SUMÁRIO:
-
O ónus de invocar a dedutibilidade de uma despesa prevista numa categoria genérica de «serviços acessórios de publicidade» no confronto com a previsão no artigo 21.º do CIVA é do Sujeito Passivo.
-
A existência de «serviços acessórios de publicidade» que integram a previsão normativa do artigo 21.º do CIVA e são tributados no IVA normal com direito a dedução, autorizam a AT a fazer as correções que resultem do cumprimento estrito da norma que impede a dedução de determinados serviços.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães, árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 26-11-2024, decide o seguinte:
-
Relatório
A... UNIPESSOAL, LDA., titular do Número de Identificação Fiscal..., com sede na ... n.º..., ..., ...-... Porto Requerente tendo sido notificada, através do Ofício n.º 2024..., de 20.06.2024, do despacho proferido, em 17.06.2024, pela Exma. Chefe de Divisão de Direção de Finanças do Porto, ao abrigo de subdelegação de competências, de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023... apresentado com vista à anulação das demonstrações de liquidação de IVA(1) n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., das demonstrações de liquidação de juros de IVA n.ºs 2023..., 2023... e 2023... e das demonstrações de acerto de contas n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., referentes ao ano de 2019, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 2 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a
CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
A Requerente pretende que o Tribunal aprecie e se pronuncie sobre a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima mais bem identificada, com a consequente anulação dos seguintes atos tributários:
Ato tributário de demonstração de liquidação de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de liquidação de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de liquidação de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de liquidação de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de liquidação de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º 2023...;
Ato tributário de demonstração de acerto de contas n.º e 2023....
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-09-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o acima referido, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10-10-2024 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal individual foi constituído em 26-11-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.
Por despacho de 12-02-2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
-
A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas que pertence ao grupo farmacêutico B..., dedicando-se, essencialmente, à atividade de comércio a retalho de produtos farmacêuticos.
-
Tendo em vista a promoção e o desenvolvimento da sua atividade, a Requerente adquiriu, em 2019, serviços de publicidade à C..., tendo deduzido integralmente o IVA associado à aquisição desses serviços.
-
Ulteriormente, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária, inicialmente de âmbito parcial em sede de IRC, subsequentemente alargado para IVA e IRS, por referência ao ano de 2019, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2022... .
-
No âmbito do aludido procedimento inspetivo, a AT entendeu existir dedução indevida de IVA, por parte da ora requerente, no valor de EUR 805,00, associado à aquisição de serviços de publicidade à C... cf. RIT.
-
Estão identificados os quatro trimestres de 2019 que são objeto de impugnação.
-
Por não concordar com as correções empreendidas pela AT, em 06.12.2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa, peticionando a anulação das demonstrações de liquidação de IVA n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., das demonstrações de liquidação de juros de IVA n.ºs 2023..., 2023... e 2023... e das demonstrações de acerto de contas n.ºs 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023... e 2023..., com todas as consequências legais.
-
A reclamação graciosa foi indeferida após o cumprimento do contraditório.
-
Na Resposta, a Requerida, depois de impugnar fundamentadamente as posições da Requerente requereu alternativamente o reenvio prejudicial para o TJUE – cfr. artigo 68.º da Resposta.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico relevante para o dissídio em análise.
3. Matéria de direito
As questões de mérito que são objeto deste processo são:
-
Saber se a Requerida pode corrigir a dedução integral do IVA efetuada pela Requerente em faturas que tinham como serviços principais - publicidade - e como serviços acessórios – outras prestações, cuja descrição integram serviços que têm limites à dedução nos termos do disposto nos artigos 19.º, 20.º e 21.º do CIVA.
-
Definir a quem compete invocar e provar a natureza dedutível da prestação acessória de serviços de publicidade, atenta a sua natureza.
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende o seguinte, em suma:
- Que a Autoridade Tributária se dispensou de demonstrar, em termos práticos, em que concreta alínea do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA se enquadram tais despesas, ou seja, se revestem a natureza de despesas de transporte e viagens de negócio, se estão em causa despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e despesas de receção, ou se configuram despesas de divertimento e luxo. Essa tarefa será da competência e responsabilidade da Requerida que, não o tendo feito, não pode corrigir as faturas emitidas pelo prestador e pagas pela Requerente.
A AT defende:
- Os serviços adquiridos à C..., S.A. não se reconduzem, na sua totalidade, a serviços de publicidade, existindo, no seu entender, um conjunto de serviços, ditos “acessórios”, cujo IVA não é passível de dedução, por tais serviços acessórios se subsumirem às alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA.
- Estando em causa o direito à dedução do IVA é sobre a Requerente que impende o ónus da prova dos factos tributários que alega como constitutivos do seu direito à dedução conforme julgou o Acórdão do STA de 15-11-2017, proferido no Processo n.º 0485/17 no ponto 5.3 onde pode ler-se:
«5.3. Quanto ao erro de julgamento por a sentença não ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos, teria necessariamente de recair sobre a AT:
É sabido que, de acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT).
Assim, dado, ainda o princípio da legalidade administrativa, impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)».
Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA.
Não ocorrendo, pois, violação do disposto neste apontado art. 23º do CIVA, nem dos invocados arts. 74° a 76° da LGT, nem ilegalidade decorrente de violação dos invocados princípios (neutralidade fiscal do IVA, igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, segurança jurídica, protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), nem se vislumbrando inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes (arts. 2° e 111°), do princípio da legalidade (art. 112º, n° 5), do princípio de reserva de lei [arts. 103° e 165°, n° 1, al. i)] e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20° e 268°, n° 4), todos da CRP.»
3.2. Saneamento do processo.
a. Comecemos por tomar posição sobre o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE feito pela Requerida na Resposta apresentada.
O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça visa definir, por via jurisprudencial, o direito europeu a aplicar, a uma situação jurídica em que é invocado um princípio ou norma de fonte europeia.
A redação do artigo 21.º do CIVA já foi objeto de escrutínio pelo Tribunal Europeu pelo que, não se nos afigura como necessário submeter a questão a esta jurisdição, assumindo-se este tribunal como competente para efetuar a interpretação e aplicação do direito de origem europeia em vigor ao caso em concreto. Indefere-se em consequência o pedido de reenvio efetuado pela Requerida.
b. A atividade de publicidade é um gasto reconhecido como dedutível nos termos do artigo 23.º n.º 2 alínea b) do CIRC.
Nos termos do disposto no artigo 20.º n.º 1 alínea a) do CIVA, o IVA pago pela aquisição de serviços de publicidade, desde que utilizada para realização de operações de transmissão de bens e prestação de serviços sujeitos a imposto e dele não isentos atribuem o direito à dedução.
Este direito à dedução é não exercível, no entanto, nas atividades identificadas no artigo 21.º do CIVA, onde constam algumas das referidas nos «serviços de publicidade acessórios» prestados nos casos em análise neste processo.
Isto determina a necessidade de definir a quem incumbe o dever de verificar se as atividades acessórias prestadas dão, ou não, direito à dedução.
Recorde-se que o direito à dedução não corresponde a um benefício fiscal no sentido rigoroso do termo, sendo antes um direito ao reembolso que é expressão do princípio da neutralidade enquanto parte ontológica do IVA, imposto que tem como regra e paradigma permitir que o imposto não interfira com as decisões económicas do empresário (SP) e seja suportado, em regra, pelo consumidor final ou equiparado. É equiparado ao consumidor final o sujeito passivo que vende a entidade isenta ou adquire bens ou serviços que não permitem a dedução.
Nestes casos, o Sujeito Passivo fica na posição de consumidor final.
Resulta também claro que, não pode haver numa mesma operação sujeita a IVA uma dupla tributação simultânea de imposto, nem uma dupla dedução. Por outras palavras tem de existir um consumidor final que suporte o imposto, mas não pode existir um duplo direito à dedução ou a sua ausência ou proibição em operações normais.
Mais resulta dos autos que, estando as faturas estruturadas em serviços de publicidade «core» e serviços acessórios definidos em percentagem (%) pelos quais se pagam o mesmo IVA, sem identificar os serviços acessórios tem a AT o direito a exercer a fiscalização sobre o conteúdo desses serviços nomeadamente para garantir que as limitações à dedução previstas e reguladas no CIVA no artigo 21.º são cumpridas.
Caso a verificação e correção feita pela AT se revele como realizada em erro sobre os pressupostos de direito ou de facto caberá, em consequência à Requerente reclamar e impugnar a decisão da Requerida no caso em concreto, mas não com base no argumento de que uma vez paga com IVA a fatura é sempre dedutível.
A ser assim, estaria encontrada a forma de tornear e evitar os limites à dedução do IVA de certas operações, com prejuízo da boa gestão, transparência e não discriminação no exercício de aplicação do direito à dedução consagrado no CIVA.
Foram analisadas todas as questões relevantes para a formulação da decisão arbitral com prejuízo das que seriam inúteis ou irrelevantes.
-
Decisão.
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, não determinando como ilegal o indeferimento da reclamação graciosa nem a anulação das liquidações corretivas acima identificadas e impugnadas de IVA do ano de 2019 no valor de € 805,00 (oitocentos e cinco).
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 805 (oitocentos e cinco), nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Vai a Requerente condenada em custas por ter decaído no pedido, sendo o seu montante fixado em EUR306 (trezentos e seis).
Lisboa, 19 de março de 2025
O Árbitro
(Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães)