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SUMÁRIO:
O pedido de impugnação (arbitral ou judicial – estando os mesmos em posição de igualdade) nada mais é do que um ato de natureza jurisdicional que implica a submissão de um pedido para obtenção de decisões sobre questões jurídicas relativas a casos concretos de acordo com as normas de direito pré-existentes. E como tal, o referido prazo de propositura nunca poderia ser contado ao abrigo do n.º 1 do artigo 3.º-A do RJAT, mas sim ao abrigo do n.º 2, que remete para o Código de Processo Civil, sendo por isso contínuo. Assim sendo esse prazo de propositura da ação já teria terminado em 27-09-2024, ficando esgotado o direito de ação nessa data para a Requerente.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Tomás Castro Tavares e
Alberto Amorim Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., titular do NIPC..., com sede em ..., ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro), apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL sobre o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 29.02.2024– cfr. Documento n.º 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido –, bem como sobre os atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário de fevereiro a dezembro do ano 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 e 2022.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 29 de outubro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 17 de dezembro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 8 de janeiro de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 10 de fevereiro de 2025.
Por despacho de 23 de fevereiro de 2025, o TAC proferiu o seguinte despacho:
“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.
2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.
3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação.
5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
A Requerente respondeu às exceções.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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A aqui Requerente é uma empresa pública intermunicipal cujo objeto social corresponde, entre outros, a “Recolha, transporte, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos, produzidos na área dos Municípios, associados na “B...”– cfr. Documento n.º 1 parte A adiante junto.
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Para o exercício da sua atividade, a Requerente adquiriu 31 (trinta e uma) viaturas/equipamentos – cfr. Documento n.º 1 parte B adiante junto.
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No ano de 2020, entre os meses de fevereiro a dezembro, a Requerente abasteceu, nas suas viaturas, 243.491,00 Litros de gasóleo e 1.905,37 Litros de gasolina – cfr. Documento n.º 1 parte C adiante junto.
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Já no ano de 2021, a Requerente logrou abastecer, nas suas viaturas, 267.553,00 Litros de gasóleo e 1.731,48 Litros de gasolina – cfr. Documento n.º 1 parte D adiante junto.
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Por fim, no ano de 2022, a Requerente abasteceu, nas suas viaturas, 285.800,00 Litros de gasóleo e 1.957,56 Litros de gasolina– cfr. Documento n.º 1 parte E adiante junto
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Pois bem, conforme se avançou supra, em 2007, por via da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, foi criada a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), a qual incidia sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto.
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Assim, o valor da CSR correspondia, entre o período de 2019 a 2022, a 87,00€ (oitenta e sete euros) por cada 1.000 litros de gasolina, a 111,00€ (cento e onze euros) para cada 1.000 litros de gasóleo rodoviário e de 123,00€ (cento e vinte três euros) para cada 1.000Kg para o GPL auto.
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Em bom rigor, ao consumidor final e a título de CSR, 0,111€ (cento e onze cêntimos) por cada litro de gasóleo, 0,087€ por cada litro de gasolina e 0,123 por cada quilograma de GPL auto.
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Neste sentido, no que concerne com o ano de 2020, a Requerente suportou, com a mencionada contribuição, a quantia global de 27.193,28 € (vinte sete mil cento e noventa e três euros e vinte e oito cêntimos), como decorre do quadro infra:
- Cfr. Documento n.º 1 parte C já junto.
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No ano de 2021, a Requerente despendeu 29.849,01 € (vinte e nove mil oitocentos e quarenta e nove euros e um cêntimo) a título de CSR, conforme bem se constata do quadro infra:
- Cfr. Documento n.º 1 parte D já junto.
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Por fim, no ano de 2022, a Requerente teve um custo de 31.893,90 € (trinta e um mil oitocentos e noventa e três euros e noventa cêntimos) com a CSR, como bem decorre do quadro infra:
- Cfr. Documento n.º 1 parte E já junto.
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Isto porque, não obstante a CSR ser suportada, em primeira linha, pelo sujeito passivo, certo é que a mesma era repercutida no consumidor final, em bom rigor, competia aos utilizadores da rede rodoviária nacional arcar com os custos de tal contribuição,
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E, nessa medida, foi a Requerente forçada a suportar, nos mencionados períodos, o valor global de 88.936,19€ (oitenta e oito mil novecentos e trinta e seis euros e dezanove cêntimos) a título de CSR, o qual vinha já incluído no valor no produto petrolífero e, como tal, o apuramento de tal contribuição sempre teria que ser efetuado com referência à fórmula legal imposta ao sujeito passivo.
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Conforme se demonstrará infra e, aliás, já foi reconhecido pelas diversas instâncias nacionais e internacionais, a presente contribuição configura um verdadeiro imposto, o qual afronta, sobremaneira, o Direito da União Europeia e, nessa medida, os atos de liquidação da CSR que originaram que a Requerente tenha de suportar tal imposto devem ser revistos, na respetiva proporção, uma vez que padecem de manifesto erro imputável aos serviços.
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Note-se que a Requerente já apresentou um pedido de revisão oficiosa, junto do Serviço de Finanças de..., a 29.02.2024, por via do qual explicitou tudo quanto se expôs.
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Por conseguinte, peticionou a Requerente que fossem revistos os atos de liquidação da CSR de fevereiro a dezembro de 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 e 2022, e que, em consequência, fosse restituído o valor de 88.936,19€ (oitenta e oito mil novecentos e trinta e seis euros e dezanove cêntimos) indevidamente suportado.
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Porquanto, optou a Administração por fazer “tábua rasa” de toda a argumentação expendida pela Requerente, não tendo, até ao momento, sido proferida qualquer resposta.
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Pelos motivos supra aflorados e que infra serão objeto da devida densificação, não pode a Requerente conformar-se com tal desfecho, atentas todas as ilegalidades de que se encontra eivada a situação em crise, motivo pelo qual lança mão do presente pedido de pronúncia.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
I – Por Exceção
Da caducidade do direito de ação
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Não obstante o que adiante se dirá quanto à verificação de outras exceções, e bem assim, quanto à questão da caducidade importa, desde já, invocar que o presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente.
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O pedido de pronúncia arbitral surge na sequência da presunção do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto dos serviços da AT.
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E tal pedido de revisão, dirigido ao Chefe de Finanças de ..., foi remetido à AT por correio eletrónico pela ora Requerente, em 29-02-2024, conforme resulta do Processo Administrativo (PA- Pedido de Revisão Oficiosa) e artigo 10.º do Pedido de Pronúncia Arbitral.
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Ora, o prazo para decisão do procedimento de revisão oficiosa, na sequência do pedido é de quatro meses, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 57.º da LGT, partir dos quais a Requerente poderia presumir o indeferimento tácito da revisão oficiosa para efeitos de impugnação contenciosa, de acordo com o n.º 5 do artigo 57.º da LGT, e artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
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E considerando que o pedido de pronúncia arbitral só veio a ser apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 28-10-2024, o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, assim, a exceção de caducidade do direito de ação, que se invoca.
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É que, sendo de 90 dias o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal, contados a partir da formação do indeferimento tácito, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, tendo terminado em 27-09-2024, o mesmo encontrava-se já esgotado em 28-10-2024, na data da interposição da presente ação arbitral.
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Efetivamente, face à omissão, no Regime da Arbitragem Tributária, de norma que disponha sobre as regras de contagem dos prazos, haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime, designadamente nos termos da alínea a) do mesmo preceito, às normas do código de procedimento e de processo tributário aplicáveis à interposição de impugnação judicial, uma vez que a arbitragem tributária constitui um meio processual de natureza alternativa em relação à impugnação judicial (veja-se nesse sentido o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 210/2011, que aprovou o Regime, bem como o n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a instituir a arbitragem tributária).
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Dispondo o artigo 20.º, no n.º 1, do CPPT, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil.
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Deste modo, sendo o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral - prazo de propositura da ação - contínuo, que não sofre qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais, o que é corroborado pela doutrina e pela jurisprudência do CAAD, designadamente pelo vertido nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 35/2012-T, 9/2014-T e 845/2014-T, 165/2020-T, 316/2020-T, 419/2020-T, e 768/2020-T.
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Assim, tendo, no presente caso, o prazo de propositura da ação terminado em 27-09-2024, e tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral sido apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 28-10-2024, conclui-se que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, pois, a exceção de caducidade do direito de ação, exceção perentória que determina a absolvição do pedido (cf. 576.º, n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Civil), o que se invoca.
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Destarte, face ao invocado, constituindo a intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, uma exceção perentória que, nos termos dos artigos 576.º, n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil, impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente, extinguindo o direito do que se arroga, há lugar à absolvição total do pedido (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
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A Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2.º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”
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Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
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Sendo que, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações.
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Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
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E a este propósito veja-se o artigo 4.º da Lei Geral Tributária (LGT) onde o legislador não só definiu no n.º 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no n.º 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.
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Daqui resulta que existem tributos aos quais, não obstante terem outra designação, o legislador veio atribuir a qualidade de imposto.
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Assim, se o legislador pretendesse atribuir, também, essa qualidade à CSR, tê-la-ia, expressamente, enquadrado naquela definição, o que não fez.
Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
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Nos presentes autos, vem a Requerente peticionar que sejam declarados ilegais os atos de liquidação ISP/CSR relativos a aquisições de combustível efetuadas entre fevereiro a dezembro de 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 e 2022, determinando-se, o reembolso de todas as quantias alegadamente suportadas pela Requerente a esse título de CSR.
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Alegando, assim, ter sido a Requerente a suportar o valor da CSR.
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Ora, desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
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E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo, como já referido supra na presente resposta.
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Pelo que, é a estes, enquanto sujeitos passivos, que são emitidas as respetivas liquidações de ISP/CSR, e apenas estes podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (cfr. artigos 15.º e 16.º do CIEC).
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Estas disposições legais fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
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Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
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À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, que tem por base as declarações de introdução no consumo, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária.
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Assim, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (in “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).
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Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
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O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.
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Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
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E, nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a), do n.º 2, do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
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Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
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O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.
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Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto (IEC).
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Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
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Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o IEC, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro.
Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto
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A ineptidão da petição inicial ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
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O presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
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Efetivamente, conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT:
“O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;
b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; (…)”.
A identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
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Uma vez que, sendo aceite o pedido sem a identificação dos atos tributários cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada, não pode a Requerida exercer em toda a plenitude o contraditório nem pode o douto tribunal apreciar o pedido.
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Ora, no caso sub judice, analisado, quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário.
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A Requerente limita-se a mencionar faturas de aquisição de combustíveis, sem, no entanto, identificar quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela AT, nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto.
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E sem que, de quaisquer documentos juntos aos autos pela Requerente, constem quaisquer elementos dos alegados “atos de repercussão da CSR”.
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Pelo exposto, salvo douto e melhor entendimento, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto.
Da ineptidão do pedido arbitral – Da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir
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A Requerente formula como pedido “a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e dos atos de liquidação da CSR de fevereiro a dezembro de 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 e 2022, liquidados pelo sujeito passivo, na parte em que foi repercutido ao consumidor final”, bem como o reembolso o valor de 88.936,19 €.
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Apresentando como causa de pedir, para efeitos de reembolso do que foi pago, a repercussão de um
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tributo alegadamente inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da União.
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Assim, a Requerente formula um pedido de declaração de ilegalidade de liquidações que não identifica através da mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas (que não existe), e fá-lo, com assento na ideia errada de que vigora para a CSR um regime de repercussão legal e de que, a referida repercussão (que como já se viu é meramente económica) possa ser presumida.
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Apresentando depois como causa de pedir a desconformidade da CSR ao Direito da União.
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Contudo, não podemos inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões.
II – Por Impugnação
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Alega a Requerente ter suportado no período de fevereiro a dezembro de 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 e 2022, um montante global de 88.936,19 €, liquidado a título de CSR.
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Porém, como adiante se deixará patente, o confronto entre o alegado pela Requerente com as faturas que juntou com o PPA e o pedido de revisão oficiosa, impõe a conclusão de que não pode proceder a afirmação de que tenha pago e suportado o pagamento da CSR por repercussão.
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Do Documento 1, e suas partes, junto com o PPA, constam um conjunto de faturas que as fornecedoras emitiram em nome da Requerente, respeitantes à aquisição de combustível, no período compreendido entre fevereiro a dezembro de 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 e 2022.
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Analisadas que foram as faturas, é de concluir que estas são apenas idóneas para provar a celebração das aludidas transações.
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Verificando-se que, das faturas apresentadas (muitas delas ilegíveis) consta a referência expressa ao IVA, o que se comprova através do sistema e-fatura e fatura SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuada, não existindo, nessa sede, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
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Não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, as Declarações de Introdução no Consumo (DIC/e-DIC), os respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC), com identificação das liquidações, ou as Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) e registos de liquidação.
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Circunstância que é regular, atento o facto de este se caracterizar enquanto um imposto sujeito a repercussão legal, conforme regime inserto no artigo 37.º do Código do IVA.
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Além disso, impõe-se que atentemos à circunstância de haver faturas que contêm parcelas sob a designação “Descontos” as quais carecem, em absoluto, do descritivo da respetiva natureza, incidência e conteúdo.
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Até porque, os operadores que podem ter assumido a qualidade de sujeitos passivos, têm vindo igualmente a suscitar a questão da legalidade das liquidações de CSR, com referência ao mesmo período, juntando em apoio da sua pretensão as DIC, DUC e prova do pagamento do ISP/CSR.
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E o mesmo se diga, no geral, quanto às tabelas constantes dos artigos 43º, 44º e 45º do PPA e dos mesmos documentos, porquanto consubstanciam tão-só meras tabelas descontextualizadas, não se podendo comprovar de que sistema e meio/aparelho informático foram extraídos/retirados, nem a veracidade dos dados que delas constam, não existindo qualquer identificação das liquidações a montante e dos montantes alegadamente repercutidos a jusante, não podendo ser consideradas como prova bastante, quer para efeitos de identificação das liquidações, quer para comprovar o montante que a Requerente alega ter suportado a título de CSR.
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E, relativamente ao montante alegadamente suportado a título de CSR, num total de 88.936,19 €, cumpre, ainda, impugná-lo por outra razão.
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Apesar de nada ser referido pela Requerente no âmbito do seu pedido arbitral, depreende-se que esta se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos a taxa de CSR que se encontrava em vigor à data das transações, tal como definidas em Portaria.
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Porém, a Requerente lavra em equívoco, dado que, tal como já indicado, se encontra determinado pelo artigo 91.º do CIEC que a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15º C.
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Nesta circunstância, não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto designamos por temperatura observada (TO), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C.
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Pelo que é impossível na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber, a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
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Aqui chegados, é constatar que não é oferecida, pela Requerente, prova suficiente, perante o que apenas se pode concluir que não logra a Requerente fazer prova do que afirma, designadamente sobre o alegado facto de suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que os sujeitos passivos alegadamente repercutiram nas respetivas faturas.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, no entanto terão de ser apreciadas as exceções invocadas pela Requerida.
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Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
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A aqui Requerente é uma empresa pública intermunicipal cujo objeto social corresponde, entre outros, a “Recolha, transporte, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos, produzidos na área dos Municípios, associados na “B...”– cfr. Documento n.º 1 parte A adiante junto.
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Para o exercício da sua atividade, a Requerente adquiriu 31 (trinta e uma) viaturas/equipamentos – cfr. Documento n.º 1 parte B adiante junto.
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No ano de 2020, entre os meses de fevereiro a dezembro, a Requerente abasteceu, nas suas viaturas, 243.491,00 Litros de gasóleo e 1.905,37 Litros de gasolina – cfr. Documento n.º 1 parte C adiante junto.
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Já no ano de 2021, a Requerente logrou abastecer, nas suas viaturas, 267.553,00 Litros de gasóleo e 1.731,48 Litros de gasolina – cfr. Documento n.º 1 parte D adiante junto.
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Por fim, no ano de 2022, a Requerente abasteceu, nas suas viaturas, 285.800,00 Litros de gasóleo e 1.957,56 Litros de gasolina– cfr. Documento n.º 1 parte E adiante junto.
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A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, junto do Serviço de Finanças de ..., a 29.02.2024, por via do qual explicitou tudo quanto se expôs.
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Por conseguinte, peticionou a Requerente que fossem revistos os atos de liquidação da CSR de fevereiro a dezembro de 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 e 2022, e que, em consequência, fosse restituído o valor de 88.936,19€ (oitenta e oito mil novecentos e trinta e seis euros e dezanove cêntimos) indevidamente suportado.
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Não foi, até ao momento, proferida qualquer resposta.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.
A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.
IV.2.A. EXCEÇÕES
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Da caducidade do direito de ação
Invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando o seguinte:
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O pedido de pronúncia arbitral surge na sequência da presunção do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto dos serviços da AT.
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E tal pedido de revisão, dirigido ao Chefe de Finanças de..., foi remetido à AT por correio eletrónico pela ora Requerente, em 29-02-2024, conforme resulta do Processo Administrativo (PA- Pedido de Revisão Oficiosa) e artigo 10.º do Pedido de Pronúncia Arbitral.
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Ora, o prazo para decisão do procedimento de revisão oficiosa, na sequência do pedido é de quatro meses, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 57.º da LGT, partir dos quais a Requerente poderia presumir o indeferimento tácito da revisão oficiosa para efeitos de impugnação contenciosa, de acordo com o n.º 5 do artigo 57.º da LGT, e artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
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E considerando que o pedido de pronúncia arbitral só veio a ser apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 28-10-2024, o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, assim, a exceção de caducidade do direito de ação, que se invoca.
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É que, sendo de 90 dias o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal, contados a partir da formação do indeferimento tácito, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, tendo terminado em 27-09-2024, o mesmo encontrava-se já esgotado em 28-10-2024, na data da interposição da presente ação arbitral.
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Efetivamente, face à omissão, no Regime da Arbitragem Tributária, de norma que disponha sobre as regras de contagem dos prazos, haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime, designadamente nos termos da alínea a) do mesmo preceito, às normas do código de procedimento e de processo tributário aplicáveis à interposição de impugnação judicial, uma vez que a arbitragem tributária constitui um meio processual de natureza alternativa em relação à impugnação judicial (veja-se nesse sentido o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 210/2011, que aprovou o Regime, bem como o n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a instituir a arbitragem tributária).
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Dispondo o artigo 20.º, no n.º 1, do CPPT, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil.
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Assim, tendo, no presente caso, o prazo de propositura da ação terminado em 27-09-2024, e tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral sido apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 28-10-2024, conclui-se que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, pois, a exceção de caducidade do direito de ação, exceção perentória que determina a absolvição do pedido (cf. 576.º, n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Civil), o que se invoca.
Em sede de resposta às exceções a Requerente invoca o seguinte:
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Em primeiro lugar, veio a Requerida alegar que se torna impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações, porquanto entende que a Requerente identificar qualquer ato tributário.
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Desde já se diga, neste primeiro ponto, que, como já se referiu acima, não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem a direta responsável pela sua liquidação, mas apenas as entidades que suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo antes sobre a Requerida que impede o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação do imposto.
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Motivo pelo qual, deve desde já improceder a alegada falta d identificação dos atos de liquidação pretendidos.
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Em segundo lugar, conforme se aludiu no Pedido inicial e para o qual se remete integralmente (cfr. artigos 67.º a 71.º), a Requerente dispunha do prazo de QUATRO ANOS contados da liquidação para efetuar o pedido de revisão oficiosa do ato tributário.
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Nestes termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços da Requerida e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 29 de fevereiro de 2024, que se reportava aos atos de liquidação da CSR de fevereiro a dezembro do ano de 2020 e de janeiro a dezembro dos anos de 2021 a 2022,
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No momento de apresentação do pedido de revisão oficiosa, não tinham decorrido ainda os quatro anos a que se refere o artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
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Sendo certo que, a Requerida dispunha de quatro meses para decidir do pedido de revisão oficiosa (cfr. o artigo 57.º, n.º 1 da LGT), isto é, até ao dia 29 de junho de 2024.
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Em terceiro lugar, tendo sido apresentado o pedido arbitral em 28 de outubro de 2024, entende-se que o mesmo foi tempestivamente apresentado, por estar dentro do prazo de 90 dias após o decurso do prazo para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, nos seguintes termos:
“O prazo de dedução do pedido de pronúncia arbitral, conta-se, nos termos do art. 3º-A do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT,) de acordo com o art. 67º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), de acordo com o qual os prazos de duração inferior a seis meses se suspendem nos sábados, domingos e feriados. Resulta da alínea a) do nº 1 do art. 29º do RJAT que o nº3 do art. 57º da Lei Geral Tributária (LGT) e o nº 1 do art. 20º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) só seriam aplicáveis à contagem desse prazo, em caso de lacuna do RJAT, no caso, inexistente, motivo pelo qual o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado tempestivo.”
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Devendo, por tudo quanto exposto, improceder a invocada exceção de caducidade do direito de ação.
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O que expressamente se requer.
Quanto aos primeiro e segundo argumentos concordamos com a Requerente.
Ora, o prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.
Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.
Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:
“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.
Vamos por partes.
No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.
O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.
Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).
Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário.
No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.
Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.
Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.
Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.
Quanto a esta parte improcede, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.
Sucede, porém, que, no entender da Requerida, mesmo aceitando a revisão, que o prazo de propositura da ação terminado em 27-09-2024, e tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral sido apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 28-10-2024, conclui-se que o mesmo é manifestamente extemporâneo.
Na verdade, o pedido revisão, dirigido ao Chefe de Finanças de..., foi remetido à AT por correio eletrónico pela ora Requerente, em 29-02-2024, conforme resulta do Processo Administrativo (PA- Pedido de Revisão Oficiosa) e artigo 10.º do Pedido de Pronúncia Arbitral.
Ora, o prazo para decisão do procedimento de revisão oficiosa, na sequência do pedido é de quatro meses, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 57.º da LGT, partir dos quais a Requerente poderia presumir o indeferimento tácito da revisão oficiosa para efeitos de impugnação contenciosa, de acordo com o n.º 5 do artigo 57.º da LGT, e artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sendo que esse prazo de propositura da ação já teria terminado em 27-09-2024.
A Requerente sustenta este entendimento tendo por base uma decisão proferida por este Centro no processo n.º 578/2021-T, proferida em 02.02.2022[2], na qual refere que o prazo de propositura da ação não é corrido, mas contado em dias úteis, pelo que entende que o mesmo foi tempestivamente apresentado, por estar dentro do prazo de 90 dias após o decurso do prazo para a apreciação do pedido de revisão oficiosa.
Para além de ser jurisprudência isolada, não podemos concordar de todo com a mesma.
Senão vejamos.
Consta da referida decisão no processo 578/2021-T, que o prazo da propositura da ação deve ser contado em dias úteis e não corridos por estarem verificados os seguintes argumentos:
“Nos termos do art. 3º-A do RJAT, igualmente aditado pelo art. 229º do RJAT, no procedimento arbitral, os prazos contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações, e não pelo CPPT ou pela LGT.
Apenas segundo o nº 2 desse art. , o prazos para a prática de atos no processo arbitral , como os que podem ser considerados abrangidos pela alínea a) do nº 1 do RJAT, se contam nos termos do CPC.
Nos termos do art. 67º do CPA, aprovado pelo art. 1º do DL nº 4/2015, de 7/1, os prazos procedimentais previstos nesse Código começam a correr independentemente de quaisquer formalidades, não se inclui na contagem o dia do evento a partir do qual o prazo começa a correr, os prazos fixados suspendem-se nos sábados, domingos e feriados, na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses transfere-se para o primeiro dia útil seguinte e o termo do prazo que coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público ou não funcione durante o período norma transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
O art. 3º- A do RJAT, conjugado com o art. 67º do CPA, prejudica a aplicação do nº 3 do art. 57º e do nº 1 do art. 20º do CPPT, com os quais é incompatível.
O pedido de pronúncia arbitral não é, por outro lado, um ato praticado em juízo. A secretaria do CAAD não é a secretaria de um tribunal judicial, administrativo ou fiscal, motivo pelo qual se lhes não aplicam o nº 1 do art. 20º do CPPT ou o nº 2 do art. 58º do CPTA.O facto de o termo do prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral ocorrer durante férias judiciais não tem qualquer relevo para a sua contagem.”
Na verdade, entendemos, pelo contrário, que o prazo é contínuo e que, aplicando o artigo 3.º-A do RJAT, o prazo para propositura da ação é um ato de natureza jurisdicional e nunca um ato de secretaria.
Veja-se, a este propósito, que o Acórdão 171/92, o Tribunal Constitucional formulou um conceito de ato jurisdicional: «Atos jurisdicionais são aqueles que, praticados por órgãos estaduais, visam decidir questões jurídicas relativas a casos concretos de acordo com as normas de direito pré-existentes (logo tendo como fim a realização do direito e da justiça), através de um processo intelectual subordinado àquelas normas, sendo que na postura da função jurisdicional se não pode incluir a realização de um interesse público geral ou coletivo diferente do da composição de conflitos.»
E o pedido de impugnação (arbitral ou judicial – estando os mesmos em posição de igualdade) nada mais é do que um ato de natureza jurisdicional – a submissão de um pedido para obtenção de decisões sobre questões jurídicas relativas a casos concretos de acordo com as normas de direito pré-existentes. E como tal, o referido prazo de propositura nunca poderia ser contado ao abrigo do n.º 1 do artigo 3.º-A do RJAT, mas sim ao abrigo do n.º 2, que remete para o CPC, sendo por isso contínuo. Assim sendo esse prazo de propositura da ação já teria terminado em 27-09-2024, ficando esgotado o direito de ação nessa data para a Requerente.
Sendo assim, nesta parte procede a exceção de caducidade do direito de ação, com a consequente absolvição da Requerida da instância, com as legais consequências e ficando todos os outros temas suscitados pela Requerente prejudicados.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida;
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Absolver a Requerida da instância;
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Condenar a Requerente ao pagamento das custas.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 88.936,19, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.754,00, a pagar pela Requerente, uma vez que houve absolvição da instância da Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de março de 2025
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Tomás Castro Tavares)
(Alberto Amorim Pereira)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
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