Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1069/2024-T
Data da decisão: 2025-03-31  IRC IRS  
Valor do pedido: € 168.064,02
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos fiscais.
IRS – retenção na fonte.
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Sumário:

 

  1. O artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC estipula que, para a determinação do lucro tributável, se consideram como dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

  1. Para que um gasto seja considerado fiscalmente dedutível em sede de IRC, é necessário que exista uma relação entre o gasto e a atividade económica dos sujeitos passivos de IRC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Rui Duarte Morais (Presidente), José António Machado Pinto e Sónia Martins Reis (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 3 de dezembro de 2024, acordam no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

A... UNIPESSOAL, LDA., titular do número de identificação fiscal..., com sede no ..., ... -... ... (doravante Requerente), apresentou, junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista a anulação dos atos de demonstração de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2023... (Cf. Doc. 1), da demonstração de liquidação de juros n.º 2023... (Cf. Doc. 2), da demonstração de acerto de contas n.º 2023... (Cf. Doc. 3) e da demonstração de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2023... (cf. Doc. 4) , referentes ao ano de 2019, dos quais resultou o montante total a pagar de € 168.064,02, e, bem como a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... que daquelas liquidações apresentou (Cf. Doc. 8).

 

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Administração Tributária”).

 

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30 de setembro de 2024.

            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            Em 13 de novembro de 2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 3 de dezembro de 2024.

            A AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

            Entendeu o Tribunal, na sequência de requerimento apresentado pela Requerente em 13 de fevereiro de 2025, dispensar por falta de objeto a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT. Acresce que estando as questões suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, foram dispensadas as alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. Dos Factos

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. A Requerente pertence ao grupo farmacêutico B... dedicando-se, essencialmente, à atividade de comércio a retalho de produtos farmacêuticos.
  2. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária, inicialmente de âmbito parcial em sede de IRC, subsequentemente alargado para IVA e IRS, por referência ao ano de 2019, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022... .
  3. No âmbito do aludido procedimento inspetivo, a AT efetuou, nomeadamente, as seguintes correções em sede de IRC e IRS:
  1. Qualificação dos serviços acessórios resultantes da parceria publicitária com a C..., S.A. como despesas de representação e consequente sujeição a tributação autónoma, daí resultando um alegado montante de imposto em falta de € 430,50;
  2. Desconsideração de gastos relativos a exercícios anteriores, no montante de € 22.250,87, por os mesmos não serem imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos;
  3. Correção à matéria coletável no montante de € 3.107,23 relacionada com proveitos previsíveis ou manifestamente conhecidos;
  4. Não aceitação de gasto referente a “subtração a apropriação de valores de caixa”, no montante de € 27.605,17;
  5. Não aceitação de gastos referentes a “Ticket Infância” pelo facto de não terem sido atribuídos com caráter geral aos colaboradores da Requerente, no montante de € 7.494,00;
  6. Não aceitação do gasto referente à fatura n.º 017, de 23.04.2019, emitida por D..., no montante de € 1.149,99;
  7. Não aceitação de gastos decorrentes de ofertas, nos montantes de € 3.894,12 e de € 3.762,00;
  8. Não aceitação de gasto associado à fatura FR 1022200/3834, de 26/05/2019, emitida pela E... SARL, no montante de € 2.017,00;
  9. Não aceitação de gastos com refeições, no montante de € 8.135,56;
  10. Sujeição a retenção na fonte de montantes registados na conta “532 – Prestações Suplementares”, daí resultando imposto alegadamente em falta no montante de € 78.097,59.
  1. Na sequência das correções em IRC e IRS efetuadas pela AT, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2023..., da demonstração de liquidação de juros n.º 2023..., da demonstração de acerto de contas n.º 2023... e da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2023... .
  2. Por não concordar com as correções empreendidas pela AT, em 09.01.2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa (Cf. Doc. n.º 6), peticionando a anulação da demonstração de liquidação de IRC n.º 2023..., da demonstração de liquidação de juros n.º 2023..., da demonstração de acerto de contas n.º 2023... e da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2023..., com todas as consequências legais.
  3. Na sequência da reclamação graciosa apresentada, a AT emitiu o respetivo projeto de decisão, no âmbito do qual projetou indeferir a reclamação graciosa (Cf. Doc. n.º 7), argumentando para o efeito que “verifica-se que em sede de reclamação graciosa, a Reclamante não apresenta quaisquer factos apoiados em documentos probatórios concludentes, suscetíveis de demonstrar uma realidade distinta daquela verificada em sede inspetiva.”.
  4. Ulteriormente, a AT emitiu a decisão final que confirmou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
  5. No dia 26 de setembro de 2024 deu entrada no CAAD ppa apresentado pela Requerente - cf. registo de entrada no SGP do CAAD e pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).
  6. No dia 30 de setembro de 2024, a AT foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

 

 

  1. Factos Não Provados

 

Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

  1. De Direito

 

  1. Da correção relativa referente à sujeição a Tributação autónoma dos serviços acessórios prestados pela C...

 

A AT considerou que os serviços acessórios prestados pela C... S.A. deviam ser qualificados como despesas de representação, estando sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10%, daí resultando um montante de imposto em falta de € 430,50.

A AT fundamentou a sua pretensão no seguinte: «[a] C..., SA. fatura um “pacote”, sem discriminação das prestações de serviços incluídas, pelo que o gasto incorrido pela empresa com a sua aquisição não pode ser aceite para efeitos de IRC, na sua totalidade, como “despesas de publicidade” (…)».

A AT alega que incumbia à Requerente a responsabilidade de provar/demonstrar os factos capazes de fundamentar uma imputação distinta do montante em  causa (90% a título de serviços “principais” e 10% a título de serviços “acessórios”), de modo a refutar os indícios apurados pelos serviços da AT no âmbito do procedimento de inspeção tributária, os quais dimanam das faturas emitidas pela C... S.A., procedendo em concreto à discriminação dos serviços de acordo com a natureza da prestação do serviço. Aliás, reitera a AT que a fatura emitida pela C... S.A. é muito clara ao determinar no descritivo que “Os serviços acessórios em conformidade com o n.º 6 da circular n.º 20/2009 da DGI representam 10% do valor da presente parceria”.

Por sua vez, a Requerente considera que é possível concluir que a AT (re)qualificou um conjunto de gastos suportados pela Requerente com uma parceria publicitária como despesas de representação, sujeitando-os a tributação autónoma, sem, contudo, demonstrar que, em termos práticos, tais gastos revestem a natureza de despesas de representação e sem avançar qualquer justificação que permita à Requerente conhecer o rationale de tal requalificação.

              Cumpre ao Tribunal pronunciar-se se as despesas acessórias podem ou não ser qualificadas como despesas de representação sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%. Como ensina Rui Duarte Morais a tributação autónoma trata-se de “uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários”. (Cf. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 202/203), sendo que o que se pretende é tributar determinado tipo de despesas e não rendimento. Resulta claro que por via de uma interpretação literal do conceito de “despesas de representação”, as mesmas consistem em gastos que se destinam a representar a sociedade perante os seus clientes e/ou quaisquer terceiros, mediante ofertas a estes clientes e/ou terceiros realizadas. Da matéria considerada provada resulta que a Requerente incorreu em gastos com publicidade, constando expressamente no descritivo das faturas que “Os serviços acessórios considerados em conformidade com o n.º 6 da circular n.º 2/2009 da DGI representam 10% do valor da presente parceria” (cf. Ponto V do RIT – Cf. Doc. n.º 5). Não há qualquer facto que indicie ou demonstre que a Requerente ao ter rececionado as faturas com este discriminativo, tenha contestado ou não tenha aceitado o referido discriminativo.

Acresce que o n.º 6 da circular 2/2009 da DGI determina que “Os serviços «acessórios» incluem, nomeadamente, os lugares sentados no camarote ou na bancada adjacente, o catering, os serviços de hospedeiras, os lugares de estacionamento e, os convites para assistir aos jogos das competições europeias no estrangeiro, incluindo viagem, estadia e bilhetes, e ainda, os serviços conexos com a utilização dos camarotes («espaço empresarial»).” Ora, esta descrição de serviços acessórios – cuja natureza em momento algum foi contestada pela Requerente - não permite a este Tribunal considerar os serviços acessórios como despesas incorridas com publicidade, mas sim como despesas de representação sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%. Não se vislumbra aqui qualquer relação nos serviços acessórios – cuja natureza não foi também demonstrada pela Requerente - com a atividade desenvolvida pela Requerente.

Ademais, e não obstante, reconhece este Tribunal como refere a Requerente que as circulares apenas vinculam à AT e não o contribuinte, configurando direito circulatório interno. Assumem, portanto, um caráter geral e abstrato e não são, reitera-se, vinculativas para o contribuinte, traduzindo o entendimento que a administração fiscal tem acerca de uma determinada disposição legal (Veja-se João Taborda da Gama, “Tendo surgido dúvidas sobre o valor das circulares e outras orientações genéricas…”, in Paulo Otero / Fernando Araújo / João Taborda da Gama, Estudos em Memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, volume III, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 160.).

         Contudo, tal não obsta a que as declarações do contribuinte se devam considerar de boa-fé e se o próprio fornecedor dos serviços invoca na  fatura o n.º 6 da circular n.º 20/2009 da DGI e a Requerente ao ter rececionado a fatura não contestou a mesma, tendo aceite a fatura sem mais, então não é à AT que pode ser imputado o ónus de provar que a despesa em si mesma se trata de uma despesa de representação, mas sim à Requerente que em momento algum demonstrou que os gastos em causa não correspondiam a despesas de representação.

            Termos em que estas despesas incorridas em 2019 pela Requerente em serviços acessórios que a Requerente não refutou, nem procurou demonstrar que se tratava de despesas incorridas diretamente relacionadas com a prossecução da atividade normal e objeto social da Requerente, não podem senão ser qualificadas como despesas de representação sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%.

Pelo que, improcede a argumentação da Requerente nesta sede, devendo ser de considerar a argumentação da AT.

 

 

  1. Gastos relativos a exercícios anteriores

 

          A AT desconsiderou gastos relativos a exercícios anteriores, no montante de € 22.250,87, por entender que os mesmos não eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos naquela data, provindo de um contrato de arrendamento comunicado em 2018, pelo que não deveriam ser gastos fiscais em 2019, mas sim no exercício em que efetivamente ocorreram, invocando o princípio decorrente do artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC.

 

           Adicionalmente, a AT sustenta que “[n]o que se refere à dedução no campo 756 – Correções relativas a períodos de tributação anteriores (art.º 18.º, n.º 2) do quadro 07 da Modelo 22 a A... deduziu o montante de € 3.273,66. Daquele montante, € 166,43 (€ 41,02 + € 23,79 + € 23,79 + € 77,83) referem-se a proveitos previsíveis ou manifestamente conhecidos, pelo que só este montante deveria ser inscrito naquele campo de que resulta uma correção à matéria coletável de € 3.107,23.”.

 

          A Requerente sustenta que ainda que se entendesse que os gastos aqui em causa eram previsíveis e manifestamente conhecidos e ainda que o princípio da especialização dos exercícios possa não ter sido integralmente observado, em momento algum a AT coloca em causa a efetividade dos gastos ou a sua dedutibilidade nem suscita uma intencionalidade fraudulenta da Requerente, não tendo sido provado qualquer intenção de omitir custos ou de deferir ilegitimamente o seu pagamento. Acresce que a AT também não refere existir qualquer duplicação de gastos nem provou vir a existir qualquer prejuízo resultante do facto de a Requerente deduzir os gastos no exercício em causa. A Requerente refere que a AT olvida que os gastos cuja desconsideração se pretende levar a cabo foram incorridos tendo em vista a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, não sendo colocada em causa pela AT a sujeição a tributação de tal componente positiva do lucro tributável.

          Coloca-se, portanto, a questão de saber se estes custos ainda que não deduzidos no exercício em que foram incorridos podem ser deduzidos no exercício de 2019.

 

          O artigo 18.º do Código do IRC determina o seguinte:

“1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”

(…)

O n.º 1 deste artigo consagra o princípio da especialização económica dos exercícios, que implica que em cada ano económico sejam incluídos nos resultados fiscais os proveitos e custos que correspondem a esse mesmo ano económico, quer haja, ou não, lugar ao seu pagamento ou ao seu recebimento. Por sua vez, o n.º 2 estabelece a possibilidade de imputação de custos ou rendimentos de anos anteriores a outro exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas. Ora, tal implica que o custo ou o proveito devam estar primeiramente associados ao momento em que o documento que os consubstancia é emitido.

Contudo, é este Tribunal do entendimento de que não deve ser feita uma interpretação estritamente literal deste princípio quando esteja em causa a imputação do proveito ou custo a um exercício distinto daquele a que respeitava não implicar prejuízo para a Administração Fiscal e a correção se puder vir a traduzir num agravamento fiscal do contribuinte.

Nesta senda, remetemos para a jurisprudência do CAAD no âmbito do processo n.º 722/2022-T que determina que: “Consigna o n.º 1 o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, que consiste em incluir nos resultados fiscais os proveitos e custos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efetivo recebimento ou pagamento. O n.º 2 permite que proveitos ou custos respeitantes a exercícios anteriores sejam imputáveis a um outro exercício apenas quando à data do encerramento das contas daquele eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos. O que significa que o custo ou proveito está tendencialmente associado ao momento da emissão do documento. Trata-se de um critério contabilístico que reflete o princípio da periodização anual do imposto. Constitui, no entanto, jurisprudência uniforme e reiterada que não se vê motivo para interpretar esse princípio em sentido estritamente literal quando da imputação do proveito ou custo a um exercício diverso daquele a que respeitava não resultar prejuízo para a Fazenda Nacional e a correção poder vir a traduzir-se num agravamento fiscal do contribuinte. O Supremo Tribunal Administrativo tem adotado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios» (realce da Requerente). Mais : “Com efeito, constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo “(…) que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado – vide, neste sentido, acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 19.11.2008, recurso 325/08, de 02.04.2008, recurso 807/07, de 19.05.2010, recurso 214/07, de 25.06.2008, recurso 291/08, de 09.052012, recurso 269/12 e de 02.03.2016, recurso 1204/13.” Acresce que na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 874/2019-T, pode ler-se que: “Como se afirma no acórdão do STA de 13 de outubro de 1996 (Processo n.º 20404), sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, é de admitir a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, como é o caso em que está prestes a acabar ou iniciar um período de isenção, quando há interesse em reduzir prejuízos de determinado exercício ou retirar benefícios do seu reporte e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributários.” No mesmo sentido, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 263/2022-T, seguindo o Acórdão do STA, proc. 0716/13 de 14-03-2018, pode ler-se: (…) “A jurisprudência do STA, desde há já largos anos, é no sentido de que a violação do princípio da especialização dos exercícios deve irrelevar quando a sua observância legitimar um resultado claramente ofensivo do princípio da justiça. Com tal jurisprudência, diremos que esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. “Jurisprudência que é pacífica e aparece refletida em numerosas decisões, quer dos tribunais estaduais, quer arbitrais.»

No caso em apreço, entende este Tribunal dever existir uma articulação entre o princípio da especialização dos exercícios e o princípio da justiça, ao qual a AT se encontra vinculada nos termos do artigo 55.º da LGT. Pelo que, a correção ao resultado líquido contabilístico do exercício de 2019 do montante de gastos que deveriam ser imputados ao exercício de 2018 obsta que, em termos práticos, o sujeito passivo possa deduzir despesas que podem qualificar-se como necessárias para a obtenção do rendimento. Tal implica, consequentemente, um desrespeito pelo princípio da justiça fiscal e da capacidade contributiva que se revela lesivo para o sujeito passivo.

Assim, considera-se que deve ser aceite a argumentação da Requerente, devendo ser fiscalmente dedutíveis os gastos relativos a exercícios anteriores no montante de € 22.250,87, não devendo também ser aceite a correção à matéria coletável no montante de € 3.107,23.

 

 

 

 

 

  1. Gasto respeitante à subtração e apropriação dos valores de caixa

 

A Requerente inscreveu no quadro 07 da Modelo 22 de 2019 uma variação patrimonial negativa no montante de € 27.605,17 devido à subtração e apropriação de valores de caixa naquele montante por parte de um seu colaborador. Mais, informou a Requerente que esta apropriação dos valores de caixa conduziu à dedução de uma queixa-crime por crime de furto.

 

A AT, por sua vez, considera que “não é aceite esta dedução ao resultado líquido, já que para a Autoridade Tributária as perdas que resultem de furtos não podem ser consideradas como decorrentes da atividade normal desenvolvida pelos sujeitos passivos, nem que contribuam para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, não podendo, por isso, aceitar-se para efeitos fiscais a sua dedutibilidade.”

 

Deve este Tribunal pronunciar-se se esta perda incorrida pela Requerente pode consubstanciar um custo fiscalmente dedutível. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC “(…) são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.  Atendendo à redação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, para determinar da dedutibilidade do gasto é necessário que exista uma relação entre o gasto e a atividade económica (cf. Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, p. 113). Acresce que a própria Comissão de Reforma do IRC entendeu como gastos não fiscalmente dedutíveis aqueles em que se esteja perante “a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios” (cf. Comissão de Reforma do IRC, Relatório Final – Uma Reforma ao IRC orientada para a Competitividade, o Crescimento e o Emprego, Junho de 2013, pp. 97-98.). Pelo que, a generalidade dos gastos, ainda que não obrigatórios, excessivos, desrazoáveis e improdutivos podem ser fiscalmente aceites, desde que motivados pela prossecução do fim empresarial. São as chamadas business related expenses, ou despesas enquadradas (e assim justificadas) por um motivo empresarial, o que traduz a transposição da doutrina do business purpose test em que as despesas que se inserem no escopo societário, na medida em que são motivadas comercialmente são dedutíveis (cf. Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 114-115).

         No presente caso, esta perda incorrida pela Requerente devida à subtração e apropriação de valores de caixa por parte de um seu colaborador deve ser aceite como um gasto fiscalmente dedutível, pois ocorreu no âmbito e em virtude da atividade empresarial da Requerente. Acresce que o CAAD já se pronunciou nesse sentido pela dedutibilidade do custo em sede do processo n.º 262/2019-T, bem como mais recentemente o TCA Sul, em acórdão de 24.06.2021, proferido no âmbito do processo n.º 2263/171.7BELSB, concluiu que “[a]s diferenças negativas de caixa (derivadas das situações de furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos funcionários da recorrida) constituem custos fiscais porque provenientes do desenvolvimento da atividade da empresa.”.

         Pelo que, afigura-se ser nestes termos de considerar a argumentação da Requerente, devendo o gasto ser aceite como fiscalmente dedutível.

 

  1. Gastos respeitantes a “Ticket Infância”

 

A AT considerou como não sendo fiscalmente dedutível o gasto suportado pela Requerente no montante de € 4.94,00 e € 3.000,00 (…) relativos a “Ticket Infância”, que somente foi atribuído ao respetivo sócio-gerente. Como tal, considerou a AT que não se tratando de um benefício de carácter geral atribuído a todos os seus trabalhadores não se deve qualificar como um gasto fiscalmente dedutível ao abrigo do artigo 43.º do Código do IRC. Andou bem assim a AT ao não aceitar o custo como fiscalmente dedutível ao abrigo do artigo 43.º do Código do IRC exatamente por este gasto não ter sido atribuído a todos os trabalhadores, mas apenas ao sócio-gerente.

Não obstante, tratando-se de um gasto que foi incorrido pela Requerente como parte da remuneração do trabalhador, entende este Tribunal que ao abrigo do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) do Código do IRC se configura como um gasto fiscalmente dedutível para a determinação da matéria coletável as retribuições dos trabalhadores, ainda que em espécie, como ocorre no presente caso.

Aqui chegados, importa dizer que não cuida este Tribunal de averiguar se este gasto com a remuneração do sócio-gerente, não obstante qualificar-se como um gasto fiscalmente dedutível ao abrigo do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) do Código do IRC foi efetivamente sujeito a tributação em sede de IRS, na medida em que configura um rendimento do trabalho dependente (categoria A) do sócio-gerente, pois tal não foi posto em causa por nenhuma das Partes.

 

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

Pelo que, assiste razão à Requerente ao considerar que o custo incorrido com o ticket-infância atribuído ao sócio-gerente se qualifica como um custo fiscalmente dedutível ao abrigo do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) do Código do IRC.

 

  1. Gastos referentes à fatura n.º 017 de 23.04.2019, emitida por D..., a ofertas, à fatura FR 1022200/3834, emitida pela  E... SARL, e a refeições

 

No que concerne ao custos aqui em causa, a Requerente vem afirmar que a AT desconsidera os gastos como sendo fiscalmente dedutíveis, pois considera que a Requerente não comprovou a indispensabilidade dos gastos em que incorreu, sendo que este critério não tem respaldo no elemento literal da redação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC aplicável à  data dos factos e, nessa medida, o seu juízo decisório encontra-se irremediavelmente inquinado, enfermando, consequentemente, as correções produzidas nesta sede de ilegalidade, por violação da redação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC aplicável à data dos factos.

 

Flui do exposto que a Requerente fundamenta o direito à dedução dos gastos incorridos com (i) a factura n.º 017 de 23.04.2019 emitida por D..., (ii) ofertas, (iii) a factura FR 1022200/3834 emitida pela E... SARL, e (iv) refeições no facto de a AT ter utilizado como argumentação a não indispensabilidade do gasto que considera a Requerente que é um critério que desde a reforma do IRC não consta da letra do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC para efeitos da qualificação de um gasto como fiscalmente dedutível.

 

Efetivamente, no RTI, a AT refere que:

  1.  a fatura º 017 de 23.04.2019 emitida por D... se trata da aquisição de material de golf, não se comprovando o seu carácter de indispensabilidade, não se tratando de um gasto fiscal;
  2. as ofertas não configuram um gasto fiscal no ano de 2019, pois não é possível comprovar o caráter da sua indispensabilidade. Mas, a AT refere também que “Da sua análise, verifica-se que os gastos incorridos não reúnem os requisitos para serem aceites fiscalmente em sede de IRC, dado que os mesmos se reportam a uma ou mais ofertas, em que não foram identificados os respetivos beneficiários e assim, estabelecer, nomeadamente a relação de causa/efeito entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado”. (sublinhado nosso);
  3. a fatura emitida pela E... SARL reporta-se a alojamento e outras despesas no período de 24/05/2019 a 26/09/2019 com 2 hóspedes, nomeadamente F... e outro. Sendo aquele beneficiário uma pessoa estranha à Requerente, considera a AT que “(…) assim, não é possível estabelecer a relação de causa/efeito entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado. (sublinhado nosso). Não se podendo comprovar o caráter da sua indispensabilidade, o mesmo não é gasto no ano de 2019 nos termos do n.º 1 do artº 23 do CIRC”;
  4. Quanto aos gastos com refeições “Da sua análise verifica-se que aqueles gastos não reúnem os requisitos para serem aceites fiscalmente em sede de IRC, dado que os mesmos se reportam a refeições em que não é possível estabelecer quem as efectuou e qual o motivo e assim estabelecer a relação de causa/efeito entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado. (sublinhado nosso). Não se podendo comprovar o caráter da sua indispensabilidade, o mesmo não é gasto no ano de 2019 nos termos do n.º 1 do artº 23 do CIRC”;

 

Resulta do exposto que contrariamente ao argumentado pela Requerente, a AT não desconsidera unicamente os gastos fiscais acima mencionados com base no conceito de indispensabilidade que efetivamente já não consta da letra da lei desde a reforma do Código do IRC. Numa interpretação estritamente formal da desconsideração destes custos, que se escuda na referência à não comprovação da indispensabilidade do gasto, poderia considerar-se que os gastos não deveriam ser fiscalmente dedutíveis, em virtude da já não utilização deste conceito para demonstrar que o gasto é fiscalmente dedutível.

         Mas, a verdade é que a AT vai mais longe no RTI utilizando o critério que é hoje relevante para efeitos de determinar se o gasto deve, ou não, ser fiscalmente dedutível. E esse critério, como ensina Gustavo Lopes Courinha, é o da exigência de uma relação entre o gasto e a atividade societária (Cf. Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, p. 113). Refere-se que apenas não o faz na fatura relativa à aquisição de material de golf. Não obstante, entende este Tribunal que não fica de forma alguma demonstrada qualquer relação entre o gasto incorrido na aquisição de material de golf pela Requerente e a prossecução da sua atividade societária.

         Pelo que, afigura-se de considerar a argumentação da AT e determinar pela não dedutibilidade destes custos fiscais.

 

  1. Sujeição a retenção na fonte de montantes registados na conta “532-Prestações Suplementares”

 

A Requerente vem arguir que a AT considerou que “ao longo de 2019 foram efetuados diversos registos a débito e a crédito da conta 532 – prestações Suplementares», sendo que «[n]o que se refere aos valores registados a débito, foram efetuados por contrapartida (a crédito) da conta 12 – Bancos, que da sua análise verificamos tratar-se de transferência efetiva de valores monetários a favor do referido sócio gerente G...» e que como tal a AT conclui que «a saída de fundos da A... no valor de € 278.919,96 (€ 290.500,00 – € 11.580,04) a favor do sócio gerente, é um facto tributário qualificado como adiantamento por conta de lucros, ou seja, rendimento da categoria E, nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS, sujeitos a IRS, por retenção na fonte a uma taxa liberatória de 28%, nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS. Assim a A... deveria ter procedido à retenção do imposto, nos termos do n.º 2 do art.º 101 do CIRS, o qual deveria ser entregue nos termos do n.º 3 do art.º 98 do CIRS.”

 

Por sua vez, a Requerente vem referir que só nos casos expressamente previstos no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS podem ser presumidos os rendimentos ali referidos, i.e., a presunção de adiantamentos por conta dos lucros só pode operar se se demonstrar, por um lado, a existência de lançamentos em quaisquer contas corrente dos sócios a favor destes e, por outro lado, que tais lançamentos não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Feita a demonstração daqueles requisitos, opera, então, a presunção legal consignada no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, cabendo, depois, ao contribuinte ilidir tal presunção mediante prova em contrário. Com efeito, na situação vertente, temos que a AT considera, a partir dos registos a débito na conta “532 – Prestações Suplementares” que existe uma saída de fundos a favor do gerente da Requerente e que tal saída de fundos se deverá presumir como tendo sido efetuada a título de adiantamento dos lucros nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS.

 Assim de acordo com a Requerente, a AT entende que os registos numa conta de capital da Requerente, que se refere a prestações suplementares que não são remuneráveis, não vencem juros e cujo reembolso é vinculado nos termos do artigo 213.º do Código das Sociedades Comerciais, evidenciam, sem mais, que estamos perante retiradas de fundos da Requerente a favor do gerente da mesma a título de adiantamento de lucros, dispensando-se, inclusivamente, de demonstrar que tais lançamentos não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

Acrescenta a Requerente que a AT a notificou para “(…) para justificar/esclarecer a que título foram efetuados aqueles movimentos, juntando documentos comprovativos, sob pena de não elisão da presunção prevista no nº 4 do art. 6 do CIRS”, fazendo impender sobre a Requerente o ónus de ilidir a presunção legal prevista no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS.

Considerando a argumentação da Requerente e da AT, cumpre a este Tribunal determinar se a transferência efetiva de valores monetários a favor do referido sócio-gerente G... deve ser qualificada como adiantamentos por conta de lucros.

Sucede que não obstante a argumentação da Requerente, e de a AT não ter cumprido com a presunção de elisão, a Requerente uma vez notificada em 10/05/2023 pela AT ao abrigo do princípio da colaboração e cooperação para justificar/esclarecer a que título juntando documentos comprovativos sob pena de não elisão da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, não deu qualquer resposta. Como tal, não pode a Requerente escudar-se na não elisão da presunção da AT se não oferece prova em contrário. Motivo pelo qual se deve presumir que a saída de fundos a favor do sócio-gerente deve ser configurada como um adiantamento por conta de lucros e estar, consequentemente, sujeito a retenção na fonte à taxa de 28% em sede de IRS, o que manifestamente não ocorreu.

          Pelo que, afigura-se de considerar a argumentação da Requerente.

 

 

  1. Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de IRC n.º 2023..., da demonstração de liquidação de juros n.º 2023..., no que concerne aos gastos relativos a anos anteriores nos montantes de € 22.250,87 e de € 3.107,23, bem como no que concerne ao gasto referente à subtração da apropriação de valores de caixa no montante de € 27.7605,17 e de gastos referentes a ticket infância no montante de € 7.494,00;
  2. Julgar improcedente o pedido de anulação dos referidos atos tributários de IRC no que concerne aos gastos acessórios decorrentes da parceria publicitária com a C..., S.A., ao gasto incorrido com a aquisição de material de golf, a gastos com cartões e artigos para oferta, a gastos com alojamento e outras despesas e com refeições.
  3. Julgar improcedente o pedido de anulação da demonstração de retenções na fonte de IRS n.º 2023... de 25.07.2023 no valor de € 78.097,59 e juros compensatórios no valor de € 12.200,99, no montante total de € 90.298,58.

 

 

 

 

 

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 168.064,02, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 24.º, n.º 4 do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00[1], na proporção do decaimento por cada uma das partes, sendo que a Requerente suportará 64% do total das custas e a Requerida 36%.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de março de 2024

 

Os árbitros,

 

Rui Duarte Morais

 

José António Machado Pinto

 

 

Sónia Martins Reis (Relatora)

 



[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-04-03.