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SUMÁRIO:
I - A caducidade do benefício de isenção previsto no artigo 7.º do Código do IMT, resultante da verificação de situação prevista no art.11.º, n.º 5 do Código do IMT, implica a reposição da tributação regra.
II - O artigo 35.º, n.º 1 do Código do IMT, enquanto lei especial, fixa o prazo de 8 anos para que o Estado possa proceder à liquidação e notificar o sujeito passivo.
DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28 de outubro de 2024, decide no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., LDA., pessoa coletiva com o número ..., e sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Almada (doravante “Requerente”), vem, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), e do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), com vista à pronúncia deste Tribunal sobre a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de que foi notificada através da nota de cobrança 2024..., no valor de € 23.711,19 (vinte e três mil, setecentos e onze euros e dezanove cêntimos).
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Do Pedido
A Requerente concretiza a final o seu pedido: «Deve a presente liquidação adicional correspondente à nota de cobrança com o n.º 2024..., ser anulada e restituído o imposto pago pela requerente acrescido de juros de mora e de juros indemnizatórios apurados nos termos legais.»
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Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 21.08.2024 pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a Árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
Em 08.10.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 28.10.2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio
Por despacho arbitral de 28.10.2024, foi cumprido o disposto no artigo 17.º do RJAT, tendo a Requerida sido notificada para apresentar a sua Resposta.
A 29.11.2024 a AT juntou aos autos o respetivo processo administrativo e apresentou a sua Resposta, em defesa da legalidade dos atos impugnados, concluindo pela improcedência do pedido arbitral.
Por despacho de 20.12.2024 proferido pelo presente Tribunal Arbitral, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, determinando-se o prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para, no prazo simultâneo de 20 (quinze) dias, para, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, apresentarem alegações finais escritas, formulando expressamente as respetivas conclusões.
Não foram apresentadas alegações.
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POSIÇÃO DAS PARTES
II.1. PEDIDO DA REQUERENTE
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IMT, o seguinte:
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A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à compra de imóveis para revenda, tendo adquirido em 16.10.2015 um imóvel correspondente ao art.º ... da UNIÃO DAS FREGUESIAS DE ... E ... .
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A Requerente solicitou à AT em 2015 a isenção de IMT ao abrigo do art.º 7.° do Código do IMT na redação vigente à data do facto, a qual lhe foi negada.
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Explica que em 17.04.2024 foi emitida a nota de cobrança n.º 2024..., da qual não foi notificada, só dela tendo tomado conhecimento com a citação. Salienta que a nota de cobrança tem a data de emissão igual à data-limite para pagamento 17.04.2024.
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Não obstante, a Requerente foi notificada em 06.05.2024, de um projeto de liquidação adicional de IMT (Ofício n.º...), tendo apresentado competente reclamação graciosa, pugnando pela caducidade do direito à liquidação (16.05.2024).
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Em 13.08.2023, a Requerente foi citada para execução fiscal (PEF...), tendo pago a quantia exequenda, no valor de € 23.955,44, correspondente ao valor da suprarreferida nota de cobrança, acrescida de juros e custas.
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Em 07.08.2024 foi notificada para se pronunciar, em sede de audição prévia, da intenção de indeferir a reclamação apresentada.
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Pelo exposto, conclui a Requerente que a 17.04.2024 foi emitida a nota de cobrança n.º 2024.... é anterior à conclusão do procedimento de liquidação adicional e bem assim decidida "reclamação" da requerente.
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Alega que a liquidação do tributo só poderia resultar da decisão proferida no referido procedimento de liquidação. O que não aconteceu no caso em apreço violando assim o princípio da legalidade a que está sujeito o procedimento tributário e ainda os artigos. 8.° e 54.° da LGT e 62.°, n.º 1 do CPPT: "em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento. "
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Entende que se encontra verificada a caducidade do direito à liquidação, considerando o disposto nos 35.º, n.º 1 do Código do IMT: «Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, nos artigos 45. º e 46. º da lei geral tributária.»; Por seu turno, o artigo 45.º, n.º 1 e 3 da LGT (caducidade do direito à liquidação): «1- O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.; (…) 3- Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.»
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Considerando que, o prazo de caducidade se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (consideradas as exceções com respeito ao IVA e aos impostos sobre o rendimento), e que, o prédio em causa foi adquirido em 2015, tendo sido recusada pela AT a isenção prevista no n.º 5 do art.º 11º do CIMT, o nascimento do facto tributário ocorre em 2015, nos termos do artigo 35.º do CIMT, conjugado com o artigo 45.º, n.º 1, in fine, da LGT.
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Em suma, por ser aqui aplicável o prazo de caducidade de oito anos, previsto no disposto do art.º 35.º do CIMT, este começou a decorrer na data em que ocorreu o facto tributário, aquisição, uma vez que não houve lugar à isenção de IMT. Pelo que à data de notificação do projeto de liquidação já tinha ocorrido a caducidade do direito à liquidação do tributo.
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Enferma assim a liquidação notificada pela nota de cobrança 2024... de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, violando o art.º 62º, n.º 1 do CPPT quanto à liquidação do imposto antes de concluído o procedimento de divergência que lhe serve de fundamento (de que foi notificada em 17.04.2024) e os arts.º 8° e 45º da LGT e ainda o art.º 35º n.º 1 do CIMT quanto à caducidade do direito à liquidação, caducidade que foi suscitada pela requerente em sede do referido procedimento, com a resposta que consta do doe. Que aqui se dá por reproduzida.
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Vem assim requerer que deve a presente liquidação adicional correspondente à nota de cobrança com o n.º 2024..., ser anulada e restituído o imposto pago pela Requerente acrescido de juros de mora e de juros indemnizatórios apurados nos termos legais.
II.2. RESPOSTA DA REQUERIDA
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte.
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Considera a Requerida que não assiste qualquer razão à Requerente, pois o início da contagem do prazo de caducidade ocorreu a 2018-10-16, data em que os imóveis adquiridos foram alienados novamente para revenda, isto é a data em que a isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT ficou sem efeito.
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Entende a Requerida que a isenção do IMT, relativa a aquisição de prédios para revenda, prevista no art.º 7.º do Código do IMT é, assim, uma isenção de reconhecimento automático, verificadas que estejam, à data da aquisição, as condições elencadas naquele dispositivo legal, sendo elas (à data dos factos):
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o adquirente exerça normal e habitualmente a atividade de compra de prédios para revenda; e
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tenha exercido, efetivamente, essa atividade no ano anterior, tendo adquirido para revenda ou revendido algum prédio, antes adquirido para aquele fim - facto a ser comprovado através de certidão emitida pelo Serviço de Finanças competente.
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O art.º 11.º, n.º 5 do Código do IMT, na redação em vigor à data dos factos, impõe a caducidade do benefício da isenção prevista no art.º 7.º do Código do IMT: “(…) logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”
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Ora, a aquisição do imóvel realizada em 16.10.2015 beneficiou da isenção de IMT, ao abrigo do disposto no art.º 7.º do Código do IMT, a qual foi inscrita, pela Requerente, na Modelo 1 do IMT a que foi atribuído o registo n.º 2015/... (da exclusiva responsabilidade da requerente).
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Em conformidade, foi emitido a ‘zeros’ o Documento Único de Cobrança (DUC) n.º..., utilizado na escritura de compra e venda, outorgada pela Requerente. Pelo que, ao contrário do também alegado pela Requerente, esta isenção não “lhe foi negada pelos serviços”.
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Contudo, em 2018-10-16, decorrido o prazo de 3 anos previsto no n.º 5 do art.º 11.º, n.º5 do Código do IMT, na redação em vigor à data dos factos, a referida fração autónoma não havia sido revendida, pelo que, operou-se a caducidade da isenção do art.º 7.º do CIMT.
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Por conseguinte, a Requerente foi notificada para o pagamento dos impostos devidos (ofício n.º..., datado de 2024-05-06, do SF de Almada ...,): IMT no valor de €19.363,22, e de Imposto do Selo no valor de €120,77, acrescidos de juros compensatórios contados desde 2018-12-06, até à data do pedido de liquidação de IMT, no valor de €4.347,97.
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Não estava em causa a fixação ou a revisão da matéria tributável, daí que, não se compreenda o recurso ao artigo 62.° do CPPT.
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A liquidação de IMT aqui controvertida foi emitida no decurso da caducidade da isenção de IMT concedida ao abrigo do art.º 7.º do Código do IMT, que lhe foi notificada através do ofício n.º ..., de 2024-05-06, e que lhe concedia prazo para o levantamento das guias para pagamento do imposto e para o exercício do direito de audição, caso assim o entendesse.
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A Requerente não exerceu direito de audição e optou por apresentar reclamação graciosa da liquidação, que foi indeferida em 2024-09-15, data da notificação remetida ViaCTT.
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No caso vertente a liquidação efetuada não é uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexatidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. A liquidação sindicada é uma primeira liquidação de IMT porquanto, na data da celebração do contrato de compra e venda da fração autónoma aqui em questão, não foi efetuada qualquer liquidação desse imposto, por dela ter ficado isenta face à invocação pela Requerente de que se se tratava de um contrato de compra e venda para revenda (art.º 7.º do Código do IMT).
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Não tendo sido efetuada qualquer liquidação no decurso da apresentação da Modelo 1 do IMT com o registo n.º 2015 /..., a liquidação de IMT n.º..., no montante de €19.363,22, da qual a Requerente foi notificada através do ofício n.º..., de 2024-05-06, rececionado em 2024-05-10, consubstancia uma primeira liquidação, pelo que, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é de 8 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do CIMT.
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Alega que o direito à liquidação e cobrança só pode ser exercido a partir da constatação do não cumprimento dos objetivos ou condições a que ficou subordinada a concessão de isenção (neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo – vide, entre outros, os Acórdãos de 22.09.2010, recurso 383/10, de 14.09.2011, recurso 294/11 e de 54/14 de 03.05.2017).
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Estando vinculada ao princípio da legalidade, a AT não poderia deixar de dar cumprimento ao disposto nos art.ºs 19.º a 21.º do CIMT, que determinam que a liquidação seja processada tendo por base, exclusivamente, a declaração Modelo 1 preenchida pela Requerente, e os art.ºs 7.º, 11.º, n.º 5 (na redação em vigor à data dos factos), 34.º e 35.º do CIMT, que determinam que seja concedida isenção de IMT na aquisição de prédios para revenda, quando estejam reunidos os pressupostos para que esta seja atribuída (art.º 7.º do CIMT),
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Porém, no caso de não se efetivar a revenda do imóvel no prazo de 3 anos, ocorrerá a caducidade desta isenção (art.º 11.º, n.º 5 do CIMT), pelo que, o sujeito passivo deverá solicitar, no prazo de 30 dias, a respetiva liquidação de IMT (art.º 34.º do CIMT), cujo imposto poderá ser liquidado nos oito anos seguintes à data em que a isenção ficou sem efeito (art.º 35.º do CIMT).
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Face a todo o exposto, conclui que o Tribunal arbitral deverá decidir no sentido da total improcedência do pedido não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.
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SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, n.ºs. 1 e 3 ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
Não foram suscitadas exceções, nem se verificam nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
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MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à compra de imóveis para revenda - facto não controvertido; sendo proprietária do prédio urbano identificado pelo artigo matricial ... – cf. caderneta predial urbana, cuja cópia se encontra junta aos autos como “doc.1”.
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Celebração de escritura pública de compra e venda do imóvel identificado pelo artigo matricial ..., sito na freguesia de..., no concelho de Almada, datada de 16.10.2015, do qual consta a exibição do:
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Projeto de liquidação adicional (caducidade das isenções de IMT – procedimento n.º ...2024...), com data de 26.04.2024 - cf. cópia junta aos autos como “doc.2a”.
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Notificação do Ofício n.º..., de 06.05.2024, contendo a liquidação adicional de IMT (registo n.º .../2015) para pagamento do montante do imposto apurado correspondente a € 19.363,22 respeitante a IMT, acrescido de juros compensatórios (€120,77) – cf. cópia junta aos autos como “doc.2”.
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Apresentação de reclamação graciosa (assinada em 13.05.2024) referente ao Ofício n.º..., de 06.05.2024 - – cf. cópia junta aos autos como “doc.3”.
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Emissão da nota de cobrança com o n.º 2024..., emitido em 17.07.2024, no valor de € 23.711,19.
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Citação da Requerente no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º ...2024...– facto não controvertido.
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Em 05.08.2024, notificação para audição prévia sobre proposta de indeferimento da reclamação graciosa - cf. cópia junta ao PA.
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Em 13.09.2024, notificação da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa - cf. cópia junta ao PA.
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A Requerente procedeu ao pagamento da quantia exequenda, acrescida de juros de mora e custas, num total de €23.955,44, no âmbito do referido PEF. – facto não controvertido.
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Pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 19.08.2024 e aceite no dia 21.08.2024.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
Motivação da decisão da matéria de facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado.
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MATÉRIA DE DIREITO
Consideradas as posições assumidas pelas Partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir:
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Anulabilidade do ato tributário de liquidação de IMT;
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Do direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e de juros de mora e de direito a juros indemnizatórios.
Cumpre analisar.
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Sobre a anulabilidade do ato tributário de liquidação de IMT
Entende a Requerente que, por ser aqui aplicável o prazo de caducidade de oito anos, previsto no disposto do art.º 35.º do CIMT, este começou a decorrer na data em que ocorreu o facto tributário, aquisição, uma vez que não houve lugar à isenção de IMT. Pelo que à data de notificação do projeto de liquidação já tinha ocorrido a caducidade do direito à liquidação do tributo. Vem assim requerer que deve a presente liquidação adicional correspondente à nota de cobrança com o n.º 2024..., ser anulada e restituído o imposto pago pela Requerente acrescido de juros de mora e de juros indemnizatórios apurados nos termos legais.
Contrapõe a AT, alegando que, no caso vertente, a liquidação efetuada não é uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexatidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. A liquidação sindicada é uma primeira liquidação de IMT porquanto, na data da celebração do contrato de compra e venda da fração autónoma aqui em questão, não foi efetuada qualquer liquidação desse imposto, por dela ter ficado isenta face à invocação pela Requerente de que se se tratava de um contrato de compra e venda para revenda ao abrigo do artigo 7.º do Código do IMT. Desta forma, não tendo sido efetuada qualquer liquidação no decurso da apresentação da Modelo 1 do IMT com o registo n.º 2015 /..., a liquidação de IMT n.º..., no montante de €19.363,22, da qual a Requerente foi notificada através do ofício n.º..., de 2024-05-06, rececionado em 2024-05-10, consubstancia uma primeira liquidação, pelo que, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é de 8 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do CIMT.
Para enquadramento normativo da análise à questão em apreço, refere-se o disposto no artigo 7.º do Código do IMT (isenção prevista pela aquisição de prédios para revenda), vigente à data dos factos:
«1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º (*) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda. [nosso sublinhado]
2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.
3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.
4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.»
Não tendo sido controvertidos os requisitos legais inerentes à aplicação do presente benefício fiscal, considerou a AT tratar-se uma isenção de reconhecimento automático, verificadas que estejam, à data da aquisição, as condições elencadas naquele dispositivo legal.
Com respeito à tipologia do benefício fiscal em causa, refere-se que, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 (Benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), «1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.» Sendo que, «O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário. (n.º2)».
Pode assim entender-se que «[q]uando operam automaticamente na esfera jurídica do sujeito passivo, isso significa que, verificados objetivamente os respetivos pressupostos, nasce ope lege o direito ao benefício[1]. Se, ao contrário, o benefício decorrer de pedido do interessado à entidade a quem, legalmente, se encontre atribuída a competência para avaliar e decidir, da aptidão a usufruir do benefício, então estaremos perante um benefício dependente de reconhecimento, que terá em qualquer caso efeito meramente declarativo». Em suma, ao contrário dos benefícios automáticos, para que os benefícios dependentes de reconhecimento operem, importa sempre a vontade expressa, em termos e em tempo, dos seus virtuais beneficiários[2]. Sendo certo que se mantêm os poderes de fiscalização da AT e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios (artigo 7.º do EBF).
Entendendo-se os benefícios fiscais como factos que, estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação temporária, e como tal, da tributação-regra, releva considerar que a constituição do direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo (cf. artigo 12.º do EBF). Nesta senda, e no que respeita ao plano material / substantivo, releva considerar a verificação dos pressupostos.
Neste sentido, referimos o entendimento de Nuno de Sá Gomes[3] o qual descreve o benefício fiscal como «(…) uma situação complexa que, além de impedir a tributação -regra, isto é, o nascimento da obrigação de imposto com o seu conteúdo normal, dá origem, simultaneamente, ao nascimento do direito ao benefício fiscal, como, de resto, reconhece o artigo 11.º do referido Estatuto, [EBF] ao reportar o direito ao benefício à data da verificação dos pressupostos. Portanto, da conjugação do n.º1, do art.º 2.º com o art.º 11.º, ambos do EBF, resulta que foi claramente consagrada na lei a doutrina que vê no benefício fiscal um facto complexo, simultaneamente, impeditivo do nascimento da obrigação tributária normal e constitutivo do direito ao benefício fiscal.»
Ora, no que em concreto respeita ao benefício fiscal constante do artigo 7.º do Código do IMT, importa atender aos requisitos subjacentes: i) o adquirente exerça normal e habitualmente a atividade de compra de prédios para revenda; e ii) tenha exercido, efetivamente, essa atividade no ano anterior, tendo adquirido para revenda ou revendido algum prédio, antes adquirido para aquele fim. Estando este facto dependente de ser comprovado através de certidão emitida pelo Serviço de Finanças competente, tal não obsta a que a constituição do direito ao benefício deva reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos.
Não obstante, o artigo 11.º, n.º 5 do Código do IMT, impõe a caducidade do benefício da isenção prevista no art.º 7.º do Código do IMT: “(…) logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”
Desta forma, «Esta isenção está, ainda, condicionada à verificação de outros pressupostos, pelo que a mesma caducará, se:
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O prédio não for revendido no prazo de 3 anos;
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O prédio, ainda que revendido dentro do prazo de 3 anos, o seja novamente para revenda;
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Se verificar o desvio do fim para que o prédio foi adquirido.
Se se verificar alguma destas situações, como resulta do art.11.º/5, caduca o benefício da isenção e ficaremos em presença da reposição do princípio da tributação regra, cuja liquidação haverá de ser solicitada pelo sujeito passivo nos termos do art. 34.º.»[4]. (artigo 34.º do Código do IMT: «1 - No caso de ficar sem efeito a isenção ou a redução de taxas, nos termos do artigo 11.º, devem os sujeitos passivos solicitar, no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação.»). O que não demonstra ter verificado.
Com respeito à determinação do prazo de caducidade do direito à liquidação, o artigo 35.º, n.º1 (Caducidade do direito à liquidação) do Código do IMT, enquanto lei especial, fixa o prazo de 8 anos para que o Estado possa proceder à liquidação e notificar o sujeito passivo: « - Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.» - artigo 45.º (Caducidade do direito à liquidação) «1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.»
Nestes termos, «(…) sempre que se verifique a caducidade do benefício de isenção (…), o prazo da caducidade do direito à liquidação de 8 anos, (…) haverá que iniciar a sua contagem a partir da data em que essa isenção ficou sem efeito.»[5], remetendo-se, aqui, para o artigo 11.º, n.º5 do Código do IMT.
Com base no enquadramento acima descrito, resulta dos documentos juntos e dos factos não controvertidos pelas partes, que a aquisição do imóvel identificado, mediante escritura pública de compra e venda data de 16.10.2015, beneficiou da isenção de IMT, conforme indicação no respetivo documento, do qual consta a referência ao Documento de cobrança n.º..., de 6 de outubro de 2015, comprovativo da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis nos termos do artigo 7º, do respetivo Código (cf. ponto 2 da matéria de facto).
Resulta ainda, não sendo controvertido pela Requerente, que, findo o prazo de 3 anos, previsto no n.º 5 do art.º 11.º, n.º 5 do Código do IMT, para a revenda do prédio, este ainda não tinha sido revendido, operando, a respetiva caducidade da isenção.
Não tendo sido efetuada qualquer liquidação no decurso da apresentação da Modelo 1 do IMT com o registo n.º 2015 /..., a liquidação de IMT n.º..., no montante de €19.363,22, da qual a Requerente foi notificada através do ofício n.º ..., de 2024-05-06, consubstancia uma primeira liquidação de IMT, considerando o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT de 8 anos, nos termos do artigo 35.º, n.º 1 do Código do IMT.
Resultaria igualmente provado que, em 17.07.2024, foi emitida uma nota de cobrança (DUC...), no valor global de €23.711,19, que compreendia o valor do imposto - €19.363,22 - e dos juros compensatórios - €4.347,97. Tendo sido emitida a citação da Requerente no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º ...2024..., com data indicada pela AT de 04.08.2024 (e pela Requerente em 13.08.2024), permanece não controvertido que o referido montante foi pago no âmbito do PEF.
Importa aqui que se faça a distinção entre processos administrativos ou processos judiciais. Refere bem o Douto Tribunal no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [00166/19.6BEVIS, Secção: 2ª Secção - Contencioso Tributário, de 11.19.2020] quando clarifica que: «Ora, quer um quer outro estão sujeitos a regimes próprios, para cuja sindicância também se encontram estabelecidas formas processuais próprias. Assim, quando alguém é citado na Execução Fiscal para deduzir Oposição, deve socorrer do meio processual previsto para o efeito e apenas com os fundamentos estabelecidos no mesmo. Ou seja, trata-se de um meio processual previsto para sindicar a Execução Fiscal, que é a Oposição – vide artigo 204.º do CPPT – na qual se pede a extinção da execução.» (…) Nos termos do artigo 68.º, n.º 1 do CPPT, a reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos atos tributários por iniciativa do contribuinte, incluindo, nos termos da lei, os substitutos e responsáveis. Significa isto que o citado pode deduzir Oposição, quando entenda que tem motivos para pedir a extinção da execução; e pode também apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial, quando considere que ocorrem motivos que inquinem o ato de liquidação, já não a execução em si.» Fundamento em que assentou o indeferimento pela AT da reclamação graciosa deduzida pela Requerente (cf. ponto 8 da matéria de facto). Seria fundamentalmente alegado pela mesma a caducidade da liquidação correspondente à nota de cobrança com o n.º 2024..., paga no âmbito do processo de execução fiscal, sem que se mostre ter sido deduzida oposição à execução fiscal, nos termos dos artigos 203.º (Prazo de oposição à execução) e 204.º (Fundamentos da oposição à execução), do CPPT, e consequente suspensão da execução.
Sendo o processo arbitral tributário um processo de contencioso de anulação de atos tributários, cabendo ao Tribunal aferir da legalidade do ato tributário de liquidação de IMT (aqui consubstanciado no Ofício n.º..., 06.05.2024), não resulta fundamentada a ilegalidade do ato tributário controvertido, pelo que o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.
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Do direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e de direito a juros indemnizatórios.
Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o pedido acessório de reembolso do imposto pago e de juros de mora, e de direito a juros indemnizatórios.
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DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar improcedente o pedido arbitral.
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Julgar prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso do imposto pago e de juros de mora, e de direito a juros indemnizatórios.
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), é fixado ao processo o valor de € 23.711,19 (vinte e três mil, setecentos e onze euros e dezanove cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 09 de abril de 2025
A Árbitra do Tribunal Arbitral,
Ana Rita Chacim
[1] Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais nos Impostos sobre o Património, Almedina, 2014, p. 73, referindo no mesmo sentido, Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF, n.º 362, 1991, pp. 277, 278.
[2] Cf. Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais (….), ob cit, p. 74.
[3] Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF, n.º 359, Julho-Setembro 1990, p. 99.
[4] António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás, Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados), Almedina, 2015, p. 395.
[5] António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás, ob. cit, p. 486.