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SUMÁRIO:
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As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade tributária, em concreto dos seus (sub)princípios da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva.
DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa
Entidade Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
A Árbitra Sónia Fernandes Martins, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído a 9 de janeiro de 2025, decidiu o seguinte:
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Relatório
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A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa (“Requerente”), apresentou perante o CAAD, dirigido ao seu Ex.mo Presidente, pedido de pronúncia arbitral a 31 de outubro de 2024, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”).
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicitou ao Tribunal Arbitral a declaração de ilegalidade e concomitante anulação da liquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”), de 19 de junho de 2024, respeitante ao ano de 2024, no montante total de 10.548,79 EUR, constituindo este ato tributário o objeto mediato da ação arbitral. Peticionou, de igual modo, a restituição do tributo (10.548,79 EUR) e o pagamento de juros indemnizatórios.
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A propositura da ação arbitral teve lugar após a apresentação, perante o Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de reclamação graciosa daquele ato tributário a 23 de julho de 2024, a qual foi indeferida por decisão de 18 de setembro de 2024 do Chefe da Divisão de Justiça Tributária daquela Unidade, constituindo esta decisão o objeto imediato da ação arbitral.
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Em sede do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pugnou, prima facie, pela violação da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). Em concreto, sustentou que o Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho (“Regime ASSB”) pretere o princípio da igualdade tributária – em concreto, os seus (sub)princípios da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva – e, bem assim, o princípio da proporcionalidade:
«[O] ASSB é um tributo que onera o setor financeiro e que visa o financiamento do FEFSS, de forma a compensar pela isenção de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras por via da aplicação do n.º 27 do artigo 9.º do respetivo Código […]. Ora, o FEFSS destina-se a assegurar a estabilização financeira do sistema contributivo de segurança social e, por esta razão, aproveita a todos e qualquer contribuinte, e não apenas aos colaboradores do setor financeiro […]. Pelo exposto se verifica, desde logo, que o regime jurídico do ASSB representa, para o setor financeiro, um ónus acrescido de financiar o FEFSS, sem que para tal o legislador tenha apresentado qualquer justificação válida, para além da mera angariação de receita, que justifique este acréscimo […].
[C]om referência à finalidade associada ao financiamento do FEFSS, não se verifica a “(…) compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica”, ficando, assim, prejudicada a existência de qualquer relação de proximidade entre o grupo sujeito ao ASSB (in casu, instituições de crédito) e aquela finalidade.
Por todas estas razões, o ora Requerente considera que, no que ao ASSB diz respeito, nos encontramos perante um verdadeiro imposto e não uma contribuição […].
Definido que está o ASSB como um imposto, impõe-se àquele tributo que respeite o princípio da igualdade tributária, em todas as suas dimensões e expressões […].
Entende o Requerente que este princípio que aqui se vem discutindo, na sua dimensão de proibição do arbítrio, não é de todo respeitado pelo ASSB, na medida em que este imposto, conforme já referido, onera todo o setor financeiro (e apenas o setor financeiro) com o financiamento do FEFSS (de que beneficia a generalidade dos contribuintes), apenas pelo facto de os serviços e operações financeiras se encontrarem, por princípio, sujeitas, mas isentas, de IVA […].
Do acima exposto resulta inequivocamente que o regime jurídico do ASSB, ao se basear em critérios arbitrários e desprovidos de razoabilidade (e que, mais ainda, estão assentes em pressupostos errados decorrentes de a isenção de IVA de que beneficia a generalidade das operações financeiras não é um benefício para as entidades do setor financeiro), viola o princípio da igualdade tributária que encontra expressão no artigo 13.º da Lei Fundamental, na sua dimensão de proibição do arbítrio, e que por essa razão é ilegal […].
Ora, considerando que a Lei torna imperativo que o imposto tenha como pressuposto a capacidade contributiva do sujeito passivo, e que esta se revela pelo rendimento, e compreendido que fica que o ASSB considera, no cálculo da sua base tributável, somente componentes do passivo dos sujeitos passivos, entende o Requerente que estamos perante um imposto que viola o princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio da capacidade contributiva […].
[O] legislador onerou o setor financeiro (e apenas o setor financeiro) com a obrigação de financiamento do FEFSS, através do pagamento do ASSB, na alegada tentativa de compensar pela isenção de IVA que abrange a generalidade dos serviços financeiros (veja-se, a este respeito, o n.º 2 do artigo 1.º do regime jurídico do ASSB) […]. Em bom rigor, o objetivo traçado pelo legislador para o ASSB sempre poderia ser atingido de forma menos onerosa, uma vez que, em abstrato, o caminho lógico e admissível seria, no limite, o agravamento da tributação das operações bancárias em sede de Imposto do Selo […]. Demais a mais, não existe uma especial relação entre as instituições financeiras e a segurança social que torne adequado e proporcional que se onere o seu setor face aos demais setores da economia, tais como o setor da saúde ou da educação, para este propósito […].
Por todo o exposto, a conclusão não pode ser outra de que o ASSB é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, do princípio da capacidade contributiva, da proibição do arbítrio e, bem assim, do princípio da proporcionalidade legislativa […]».
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Entidade Requerida”).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD a 4 de novembro de 2024, tendo sido notificado à Entidade Requerida a 7 de novembro de 2024.
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A Árbitra Signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado a designação a 22 de novembro de 2024.
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No dia 20 de dezembro de 2024, as partes foram notificadas de tal designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
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O Tribunal Arbitral foi constituído a 9 de janeiro de 2025.
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No dia 14 de fevereiro de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo.
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Na sua resposta, a Entidade Requerida sustentou estar vinculada à aplicação do Regime ASSB, não podendo desaplicá-lo por força de alegada desconformidade à Lei Fundamental – in casu, aos princípios da igualdade tributária e da proporcionalidade. Não obstante, entendeu que tal preterição de índole constitucional não se verifica:
«[A] Requerida considera ser inequívoco – e, até mesmo, facilmente compreensível – que a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta […] num critério distintivo objetivo, razoável e materialmente justificado […]. Pelo que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito […].
No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA […].
[Não] se pode ignorar que a isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no setor bancário, em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA que […] contribuem para o FEFSS através do denominado “IVA social” […].
Na verdade, em Portugal, somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta, mais concretamente em sede de Imposto do Selo, o qual, aliás, desde a reforma do Código do Imposto do Selo (CIS) levada a cabo pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente […]. [Ademais,] […] a receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, do valor acrescentado pela atividade bancária […].
Não se podendo ainda olvidar que a receita do Imposto do Selo não está, nem mesmo parcialmente, consignada à segurança social, diversamente do que sucede com o IVA e o ASSB […].
Atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, como também de desigualdade na distribuição do esforço tributário […]. Em bom rigor, as isenções de IVA representam justamente exceções, ou até mesmo entorses, ao princípio da igualdade […]. Logo, quando o legislador decide atenuar ou eliminar uma delas – em particular quando tal isenção tem a sua razão de ser em limitações intrínsecas à própria mecânica do imposto, como é o caso da isenção de IVA nos serviços e operações financeiras – está-se, na verdade, a repor a igualdade, ao invés de a constringir […].
Aqui, é mister referir que a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras constitui um dos principais fundamentos assinalados em experiências internacionais – nas quais, inclusive, Portugal fez ou ainda faz parte – com vista a introdução de impostos indiretos que incidem sobre este setor, designadamente impostos sobre transações financeiras (Financial Transactions Tax – FTT) e impostos sobre atividades financeiras (Financial Activities Tax – FAT) […].
Subjacentes à proposta de criação desses tributos estão propósitos de justiça fiscal – e não, evidentemente, de penalização do setor –, por se ter constatado que o setor financeiro se encontra, em larga medida, subtributado no âmbito da fiscalidade indireta […].
A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo […].
Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social” […].
Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável […].
[No] que toca ao âmbito da incidência objetiva do ASSB, não nos compete fazer qualquer consideração acerca das escolhas que o mesmo adota dentro do espetro da sua liberdade de conformação […].
Como se afirmou, a opção político-legislativa de tributação incide sobre a capacidade diretamente revelada pelos sujeitos passivos, através de indicadores que o legislador decida como pertinentes […].
Todavia, a opção tomada, para além de válida, encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional […].
E, por isso, ao contrário do que propugna o Requerente, o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, que se propõe enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo até possível enquadrá-lo em experiências internacionais, como demonstrado supra, sempre com inteiro respeito pelo princípio constitucional da igualdade tributária […].
Pugnando-se, assim, pela verificação da conformidade constitucional do tributo, rejeitando a violação de todos e cada um dos parâmetros apontados […]».
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Por despacho de 17 de fevereiro de 2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAMT e notificou as partes para apresentação de alegações escritas simultâneas e, bem assim, para pagamento da taxa de arbitragem subsequente.
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No dia 6 de março de 2025, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, em sede das quais refutou o entendimento sufragado pela Entidade Requerida em sede de resposta e corroborou a posição que anteriormente assumira.
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No dia 7 de março de 2025, a Entidade Requerida apresentou requerimento reiterando a sua resposta de 14 de fevereiro de 2025.
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Saneamento
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.os 1, parte inicial, e 2, 6.º, n.os 1, 3 e 4, e 11.º do RJAMT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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Não se verificam nulidades, nem foi invocada matéria de exceção pela Entidade Requerida, impondo-se a apreciação do mérito da causa pelo Tribunal Arbitral.
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Objeto da Pronúncia Arbitral
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O thema decidendum da presente ação arbitral consiste em aferir da conformidade do Regime ASSB aos princípios da igualdade tributária – in casu, aos (sub)princípios da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva – e da proporcionalidade e, por via disso, da (i)legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação do ASSB, de 19 de junho de 2024, referente ao ano de 2024, no montante total de 10.548,79 EUR.
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Nessa sequência, cumpre indagar do direito da Requerente à restituição do tributo, no montante total de 10.548,79 EUR, nos termos do artigo 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAMT), e, bem assim, do seu direito à perceção de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT (igualmente, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAMT).
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Matéria de Facto
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Relativamente à matéria de facto, não impende sobre o Tribunal Arbitral o ónus de pronúncia sobre todos os factos alegados pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os que importam à boa decisão da causa e de discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT].
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Deste modo, os factos pertinentes ao julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida em função das várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito carentes de resposta (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT).
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Factos provados e respetiva motivação
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O Tribunal Arbitral considera assente a factualidade infra. Formou a sua convicção após analisar o acervo documental carreado para os autos pela Requerente e, bem assim, a resposta da Entidade Requerida, de cujo conteúdo tão-somente resulta a refutação do argumentário jurídico (matéria de direito) exposto pela Requerente.
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A Requerente é uma instituição de crédito com sede e direção efetiva em território português cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis com o intuito de os aplicar por conta própria mediante a concessão de crédito;
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A 19 de junho de 2024, a Requerente liquidou o ASSB do ano de 2024, no montante total de 10.548,79 EUR, mediante o preenchimento e submissão da correspondente declaração Modelo 57 [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
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A Requerente efetuou o seu pagamento;
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A 23 de julho de 2024, por não se conformar com tal ato tributário, a Requerente apresentou reclamação graciosa perante o Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes [cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
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Em sede de reclamação graciosa, a Requerente peticionou a anulação da aludida liquidação do ASSB, no montante total de 10.548,79 EUR, com fundamento na inconstitucionalidade do Regime ASSB. Em concreto, assentou tal dissídio:
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Na preterição do princípio da igualdade tributária (em concreto, dos (sub)princípios da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva);
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Na preterição do princípio da proporcionalidade [cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
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A título adicional, a Requerente solicitou a restituição do ASSB, no montante total de 10.548,79 EUR, e a condenação da Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios (computados desde o pagamento indevido do tributo até ao processamento da respetiva nota de crédito) [cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
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Por despacho de 18 de setembro de 2024, do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerente viu indeferida a reclamação graciosa que apresentara [cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
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No dia 31 de outubro de 2024, por dissentir da posição perfilhada pela Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerente propôs a ação arbitral na origem dos presentes autos;
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Em sede do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação do ASSB, no montante total de 10.548,79 EUR, bem como o reembolso deste quantitativo acrescido de juros indemnizatórios (computados desde o pagamento indevido do tributo até ao processamento da respetiva nota de crédito);
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Em concreto, a Requerente sustentou a inconstitucionalidade do Regime ASSB, tendo invocado:
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A preterição do princípio da igualdade (em concreto, dos (sub)princípios da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva);
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A preterição do princípio da proporcionalidade [cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
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No dia 14 de fevereiro de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo;
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Na sua resposta, grosso modo, a Entidade Requerida pugnou pela conformidade do Regime ASSB à Lei Fundamental e, por via disso, pela legalidade quer da decisão de indeferimento da reclamação graciosa quer da liquidação do ASSB e, consequentemente, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
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Factos não provados e respetiva motivação
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Inexistem factos com relevância para a boa decisão da causa que não tenham sido dados como provados. A matéria de facto não se afigura controvertida entre as partes.
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Matéria de Direito
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Nos termos do artigo 1.º do Regime ASSB:
«O presente regime [Regime ASSB] cria um adicional de solidariedade sobre o setor bancário e determina as condições da sua aplicação» (n.º 1) [“criação do Regime ASSB”].
«O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores» (n.º 2) [“objetivo do Regime ASSB”].
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Para o que ora releva, dispõe o artigo 2.º do Regime ASSB serem «[…] sujeitos passivos do adicional de solidariedade sobre o setor bancário: as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português […]» (n.º 1, alínea a)) [“incidência subjetiva do ASSB”].
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Preceitua, por seu turno, o artigo 3.º do Regime ASSB incidir o tributo em causa sobre «o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro» (alínea a)) e, bem assim, sobre «o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos» (alínea b)) [“incidência objetiva do ASSB”].
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Ademais, refere o artigo 9.º do Regime ASSB constituir o ASSB «receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social» [“afetação da receita do ASSB”].
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Atento o seu regime – grosso modo, os seus sujeitos passivos e a impossibilidade de aplicação do artigo 4.º, n.os 2 e 3, da LGT (ante, designadamente, a ausência de qualquer comutatividade) –, entende o Tribunal Arbitral ser o ASSB um imposto especial (i.e., incidente apenas sobre o setor bancário) de receita consignada [i.e., expressamente afeta (por imposição legal) ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social], matéria relativamente à qual as partes não dissentem – cfr. artigos 35.º, 39.º e 40.º do pedido de pronúncia arbitral e, bem assim, artigos 110.º, 116.º e 169.º da resposta da Entidade Requerida.
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Em conformidade pronuncia-se Filipe de Vasconcelos Fernandes:
«O ASSB é um verdadeiro imposto especial sobre o setor bancário […]. [Porém,] [a] necessária recondução ao regime constitucional dos impostos, como resultado daqueles que são os efetivos caracteres do ASSB, suscita um problema incontornável: o facto de, à luz do referido regime constitucional, o tributo agora criado não ser adequado a qualquer um dos índices ou indicadores de capacidade contributiva [rendimento, consumo e património] que, em qualquer imposto, acaba por ser onerado. Trata-se, por isso, de um imposto de base real, na medida em que incide sobre uma matéria coletável objetivamente determinada, com total abstração daquela que é a concreta situação económica dos respetivos sujeitos passivos […].
Um dos aspetos mais proeminentes do regime que consagra o ASSB diz respeito ao facto de, enquanto imposto, ter dimensão especial ou setorial, na medida em que apenas se projeta sobre um específico setor de atividade e, bem assim, sobre as entidades que nele se integram.
Efetivamente, está em causa um tributo com a natureza de imposto que incide exclusivamente sobre entidades que integram o setor bancário, por oposição ao que sucederia num imposto de base geral, que incidisse sobre todos ou uma grande parte dos contribuintes, independentemente do setor de atividade a que pertencem ou no qual de alguma forma se integram» [sublinhados nossos] – cfr. Fernandes, Filipe de Vasconcelos, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário – Regime Financeiro, Fiscal & Constitucional, AAFDL Editora, setembro 2020, pp. 97, 110 e 122.
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No que concerne às normas ínsitas nos artigos 1.º, n.º 2, 2, e 3.º, alínea a), do Regime ASSB, respetivamente relativas ao “objetivo do ASSB” e às suas “incidências subjetiva e objetiva”, o Tribunal Constitucional teve oportunidade de recentemente se pronunciar sobre a sua (des)conformidade à Lei Fundamental. Fê-lo, por exemplo, nos Acórdãos n.os 469/24, de 19 de junho de 2024 (processo n.º 405/23), 737/24, de 22 de outubro de 2024 (processo n.º 509/24), e 192/25, de 25 de fevereiro de 2025 (processo n.º 508/24), em sede dos quais julgou inconstitucional, com fundamento na violação do princípio da igualdade tributária, o regime que subjaz aos referidos preceitos legais. Assentou o seu sentido decisório nos seguintes fundamentos:
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Quanto à preterição do (sub)princípio da proibição do arbítrio:
«A criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado […].
Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.
Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando […].
Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária» [sublinhados nossos] – cfr., por todos, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/24, de 19 de junho de 2024, exarado no âmbito do processo n.º 405/23.
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Quanto à preterição do (sub)princípio da capacidade contributiva:
«[O artigo 3.º, alínea a), do Regime ASSB] trata-se de [uma] norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra […] uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. [Assim sendo,] a possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto […].
[No] caso do ASSB não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo […] que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam. Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva» [sublinhado nosso] – cfr., por todos, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/24, de 19 de junho de 2024, exarado no âmbito do processo n.º 405/23.
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Em traços gerais, no que à violação do princípio da igualdade respeita, Filipe de Vasconcelos Fernandes sustenta:
«Ora, a ausência de uma justificação objetiva para a exclusiva imputação desta responsabilidade de financiamento aos sujeitos passivos do ASSB – sobretudo, estando em causa um tributo que, por oposição à CSB, não tem subjacente qualquer tipo de responsabilidade pelo risco, mas tão só a necessidade de gerar uma fonte de receita adicional para o FEFSS – suscita, e de forma bem patente, um potencial muito considerável de frustração do princípio da igualdade» – cfr. Fernandes, Filipe de Vasconcelos, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário – Regime Financeiro, Fiscal & Constitucional, AAFDL Editora, setembro 2020, p. 126.
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Adicionalmente, no que à preterição do (sub)princípio da capacidade contributiva concerne, o mesmo Autor enfatiza:
«[A]o mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos […]. [E]m relação aos sujeitos passivos […] não exist[e] qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação […]» – cfr. Fernandes, Filipe de Vasconcelos, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário – Regime Financeiro, Fiscal & Constitucional, AAFDL Editora, setembro 2020, pp. 111 e 112.
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Considera assim o Tribunal Arbitral (em consonância com a posição manifestada pela Requerente e ao arrepio do entendimento perfilhado pela Entidade Requerida) que os juízos de censura jurídico-constitucionais preconizados nos arestos supra – igualmente refletidos no excurso doutrinário acima mencionado – são inteiramente de acolher no âmbito dos presentes autos, os quais, tão só com o intuito de se evitar desnecessária prolixidade, não se transcreveram na íntegra, mas consideram-se reproduzidos na presente sede.
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Perante o exposto, prefiguram-se razões suficientemente atendíveis para fundar um juízo de inconstitucionalidade sobre as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime ASSB: o normativo em referência faz claudicar, violando, o princípio da igualdade tributária – em concreto, os seus (sub)princípios da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva.
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Em idêntico sentido pronuncia-se a jurisprudência arbitral. A título de exemplo, vide as recentes decisões arbitrais de 7 de fevereiro de 2025, 15 de janeiro de 2025, 13 e 12 de dezembro de 2024, respetivamente proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.os 720/2024-T, 1015/2024-T, 752/2024-T e 843/2024-T.
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Em consequência, a inconstitucionalidade em apreço inquina de ilegalidade os atos tributário (liquidação do ASSB, de 19 de junho de 2024, referente ao ano de 2024, no montante total de 10.548,79 EUR) e em matéria tributária (decisão de indeferimento da reclamação graciosa de 18 de setembro de 2024) objeto dos presentes autos, sendo por isso anuláveis nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
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O Tribunal Arbitral não tomará conhecimento das demais questões aventadas pela Requerente – designadamente, a questão atinente à preterição do princípio da proporcionalidade – por considerar ter o seu conhecimento ficado prejudicado pela solução jurídica, entretanto, adotada (cfr. artigos 124.º do CPPT e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT).
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Em face da patologia subjacente à prática dos atos objeto dos presentes autos – assente, reitere-se, na inconstitucionalidade do Regime ASSB [por força da preterição do princípio da igualdade tributária (em concreto, dos (sub)princípios da proibição do arbítrio e da capacidade contributiva)] –, não assiste à Requerente o direito à perceção de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, por o requisito atinente à comissão de «erro imputável aos serviços» não estar preenchido.
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Neste contexto, parafraseando a jurisprudência dos tribunais superiores, dir-se-á que «no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso […]. [Pelo que,] a Administração Tributária não poderia ter decidido de modo diferente a reclamação graciosa […], quer porque não lhe assiste o direito a recusar a aplicação de norma que, no seu entender, poderia ser inconstitucional, quer porque não lhe é permitido formular um juízo sobre essa constitucionalidade. Assim, se o contribuinte no cumprimento duma norma legal procede a uma liquidação que a lei lhe impõe e essa norma vem posteriormente a ser declarada inconstitucional, todos os efeitos decorrentes de uma aplicação viciada, apesar de serem obrigatoriamente anulados, o certo é que tal anulação não decorre de qualquer conduta da Administração Tributária nem de erro por si praticado que se refletiria na esfera da Administração Tributária. E não podendo a errada consideração (no apuramento do imposto a pagar) de uma norma posteriormente julgada inconstitucional, ser atribuída a ilegal conduta da Administração Tributária, também não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios pedidos ao abrigo do art.º 43 [n.º 1] da LGT por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável aos serviços» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0471/14, de 22 de março de 2017.
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Não obstante, considera o Tribunal Arbitral ter a Requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT («São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade […] da norma legislativa […] em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução»).
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Com efeito, e igualmente aderindo à jurisprudência dos tribunais superiores, importa referir o seguinte:
«[A]pós a entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, a questão (controversa) de saber se a anulação da liquidação, baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele ato tributário, confere à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, ficou legislativamente resolvida.
E sendo esse o circunstancialismo que no caso se verifica, já que subjacente ao julgamento de ilegalidade esteve o afastamento do regime julgado constitucionalmente desconforme pelo Tribunal a quo, carece de sentido invocar, no sentido de ser denegado o direito a juros indemnizatórios […], a inexistência de acórdão julgando as normas em apreço inconstitucionais com força obrigatória geral […].
É verdade que a interpretação ou densificação da expressão “decisões judiciais de inconstitucionalidade […] anteriores à sua entrada em vigor” não tem obtido resposta uniforme por parte dos nossos Tribunais Superiores, havendo arestos em que a mesma foi interpretada e aplicada como reportando-se exclusivamente ao juízo de inconstitucionalidade realizado pelo Tribunal Constitucional e outros que a interpretaram e aplicaram como abrangendo todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo é feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do artigo 204.º da CRP.
Sendo, para nós, suficiente, para que haja reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios previsto na norma e diploma legais citados, que haja um julgamento de desaplicação da norma com fundamento na sua inconstitucionalidade proferido por um Tribunal Tributário no exercício da competência de fiscalização de constitucionalidade das normas, reconhecido no sistema constitucional português a todos os Tribunais (judiciais, administrativos e fiscais (artigos 204.º e 277.º da CRP) […].
Aliás, mesmo que entendêssemos que o reconhecimento a juros indemnizatórios com base no regime consagrado no artigo 43.º, n.º 3, al. d), da LGT pressupunha, no mínimo, uma pronúncia do Tribunal Constitucional, a sentença sempre seria mantida, nos seus exatos termos, na ordem jurídica, uma vez que, importa recordar, é jurisprudência firme desta Secção e Tribunal que aquele reconhecimento se basta com uma pronúncia de inconstitucionalidade das mesmas normas em casos semelhantes, isto é, que não é necessário, nem um julgamento do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral nem uma pronúncia no caso concreto (vide, neste sentido, designadamente, os acórdãos proferidos nos processos n.º 107/17.5BEFUN, de 21-2-2022; 845/17.2BELRS, de 10-4-2024 e 697/14.4BELRS, de 11-7-2024 […]» [sublinhados nossos] – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01527/16.8BELRS, de 12 de fevereiro de 2025.
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Sendo certo não depender o direito em apreço de pedido expressamente deduzido pela Requerente em conformidade (in casu, de pedido de condenação da Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT), incumbindo ao Tribunal Arbitral, na sequência da formulação de um juízo de inconstitucionalidade sobre normas (cfr. jurisprudência supra), aplicar ex officio o referido regime ressarcitório.
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Neste contexto, atente-se, uma vez mais, na jurisprudência dos tribunais superiores:
«[Os] juros indemnizatórios destinam-se a compensar os contribuintes pelo prejuízo provocado pela privação indevida de meios financeiros […], sendo que o direito aos mesmos nasce na esfera jurídica do contribuinte independentemente da formulação de qualquer pedido a exigi-los, bastando para a sua atribuição que estejam reunidos os respetivos pressupostos, conforme se extrai da leitura do aludido artigo 100.º da LGT (vide, neste sentido, acórdão do STA, de 03.05.2018, processo n.º 0250/17)» [sublinhado nosso] – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 572/19.6BELRS, de 6 de fevereiro de 2025.
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Em consequência, por força do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Arbitral no âmbito dos presentes autos, a Requerente tem direito à perceção de juros indemnizatórios sobre o montante de 10.548,79 EUR, computados desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT.
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Decisão
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Por tudo quanto se expôs, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, declarando-se inconstitucional, com fundamento na violação do princípio da igualdade tributária, o regime ínsito nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime ASSB e, concomitantemente, ilegal a liquidação do ASSB de 19 de junho de 2024, respeitante ao ano de 2024, no montante total de 10.548,79 EUR (dez mil, quinhentos e quarenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), anulando-se, por via disso, o aludido ato tributário, assim como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos do artigo 163.º do CPA, e condenando-se a Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre a referida quantia (10.548,79 EUR), computados desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT.
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Valor da causa
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Nos termos dos artigos 306.º, n.os 1 e 2, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“Regulamento de Custas”), fixa-se o valor do processo (da causa) em 10.548,79 EUR (dez mil, quinhentos e quarenta e oito euros e setenta e nove cêntimos).
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Custas arbitrais
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Condena-se a Entidade Requerida nas custas do processo, as quais perfazem 918 EUR (novecentos e dezoito euros), em consonância com os artigos 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT), 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAMT e, bem assim, com os artigos 3.º, n.º 1, e 4.º, n.os 1 e 5, do Regulamento de Custas e Tabela I anexa a este.
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Notificação do Ministério Público
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Para efeitos do recurso previsto no artigo 72.º, n.º 3, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, notifique-se o representante do Ministério Público junto do tribunal competente, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAMT.
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Lisboa, 17 de março de 2025
A Árbitra
Sónia Fernandes Martins
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