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SUMÁRIO:
I. Nos termos do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS, nas situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, a dedução de despesas e encargos, para efeitos do cálculo das mais-valias tributáveis, é efetuado mediante o acréscimo, ao valor de aquisição do bem imóvel objeto de alienação onerosa, dos encargos com a valorização desse mesmo bem imóvel, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, das despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, e da indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esse bem imóvel.
II. Uma situação comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados é a referente à realização de obras pelos respetivos proprietários, as quais, desde que originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado, se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.
III. É necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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No dia 5 de Abril de 2024, A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., apart. ..., ...-... Cascais, apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria - RJAT).
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O Requerente vem pedir a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2023..., relativo ao ano de 2021, bem como o despacho de indeferimento parcial proferido no processo de reclamação graciosa nº...
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o presente árbitro, que aceitou a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 19 de junho de 2024.
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Seguindo-se os normais trâmites, em 30 de Agosto de 2024, a AT apresentou resposta e juntou o processo administrativo (PA).
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Em 17 de Setembro de 2024, foi proferido despacho em que o Tribunal Arbitral entendeu que não havendo lugar a produção de prova constituenda dispensava a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT. Mais ordenou a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas (simultâneas), no prazo de 10 dias a partir da notificação do presente despacho, devendo, nesse caso, a Requerente pronunciar-se sobre as questões suscitadas pela AT Requerida juntamente com as mesmas.
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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.
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As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
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O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi tempestivamente interposto e não foram invocadas excepções, nem o Tribunal as divisou.
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III - INCIDENTE DO VALOR DO PROCESSO
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Atribui o requerente ao processo, como valor do pedido a quantia de € 18 522,00.
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A Requerida suscita uma questão prévia respeitante ao valor do pedido, sustentando que o mesmo deve ser fixado no valor correspondente na importância de € 119 732,10, nos termos do art. 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do art, 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, porquanto o Requerente pretende a anulação da liquidação de IRS, ora vigente, n.º nº 2024..., referente ao ano de 2021, na importância de € 119 732,10.
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Na arbitragem tributária, o valor do pedido é relevante para efeitos de determinação da composição do tribunal arbitral, que pode ser singular ou coletivo, nos termos do artigo 5.º do RJAT, e de fixação de custas, ou seja, da taxa de arbitragem.
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Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do RJAT, “[p]ela constituição de tribunal arbitral é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa”. O artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária (RCAT) dispõe que a taxa de arbitragem é fixada em função do valor da causa, estabelecendo o n.º 2, que o valor da causa é fixado de acordo com artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sendo que este artigo dispõe, no seu n.º 1, alínea a), que o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, é, quando seja impugnada a liquidação, o da “importância cuja anulação se pretende”.
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Esta remissão do artigo 3.º do RCAT para o artigo 97.º-A do CPPT deve ser vista como uma concretização do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que elenca o direito subsidiariamente aplicável. A expressão “importância cuja anulação se pretende”, não tem que corresponder literal e necessariamente ao valor constante da liquidação, podendo antes abranger, além deste, como sucede no caso concreto, o valor respeitante ao imposto em causa que já tenha sido pago e se considere passível de reembolso no caso de procedência da ação. Assim é, desde logo, porque esse reembolso só terá lugar se a anulação se reportar, nos seus efeitos, também ao montante que já tenha sido pago por conta do imposto, por via da reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos previstos no artigo 100.º da LGT. Esta interpretação é a que melhor se adequa à referência feita na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT, à “indicação do valor da utilidade económica do pedido”, como um dos requisitos do pedido de constituição do tribunal arbitral a apresentar pelo Requerente, referência essa que pode ser legitimamente interpretada como “uma definição (ainda que apenas ligeiramente) mais detalhada, do conceito do valor do pedido constante do artigo 5.º do RJAT.
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Por conseguinte, e por forma a não esvaziar de sentido o disposto nos artigos 5.º e 10.º do RJAT, que associam o valor do pedido à respetiva utilidade económica, entende este Tribunal que o valor do pedido é de € 18 522,00.
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Como decido na jurisprudência arbitral, a divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes, já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto.
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Para efeitos do valor da causa, a utilidade económica imediata do pedido, sempre que este não é definido através de uma quantia certa em dinheiro, deve ser avaliada em função do pedido e da causa de pedir.
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Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida. 4. Caso se cumulem pedidos com o pedido de anulação da liquidação (v. g., pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa é sempre o valor da liquidação na parte impugnada.
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Este tribunal não pode deixar de dar razão neste ponto à Requerente.
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MATÉRIA DE FACTO
IV.1. FACTOS PROVADOS
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Inconformado com o indeferimento parcial da reclamação graciosa instaurada sob o n.º ...2023... que apresentou contra a liquidação adicional de IRS, relativa ao ano de 2021, a que se refere a Demonstração de Liquidação n.º 2023..., no montante de € 32 103,76, pediu a constituição de Tribunal Arbitral.
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O Requerente vendeu em 2021 um imóvel e reportou no anexo G da sua declaração de rendimentos tal transmissão.
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No referido Anexo, foram mencionados despesas e encargos no montante de € 129.245,74 euros.
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Decidiu a AT criar uma divergência (24129019), para comprovação desses encargos.
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Segundo a Requerida, o requerente não apresentou os mencionados documentos comprovativos.
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Este contesta, considerando que solicitou atendimento presencial devido ao elevado número de documentos a apresentar que inviabilizava a sua submissão no Portal das Finanças. tendo ficado sem resposta.
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No entanto, ao contrário do alegado pelo aqui requerente, essa solicitação obteve resposta dos serviços, conforme o provam os elementos constante do Processo Administrativo.
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Foi então foi elaborada declaração oficiosa, tendo sido retirado o montante de despesas e encargos do campo 4001 do quadro 4 do anexo G.
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Posteriormente, apresentou reclamação graciosa, tendo a mesma sido apreciada e deferida parcialmente, pelo que foi elaborada nova declaração oficiosa, sendo inscrito no campo 4001 do quadro 4 do anexo G o montante de despesas e encargos de 44.580,75 €.
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Por não concordar com esse montante (e com os fundamentos apresentados para a não aceitação de outros encargos), interpôs o presente pedido de pronúncia arbitral.
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Neste, requer que o Tribunal:
a) Declare a ilegalidade do indeferimento da identificada reclamação graciosa;
b) Declare a ilegalidade da contestada liquidação de IRS, na parte correspondente aos encargos desconsiderados;
b) Determine o pagamento de juros indemnizatórios, devidos em consequência do pagamento do imposto.”
IV.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos não provados que tenham relevo para a apreciação da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela AT com a resposta.
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DIREITO
V.1. Questões a decidir
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A primeira questão a decidir é saber se a ilegalidade por desconsideração dos contestados encargos invocada pelo Requerente tem sustentação nos motivos invocados pela Requerida:
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Se para efeitos de comprovação é condição sina qua non a apresentação do recibo de pagamento da fatura;
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Se apenas os encargos que constem de faturas que identifiquem o imóvel alienado podem ser considerados;
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Se apenas os encargos que constem de faturas que tenham simultaneamente materiais e mão-de-obra podem ser considerados;
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Se a falta de apresentação da Declaração Modelo 1 a que se refere o artigo 37.º do CIMI, condiciona, em sede de IRS, a dedução dos encargos em causa;
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Se o indeferimento da reclamação graciosa está devidamente fundamentado.
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Caso se conclua que se está perante um caso de desconsideração dos encargos em causa com fundamento nas alegadas defendidas pela Requerida, haverá que apreciar se seria possível ao apuramento das mais-valias, haveria ter sido dada relevância às seguintes premissas:
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Quanto aos encargos, relevam os relacionados com a valorização dos bens, comprovadamente realizados;
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Quanto às despesas, relevam as necessárias e efetivamente praticadas;
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Quanto à indemnização, releva a comprovadamente paga.
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Na eventualidade de a posição da AT ser julgada substancialmente correcta, haverá ainda que averiguar de foi suficientemente fundamentada, uma vez que a Requerente invoca que não foi.
V.2. Posição da Requerente
A Requerente entendeu, essencialmente, que:
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O Requerente impugna a liquidação do IRS, invocando a sua ilegalidade por desconsideração dos contestados encargos, reconduzindo-se o thema decidendum, às seguintes questões, importando saber:
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As faturas sem recibo de pagamento
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Importa recordar que, no caso de sujeitos passivos que exerçam atividades empresariais, nem o Código do IRS nem o Código do IRC fazem depender do pagamento a aceitação de qualquer gasto.
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É isso que resulta do artigo 18.º do CIRC: “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.
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É certo que este regime não é aplicável a todas as categorias de rendimentos e, nalguns casos, o legislador subordina a dedução da despesa ao momento do pagamento.
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É o que acontece com as deduções relativas aos rendimentos prediais, em sede de IRS, já que, nos termos do artigo 41.º o legislador condiciona a sua aceitação, ao pagamento: “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo”.
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Relativamente a todas as despesas e encargos, dedutíveis à coleta, o legislador exige apenas que constem de faturas comunicadas à AT. Não se vislumbra aqui qualquer obrigação de pagamento, como condição de dedutibilidade.
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Quanto às deduções relativas ao apuramento das mais-valias, o legislador refere expressamente que:
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Quanto aos encargos, relevam os relacionados com a valorização dos bens, comprovadamente realizados;
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Quanto às despesas, relevam as necessárias e efetivamente praticadas;
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Quanto à indemnização, releva a comprovadamente paga.
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Presumindo, como decorre da lei, que o legislador soube exprimir o seu pensamento, a exigência de pagamento releva apenas para a indemnização pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos aos imóveis transmitidos.
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Com efeito, comprar, gastar e pagar correspondem, normalmente, a momentos diferentes e têm diferentes consequências:
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Quando se compra, assumimos a obrigação de pagar ao fornecedor o preço de determinados bens ou serviços e isso representa uma despesa, operação que é normalmente suportada pela fatura;
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Quando se gasta, consumimos determinados bens ou serviços e isso representa um encargo (no sentido de gasto), no caso com a valorização do imóvel, operação que é igualmente suportada pela fatura;
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Quando se paga, procede-se à transferência de fundos para o fornecedor, extingue-se a dívida e isso representa um pagamento, operação que é suportada por um recibo ou por qualquer outro meio, nomeadamente uma transferência bancária, já que não existe uma obrigação (fiscal) de emissão de recibo.
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Com efeito, no caso, devendo presumir-se, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que o legislador “soube exprimir o seu pensamento de forma adequada”, deve concluir-se que, tratando-se de encargos, o Código não exige a prova do pagamento, como não exige em nenhuma dedução à coleta.
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Por isso, não pode prevalecer a desconsideração dos encargos em causa com fundamento em alegada necessidade de comprovação “através do recibo de pagamento ou fatura-recibo, uma vez que, tem de ficar evidenciado que a despesa foi efetivamente paga”.
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As faturas sem identificação do imóvel alienado
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Nos termos do artigo 128.º do CIRS, as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.
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Ora, do referido normativo, não se colhe qualquer limitação quanto à natureza do ou dos documentos comprovativos dos valores declarados, nem no artigo 51.º o legislador procede a qualquer densificação sobre qual ou quais os meios ou os elementos de prova suscetíveis de comprovar os encargos de valorização.
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Neste mesmo sentido, o Acórdão do STA no Processo n.º 01254/04, de 20.04.2005, conclui que a “lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n.º 3 do art.º 128º, do CIRS aponta até em sentido diverso”
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Por isso, não é exigível que das faturas “conste o imóvel alienado”.
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Com efeito, decorre do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA que das faturas deve constar o nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como o correspondente número de identificação fiscal.
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Não é exigível que da fatura relativa a obras conste qualquer referência ao imóvel alienado.
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Não obstante, em algumas faturas consta como local de descarga a morada do imóvel alienado (...):
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Mas, ainda assim, fazendo-se referência ao imóvel alienado, a AT desconsiderou tais encargos.
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E, relativamente às restantes faturas, não pediu quaisquer esclarecimentos.
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Ora, como decorre da Decisão Arbitral de 04.09.2015, no Processo n.º 220/2015-T “entendendo a AT que a prova produzida pela Requerente não era suficiente deveria aquela pedir informação suplementar ao contribuinte, realizando inclusive inspecção aos empreiteiros, para saber se as facturas em causa se reportavam ou não às obras realizadas nos imóveis alienados, ao abrigo do princípio do inquisitório. É que o princípio do inquisitório está a montante do problema do ónus da prova (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0583/09, de 21.10.2009)”.
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Por isso, não pode proceder a desconsideração das despesas com base na invocação genérica de “faturas sem identificação do imóvel alienado”, já que, para além de não ser um requisito substancial de prova, como se demonstra, tal afirmação nem sequer corresponde à realidade.
C. As faturas de aquisição de materiais sem inclusão de mão-de-obra
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Considera a AT que “quando se trata de materiais adquiridos para a realização da obra, separadamente da mão-de-obra, porque a mera aquisição dos mesmos não basta para comprovar a realização das referidas obras no imóvel alienado, não podem tais encargos (meros materiais adquiridos) ser considerados como elegíveis para efeitos do estabelecido no artigo 51.º do Código do IRS”.
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Ora, nada obsta a que possam ser adquiridos materiais isoladamente e o serviço ser prestado por outrem.
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Qualquer pessoa pode ir comprar azulejos (materiais) a um armazém e a sua colocação ser feita por um pedreiro, que naturalmente só fatura mão-de-obra.
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A exigência de que uma fatura de materiais deva conter igualmente uma parcela de mão-de-obra correspondente à montagem, não decorre da lei e é contrária à mais elementar regra de bom senso.
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É certo que a aquisição de materiais dissociada da sua montagem dificulta a verificação da sua colocação no imóvel alienado.
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Mas isso é uma questão de avaliação da prova, competindo à AT solicitar os esclarecimentos que julgar convenientes, o que não fez.
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Não pode é, sem qualquer diligência, desconsiderar tais despesas com base numa inexistente presunção legal de que as “faturas de materiais sem mão-obra” não relevam para efeitos da alínea a) do nº 1 do artigo 51.º do CIRS.
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Está, portanto, ferida de ilegalidade a liquidação com base na desconsideração de encargos com fundamento na aquisição individualizada de materiais sem mão-de-obra de montagem expressa na fatura.
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A falta de apresentação da Declaração Modelo 1 do IMI e a dedução de despesas em IRS
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Como resulta da Decisão Arbitral de 06.04.2023, no Processo n.º 472/2022, I- Para prova da quantificação dos encargos de valorização previstos no art.º 51º n.º 1, a) do CIRS, a Lei não limita os meios de prova à apresentação de faturas, elaboradas nos termos do art.º 36.º, n.º 5 do CIVA. II- Os custos têm de ser analisados em função da concreta edificação empreendida e há que relevar, para o efeito, tudo o que tenha sido incorporado na habitação construída e todas as despesas verificadas no processo de construção”.
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O artigo 51.º do CIRS não condiciona o reconhecimento dos encargos com a valorização dos bens a qualquer pedido de inscrição na matriz de eventuais alterações que possam alterar o VPT.
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Com efeito, estamos no domínio da prova, não podendo concluir-se, sem qualquer pedido de esclarecimento adicional ou diligência que, a falta de alteração da matriz para incluir uma piscina nos designados elementos de qualidade e conforto do imóvel determina, de per si, a desconsideração de encargos com a piscina, para efeitos do apuramento da mais-valia do imóvel.
Termina invocando diversa jurisprudência e doutrina sobre os contornos do dever de fundamentação que impende sobre a AT e pedindo que seja “decretada a anulação dos atos tributários com todas as consequências legais”.
V.3. Posição da Requerida
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Em contrapartida a Requerida entendeu, em Resposta, o RIT, que:
“Relativamente ao alegado nos artºs 4 a 6 do pedido de constituição de Tribunal Arbitral, o requerente afirma que solicitou um pedido de atendimento presencial (no âmbito do procedimento de análise e gestão de divergências) devido ao elevado número de documentos a apresentar que inviabilizava a sua submissão no Portal das Finanças.
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A Requerente afirma que, relativamente a essa pretensão, nunca obteve resposta.
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A Requerida demonstra que tal não corresponde à realidade dos factos:
- Ora, consultado o sistema informático de gestão de divergências, verifica-se que efetivamente, foi solicitado pelo requerente o atendimento presencial, como consta: “2022-07-07 (Portal das Finanças) - Justificação Internet Emissor: 1... Texto justificação:
Exmos senhores,
Face ao elevado número de documentos referentes às obras de manutenção efectuadas, pedimos que seja agendado um atendimento presencial para demonstrarmos as mesmas. Cumprimentos”.
- Assim, e acrescenta que “…ao contrário do alegado pelo aqui requerente, essa solicitação obteve resposta dos serviços.
Porquanto consta no referido sistema informático de gestão de divergências o seguinte:
“2022-11-22 (SF 1503 - CASCAIS-...) - Envio de Mail de Resposta Mail de Resposta à Justificação Internet
Emissor: SF ... - CASCAIS-....
Destinatário: ...
Poderá contactar CAT para marcação em dia/hora que lhe seja conveniente através do número telefone ... (09h-19h), ou proceder a marcação no Portal das Finanças > contacte-nos > atendimento por marcação”
- Acrescendo que, no sistema informático pode observar-se o seguinte: “2023-01-23 (SF ... - CASCAIS-...) - Envio de Mail de Resposta Mail de Resposta à Justificação Internet
Emissor: SF ... - CASCAIS-...
Destinatário: ...
Foi marcado Atendimento presencial para dia 31/01 às 10h00 no Serviço de Finanças Cascais- ... .
Caso não possa comparecer deverá contactar AT pelo número ... para cancelar e efetuar nova marcação.”
Assim, comprova-se que, não só os serviços responderam à solicitação do requerente como, inclusivamente, efetuaram a marcação do atendimento presencial, a que, como se infere pela ora petição arbitral, aquele não compareceu.
Sendo que, apenas posteriormente a essa marcação do atendimento presencial, e face à não comparência do requerente é que foi efetuada a notificação para audição prévia:
“2023-02-02 (SF ... - CASCAIS-...) - Solicitar Audição Prévia Ofício: Notificação para Audição Prévia
Data Emissão: 2023-02-02
Texto Incorreção: Não comprovou valores e despesas declaradas nos termos do artº51º CIRS Prazo: 15”
- A essa notificação para audição prévia alude o requerente nos artºs 6 e 7 da petição, confirmando o seu não exercício por motivo de ausência no estrangeiro.
- Tendo sido, consequentemente, efetuada a declaração oficiosa com a eliminação das despesas e encargos inscritos na declaração entregue pelo sujeito passivo.
- Daí não resultou a impossibilidade de oposição à liquidação resultante da referida declaração oficiosa, pois, tal como o requerente expressamente refere nos artºs 85º e seguintes da petição, apresentou reclamação graciosa, a qual foi parcialmente deferida.
- Sendo que, não se conformando com o indeferimento parcial proferido na reclamação graciosa, foi solicitado o presente pedido de pronúncia arbitral.
- O indeferimento parcial proferido na reclamação graciosa, respeita ao campo das despesas e encargos.
- Relativamente a esta matéria, refira-se que o requerente, na declaração por si apresentada, inscreveu o montante de 129.245,74 € de despesas e encargos no campo 4001 do quadro 4 do anexo G.
- Essa declaração foi objeto de um procedimento de análise e gestão de divergências, tendo sido solicitado ao aqui requerente a apresentação dos documentos justificativos de tal montante.
19. Não tendo apresentado os mencionados documentos comprovativos, a AT elaborou uma declaração oficiosa, tendo sido retirado o montante de despesas e encargos do campo 4001 do quadro 4 do anexo G.
Isto porque, “As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija”, conforme previsto no n.º 1 do artigo 128º do Código do IRS.
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Na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa foi elaborada nova declaração oficiosa, sendo inscrito no campo 4001 do quadro 4 do anexo G o montante de despesas e encargos de 44.580,75 €.
VI. Decidindo
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À data dos factos, na redação em vigor estabelecia a alínea a) do artigo 51º do Código do IRS:
Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º.
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No caso presente, estamos perante “encargos com a valorização dos bens”, porquanto a lei prevê um requisito de natureza substantiva, que faz corresponder encargos à valorização do bem alienado.
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"encargos com a valorização dos bens", encerra alguma margem de indeterminação, tem vindo a Autoridade Tributaria a proceder ao seu preenchimento, entendendo como tal as despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor intrínseco adicional.
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É de considerar que a realização de despesas que não aumentem o valor intrínseco do imóvel, bem como aquelas que não integram de modo definitivo o imóvel e, ainda as obras de conservação por exemplo, substituições de lâmpadas ou pintura do imóvel e as de conservação extraordinária, decorrentes de situações pontuais e esporádicas, mas igualmente necessárias, como a substituição de janelas, portas ou telhados danificados, ou a substituição do pavimento.
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Dever-se-à ter em conta subsidiariamente o conceito de benfeitoria previsto no artigo 216° do Código Civil:
"1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2. As benfeitorias são necessárias, uteis ou voluptuarias.
3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; uteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuarias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante."
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O artigo 51° alínea a) do Código do IRS contempla as benfeitorias uteis, ou seja, aquelas obras de melhoramento que não estão numa relação de autonomia em relação ao imóvel. Antes incorporam o mesmo, aumentando o seu valor intrínseco e que têm apenas o intuito de valorizar o bem, caraterizando-se pela sua desnecessidade.
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Assiste razão à Requerida, sendo que este Tribunal adere às decisões proferidas mencionadas na Resposta e alegações:
“E, neste mesmo sentido pode ver-se ainda o Acórdão do STA de 21-03-2012, Proc. 0587/11, que nos diz:
"Este conceito de "encargos com a valorização dos bens" encerra alguma margem de indeterminação e necessita de ser preenchido. Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos ultimas doze anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo tem de estar ligado a valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor."
No mesmo sentido poderá consultar-se a decisão proferida no CAAD, processo 802/2022-T, cujo sumário é do seguinte teor:
“Deverão ser considerados como abrangidos pela previsão do art. 51º, n. º1, al. a.) do CIRS os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar economicamente o bem alienado, excluindo-se as simples despesas de manutenção e conservação, elementos decorativos autónomos e destacáveis do imóvel ou eletrodomésticos.”
- E também a decisão do CAAD, processo 734/2022-T:
“São dedutíveis os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar os imóveis, excluindo-se as simples despesas de manutenção e conservação, elementos decorativos autónomos e destacáveis do imóvel ou eletrodomésticos.”
Além disso, incumbe ao sujeito passivo fazer prova dos encargos suportados e da sua relação intrínseca com o imóvel.
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Em conformidade, caberia ao Requerente apresentar e comprovar os encargos que teve com os imóveis. Esta prova exige um duplo exercício: apresentar não só as evidências documentais relativas aos gastos efetivamente suportados, mas demonstrar que estes encargos estão “intrinsecamente ligados” aos bens alienados.
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Por isso, deveria ser complementado por outros elementos de prova que confirmassem o pagamento ou a efetivação das operações, nomeadamente recibos (documento que legalmente comprova o pagamento), comprovativo de pagamento bancário, apresentação de prova documental visual ou testemunhal dos serviços, etc., de forma a que se formasse uma convicção sobre a sua veracidade.
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Não foram comprovadas os encargos, nem a efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado (cf. decisão CAAD n.º 766/2016-T de 2017AGO17).
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A decisão arbitral proferida no processo n.º 766/2016-T é afirmado que
«Face à questão sob escrutínio [idêntica à destes autos] competia aos Requerentes provar, relativamente ao prédio alienado, não só que suportaram custos, mas que as importâncias foram efetivamente despendidas em obras de valorização efetuadas naquele bem imóvel, não bastando, para o efeito que os custos e as despesas se mostrem devidamente comprovados.»
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Não é suficiente pois no caso vertente, face ao anteriormente considerado, que os custos se mostrem devidamente comprovados, deve ainda o Requerente provar que não só os suportou, mas que os mesmos foram efetivamente incorridos em obras de valorização executadas no imóvel alineado.
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Finalmente quanto à alegação da falta de fundamentação da decisão na reclamação graciosa invocada pelo requerente, é de entender os actos, se encontra devidamente fundamentados. sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos.
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O Requerente entendeu perfeitamente os fundamentos pelos quais a reclamação foi indeferida (parcialmente), ou não teria, apresentado o pedido de pronúncia arbitral, nos termos em que o fez.
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A argumentação do Requerente no presente pedido de pronúncia arbitral revela que este não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato.
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Tem-se por demonstrado que a decisão de indeferimento foi devidamente fundamentada, já que o requerente entendeu perfeitamente as razões invocadas para a não aceitação de determinados encargos e que a Autoridade Tributária analisou todos os documentos que lhe foram disponibilizados.
Pelo que, atendendo ao exposto, deverão a demonstração de liquidação n.º 2023 ... e a decisão da reclamação graciosa de IRS, referente ao ano de 2021, ser mantidas, não havendo lugar ao cálculo de juros indemnizatórios.
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DECISÃO
Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo,
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VALOR DO PROCESSO
Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), mantém-se o valor do processo em €18.522,00 (dezoito mil quinhentos e vinte e dois euros).
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CUSTAS
Custas no montante de € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, a cargo do Requerente.
Notifique.
Lisboa, 11 de Abril de 2025
O árbitro relator
Maria da Graça Martins
A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.
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