, todos do CIRC). Já os dividendos recebidos por seguradoras não residentes, são sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7, e 87.º, n.º 4, todos do CIRC.
Consequentemente, enquanto o mecanismo de crédito de imposto conferido às sociedades seguradoras residentes, conjugado com o reconhecimento simultâneo de um gasto de montante igual ao dos rendimentos, se traduz, por regra, numa não tributação dos dividendos por elas afetos a carteiras de seguro unit-linked, uma seguradora residente no Reino Unido que se encontre em condições semelhantes é sujeita a tributação liberatória sobre os mesmos rendimentos (à taxa de 25%, ou 15% quando acionada a CEDT Portugal-Reino Unido).
Nestes termos, a questão de direito a decidir respeita à compatibilidade com o Direito da União Europeia, concretamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime diferenciado de tributação sobre os dividendos distribuídos a uma sociedade seguradora não residente em território português, afetos a carteiras de seguro unit-linked, que estão sujeitos a retenção com caráter liberatório (cf. artigo 94.º, n.º 5, do CIRC), por comparação com os mesmos rendimentos, quando obtidos por uma segura residente em território português, que tem direito a um crédito de imposto relativo às retenções que lhe são efetuadas (cf. artigo 94.º, n.º 3, e artigo 104.º, n.º 2 e n.º 3, ambos do CIRC), levando a que carga fiscal sobre esses dividendos seja nula, devido à consideração no cômputo do seu resultado tributável em IRC dos custos referentes ao aumento das suas obrigações de pagamento futuras.
Este problema jurídico foi equacionado pelo TJUE no Acórdão de 7 de novembro de 2024, proferido no processo de reenvio prejudicial C-782/22, numa situação factual com características essenciais semelhantes às dos presentes autos (suscitada pelo Tribunal de Recurso de Hertogenbosch, Países Baixos).
De facto, neste processo de reenvio estava em causa uma sociedade com sede no Reino Unido e aí registada como empresa de seguros, que auferiu dividendos de fonte holandesa e sujeitos a um imposto 15% a título liberatório, por ela alocados a contratos qualificados como como “contratos de seguro em unidade de conta” (“unit-linked insurance contracts” na versão em língua inglesa do aludido Acórdão), que se viu confrontada com uma diferença de tratamento fiscal em relação aos contribuintes residentes, cujo imposto sobre os dividendos constitui para eles uma cobrança antecipada por conta do imposto de sociedades de que são devedores, com direito a reembolso do montante inicialmente cobrado em excesso ao imposto sobre as sociedades devido.
Verifica-se, assim, o total paralelismo com o caso sob exame, em que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a seguradoras não residentes são objeto de retenção na fonte a título liberatório em Portugal, retenção essa que não é suscetível de ser recuperada sempre que os respetivos rendimentos forem alocados a carteiras de seguros unit-linked, ao passo que as seguradoras residentes recuperam a retenção que lhes é efetuada sobre os rendimentos de idêntica natureza, por a mesma ter a natureza de pagamento por conta.
No referido Acórdão do TJUE, conclui-se o seguinte:
“O artigo 63.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual os dividendos distribuídos por uma sociedade residente a uma sociedade não residente, que investiu em ações da primeira sociedade para cobrir obrigações de pagamento no futuro, são objeto de um imposto sobre os dividendos de 15 % sobre o seu montante bruto, ao passo que os dividendos distribuídos a uma sociedade residente estão sujeitos a imposto sobre os dividendos retido na fonte, o qual pode ser integralmente imputado no imposto sobre as sociedades devido por esta última sociedade e dar lugar a reembolso, levando a que a carga fiscal que incide sobre esses dividendos seja igual a zero devido à consideração, no cálculo da matéria coletável do imposto sobre as sociedades desta última sociedade, dos custos originados pelo aumento das suas obrigações de pagamento no futuro.”
Note-se que, in casu, não é relevante que o Reino Unido tenha deixado de integrar a União Europeia, porquanto o artigo 63.º do TFUE aplica-se aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e países terceiros. Importa, então, analisar a apreciação pelo TJUE do referido processo.
Conforme refere este Tribunal resulta de jurisprudência constante do TJUE que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.º 1, do TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as medidas que sejam suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investir noutros Estados (cf. Acórdãos de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 48, e de 29 de julho de 2024, Keva, C‑39/23, EU:C:2024:648, n.° 40 e jurisprudência referida). Prossegue o TJUE nos seguintes moldes:
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Em especial, o facto de um Estado‑Membro conceder aos dividendos pagos às sociedades não residentes um tratamento menos favorável do que aquele que é concedido aos dividendos pagos a sociedades residentes é suscetível de dissuadir as sociedades estabelecidas num Estado‑Membro diferente desse Estado‑Membro de investir neste mesmo Estado‑Membro e constitui, consequentemente, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.°,n.° 1, TFUE [v., neste sentido, Acórdãos de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 7 de abril de 2022,Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Isenção dos fundos de investimento contratuais), C‑342/20,EU:C:2022:276, n.° 50]
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A aplicação aos dividendos pagos a sociedades não residentes de uma carga fiscal mais elevada do que aquela que é suportada pelas sociedades residentes a título dos mesmos dividendos constitui um tratamento menos favorável. Sucede o mesmo com a isenção, total ou material, dos dividendos pagos a uma sociedade residente, ao passo que os dividendos pagos a uma sociedade não residente estão sujeitos a uma retenção na fonte definitiva (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.o 50 e jurisprudência referida).
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Quando um Estado‑Membro retém na fonte o imposto sobre os dividendos distribuídos por sociedades com sede nesse Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça já declarou que, para apreciar se a legislação desse Estado‑Membro é compatível com o artigo 63.o, n.º 1, TFUE, incumbe ao órgão jurisdicional nacional em causa, o único a poder conhecer os factos sobre os quais deverá decidir, verificar se a aplicação de uma retenção na fonte aos dividendos distribuídos a uma sociedade não residente conduz a uma situação na qual essa sociedade suporta, a título definitivo e no mesmo Estado‑Membro, uma carga fiscal mais elevada do que a que é suportada pelos residentes relativamente aos mesmos dividendos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.o 48).
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Essa verificação deve ser feita à luz, por um lado, do imposto sobre os dividendos devido pelo contribuinte não residente e, por outro lado, do imposto sobre os dividendos e do imposto sobre os rendimentos ou do imposto sobre as sociedades devido pelo contribuinte residente e que inclui, na matéria coletável, os rendimentos provenientes das ações de que decorrem os dividendos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.º 74).
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No caso em apreço, como o órgão jurisdicional de reenvio salienta, por força da legislação neerlandesa em causa no processo principal, tanto os dividendos distribuídos a uma sociedade não residente como os distribuídos a uma sociedade residente estão sujeitos a imposto sobre os dividendos.
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No que respeita a uma sociedade não residente que receba dividendos, esta retenção é efetuada a título definitivo, pelo que os dividendos estão sujeitos a um imposto de 15 % sobre o seu montante bruto.
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Em contrapartida, no caso de uma sociedade residente que receba dividendos, há uma cobrança antecipada por conta do imposto sobre as sociedades de que será devedora e que poderá ser integralmente imputado neste e dar lugar a reembolso, no caso de o imposto sobre os dividendos exceder o imposto sobre as sociedades devido por essa sociedade.
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Por conseguinte, segundo as explicações do órgão jurisdicional de reenvio, a sociedade residente não é efetivamente tributada sobre os dividendos recebidos, uma vez que, na determinação do lucro tributável sujeito ao imposto sobre as sociedades, é tido em conta, como encargo, o aumento das obrigações para com os clientes decorrentes dos contratos de seguro em unidades de conta, o que leva a que a base líquida do imposto sobre as sociedades a título desses dividendos seja igual a zero.
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A este respeito, o Governo Neerlandês contesta a afirmação do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual a carga fiscal dos dividendos distribuídos às sociedades residentes é igual a zero e alega que a carga fiscal representada pelo imposto de 15 % sobre os dividendos brutos a que estão sujeitos os dividendos pagos às sociedades não residentes deve ser comparada à carga fiscal resultante do imposto sobre as sociedades, que, no período em causa no processo principal, recaía sobre os dividendos líquidos a taxas entre os 20 % e os 34 %, estando a ele sujeitos os dividendos pagos às sociedades residentes.
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Todavia, importa recordar que, no que se refere à interpretação das disposições nacionais, o Tribunal de Justiça tem, em princípio, de se basear nas qualificações resultantes da decisão de reenvio. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito interno de um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Deutsche Wohnen, C‑807/21, EU:C:2023:950, n.o 36 e jurisprudência referida)
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Por conseguinte, importa tomar como base a premissa exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio e considerar que, mesmo quando é efetuada uma retenção tanto sobre os dividendos pagos às sociedades residentes como sobre os dividendos pagos às sociedades não residentes, a aplicação do mecanismo de imputação do imposto sobre os dividendos no imposto sobre as sociedades, devido pela sociedade residente, bem como do reembolso desse imposto, no caso de o imposto sobre as sociedades devido ser inferior ao imposto sobre os dividendos retido, previsto na legislação neerlandesa em causa no processo principal, conjugada com as modalidades de cálculo da matéria coletável da sociedade residente que permitem a dedução dos encargos ligados ao aumento das obrigações para com os clientes decorrentes dos contratos de seguro em unidades de conta, leva a que os dividendos pagos às sociedades residentes estejam isentos de imposto.
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Daqui resulta que os dividendos pagos às sociedades não residentes estão sujeitos a um tratamento fiscal menos favorável do que aquele que é aplicado aos dividendos pagos às sociedades residentes, na medida em que os primeiros estão sujeitos a uma tributação definitiva de 15 %, ao passo que os segundos estão definitivamente isentos de imposto.
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Esse tratamento desfavorável dos dividendos por um Estado‑Membro é suscetível de dissuadir as sociedades não residentes de investir nesse Estado‑Membro e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.o, n.º 1, TFUE.
A este propósito, cumpre referir que, não obstante notificada para o efeito, a AT Requerida não se pronunciou sobre este Acórdão. Todavia, com base no mesmo, este Tribunal Arbitral conclui que, in casu, os dividendos pagos à Requerente (seguradora não residente em território português) estão sujeitos a um tratamento fiscal menos favorável do que aquele que é aplicado aos dividendos pagos às seguradoras residentes em território português, porquanto os dividendos pagos à Requerente estão sujeitos a uma tributação definitiva de 25% ou de 15%, ao passo que os dividendos pagos às seguradoras residentes beneficiam da sua não tributação, em virtude do mecanismo de crédito de imposto previsto no CIRC.
E, assim, acompanha-se o Acórdão do TJUE de que esse tratamento desfavorável dos dividendos por parte de um Estado‑Membro é suscetível de dissuadir as sociedades não residentes de investir nesse Estado‑Membro e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.°, n.º 1, do TFUE.
Ainda no mesmo Acórdão, o TJUE acrescenta que:
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No entanto, nos termos do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
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Resulta de jurisprudência constante que o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação restrita. Por conseguinte, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistamos seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado [Acórdão de 7 de abril de 2022, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Isenção dos fundos de investimento contratuais), C‑342/20,EU:C:2022:276, n.° 67 e jurisprudência referida].
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Com efeito, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE não devem constituir, de acordo com o n.° 3 deste mesmo artigo, um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que semelhantes diferenças de tratamento só podem ser autorizadas se disserem respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou, no caso contrário, se forem justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 7 de abril de 2022, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Isenção dos fundos de investimento contratuais),C‑342/20, EU:C:2022:276, n.° 68 e jurisprudência referida].
Ou seja, não obstante ser indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata desfavoravelmente as seguradoras não residentes face às seguradoras residentes, em relação à retenção na fonte sobre dividendos de fontes portuguesas afetos a carteiras de seguros unit-linked, tal discriminação não será desconforme ao Direito da União Europeia se se justificar: (i) por dizer respeito a situações que não são objetivamente comparáveis; ou (ii) por uma razão imperiosa de interesse geral.
A Requerida não suscitou qualquer destas questões na resposta ao PPA, pelo que o Tribunal Arbitral não se alongará sobre as mesmas, remetendo para a análise do Acórdão proferido pelo TJUE no aludido processo C-782/22:
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Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, que o caráter comparável ou não de uma situação transfronteiriça com uma situação interna deve ser examinado tendo em conta o objetivo prosseguido pela legislação nacional em causa assim como o objeto e o conteúdo desta última, e, por outro, que apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos por essa legislação devem ser tido sem conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2024, Keva e o., C‑39/23,EU:C:2024:648, n.° 51 e jurisprudência referida).
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A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a XX se encontra numa situação comparável à de uma sociedade residente beneficiária de dividendos do ponto de vista dos encargos que implica o aumento das obrigações para com os clientes decorrentes dos contratos de seguro em unidades de conta, aumento esse que é consequência do lucro gerado pelas sociedades com as ações em que a XX investiu.
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Importa salientar que esse órgão jurisdicional não esclarece o objetivo específico prosseguido pela legislação neerlandesa em causa no processo principal ao permitir à sociedade residente deduzir da matéria coletável os encargos decorrentes do aumento das obrigações para com os clientes dessa sociedade que celebraram contratos como os que estão em causa no processo principal, limitando‑se a salientar que essa dedução é realizada a título das despesas efetuadas.
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Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no que respeita às despesas, tal como as despesas profissionais diretamente relacionadas com uma atividade que gerou rendimentos tributáveis num Estado‑Membro, os residentes e os não residentes nesse Estado se encontram numa situação comparável (v., nomeadamente, Acórdãos de 24 de fevereiro de 2015, Grünewald, C‑559/13,EU:C:2015:109, n.° 29; de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 37; de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.° 57; ede 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 74).
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Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, têm um nexo direto com a atividade em questão as despesas causadas por essa atividade e, portanto, necessárias ao respetivo exercício(Acórdãos de 24 de fevereiro de 2015, Grünewald, C‑559/13, EU:C:2015:109, n.° 30 e jurisprudência referida; de 13 de julho de 2016, Brisal e KBC Finance Ireland, C‑18/15, EU:C:2016:549, n.° 46; e de6 de dezembro de 2018, Montag, C‑480/17, EU:C:2018:987, n.° 33).
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O Tribunal de Justiça declarou que estando em causa um rendimento auferido sob a forma de dividendos, esse nexo direto só existe no caso dos custos diretamente relacionados com o recebimento, em si mesmo, dos dividendos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.ºs 58 e 59).
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Deste modo, tal nexo não existe no que respeita à dedução do dividendo incluído no preço de aquisição das ações, uma vez que essa dedução se destina a determinar o preço real de aquisição das ações, nem no que respeita aos encargos financeiros, uma vez que estes dizem respeito à detenção, enquanto tal, das ações que estão na origem dos dividendos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015,Miljoen e o C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.° 60).
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É certo que o aumento das obrigações para com os clientes não parece poder estar relacionado com o recebimento, em si mesmo, dos dividendos, na aceção da jurisprudência referida no n.° 50 do presente acórdão.
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Todavia, esta circunstância não permite, por si só, concluir pela inexistência de comparabilidade entre as situações de beneficiários de dividendos residentes e não residentes à luz da legislação neerlandesa em causa no processo principal.
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Com efeito, nos n.os 55 e 81 do Acórdão de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia (C‑641/17, EU:C:2019:960), que é posterior ao Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoene o. (C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608), o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que um fundo de pensões não residente, que afeta os dividendos recebidos ao aprovisionamento das pensões que deverá pagar no futuro, de forma deliberada ou em aplicação do direito em vigor no seu Estado de residência, se encontra numa situação comparável à de um fundo de pensões residente à luz de uma legislação nacional por força da qual, para o cálculo do imposto sobre as sociedades, o recebimento de dividendos por esse fundo de pensões residente dá lugar a um aumento muito reduzido ou mesmo inexistente, em determinados casos, do lucro tributável. O Tribunal de Justiça salientou efetivamente, nesse n.° 55, que tal recebimento de dividendos tinha por efeito um aumento proporcional das provisões técnicas e que o lucro tributável do fundo de pensões residente em causa aumentava unicamente na hipótese de os rendimentos de investimento extracontabilísticos não serem levados a crédito dos diferentes contratos desse referido fundo de pensões.
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Com efeito, nos n.os 79 e 80 do Acórdão de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia (C‑641/17, EU:C:2019:960), o Tribunal de Justiça considerou, por um lado, que, no processo que lhe deu origem, existia um nexo de causalidade entre o recebimento de dividendos, o aumento das provisões matemáticas e das outras rubricas do passivo e a inexistência de aumento da matéria coletável do fundo residente, e, por outro, que essa legislação nacional que permite uma isenção, na totalidade ou na quase totalidade, dos dividendos pagos a fundos de pensões residentes facilitava, assim, a acumulação de capitais desses fundos, ao passo que todos os fundos de pensões estão, em princípio, obrigados a investir os prémios de seguro no mercado de capitais a fim de gerar rendimentos sob a forma de dividendos que lhes permitam fazer face às suas obrigações futuras no âmbito dos contratos de seguro.
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O Tribunal de Justiça considerou, assim, que as obrigações dos fundos de pensões, relativas ao investimento dos prémios de seguro e à afetação dos dividendos recebidos ao aprovisionamento das pensões, podem servir de base à comparabilidade entre os fundos de pensões residentes e os não residentes à luz de uma legislação nacional que, através das modalidades de cálculo da matéria coletável do imposto sobre as sociedades, permite isentar, na totalidade ou na quase totalidade, os dividendos recebidos por um fundo de pensões residente, quando exista um nexo de causalidade entre o recebimento dos dividendos e os encargos constituídos por essas obrigações decorrentes da atividade desses fundos.
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No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, embora uma sociedade, como a XX, não constitua um fundo de pensões, a sua atividade é, no entanto, caracterizada pelo facto de essa sociedade investir, nomeadamente, em ações nos Países Baixos para cobrir as obrigações para com os clientes no âmbito de contratos em unidades de conta e de os rendimentos do investimento obtidos pela referida sociedade implicarem a alteração correspondente do valor das suas obrigações para com os clientes ao abrigo desses contratos.
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O órgão jurisdicional de reenvio considera, além disso, que existe um nexo de causalidade direto entre o rendimento dos investimentos e as variações das suas obrigações e que é precisamente devido a esse nexo que uma sociedade residente não é tributada sobre esses dividendos a título do imposto sobre as sociedades, uma vez que estes constituem lucros distribuídos e que existe uma relação económica entre os referidos dividendos e a alteração do nível das obrigações para com os clientes.
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Ora, tendo em conta a finalidade específica das atividades de investimento, se se verificar que a legislação nacional reconhece esse nexo direto entre os dividendos recebidos pelas sociedades residentes e a alteração do nível das obrigações para com os clientes dessas sociedades, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, há que constatar que uma sociedade não residente se encontra numa situação objetivamente comparável à de uma sociedade residente relativamente aos dividendos de origem neerlandesa, uma vez que essa sociedade não residente prossegue a mesma atividade e que os dividendos que recebe implicam a alteração do nível das obrigações para com os clientes.
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Além disso, embora a legislação nacional reconheça um nexo direto entre os dividendos recebidos pelas sociedades residentes e a alteração do nível das obrigações para com os clientes dessas sociedades, suscetível de ser deduzido da matéria coletável do imposto sobre as sociedades, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se esse mecanismo não tem por objetivo uma isenção pura e simples da tributação dos dividendos distribuídos às sociedades residentes que celebram contratos em unidades de conta (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia,C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 42).
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A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a partir do momento em que um Estado sujeita, de modo unilateral ou por via convencional, a imposto sobre os rendimentos não só os contribuintes residentes, mas também os não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à situação dos contribuintes residentes (Acórdãos de 17 de setembro de 2015,Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.° 67, e de 13 de novembro de 2019,College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 66 e jurisprudência referida).
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Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado‑Membro, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Nesses casos, para que os contribuintes beneficiários não residentes não sejam confrontados com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, o Estado‑Membro de residência da sociedade distribuidora deve certificar‑se de que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, os contribuintes não residentes sejam submetidos a um tratamento equivalente àquele de que beneficiam os contribuintes residentes (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen e o., C‑10/14, C‑14/14 e C‑17/14, EU:C:2015:608, n.° 68 e jurisprudência referida).
(...)
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A título preliminar, importa salientar que essas razões não foram evocadas no pedido de decisão prejudicial nem pelo Governo Neerlandês. Nestas circunstâncias, compete ao órgão jurisdicional de reenvio, se for o caso, examinar uma eventual justificação à luz dos objetivos prosseguidos pela legislação nacional em causa no processo principal.
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No entanto, nas suas observações escritas, o Governo Alemão considera que, no caso em apreço, uma eventual restrição à livre circulação de capitais é justificada pela necessidade de preservar tanto a repartição dos poderes de tributação entre os Estados‑Membros como a coerência do sistema fiscal nacional. Para dar uma resposta útil que permita ao órgão jurisdicional de reenvio decidir o litígio que lhe foi submetido, importa examinar se essas razões imperiosas de interesse geral podem justificar tal restrição.
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O Governo Alemão sustenta, por um lado, que a não dedutibilidade dos encargos relativos ao aumento das obrigações de pagamento resultantes de contratos de investimento de cotações de seguro serviria para preservar a repartição dos poderes de tributação acordada entre os Estados, uma vez que se poderia pressupor que a XX pode deduzir, no seu Estado de residência, os encargos fiscais ligados ao aumento das obrigações para com os seus clientes em razão do nexo com a atividade de investimento de cotações de seguro por conta de entidades gestoras de seguros de pensões, e as remunerações que daí decorrem. Ora, uma dedução suplementar na tributação dos rendimentos de dividendos nos Países Baixos implicaria, por conseguinte, um duplo benefício fiscal, contrário à repartição dos poderes de tributação operada.
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Por outro lado, existe uma correlação entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de uma cobrança fiscal determinada, que permite aceitar a justificação baseada na necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal do Estado‑Membro em questão. Com efeito, as despesas fiscais da XX resultantes, se for caso disso, do aumento das obrigações para com os clientes estão diretamente ligadas às remunerações que recebeu pelo investimento de cotações de seguro e que não estão sujeitas a tributação nos Países Baixos. A exclusão da dedutibilidade de eventuais despesas ligadas a um aumento das obrigações para com os clientes, no âmbito da tributação dos dividendos recebidos pela XX, segue assim uma lógica simétrica e constitui a contrapartida da não tributação das remunerações resultantes do investimento de cotações de seguro.
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Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros é uma das razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição à liberdade de circulação de capitais, como uma medida nacional que se destina a prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (Acórdão de 16 de junho de 2022, ACC Silicones, C‑572/20, EU:C:2022:469, n.° 53 e jurisprudência referida).
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No entanto, esse motivo não pode justificar a tributação de sociedades não residentes beneficiárias de dividendos por um Estado‑Membro que optou por não tributar as sociedades residentes relativamente a esse tipo de rendimentos (Acórdão de 16 de junho de 2022, ACC Silicones, C‑572/20, EU:C:2022:469,n.° 54 e jurisprudência referida).
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No caso em apreço, embora o Reino dos Países Baixos tenha optado por exercer a sua competência fiscal relativamente a todos os dividendos recebidos tanto pelas sociedades residentes como pelas não residentes, esse Estado‑Membro também decidiu, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, neutralizar integralmente o encargo da retenção na fonte que incide sobre esses dividendos quando estes são pagos a sociedades residentes. Nestas condições, a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros não pode justificar a tributação das sociedades sediadas noutros Estados‑Membros relativamente a este tipo de rendimentos (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, ACC Silicones, C‑572/20, EU:C:2022:469, n.° 55).
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Em segundo lugar, dado que, no âmbito do argumento relativo à repartição dos poderes de tributação entre os Estados‑Membros, o Governo Alemão invoca, na realidade, a vontade de prevenir a dupla dedução dos encargos, importa salientar que um Estado‑Membro tem o direito de verificar se os encargos sobre os dividendos, cuja dedução é assim solicitada, não podem ser considerados, noutro Estado‑Membro, como afetando outros rendimentos, como os rendimentos decorrentes da remuneração paga pelos clientes da sociedade pelos investimentos efetuados, e não sejam, a esse título, deduzidos dos referidos rendimentos no outro Estado‑Membro.
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Todavia, ao limitar‑se a evocar, sem mais explicações, a eventual existência de um risco de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, os encargos sobre os dividendos possam ser, deduzidos uma segunda vez no Estado de residência da sociedade que deles é beneficiária, sem demonstrar em que medida a aplicação do disposto na Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos e dos impostos sobre os prémios de seguro (JO 1977, L 336, p. 15;EE 09 F1 p. 94), conforme alterada pela Diretiva 2004/106/CE do Conselho, de 16 de novembro de 2004 (JO 2004, L 359, p. 30), em vigor no período em causa no processo principal, não teria permitido evitar esse risco, o Governo Alemão não dá ao Tribunal a possibilidade de apreciar o alcance deste argumento (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de fevereiro de 2015, Grünewald, C‑559/13,EU:C:2015:109, n.° 52, e de 13 de julho de 2016, Brisal e KBC Finance Ireland, C‑18/15,EU:C:2016:549, n.° 38).
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Em terceiro lugar, no que se refere ao argumento relativo à necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal do Reino dos Países Baixos, há que observar que este se baseia na premissa de que os encargos relativos ao aumento das obrigações para com os clientes não têm um nexo direto com atividade que gerou rendimentos tributáveis, sob a forma de dividendos, nesse Estado‑Membro, mas dizem respeito à remuneração recebida pela sociedade beneficiária dos dividendos, por parte dos seus clientes, pelos investimentos que efetuou para eles. Ora, no caso de uma sociedade não residente, como a XX, essa remuneração não é tributável nos Países Baixos.
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Todavia, como resulta do n.° 59 do presente acórdão, uma sociedade não residente só se encontra numa situação comparável à de uma sociedade residente quanto à tomada em consideração dos encargos relativos ao aumento das obrigações para com os clientes se o sistema fiscal do Estado‑Membro de residência da sociedade que distribui esses dividendos reconhecer um nexo direto entre os referidos dividendos e os referidos encargos. Ora, o Reino dos Países Baixos dispõe do poder de tributar os dividendos de origem neerlandesa distribuídos tanto às sociedades residentes como não residentes.
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A necessidade de preservar a repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros, de prevenir a dupla tomada em consideração dos encargos e de preservar a coerência do sistema fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais em causa no processo principal.
À luz destas considerações, há que concluir que, no caso presente, a diferença de tratamento entre seguradoras residentes e não residentes sem estabelecimento estável em Portugal diz respeito a situações objetivamente comparáveis, e que é de rejeitar que o tratamento discriminatório em análise se encontre justificado por razões imperiosas de interesse geral, (como sejam a salvaguarda da repartição do poder tributário entre os Estados-Membros, a prevenção da (dupla) não tributação, a eficácia da cobrança e, ainda, a salvaguarda da coerência do sistema fiscal português).
Por último, cumpre referir a questão da neutralização do tratamento discriminatório no Estado da Fonte (in casu, Portugal) através da atribuição de uma vantagem no Estado da Residência (in casu, Reino Unido). Esta questão levanta-se, no caso sub judice, quando se discute se as retenções na fonte relativas aos dividendos de fonte portuguesa percecionados pela Requerente deram lugar a um crédito de imposto, parcial ou total, no Estado de Residência (Reino Unido).
Esta mesma questão tem sido discutida em vários Acórdãos do TJUE relativamente à tributação de dividendos pelo Estado da Fonte e, essencialmente, consiste em saber se o Estado da Fonte pode manter uma retenção na fonte sobre dividendos aparentemente discriminatória e não eliminar a dupla tributação económica nacional se a tributação do detentor das participações sociais pelo Estado de Residência for “neutralizada” através de um crédito de imposto atribuído por uma Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (“CDT”).
Note-se que o TJUE tem sido consistente em rejeitar a neutralização do tratamento discriminatório no Estado da Fonte através da atribuição unilateral de uma vantagem no Estado da Residência (i.e., uma vantagem conferida pela legislação nacional do Estado da Residência, por oposição a uma vantagem conferida ao abrigo de uma CDT), rejeitando, assim, a noção de que o tratamento discriminatório no Estado da Fonte depende de uma análise integrada da situação global do contribuinte, ou seja, de uma análise que combine a tributação resultante da legislação nacional do Estado da Fonte e do Estado da Residência. Este entendimento radica no princípio de que os Estados-Membros não podem exercer a sua soberania fiscal de forma a introduzir uma discriminação contrária às regras do Direito da União Europeia.
Todavia, o TJUE tem vindo a reiterar que, para aferir o tratamento discriminatório no Estado da Fonte, é necessário analisar a situação do contribuinte à luz não só da legislação nacional do Estado da Fonte mas também da CDT celebrada entre o Estado da Fonte e o Estado da Residência, dado que os preceitos da dita CDT integram o sistema fiscal do Estado da Fonte, e devem ser considerados para determinar se o Estado da Fonte exerceu a sua soberania fiscal de forma conforme às regras do Direito da União Europeia.
Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do TJUE de 7 de Outubro de 2005, processo C-379/05 (Amurta v. Inspecteur van de Belastingdienst):
“78. Deste modo, o Reino dos Países Baixos não pode invocar a existência de um benefício concedido unilateralmente por outro Estado‑Membro, a fim de se eximir às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.
79. Em contrapartida, não se pode excluir que um Estado‑Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 71).
80. Na medida em que o regime fiscal resultante de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação faz parte do quadro jurídico aplicável ao processo principal e que foi apresentado como tal pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve tomá‑lo em consideração a fim de dar uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao juiz nacional (v., neste sentido, acórdão de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C‑265/04, Colect., p. I‑923, n.° 51; e acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 71, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 45, assim como Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, n.° 54).
(…)
83. Assim, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração a CDT no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais salientada no n.° 28 do presente acórdão, no âmbito da resposta à primeira questão
84. Há assim que responder à segunda questão que um Estado‑Membro não pode invocar a existência de um crédito integral de imposto, concedido unilateralmente por outro Estado‑Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida neste último Estado‑Membro, a fim de se eximir à obrigação de evitar a dupla tributação económica dos dividendos resultantes do exercício do seu poder de tributação, numa situação em que o primeiro Estado‑Membro evita a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias estabelecidas no seu território. Quando um Estado‑Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado‑Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais”. (sublinhado nosso)
A questão da neutralização do tratamento discriminatório no Estado da Fonte através da atribuição de uma vantagem no Estado da Residência ao abrigo de uma CDT foi também especificamente discutida no Acórdão do TJUE de 14 de Dezembro de 2006, processo C‑170/05 (Denkavit Internationaal BV v. Ministre de l’Économie):
“42 Com as suas segunda e terceira questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se a resposta à primeira questão pode ser diferente por, ao abrigo da convenção franco‑neerlandesa, a sociedade‑mãe residente nos Países Baixos poder, em princípio, imputar no imposto por si devido neste Estado o imposto cobrado em França e, portanto, a retenção na fonte provir simplesmente da repartição das competências fiscais entre os referidos Estados‑Membros, a qual não pode ser criticada à luz dos artigos 43.° CE e 48.° CE, mesmo que a sociedade‑mãe residente nos Países Baixos esteja impossibilitada de proceder à imputação prevista pela referida convenção.
43 A este respeito, há que começar por recordar que, na falta de medidas de harmonização comunitária ou de convenções celebradas entre todos os Estados‑Membros nos termos do artigo 293.°, segundo travessão, CE, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos, com vista a eliminar, eventualmente por via convencional, a dupla tributação. Neste contexto, os Estados‑Membros são livres de fixar, no âmbito de convenções bilaterais celebradas para prevenir a dupla tributação, os factores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal (v., neste sentido, acórdãos Saint-Gobain ZN, já referido, n.° 57, e de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich, C‑265/04, Colect., p. I‑923, n.° 49).
44 Porém, há também que referir que, no que toca ao exercício do poder tributário assim repartido, os Estados-Membros não podem eximir-se ao respeito das regras comunitárias, tendo em conta o princípio recordado no n.° 19 do presente acórdão (acórdão Saint-Gobain ZN, já referido, n.° 58). Mais especificamente, esta repartição da competência fiscal não permite que os Estados‑Membros introduzam uma discriminação contrária às regras comunitárias (acórdão Bouanich, já referido, n.° 50).
45 No caso em apreço, uma vez que o regime fiscal resultante da convenção franco‑neerlandesa faz parte do quadro jurídico aplicável ao processo principal e que foi apresentado como tal pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve tê‑lo em consideração, de modo a dar uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.° 21, Bouanich, já referido, n.° 51, e Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, n.° 71).
46 No que respeita ao tratamento fiscal resultante da convenção franco‑neerlandesa, há que recordar que uma sociedade não residente, como a Denkavit Internationaal, está em princípio autorizada, ao abrigo desta convenção, a imputar no imposto por si devido nos Países Baixos a retenção na fonte de 5% cobrada sobre os dividendos de origem francesa. Esta imputação não pode, todavia, exceder o montante do imposto neerlandês normalmente devido sobre estes dividendos. Ora, é pacífico que as sociedades‑mãe neerlandesas estão isentas pelo Reino dos Países Baixos do imposto sobre os dividendos de origem estrangeira, e portanto de origem francesa, pelo que não é concedida qualquer redução pela retenção na fonte francesa.
47 Assim, há que concluir que a aplicação conjugada da convenção franco‑neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente não permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento referida no quadro da resposta à primeira questão.
48 Com efeito, em aplicação da convenção franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente, uma sociedade-mãe estabelecida nos Países Baixos, que recebe dividendos de uma filial estabelecida em França, está sujeita a tributação através de retenção na fonte, limitada, é certo, pela referida convenção, a 5% do montante dos dividendos em questão, ao passo que uma sociedade-mãe estabelecida em França, como foi referido no n.° 4 do presente acórdão, está quase totalmente isenta dessa tributação.
49 Seja qual for a sua amplitude, a diferença de tratamento fiscal que resulta da aplicação desta convenção e desta legislação constitui uma discriminação em detrimento das sociedades‑mãe, em razão da localização da respectiva sede, incompatível com a liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado.
50 Com efeito, mesmo uma restrição à liberdade de estabelecimento, com pequeno impacto ou de menor importância, é proibida pelo artigo 43.° CE (v., neste sentido, acórdãos Comissão/França, já referido, n.° 21; de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑34/98, Colect., p. I‑995, n.° 49; e de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C‑9/02, Colect., p. I‑2409, n.° 43).
51 A este respeito, o Governo francês alega que, segundo os princípios consagrados pelo direito fiscal internacional e como também decorre da convenção franco‑neerlandesa, é ao Estado de residência do contribuinte, e não ao da fonte dos rendimentos tributados, que incumbe corrigir os efeitos de uma dupla tributação.
52 Esta argumentação não pode ser acolhida, dado que não é pertinente no presente contexto.
53 Com efeito, a República Francesa não pode invocar a convenção franco‑neerlandesa, a fim de escapar às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v., neste sentido, acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, já referido, n.° 26).
54 Ora, a aplicação conjugada da convenção franco-neerlandesa e da legislação neerlandesa pertinente não permite evitar a tributação em cadeia a que está sujeita, diversamente de uma sociedade‑mãe residente, uma sociedade‑mãe não residente, nem, portanto, neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento salientada no quadro da resposta à primeira questão submetida, como se concluiu nos n.os 46 a 48 do presente acórdão.
55 Com efeito, enquanto as sociedades‑mãe residentes beneficiam de um regime fiscal que lhes permite evitar uma tributação em cadeia, como foi recordado no n.° 37 do presente acórdão, as sociedades‑mãe não residentes estão, pelo contrário, sujeitas a este tipo de tributação dos dividendos distribuídos pelas suas filiais estabelecidas em França.” (sublinhado nosso)
Não obstante alguma inconsistência na aplicação do conceito de neutralização que se discute,[1] vários Acórdãos demonstram que o TJUE tem decidido, de forma consistente, que as CDTs devem ser consideradas para determinar a existência de um tratamento discriminatório: Acórdão do TJUE de 19 de novembro 2009, processo C-540/07 (Commission v. Italy), Acórdão do TJUE de 3 de junho 2010, processo C-487/08 (Commission v. Spain), Acórdão do TJUE de 17 de setembro de 2015, processos C-10/14, C-14/14 and C-17/14 (Miljoen).
Ora, no caso sub judice, é claro e evidente que a aplicação da CEDT entre Portugal e o Reino Unido, nos termos da qual parte dos dividendos auferidos pela Requerente foi sujeita a uma taxa de retenção na fonte reduzida, não resultou na neutralização da diferença de tratamento, resultante da legislação nacional portuguesa, entre os dividendos auferidos por seguradores com residência fiscal em Portugal e os dividendos auferidos pela Requerente.
Conclui-se, assim, que a legislação portuguesa infringe a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE ao tributar, por retenção na fonte a título liberatório e pelo seu montante ilíquido, os dividendos distribuídos por uma sociedade residente para efeitos fiscais em território português a uma sociedade não residente nesse território, que investiu em ações da primeira sociedade para cobrir obrigações de pagamento no futuro a tomadores de seguros unit-linked, ao passo que as sociedades residentes em idêntica situação têm direito a deduzir os gastos originados pelo aumento das suas obrigações de pagamento no futuro aos tomadores desses seguros e a um crédito de imposto pelas retenções sofridas.
No mesmo sentido, veja-se a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 832/2024-T.
Por último, cumpre referir que, como salienta a decisão do processo arbitral n.º 131/2021-T, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º TFUE que a jurisprudência do Tribunal de Justiça “tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”
Em face de todo o exposto, julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, com a consequente restituição do imposto retido (cf. artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e artigo 100.º da LGT, este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
O direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.
No caso em apreço, não tendo a reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 20 de dezembro de 2023 sido decidida no prazo de quatro meses estabelecido no artigo 57.º, n.º 1, da LGT (ou seja, até 20 de abril de 2024), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios a partir de 21 de abril de 2024, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Relativamente ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios, cumpre referir o Acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0360/11.8BELRS, de 07/04/2021:
“(…) afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.
Neste ponto, apenas, resta problematizar se, na situação versada (ou equiparáveis), o dies a quo deve corresponder ao da data da apresentação da impugnação administrativa (reclamação graciosa e/ou recurso hierárquico) ou ao do momento em que os competentes serviços da AT se pronunciam/comunicam o resultado da pronúncia ao contribuinte.
(…) julgamos, justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar o disputado dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa (...), isto é, o período, atualmente, de 4 meses”. (negrito nosso)
Entendimento ao qual se adere.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral determina que os juros indemnizatórios sobre o montante de € 1.219.758,74 deverão contar-se desde o dia 21/04/2024 até ao integral reembolso do referido montante à Requerente.
DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o PPA e, em consequência:
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Declarar ilegais e anular as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, referentes ao período compreendido entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022, no valor total de € 1.219.758,74, declarando-se ilegal e anulando-se também a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 20 de dezembro de 2023;
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Condenar a AT a restituir as importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de € 1.219.758,74;
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Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde o dia 21/04/2024 até ao integral reembolso do referido montante à Requerente;
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Condenar a AT nas custas do processo, em razão do decaimento.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 1.219.758,74, indicado pela Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
CUSTAS
Custas no montante de € 16.524,00, a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 4.º do RCPAT.
Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP, e no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).
CAAD, 28 de abril de 2025
O Tribunal Arbitral,
Rita Correia da Cunha
João Santos Pinto
Adelaide Moura
[1] Veja-se a análise contida no artigo do Professor Georg Kofler, Tax Treaty “Neutralization” of Source State Discrimination under the EU Fundamental Freedoms?, Bulletin for International Taxation (December 2011), pp. 684 et seq.
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