SUMÁRIO
I - A questão fundamental que se coloca é a de determinar se a legislação portuguesa, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (artigo 22º do EBF) e, por isso, residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional e, por isso, não residentes, configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo artigo 63º do TFUE.
II - Pode concluir-se que o artigo 22º do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13 de janeiro, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais que decorre do artigo 63.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros, Regina de Almeida Monteiro (Presidente), João Santos Pinto e Adelaide Moura (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 12.08.2024, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., fundo de investimento constituído ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América, com sede em..., ..., ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano ... com o número de contribuinte fiscal português ... representado pela sua entidade gestora B..., sociedade de direito norte americano, com sede em ..., ..., ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano ... (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral (PPA) e de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo em 02.06.2024, ao abrigo do disposto no Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
2. O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral na sequência do despacho de indeferimento proferido pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 26.02.2024, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º ...2023..., relativo aos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2021, consubstanciados nas guias n.º ... e n.º ..., referentes aos períodos de maio e setembro de 2021, respetivamente, que incidiram sobre dividendos auferidos em território nacional, com vista à declaração de ilegalidade daquela decisão e dos atos tributários que daquela foram objeto, solicitando que o Tribunal determine a sua anulação, com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre eles recaiu.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 03.06.2024 e notificado, na mesma data, à Requerida.
4. Em 23.07.2024 foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.
5. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
6. Em 12.08.2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
7. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
8. A Requerida, em 30.09.2024, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação, e concluído no sentido de que deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente com as devidas e legais consequências.
9. A Requerida, em 30.09.2024, anexou aos autos cópia do processo administrativo.
10. Por despacho arbitral de 30.01.2025, foi decidido dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a produção de alegações escritas
11. No mesmo despacho indicou-se que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21, n.º 1 do RJAT, tendo o Requerente sido advertido que deveria cumprir oportunamente com o disposto no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (pagamento antes da decisão do remanescente da taxa arbitral), o que efetuou em 27.12.2024.
II. POSIÇÃO DAS PARTES
II. A – Requerente
1. O Requerente começa por referir que é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano, que reúne capital de investidores que, por sua vez, investe maioritariamente em ações de empresas estrangeiras, sendo os riscos do investimento partilhados pelos investidores e esclarece que a gestão do Requerente é levada a cabo pela entidade gestora acima identificada.
2. Acrescenta o Requerente que em 2021 era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América, conforme cópia do certificado de residência que junta como documento nº 1, sendo qualificado pelo direito norte-americano como Regulated Investment Company (RIC), beneficiando do tratamento fiscal previsto para os RIC no subcapítulo M do Internal Revenue Code.
3. Refere ainda que de acordo com o subcapítulo M do Internal Revenue Code a tributação do rendimento em questão ocorre na esfera dos participantes.
4. Esclarece o Requerente que investiu em participações sociais de sociedades com sede em Portugal, tendo em 2021 (certamente por lapso, no PPA, o Requerente refere o ano de 2020) recebido dividendos da sua participação no capital social daquelas sociedades no montante de 971 512, 96 EUR, que foram objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25%, no total de 242 878,24 EUR.
5. Contudo, os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15% (cf. artigo 94.º do Código do IRC [CIRC] e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação [CDT] celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América), como segue:
6. Alega o Requerente que não deduziu nos EUA o imposto retido na fonte em Portugal porquanto entende que os atos de retenção na fonte em apreço têm como fundamento jurídico normas que estabelecem uma distinção do regime fiscal aplicável a fundos de investimento residentes e não residentes e que configuram, por isso, uma restrição à livre circulação de capitais que está a ser exercida por um residente de um Estado terceiro.
7. Prossegue o Requerente referindo que, por esta razão, em 22.05.2023 deduziu reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte consubstanciados nas guias n.º ... e n.º ..., referentes aos períodos de maio e setembro de 2021, respetivamente.
8. Em 01.02.2024 o Requerente foi notificado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e, posteriormente, em 04.03.2024, foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
9. Por não se conformar com esta decisão deduziu o presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral porquanto entende que o tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a residência tributária destes, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a qual é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
10. Nestes termos, conclui o Requerente o pedido de pronúncia arbitral no sentido de o Tribunal determinar a anulação dos atos tributários impugnados, com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre eles recaiu.
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B - Requerida
11. Começa a Requerida por referir que, quanto aos factos com interesse para a boa decisão da causa, atento o alegado pelas partes e a prova documental junta, será de considerar assente no probatório o que consta demonstrado no processo de reclamação graciosa em apreço, o qual se dá como integralmente reproduzido nos presentes autos arbitrais.
12. Impugnando especificadamente a matéria de facto alegada pelo Requerente, refere que este, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 2.0 do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 3 e n.º 2 do art.º 4.0, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do nº 1, al. b) do nº 3, nº 5 e nº 6, todos do artigo 94º do CIRC.
13. Acrescentando que se no momento da retenção for feita prova junto do substituto tributário, da verificação dos pressupostos da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América (art.º 10º nº 2), nos termos da al. a) do nº 2 do artigo 98º do CIRC, pode ser aplicada a taxa reduzida de 15%.
14. Tendo o Requerente apresentado reclamação graciosa relativamente ao pedido de reembolso de retenção na fonte de IRC a título definitivo, foi a mesma indeferida.
15. E prossegue referindo que o Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), aplicável a rendimentos obtidos a partir de 01-07-2015, e veio alterar, com interesse para o caso em apreço, a redação do artigo 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário, bem como a sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do nº 1 do artigo 22º do EBF.
16. Acrescentando que no caso em análise, o fundo foi constituído de acordo com as leis dos Estados Unidos da América, pelo que o artigo 22º do EBF, não lhe é aplicável.
17. Não obstante, considera a Requerida que o artigoº 22º do EBF, prevê, para estes sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal.
18. Embora, paralela a esta opção legislativa de "aliviar" estes sujeitos passivos da tributação em IRC, tenha sido criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC, ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
19. Refere ainda a Requerida que esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
20. Estando concretamente prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do nº 11 do artigo 88º, do CIRC e do nº 8 do artigo 22º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
21. E clarifica dizendo que a sujeição a Imposto do Selo, a par da tributação autónoma prevista no artigo 88º nº 11 do CIRC (ex vi do artigo 22º, nº 8, do EBF), serão a contrapartida da não sujeição a IRC dos lucros distribuídos, prevista no nº 3 do artigo 22º do EBF.
22. E acrescenta a Requerida que o sujeito passivo refuta a distinção do regime fiscal aplicável a fundos e sociedades de investimento residentes e não residentes, considerando que existe uma restrição à livre circulação de capitais que está a ser exercida por um residente num Estado Membro, ao arrepio do disposto no artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), cuja aplicação surge imposta pelo primado do Direito Comunitário (artigo 8º, nº 4 da Constituição).
23. Refere ainda a Requerida que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável, e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
24. Defendendo que o entendimento do TJUE é o de que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos beneficias fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
25. Ou seja, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença, resultando da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
26. Concluindo que no caso em apreço as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
III. Saneamento
1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, encontra-se regularmente constituído e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2 e 10.º do RJAT.
2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não enferma de nulidades nem foram suscitadas exceções.
4. Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
IV. MATÉRIA DE FACTO
IV. A - Factos Provados
1. O Requerente é qualificado pelo direito norte-americano como “Regulated Investment Company (RIC)”, em conformidade com o evidenciado na declaração modelo 1120-RIC US Income Tax Return for Regulated Investment Companies” emitida pelo Department of the Treasury do Internal Revenu Service, para o ano fiscal de 2020 (de 01-10-2020 a 30-09-2021), beneficiando do tratamento fiscal previsto para os RIC no subcapítulo M do Internal Revenue Code (doc. nº 4 juntao com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo).
2. Em 2021 o Requerente era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América.
3. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.
4. No âmbito da sua atividade, o Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
5. Em 2021 o Requerente auferiu dividendos das suas participações sociais na C..., SGPS, S.A., e na D..., SGPS, S.A. sociedades residentes em Portugal, os quais ascenderam ao montante bruto, respetivamente, de 734 903,56 EUR e 236 609,40 EUR, respeitantes a um total de, respetivamente, 2.643.538 e 788.698 ações (doc. nº 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).
6. Os dividendos auferidos em 2021 foram pagos em 06.05.2021, 20.05.2021 e 16.09.2021, tendo sido sujeitos a tributação, por retenção na fonte, à taxa de 25%, tendo a mesma ascendido a 183 725,89 EUR, 34 505,53EUR e 24 646,81 EUR, respetivamente.
7. A taxa de retenção na fonte de 15% aplicada é a que resulta do disposto no artigo 10º da CDT celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América (doc. nº 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).
8. O imposto retido na fonte foi entregue ao Estado através das Guias de Pagamento nº ... e n.º ... (documentos constantes do Processo Administrativo).
9. O Requerente não deduziu nos EUA o imposto retido na fonte em Portugal, conforme cópia da declaração de rendimentos referente ao exercício de 2020, acima (doc. nº 3 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).
10. Por não concordar com a retenção na fonte efetuada, o Requerente apresentou em 22.05.2023 o processo de reclamação graciosa Nº ...2023..., em, tendo sido notificado do Ofício de 29.01.2024, da DF Finanças de Lisboa, relativo ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa, bem como para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o respetivo direito de audição (doc. nº 4 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).
11. O Requerente não exerceu o seu direito de audição.
12. O Requerente foi notificado da decisão de 27.02.2024, de indeferimento da reclamação graciosa.
IV. B - Factos Não Provados
13. Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
IV. C - Fundamentação da matéria de facto
14. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas apreciar e selecionar os factos que importam para a boa decisão da cauda, e discriminar a respetiva matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
15. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas.
16. Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos alegados e não contestados pelas partes e na prova documental produzida nos autos.
V. Matéria de Direito
V. A - Objeto e âmbito do processo
1. A questão decidenda diante deste Tribunal Arbitral diz respeito ao tema, recorrente na jurisprudência, da compatibilidade do direito interno com o Direito da União Europeia, nomeadamente no tocante à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE e à incompatibilidade com o mesmo do regime de tributação previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, que estabelece um regime de tributação distinto consoante o beneficiário dos dividendos distribuídos por uma entidade residente em Portugal seja um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação nacional ou um OIC constituído e residente noutro Estado.
V. B - Apreciação do Tribunal Arbitral
2. Em Portugal, os OIC estão regulados pelo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo (RJOIC), aprovado pela Lei nº 16/2015, de 24 de Fevereiro, diploma que transpôs parcialmente para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva nº 2011/61/UE, do Parlamento e do Conselho de 8 de junho de 2011 e a Diretiva nº 2013/14/UE, do Parlamento e do Conselho de 21 de maio de 2013, tendo em 01.07.2015 entrado em vigor o novo regime de tributação dos OIC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro.
3. Contudo, refira-se que o regime introduzido pelo referido Decreto-Lei apenas é aplicável a “(…) fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional” (cf. artigo 22º, nº 1 do EBF) sendo que, em caso de inobservância deste requisito, o regime previsto no artigo 22º do EBF, designadamente a exclusão de tributação dos rendimentos previstos no nº 3, não é aplicável.
4. O que equivale a dizer que no caso dos OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, os dividendos que lhes sejam distribuídos por entidades residentes em Portugal não são sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC.
5. Enquanto que os dividendos distribuídos a OIC constituídos, residentes e a operar noutro Estado, aquando do respetivo pagamento, estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, em sede de IRC, de acordo com o disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4, todos do CIRC.
6. Não obstante a taxa de imposto doméstica em sede de IRC poder ser reduzida por via da aplicação do Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e o Estado do qual é residente o OIC beneficiário dos rendimentos, in casu, os Estados Unidos da América.
7. Por outro lado, em matéria de direito da União Europeia, o artigo 63º, nº 1 do TFUE estipula que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.
8. A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22º, nº 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, no qual se concluiu que “o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
9. Neste âmbito, como tem sido pacificamente entendido, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia.
10. Com efeito, a supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” pelo que “(…) o direito comunitário, originário ou derivado, vigora diretamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade direta e do efeito direto”.
11. Como já referido, no caso em análise, o conflito a dirimir decorre da necessidade de aferir da questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22º, nº 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63º do TFUE, no que diz respeito à questão da aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente por contraposição ao regime aplicável aos dividendos distribuídos a um OIC residente, os quais estão isentos dessa retenção.
12. Em conformidade com o vertido no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência prolatado pelo STA (nº 7/2024), de 26 de fevereiro (relativo ao Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA de 28.09.2023, proferido no Processo nº 093/19.7BALSB) a respeito de dividendos pagos por entidade residentes em Portugal a entidade não residente em Portugal (naquele caso, residente em outro Estado-Membro), é referido que “(…) compete a este Tribunal aferir da compatibilidade entre os normativos nacionais que isentam de tributação, na cédula de IRC, os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, mais tributando, por retenção na fonte a título definitivo, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro da União Europeia, (…) e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), especialmente, com o seu artº. 63, normativo que consagra a liberdade de circulação de capitais. A necessidade de o Direito Europeu ser aplicado de modo uniforme em todo o território da União não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua atuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Europeu o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros. Recorde-se que o direito europeu, originário ou derivado, vigora diretamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade direta e do efeito direto”.
13. E prossegue, referindo que “por força dos citados princípios da aplicabilidade direta e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível. No caso "sub iudice", está em causa a apreciação de normas de direito interno (cf.v.g. artºs. 22, do E.B.F.) e a sua compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais, estatuída no artº.63, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). O citado artº.63, do TFUE, normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros, tem como antecedente o artº.67, do TCE. Ora, para aferir se existe, ou não, uma situação de discriminação é necessário determinar, desde logo, se as duas situações são, ou não, comparáveis. Depois, partindo do princípio que, de facto existe comparabilidade entre as duas situações, impõe-se verificar se diferentes regras se aplicam a situações comparáveis, ou se as mesmas regras se aplicam a situações diferentes, dado que ambos os casos podem levar a uma discriminação no que diz respeito às liberdades económicas fundamentais (cf.v.g. acórdão Kerckhaert e Morres, do T.J.U.E., de 14/11/2006, Processo C-513/04, § 19; João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Tributação Direta, Almedina, 2018, pág.74). Mais, como regra, a condição de residente não é comparável com a de não residente, sendo este facto geral veiculado pelas decisões do Tribunal de Justiça Europeu. Contudo, em muitos casos, tendo como referência, nomeadamente, o elemento teleológico da disposição de direito interno, o Tribunal de Justiça Europeu entendeu que residentes e não residentes podem estar em situações comparáveis. Esta tendência foi iniciada com o caso Avoir Fiscal (cf. acórdão Avoir Fiscal, do T.J.C.E., de 28/01/1986, Processo 270/83, § 20; João Sérgio Ribeiro, ob. cit., pág.74 e seg.). Revertendo ao caso dos autos, deve considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes, que não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à mesma tributação. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação (cf. acórdão Santander Asset Management SGIIC, do T.J.U.E., de 10/05/2012, Processo C-338/11 e apensos, § 28). Chamando, agora, à colação o acórdão do TJUE de 17/03/2022, processo C-545/19 (cf. fls. 225 a 235-verso do processo físico) (…) do mesmo se podem retirar as seguintes conclusões, com interesse para a decisão do mérito deste recurso: a) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A (…) alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A (…) considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.º TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º TFUE. (§ 17); b) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33); c) Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57); d) Um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69); e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74); f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83); g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85). Em consequência, o TJUE expressa a seguinte declaração final: O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Nestes termos, concluindo-se pela incompatibilidade do artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01 (a aplicável ao caso "sub iudice"), com o disposto no artº.63, do TFUE, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, de onde se deve concluir que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se, dado enfermar de erro de julgamento de direito, determinante da sua anulação, mais sendo a posição adoptada na decisão arbitral fundamento a que se encontra em conformidade com o direito e jurisprudência, europeus” .
14. Em conclusão, no Acórdão do STA acima mencionado é referido que “(…) 1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação; 2 - O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção; 3 - A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia. (…)”.
15. Complementando a posição assumida pelo mesmo referido Acórdão do STA, orientado para uma situação de descriminação entre Estados-Membros) com o teor do Acórdão do STA 0806/21.7BELRS, de 29.05.2024 (que aqui se acompanha dadas as evidentes semelhanças com o caso em análise por envolver descriminação face a um País Terceiro - EUA) refira-se que “no caso dos autos, estamos face a acto tributário de retenção na fonte, a título definitivo, em sede de I.R.C. (…), incidente sobre dividendos auferidos pela entidade (…) na qualidade de detentor de participações no capital social de sociedade sediada em território português (…). Embora o IRC seja considerado um imposto periódico (…), o mecanismo de retenção na fonte de IRC., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como configurando um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de IRC incidente sobre pagamentos efetuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única (…)”.
16. No caso dos autos, é pretendido anular os atos de retenção na fonte, a título definitivo, em sede de IRC em virtude de o Requerente entender que os mesmos consubstanciam uma concreta restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63º, do TFUE, norma vigente na ordem jurídica interna "ex vi" artigo 8º, nº 4, da CRP, tudo levando em consideração a jurisprudência do TJUE (acima já citada), principalmente, a constante do processo C-545/19, de 17/03/2022 [cfr. AC STA Pleno da 2ª Secção (28/09/2023), rec. 93/19.7BALSB, AC STA 2ª Secção (13/09/2023), rec. 715/18.7BELRS e AC STA 2ª Secção (08/05/2024), rec.2412/21.7BELRS].
17. No caso em análise, tendo em consideração a matéria dada como provada, foi aplicada a Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), celebrada entre Portugal e os EUA, nos termos da qual está prevista a taxa de 15% relativamente à taxa de retenção na fonte aplicável aos dividendos, taxa esta que foi efetivamente aplicável aos atos de retenção na fonte objeto do processo, não tendo o imposto retido sido objeto de dedução nos EUA.
18. Tendo em consideração a incompatibilidade do artigo 22º, nº 1 do EBF com o artigo 63º do TFUE, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, dele excluindo as sociedades constituídas segundo legislações de Países Terceiros (como é o caso dos EUA), tem de se concluir que a retenção na fonte e o indeferimento expresso da reclamação graciosa interposta contra aqueles atos de retenção na fonte, enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT), com o reembolso do imposto indevidamente retido.
19. Termos em que se dá como procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidação de IRC por retenção na fonte impugnadas constante da autoliquidação de IRC, referente ao ano de 2020, na quantia total de imposto de 27 030,07 EUR e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, com a consequente restituição do imposto pago, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.
V. C - Juros indemnizatórios
20. O direito dos contribuintes ao reembolso e aos juros na sequência da cobrança de impostos em violação de normas da União Europeia decorre deste mesmo direito.
21. Nesse sentido tem decidido o TJUE [1], que sublinha, precisamente, que “o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União”. [2]
22. No entender do TJUE, “quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto”.[3]
23. E mais afirma o TJUE, quando sublinha a relevância dos princípios da equivalência e efetividade nesta matéria, que cumpre ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro respeitar quando da previsão das condições em que tais juros devem ser pagos.
24. Daqui resulta uma obrigação interpretativa e metódica europeia na abordagem do regime substantivo do direito a juros indemnizatórios do artigo 43º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que estes juros são devidos em caso de decisão judicial que julgue a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação “da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”
25. Nos termos do decido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo que uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa [4], “em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da LGT.”
26. Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se verificou o indeferimento expresso da reclamação graciosa, nos termos do nº 1 do artigo 57º da LGT, devendo ser contados, até ao integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
VI. Decisão
Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular os atos tributários de retenção na fonte, de IRC, efetuados a título definitivo, sobre os dividendos auferidos de fonte portuguesa, no ano de 2020 a quantia total de imposto de 145 726,94 EUR, conforme pedido;
c) Anular a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra aqueles atos tributários;
d) Condenar a Requerida no reembolso dos valores das retenções indevidas com juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, desde a data em que se operou o indeferimento da reclamação graciosa;
e) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VII. Valor
Fixa-se o valor do processo em 145 726,94 EUR, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3 060,00 EUR, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4 e 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 8 de abril de 2025
Os Árbitros
(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)
(João Santos Pinto - Adjunto)
(Adelaide Moura- Adjunta e Relatora)
[1] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013, e jurisprudência aí citada.
[2] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013. § 22.
[3] C-565/11, Mariana Irimie, 18.04.2013. § 20
[4] Acórdão do STA, Processo n.º 93/21.7BALSB, de 29.06.2022