Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 982/2024-T
Data da decisão: 2025-03-18  Selo  
Valor do pedido: € 327.275,36
Tema: Imposto do Selo – Comissão de Comercialização – Comissão de Gestão – Fundos de Pensões Abertos – Diretiva de Reuniões de Capitais.
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SUMÁRIO

 

I – A tributação em sede de Imposto do Selo, nos termos da Tabela Geral do Código de Imposto do Selo, de encargos relativos a comissões cobradas pela comercialização de unidades de participação em fundos de pensões abertos geridos por entidade gestora é ilegal por incompatibilidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, atendendo à jurisprudência do TJUE e ao primado do Direito da União Europeia.

 

II – O ónus da prova dos factos alegados pelo contribuinte recai sobre o próprio, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, competindo-lhe, assim, provar os factos que operam como suporte das pretensões e dos respetivos direitos invocados, designadamente, demonstrando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de liquidação subjacentes aos atos impugnados.

 

III – Na falta de prova suficiente para demonstrar esses factos, não poderá ser aplicado o regime da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro presidente Prof. Doutor Rui Duarte Morais, a árbitra auxiliar relatora Dra. Adelaide Moura e o árbitro auxiliar Dr. António Alberto Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral coletivo, acordam o seguinte:

 

  1. Relatório

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na..., ..., ...‐... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e, por conseguinte, representante fiscal, dos fundos de pensões abertos B..., com NIF..., C..., com NIF ..., D..., com NIF...,  E..., com NIF ..., F..., com NIF ..., G..., com NIF..., H..., com NIF..., I..., com NIF..., J..., com NIF ... e K..., com NIF ... (em conjunto “Requerentes”), no seguimento da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida pelos Requerentes contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo, no período compreendido entre dezembro de 2021 e outubro de 2023, vêm, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra os atos tributários impugnados, peticionando a respetiva anulação, por ilegalidade, e a restituição das quantias indevidamente suportadas, acrescidas de juros.

 

2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”).

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi submetido pelos Requerentes em 21‑08-2024 e aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22-08-2024, tendo nesta data sido automaticamente notificado à AT, conforme por esta posteriormente confirmado em 27-08-2024.

 

4. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro.

 

5. Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, foram designados os árbitros do presente Tribunal Arbitral, que comunicaram ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

 

6. As partes foram notificadas da nomeação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 29-10-2024, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

7. Notificada em 29-10-2024, a AT apresentou a sua Resposta em 04-12-2024, defendendo-se por impugnação. Foi junto o correspondente processo administrativo.

 

8. Por despacho de 30-01-2025, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por falta de objeto, bem como a produção de alegações.

 

  1. Posições das Partes

 

II.1.  Requerentes

 

9. Não se conformando com o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada e, por conseguinte, com os atos de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) subjacentes, os Requerentes pretendem a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento e dos próprios atos de liquidação, requerendo a respetiva anulação, com as devidas consequências legais aplicáveis.

 

10. Para o efeito, os Requerentes expõem que o A..., S.A. (“A...”) é uma sociedade anónima, constituída em 20-05-1992, que tem por objeto social o exercício da atividade das sociedades gestoras de fundos de pensões, ou seja, dedicando‐se, essencialmente, ao desenvolvimento de produtos de pensões e à gestão de fundos de pensões no âmbito da sua atuação e integração na área de negócio do grupo de gestão de ativos do L... .

 

11. Enquanto sociedade gestora de fundos de pensões para clientes dos segmentos de retalho, banca privada, empresas e institucionais, o A... Fundos encontra‐se autorizado pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (“ASF”) para exercer a sua atividade no mercado nacional, tendo uma oferta revestida de diversos produtos de pensões que permitem construir complementos de reforma.

 

11. Dada a atividade exercida, o A... cobra comissões de gestão aos fundos de pensões por si geridos, sobre os quais incide Imposto do Selo, à taxa de 4%, nos termos da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

12. As referidas comissões de gestão incorporam a componente de “comissão de comercialização” das unidades de participação dos respetivos fundos de pensões.

 

13. Em 18-10-2018 foi celebrado entre o A... e o M..., entidade residente para efeitos fiscais em Espanha, um contrato de mediação de fundos de pensões, nos termos do qual o M... se comprometeu a desenvolver a atividade de mediação em relação aos fundos de pensões abertos geridos pelo A..., através da rede de distribuição da sucursal em Portugal do Banco N..., S.A. (“N...”).

 

14. O M... dedica‐se à prestação de serviços de mediação como operador de banca‐seguros da rede de distribuição do N..., encontrando‐se registado no Registo Administrativo Especial de Mediadores de Seguros junto da Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, bem como igualmente autorizado pela ASF para a prossecução da atividade de mediação de fundo de pensões no território português, ao abrigo da Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro, a qual transpôs a Diretiva 2016/97, de 20 de janeiro de 2016 e revogou o Decreto‐Lei n.º 144/2006, de 31 de julho.

 

15. Assim, nos termos e condições definidos no contrato, os produtos de pensões desenvolvidos pelo A... são distribuídos pelo M..., mediante o pagamento de remuneração inerente à subcontratação da atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de pensões.

 

16. Em 13-05-2019, as partes celebraram um aditamento ao contrato de mediação de fundo de pensões, para alargamento do seu âmbito, nomeadamente, a inclusão de novos produtos e serviços, passando, assim, o contrato em apreço a prever o exercício da atividade de mediação, por parte do M..., em relação aos fundos de pensões abertos em causa.

 

17. No interesse reconhecido por ambas as partes em proceder à revisão das condições de pricing estabelecidos no contrato de mediação de fundo de pensões, foi realizado um segundo aditamento, em 27-05-2020, o qual refletiu uma subida substancial da remuneração a ser paga ao M... pela prossecução da sua atividade.

 

18. Deste modo, o M... cobra ao A... uma remuneração inerente à subcontratação da atividade de comercialização, a qual se denomina “comissão de comercialização”, sendo, por sua vez, redebitada, nomeadamente sob um ponto de vista económico, aos fundos de pensões via “comissão de gestão”, que incorpora aquela comissão de comercialização suportada pelo A... .

 

19. Na verdade, a comissão de gestão cobrada pelo A... aos fundos de pensões por si geridos integra, nestes casos, também, a remuneração inerente à subcontratação da atividade de comercialização, verificando‐se, assim, a repartição daquela comissão entre a entidade responsável pela gestão (v.g. A...) e a entidade comercializadora/mediadora (v.g. M...).

 

20. Sobre as referidas comissões de comercialização cobradas pelo M... tem vindo a ser liquidado Imposto do Selo, à taxa de 2%, nos termos da Verba 22.2 da TGIS do Código do IS, as quais já são objeto de tributação no contexto das comissões de gestão cobradas pelo A... aos fundos de pensões por si geridos.

 

21. Deste modo, no âmbito dos fluxos comissionistas gerados entre o A..., os fundos de pensões e a entidade mediadora – que procede à comercialização das unidades de participação daqueles fundos de pensões – constata‐se que, no período compreendido entre dezembro de 2021 e outubro de 2023, ocorreu uma tributação indevida em sede de Imposto do Selo daquelas comissões.  

 

22. Os Requerentes entendem que a referida sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização cobradas pela entidade comercializadora ao A..., e aos fundos de pensões via comissão de gestão que suportam, viola as disposições da Diretiva 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

 

23. Neste contexto, nos períodos referentes a 2021, 2022 e 2023 (relativamente aos meses que aqui relevam), foi indevidamente liquidado Imposto do Selo sobre as referidas comissões, no montante total de 327.275,36 €.

 

24. Neste sentido, à luz da Diretiva e, bem assim, da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) alusiva à questão controvertida, entendem os Requerentes que (i) a comissão de comercialização cobrada pelo M..., enquanto entidade mediadora de fundos de pensões e (ii) a comissão de gestão cobrada aos fundos de pensões sob a gestão do A... (na componente relativa à comercialização), não deveriam ter sido sujeitas a Imposto do Selo.  

 

25. No que respeita às comissões de comercialização, cumpre reforçar que o M... se encontra autorizado pela ASF a desenvolver a sua atividade de mediação de fundos de pensões em território português, tendo vindo, neste contexto, a cobrar as referidas comissões ao A..., as quais foram sujeitas a tributação de Imposto do Selo, à taxa de 2%, nos termos da Verba 22.2 da TGIS.

 

26. De acordo com a referida verba, a qual se inclui no capítulo referente a seguros, são sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 2%, as “comissões cobradas pela actividade de mediação – sobre o respectivo valor líquido de imposto do selo.”  

 

27. Assim, dúvidas não subsistem de que as operações de comercialização de unidades de participação em fundos de pensões, quando exercidas por entidades seguradoras ou mediadora de seguros, encontram‐se sujeitas a tributação do imposto em causa ao abrigo da Verba 22.2 da TGIS.

 

28. Ressalve‐se, que, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 23.º, ambos do Código do Imposto do Selo, a competência para a liquidação do respetivo imposto caberia ao M..., contudo, e por mero lapso, o A... liquidou o Imposto do Selo, considerando a taxa de 2%, mencionando ainda a Verba 17.3.4, ao invés da Verba 22.2 da TGIS.

 

29. Relativamente às comissões de gestão, a AT tem entendido que as mesmas se encontram sujeitas à Verba 17.3.4 da TGIS, a qual estabelece a incidência de Imposto do Selo, à taxa de 4% sobre as “comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

 

30. Ora, as comissões de gestão cobradas pelo A... incorporam a componente de comissão de comercialização das unidades de participação dos fundos de pensões por si geridos, havendo tais comissões de comercialização sido, consequentemente, sujeitas a Imposto do Selo, à taxa de 4%.

 

31. Os Requerentes entendem que foi indevidamente liquidado Imposto do Selo sobre as comissões de comercialização cobradas ao A... e, por conseguinte, aos fundos de pensões por via da comissão de gestão por estes suportada.

 

32. Atente‐se, num primeiro momento, à legislação da União Europeia, segundo a qual é postulado o afastamento de qualquer tributação indireta (e.g. Imposto do Selo) sobre as operações que visam a reunião de capitais, como é o caso concreto das operações inerentes ao estabelecimento económico dos fundos de pensões.  

 

33. Entendem os Requerentes não ser admitida a sujeição a Imposto do Selo daquelas comissões por não se encontrar em conformidade com as disposições da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais e, consequentemente, em conformidade com o Direito da União Europeia, cuja aplicação na ordem interna está constitucionalmente consagrada nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

 

34. Cumpre sublinhar que a jurisprudência precedente já firmou que, para efeitos daquela Diretiva, os fundos de investimento são equiparados a sociedade de capitais, motivo pelo qual deverão, igualmente, ser‐lhes aplicáveis as regras do mercado interno de capitais, mais concretamente a proibição de qualquer tributação indireta sobre a atividade de colocação e negociação de unidades de participação (mormente, a atividade de comercialização).

 

35. Os fundos de pensões considerados nesta sede devem equiparar‐se ao conceito de fundos de investimento.  

 

36. Cumpre sublinhar que, atualmente, apenas estão integrados nos fundos de pensões geridos pelo A..., planos de contribuição definida.  

 

37. De facto, é sobre os participantes dos fundos de pensões em apreço que recai a responsabilidade de financiamento dos mesmos, fazendo‐o mediante a subscrição onerosa das respetivas unidades de participação.

 

38. Por outro lado, e considerando que nos fundos de pensões em causa estão planos de contribuição definida, por oposição àqueles nos quais se encontram integrados planos de benefício definido, facilmente se depreende que o risco dos investimentos efetuados pelos fundos é repartido pelos diversos participantes (em função das unidades de participação detidas) e, logicamente, por estes suportado.

 

39. Acresce que, perante fundos de pensões que integram planos de contribuição definida, o rendimento potencialmente obtido pelo subscritor das unidades de participação dependerá do rendimento realizado com os investimentos encetados pelo próprio fundo de pensões, os quais, qualquer indivíduo, de forma voluntária, poderá subscrever, sem qualquer intervenção de uma entidade patronal.

 

40. Estando aqui em causa fundos de pensões que integram planos de contribuição definida, o montante a receber pelo subscritor encontra‐se condicionado tanto pelo montante alocado pelo mesmo ao fundo de pensões, como pelos rendimentos gerados pelos investimentos efetuados pelo fundo de pensões, sendo o risco desses investimentos suportado pelos beneficiários das pensões.

 

41. Não se vislumbra qualquer razão plausível para não considerar os fundos de pensões em causa como fundos comuns de investimento, os quais, conforme destacado pelo TJUE, “devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7”, pelo que deverão também ser‐lhes pertinentes as regras do mercado interno de capitais previstas na Diretiva, nomeadamente, a proibição de qualquer forma de tributação indireta sobre a atividade de colocação e negociação de unidades de participação (mormente, a atividade de comercialização).

 

42. As comissões de comercialização em apreço, estando inequivocamente enquadradas na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, não poderão ser sujeitas a Imposto do Selo, porquanto respeitam à remuneração pelo exercício da atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de pensões.

 

43. No entender dos Requerentes, visando a comissão de comercialização remunerar o serviço prestado pelo intermediário financeiro com referência à comercialização e distribuição das unidades de participação dos fundos de pensões por si geridos por via da subscrição daqueles títulos, é inequívoco que o Imposto do Selo que incide sobre as referidas comissões tem claro cabimento na norma acima referida, enquanto imposto indireto.

 

44. Não restam dúvidas que a sujeição a Imposto do Selo das referidas comissões de comercialização é violadora do Direito da União Europeia, especialmente atentas as disposições constantes daquela Diretiva.

 

45. Acresce que a AT se encontra obrigada a desaplicar uma norma de direito interno que o TJUE considerou, previamente, como violadora de uma disposição de Direito da União Europeia.

 

46. Em face de todo o exposto, não se vislumbram quaisquer argumentos que sustentem a tributação em sede de Imposto do Selo das comissões de comercialização cobradas aos Requerentes, devendo, para o efeito, ser reembolsado o montante total de 327.275,36 €, respeitante à desconformidade da tributação das comissões geradas no contexto dos fluxos comissionistas com as disposições do Direito da União Europeia.

 

47. Declarada a ilegalidade das liquidações aqui em causa, os Requerentes têm direito não só ao respetivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento das liquidações anuladas, até integral reembolso do montante de 327.275,36 €.

 

48. Acresce que o erro de que padecem as (auto)liquidações contra as quais se reclama resulta de erro dos serviços da AT, enquanto erro de direito, porquanto, entre o mais, indeferiram a reclamação graciosa apresentada.

 

49. Em face do exposto, os Requerentes peticionam a procedência do PPA, com a consequente anulação dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo repercutido nos Requerentes, relativos a operações financeiras de comercialização de subscrições de unidades de participação dos fundos realizadas, e referentes ao período dos meses de dezembro de 2021 a outubro de 2023, incluindo a duplicação da liquidação incluída na refaturação pelo A... aos fundos geridos (efetuada que foi novamente com Imposto do Selo), com todas as demais consequências legais devidas.

 

II.2.   Requerida

 

50. A questão fundamental a apreciar prende-se com a discordância dos Requerentes na sujeição a Imposto do Selo das comissões de comercialização cobradas pela entidade comercializadora à A..., e aos fundos de pensões via comissão de gestão que suportam, uma vez que entendem que tal incidência viola as disposições da Diretiva 2008/7/CE, relativa aos impostos que incidem sobre as reuniões de capitais.

 

51. Ora, a compatibilidade da sujeição a Imposto do Selo, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, das comissões cobradas por operações de intermediação financeira de comercialização de unidades de participação de fundos de investimento, à luz do disposto da alínea a) do n.º 2 do artigo da Diretiva 2008/7/CE, foi apreciada e decidida pelo TJUE no respetivo acórdão de 22-12-2022, proferido no âmbito do processo n.º C-656/2021, na sequência de reenvio prejudicial decidido no âmbito do processo arbitral n.º 88/2021-T.

 

52. Atento o dispositivo do acórdão do TJUE, concatenado com a fundamentação que o precede, relevam, com impacto em Sede de Imposto do Selo, as seguintes conclusões:

 

(i) A liquidação de Imposto do Selo sobre as designadas comissões de comercialização destinadas à subscrição de novas unidades de participação, e só estas, de fundos comuns de investimento, e só destes, cobradas pelos intermediários financeiros (mormente bancos) às respetivas sociedades gestoras, pode violar a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE (princípio que, embora não resulte diretamente da decisão do TJUE, consideramos também aplicável às comissões de comercialização destinadas à subscrição de novas unidades de participação, e só estas, cobradas pelos bancos diretamente aos fundos comuns de investimento, e só destes);

 

(ii) A tributação do redébito dessas mesmas comissões de comercialização nas comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos comuns de investimento por si geridos pode igualmente violar a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, mas apenas na parte correspondente ao redébito do exato valor dessas mesmas comissões de comercialização;

 

(iii) Esta não sujeição das comissões de comercialização está circunscrita à comercialização de unidades de participação dos chamados “fundos comuns de investimento” previstos na Diretiva 2009/65/CE, cuja verificação compete ao Tribunal nacional;

 

(iv) Não só não é proibida como é permitida a liquidação de Imposto do Selo sobre outras comissões que podem atingir os fundos e/ou as respetivas sociedades gestoras, como sejam, por exemplo, as comissões de gestão (na integra, ou expurgadas da parte correspondente às comissões de comercialização incluídas na mesma e redebitadas aos fundos), de depósito, outras comissões bancárias (ex. manutenção de conta), etc.

 

53. Ora, sucede que alguns documentos juntos pelos Requerentes não são mais do que simples comunicações do A... dirigidas ao departamento de contabilidade do seu banco, neste caso o N..., a ordenar que procedam ao pagamento das comissões devidas. Estes documentos não permitem aferir nem perceber com absoluta certeza o objeto a que se referem.

 

54. É certo que os Requerentes também juntaram algumas faturas. Sucede que, conforme se extrai do seu conteúdo, o serviço de mediação faturado tem como singelo descritivo “comissão de comercialização dos fundos de pensões”, descritivo esse que não permite saber com certeza absoluta se respeitam a comissões de comercialização resultantes da subscrição de novas unidades de participação de fundos comuns de investimento abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/CE, pois só a comercialização de novas unidades de participação de fundos abrangidos por esta Diretiva, numa interpretação conforme à alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital, fica excluída da tributação de Imposto do Selo prevista na verba 17.3.4 da TGIS, conforme determina o acórdão do TJUE no processo n.º C-656/21.

 

55. Outro pormenor que importa assinalar é o facto de não se saber qual o serviço de mediação que está na origem da cobrança desta comissão dita de comercialização.

 

56. Acontece que – sem prejuízo da atividade de mediação (e intermediação) ir muito além da singela comercialização de unidades de participação de fundos –, nos termos do “Contrato de Mediação de Fundos de Pensões” resulta claro que um dos serviços incluídos na comissão de comercialização é a transferência de unidades de participações entre fundos de pensões, incidindo a mesma, numa determinada percentagem, sobre o valor transferido.

 

57. Ora, tal estipulação indicia claramente que nas comissões cobradas pelo M... ao A... podem estar incluídos serviços de mediação que nada têm a ver com a atividade de comercialização de novas unidades de participação propriamente dita.

 

58. Fica, assim, demonstrado que tal contraprestação poderá não ter exclusivamente a ver com comissões resultantes da prestação de serviços de comercialização destinados à subscrição de novas unidades de participação dos fundos de pensões geridos pelo A... .

 

59. Ora, nem a Diretiva 2008/7/CE, nem a jurisprudência do TJUE, proíbem a cobrança de impostos indiretos, no caso o Imposto do Selo, sobre comissões cobradas por serviços de mediação/intermediação que tenham por objeto a transmissão de títulos já emitidos.

 

60. Não há evidência clara e concreta de que o Imposto do Selo mencionado como liquidado sobre aquelas comissões respeite exclusivamente e na sua totalidade a “comissões de comercialização” resultantes da subscrição de novas unidades de participação de fundos comuns de investimento.

 

61. Nos termos das regras do ónus da prova, incumbe aos Requerentes demonstrar a existência dos factos tributários que alegam como fundamento do seu direito à exclusão da sujeição a Imposto do Selo.

 

62. Ora, não está provado que as alegadas comissões de comercialização cobradas pelo M... ao A... incorporem, só, exclusivamente e em todas as ocasiões, a componente remuneratória referente à comercialização de novas unidades de participação dos fundos de pensões geridos por esta, e não uma componente remuneratória referente aos serviços de transferência de unidades de participações entre fundos de pensões, a que podem acrescer outros serviços incluídos na atividade de mediação.

 

63. Relativamente às alegadas “comissões de comercialização”, cobradas pelo M... ao A..., porque não há evidência quanto à verdadeira origem e natureza dessas comissões, devem os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo ser considerados compatíveis com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por isso, de qualquer ilegalidade que os inquine.

 

64. Por outro lado, o Imposto do Selo liquidado, globalmente, sobre “comissões de gestão” de fundos não se enquadra na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não sendo incompatível com a mesma, conforme resulta do acórdão do TJUE no processo n.º C-656/21.

 

65. A incompatibilidade só existe nas situações em comprovadamente haja o redébito das comissões de comercialização nas comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos por si geridos, mas apenas na parte correspondente ao redébito do exato valor dessas mesmas comissões de comercialização, mantendo-se a tributação quanto ao restante valor da comissão de gestão.

 

66. Também quanto a estas comissões, os Requerentes juntam simples comunicações do A..., designadas por “MEMO”, dirigidas ao departamento de contabilidade do seu banco, neste caso o N..., a ordenar que procedam à transferência do valor das comissões de gestão e de depósito cobradas e do respetivo Imposto do Selo.

 

67. Estes documentos não permitem aferir nem perceber com absoluta certeza o objeto a que se referem.

 

68. Para além de não existirem quaisquer faturas, os “MEMO” dirigidos pelo A... ao N..., não fazem qualquer referência ou autonomização da alegada comissão de comercialização.

 

69. Ou seja, não permitem comprovar que as comissões de gestão cobradas pelo A... aos fundos de pensões por si geridos incluem a parte correspondente às comissões de comercialização.

 

70. Não está provado que as alegadas comissões de gestão cobradas pelo A... aos fundos de pensões por si geridos incorporem a componente remuneratória referente à alegada comissão de comercialização cobrada pelo M... ao A... por efeito da comercialização de novas unidades de participação dos fundos de pensões geridos por esta.

 

71. Consequentemente, os valores indicados como referentes a Imposto de Selo liquidado nos termos da verba 17.3.4 da TGIS - 4% sobre comissões de comercialização incluídas nas comissões de gestão não devem ser tidos em conta pelo Tribunal.

 

72. Este tem sido aliás o entendimento dominante e reiterado do CAAD – como aliás, em resultado de uma análise séria, racional e imparcial da jurisprudência que emana do referido acórdão do TJUE, seria de esperar, destrinçando com base na prova (ou falta dela) as verdadeiras comissões de comercialização de outro tipo de comissões.

 

73. Assim, relativamente às alegadas “comissões de gestão” cobradas pelo A... aos fundos de pensões por si geridos, uma vez que não há evidência quanto à verdadeira origem e natureza dessas comissões, devem as liquidações de Imposto do Selo a elas referentes ser considerados compatíveis com a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por isso, de qualquer ilegalidade que as inquine.

 

74. Acresce que nenhum dos fundos peticionários geridos pelo A... está abrangido pela Diretiva 2009/65/CE, isto é, não são considerados fundos comuns de investimento ou OICVM.

 

75. Ora, uma das principais caraterísticas dos fundos comuns de investimento e que verdadeiramente os distingue dos outros fundos de investimento, ainda que abertos, é o facto do participante poder resgatar a qualquer momento as suas unidades de participação.

 

76. Acontece que, face à natureza e finalidade dos fundos de pensões, esta situação não é possível, estando o reembolso dos mesmos condicionado à verificação de determinadas ocorrências na vida do beneficiário, quais sejam, a típica situação de reforma (velhice, invalidez, pré-reforma, reforma antecipada e pensão de sobrevivência) ou, para além destas situações, nos planos contributivos, os beneficiários poderem receber os benefícios correspondentes às suas contribuições próprias em caso de desemprego de longa duração, doença grave ou incapacidade permanente para o trabalho.

 

77. Outro fator essencial e distintivo que não pode ser ignorado pelo intérprete quando examina esta questão é a diferença existente entre as políticas de investimento dos fundos comuns de investimento abrangidos pela Diretiva 2009/65/CE e os restantes fundos de investimento, onde se incluem, obviamente, os aqui Requerentes.

 

78. De facto, a arquitetura europeia (e nacional) dos fundos de investimento baseia-se numa separação entre fundos OICVM, que são apenas os abrangidos pela Diretiva 2009/65/CE, e fundos não OICVM, divisão essa que não pode ser ignorada na aplicação da Diretiva 2008/7/CE.

 

79. Não basta alegar que, por estarem em concorrência com outros fundos de investimento abertos e integrarem planos de contribuição definida, cujo risco de perda dos montantes a eles alocados recai exclusivamente sobre os beneficiários das pensões, é suficiente para os equiparar a fundos comuns de investimento abrangidos pela Diretiva 2009/65/CE.

 

80. Deve assim improceder o PPA, por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, com as devidas consequências legais.

 

  1. Saneamento

 

81. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, encontra-se regularmente constituído e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2 e 10.º do RJAT.

 

82. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

83. O processo não enferma de nulidades. Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

IV.1. Factos Provados

 

1) A sociedade A..., S.A. (“A...”), pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., n.º..., ...‐... Lisboa, tem por objeto social o exercício da atividade das sociedades gestoras de fundos de pensões, dedicando-se, essencialmente, ao desenvolvimento de produtos de pensões e à gestão de fundos de pensões no âmbito da sua atuação e integração na área de negócio do grupo de gestão de ativos do L... .

 

2) O A... é a sociedade gestora e representante fiscal dos fundos de pensões abertos B... com NIF ..., C..., com NIF..., D..., com NIF...,  E..., com NIF..., F..., com NIF..., G..., com NIF ..., H..., com NIF..., I..., com NIF ..., J..., com NIF ... e K..., com NIF ... .

 

3) Dada a atividade exercida, o A... cobra comissões de gestão aos fundos de pensões por si geridos, liquidando Imposto do Selo, à taxa de 4%, nos termos da Verba 17.3.4 da TGIS.

 

4) Nos Relatórios dos fundos de pensões consta que a “comissão de gestão” cobrada pelo A... “corresponde à remuneração da sociedade gestora pela sua atividade de gestão do património” de cada fundo.

 

5) O M... dedica-se à prestação de serviços de mediação como operador de banca-seguros da rede de distribuição do N..., encontrando-se registada no Registo Administrativo Especial de Mediadores de Seguros junto da Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones e autorizada pela ASF para a prossecução da atividade de mediação de fundos de pensões em Portugal.

 

6) Em 18-10-2018, entre o A... e a sociedade M..., entidade residente para efeitos fiscais em Espanha, foi celebrado, um “Contrato de Mediação de Fundos de Pensões”, nos termos do qual o M... se comprometeu a desenvolver a atividade de mediação em relação aos fundos de pensões abertos geridos pelo A..., através da rede de distribuição da sucursal em Portugal do Banco N..., S.A.

 

7) Para efeitos do referido contrato, e conforme clausulado do mesmo, “entende-se por mediação de fundos de pensões qualquer atividade que consista em propor ou praticar outros atos preparatórios, junto de clientes, no contexto de adesões individuais a fundos de pensões, no que se refere à subscrição, transferência, resgate ou reembolso, assim como apoiar no acompanhamento dessas adesões individuais, incluindo a prestação de informações sobre um ou mais fundos de pensões geridos pela entidade gestora e demais serviços prestados pela entidade gestora aos clientes, no contexto dos fundos de pensões por si geridos”.

 

8) Nos termos do clausulado do referido contrato, a entidade mediadora “poderá assinar documentação contratual relativa à subscrição, transferência e resgate ou reembolso das adesões individuais aos fundos de pensões, assim como a documentação contratual relativa a outros serviços disponibilizados pela entidade gestora”.

 

9) Conforme clausulado do referido contrato, “pelo exercício da atividade de mediação de fundos de pensões, exercida com referência aos fundos de pensões e aos novos fundos que também venham a ser distribuídos por acordo das partes, a entidade gestora pagará à mediadora uma remuneração cujo montante e forma de cálculo se encontram previstos no Anexo I” do contrato.

 

10) No “Anexo I” do referido contrato, relativo a “Produtos e Comissões”, constam as taxas de “comissão de comercialização (…) correspondente às adesões individuais” e “comissão de comercialização sobre o valor subscrito/transferido ou resgatado” no âmbito de fundos de pensões abertos.

 

11) Em 13-05-2019, as partes celebraram um aditamento ao contrato de mediação, com vista ao alargamento do seu âmbito, nomeadamente, à inclusão de novos produtos e serviços, passando, assim, o contrato em apreço a prever o exercício da atividade de mediação, por parte da M..., em relação a outros fundos de pensões abertos.

 

12) No “Anexo” ao aditamento do contrato, relativo a “Produtos e Comissões”, constam as taxas de “comissão de comercialização (…) correspondente às adesões individuais”, “comissão de comercialização sobre o valor subscrito/transferido ou resgatado” e “comissão de comercialização sobre contribuições”.

 

13) Em 27-05-2020, as partes celebraram novo aditamento ao contrato de mediação, sendo que no respetivo “Anexo”, relativo a “Produtos e Comissões”, constam as taxas de “comissão de comercialização (…) correspondente às adesões individuais” e “comissão de comercialização sobre o valor subscrito/transferido ou resgatado” no âmbito de fundos de pensões abertos.

 

14) Sobre as referidas comissões de comercialização cobradas pela M..., tem vindo a ser liquidado Imposto do Selo, à taxa de 2%, nos termos da Verba 22.2 da TGIS.

 

15) Foram emitidas ordens de pagamento pelo A..., através de diversos documentos “MEMO”, referentes a “Comissão M...”, entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022.

 

16) Foram emitidas faturas pelo M..., referentes a “Comissão de Comercialização dos Fundos de Pensões”, para pagamento pelo A..., entre janeiro e outubro de 2023.

 

17) Relativamente à “Comissão de Gestão”, foram emitidos documentos “MEMO”, entre janeiro e dezembro de 2021, e janeiro e outubro de 2023, a creditar ao A..., com menção do respetivo “Imposto do Selo” a liquidar.

 

18) Nos termos das verbas da TGIS, foram emitidas autoliquidações de IS relativamente às comissões cobradas pelo A... e M... .

 

19) Em 22-01-2024, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, cujos termos correram sob o procedimento n.º ...2024..., junto da UGC – Unidade dos Grandes Contribuintes, na qual peticionaram o reembolso do Imposto do Selo liquidado no valor total de 327.275,36 €.

 

20) Em 21-08-2024, os Requerentes avançaram com pedido de pronúncia arbitral, com base na presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa.

 

21) Após audiência prévia, em 08-10-2024, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi proferida pelo Sr. Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC, ao abrigo da sua subdelegação de competências, decisão final expressa de indeferimento.

 

22) Da decisão de indeferimento consta que “não assiste razão ao alegado” pelo A..., com a devida fundamentação subjacente.

 

23) A decisão final do procedimento de reclamação graciosa foi notificada à Requerente em 08-10-2024, por carta registada.

 

IV.2. Factos Não Provados

 

1) A atividade de mediação do M..., sobre a qual se aplicaram comissões de comercialização, reconduz-se apenas à atividade de comercialização de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas.

 

2) As comissões cobradas pelo M..., nomeadamente comissões de comercialização, são referentes, específica e exclusivamente, à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas.

 

3) As comissões de gestão cobradas pelo A... não se referem apenas à retribuição pela sua gestão dos fundos, e incluem, na mesma exata medida, as comissões de comercialização cobradas pelo M... .

 

4) Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.

 

IV.3. Fundamentação da matéria de facto

 

84. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas apreciar e selecionar os factos que importam para a boa decisão da cauda, e discriminar a respetiva matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

85. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas. 

 

86. Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos alegados e não contestados pelas partes e na prova produzida nos autos, designadamente prova documental.

 

  1. Matéria de Direito

 

V.1. Objeto e âmbito do processo

 

87. Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nos respetivos articulados, e considerando a prova produzida, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre a peticionada ilegalidade (e respetiva anulação) dos atos tributários impugnados, atendendo (i) à natureza dos fundos de pensões e eventual equiparação com sociedades de capitais, (ii) à natureza e tributação das comissões de comercialização cobradas e (iii) à natureza e tributação das comissões de gestão em causa nos presentes autos, particularmente em sede de Imposto do Selo, nos termos legais aplicáveis.

 

 

V.2. Apreciação do Tribunal Arbitral

 

88. Para efeitos de enquadramento jurídico e fiscal, cumpre, desde já, considerar as disposições legais mais relevantes para a boa decisão da causa.

 

89. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Código do IS, o “imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

 

90. A liquidação do imposto “compete aos sujeitos passivos”, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1 do Código do IS, bem como o respetivo pagamento, nos termos do artigo 41.º do mesmo Código.

 

91. Por força do artigo 9.º, n.º 1 do Código do IS, o “valor tributável do imposto do selo é o que resulta da Tabela Geral”.

 

92. Nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do Código do IS, as “taxas do imposto são as constantes da Tabela anexa em vigor no momento em que o imposto é devido”.

 

93. Conforme prescrito na referida Tabela Geral, anexa ao Código do IS, no âmbito das “operações financeiras”, em particular “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, consta a verba “17.3.4” relativa a “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” com taxa de “4%” a aplicar “sobre o valor cobrado”.

 

94. Nessa mesma Tabela Geral, consta a verba “22.2” relativa a “comissões cobradas pela actividade de mediação” com taxa de “2%” a aplicar “sobre o respectivo valor líquido de imposto do selo”.

 

95. Contudo, há que considerar a Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

 

96. Nos considerandos da referida Diretiva consta que os “impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (…), o imposto do selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais”, pelo que “não deverão ser aplicados impostos indirectos às reuniões de capitais” e, em especial, “não deve ser aplicado imposto do selo”.

 

97. Para o efeito, a Diretiva 2008/7/CE “regula a aplicação de impostos indirectos sobre: a) entradas de capital em sociedades de capitais; b) operações de reestruturação e que envolvam sociedades de capitais; c) emissão de determinados títulos e obrigações”, nos termos do respetivo artigo 1º.

 

98. Do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE resulta que, em regra, os “Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto”.

 

99. Sendo que, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1 da Diretiva, entende-se por “sociedades de capitais” qualquer “sociedade, associação ou pessoa colectiva” especificamente mencionada naquela disposição legal. Não obstante, “é equiparada às sociedades de capitais qualquer outra sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos”, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 2 da referida Diretiva.

 

100. Ora, relativamente aos fundos de pensões, cumpre referir que, nos termos do artigo 4.º, alínea d) da Lei n.º 27/2020, de 23 de julho, que aprova o regime jurídico da constituição e do funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, transpondo a Diretiva (UE) 2016/2341, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016, “fundo de pensões” significa “o património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões (…), podendo ainda simultaneamente estar afeto ao financiamento de um mecanismo equivalente, sendo assegurada a total separação jurídica entre o mesmo e o associado, bem como entre o fundo de pensões e a respetiva entidade gestora”.

 

101. Nos termos do artigo 172.º, n.º1 da Lei n.º 27/2020, de 23 de julho, as “unidades de participação dos fundos de pensões abertos apenas podem ser comercializadas pelas respetivas entidades gestoras” e “por mediadores de seguros”, sendo, neste último caso, aplicável o disposto no artigo 172.º, n.º 2 da referida Lei e no artigo 3.º da Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro, que aprova o regime jurídico da distribuição de seguros e de resseguros, transpondo a Diretiva (UE) 2016/97, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de janeiro de 2016.

 

102. Importa, assim, clarificar se os fundos de pensões, como os que estão em causa nos presentes autos, configuram, ou não, “sociedades de capitais” ou entes equiparados.

 

103. Conforme exposto no acórdão do TJUE de 12 de novembro de 1987, no âmbito do processo n.º 112/86, acessível em www.eur-lex.europa.eu, “um agrupamento de pessoas, sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, é equiparado a uma sociedade de capitais, sem qualquer exigência suplementar”.

 

104. Acresce que, em conformidade com o disposto no acórdão do TJUE de 22-12-2022, no âmbito do processo n.º C-656/21, acessível em www.eur-lex.europa.eu:

 

“A título preliminar, importa recordar que, segundo o seu artigo 1.º, alínea a), a Diretiva 2008/7 regulamenta a aplicação de impostos indiretos sobre as entradas de capital nas sociedades de capitais. Entre esses impostos indiretos figuram o imposto do selo sobre os títulos e os outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto do selo sobre os títulos. O artigo 2.º, n.º 2, da referida diretiva prevê, por outro lado, que qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos que não pertença às categorias de sociedades de capitais mencionadas no n.º 1 do mesmo artigo é equiparada a uma sociedade de capitais.”

 

“(…) o imposto em causa no processo principal constitui um imposto do selo cobrado sobre a remuneração dos bancos a título dos serviços de comercialização de novas subscrições de participações de fundos comuns de investimento. Daqui resulta igualmente que, em direito português, o conceito de «fundo de investimento» visa uma massa de património, sem personalidade jurídica, que pertence aos participantes segundo o regime geral de comunhão. Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva (…)”.

 

“Feitas estas observações preliminares, (…) tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.º da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (…)”.

 

“(…) uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.”

 

“(…) serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7. Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.”

 

105. Com efeito, o TJUE declarou que o “artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.”

 

106. De resto, o acórdão do TJUE de 13-03-2014, no âmbito do processo n.º C-464/12, acessível em www.eur-lex.europa.eu, refere que “devem igualmente ser considerados como fundos comuns de investimento os fundos que, embora não sendo organismos de investimento coletivo (…), têm características semelhantes a estes e efetuam as mesmas operações, ou, pelo menos, têm características de tal forma comparáveis que se encontram numa relação de concorrência com eles”.

 

107. Do exposto resulta que, recorrendo à orientação da jurisprudência do TJUE – enquanto fonte de direito, atento o princípio do primado do Direito da União Europeia e da vinculatividade das decisões e acórdãos do Tribunal de Justiça –, os fundos de pensões configuram-se como entes equiparados a sociedades de capitais, para efeitos da Diretiva 2008/7/CE acima mencionada, beneficiado da proibição de tributação em sede de Imposto do Selo, conforme aplicável.

 

108. Este mesmo entendimento, no âmbito da proibição de tributação em sede de Imposto do Selo, decorre de diversa jurisprudência emanada do CAAD. Vejamos.

 

109. Em conformidade com o exposto na decisão arbitral de 23-10-2024, no processo n.º 503/2024-T, acessível em www.caad.pt, “A sujeição a imposto do selo, nos termos (…) da Tabela Geral do Imposto do Selo, de encargos com comissões (…) cobradas (…) na comercialização de unidades de participação de fundos de investimento é ilegal por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE.”

 

110. Também como decorre da decisão arbitral de 22-04-2024, no processo n.º 722/2023-T, acessível em www.caad.pt, “O artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva de Reunião de Capitais (…) opõe-se à incidência de Imposto do Selo sobre a remuneração paga por uma sociedade gestora de fundos de investimento a uma instituição (…), pela prestação de serviços de comercialização de subscrições de unidades de participação recentemente emitidas de fundos de investimento abertos geridos pela primeira.”

 

111. E, bem assim, das decisões arbitrais de 04-11-2024 e 08-01-2025, no âmbito dos processos n.ºs 618/2024-T e 9/2024-T, respetivamente, acessíveis em www.caad.pt, que mencionam que a TGIS, “quando aplicada a encargos com comissões (…) cobradas pelas instituições (…) na comercialização de unidades de participação de fundos de investimento, viola a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, conforme interpretação extensiva do TJUE”.

 

112. Sendo que, de acordo com a decisão arbitral de 22-11-2024, no processo n.º 102/2024-T, acessível em www.caad.pt, “É contrário à sua ratio e não tem suporte mínimo no elemento literal das suas normas o entendimento de que a Diretiva 2008/7/CE apenas é aplicável aos chamados fundos comuns de investimento e não a outros a tipos de fundos de investimento”.

 

113. Em concreto, quanto aos fundos de pensões abertos, a jurisprudência admite também a aplicação da Diretiva 2008/7/CE, com o que o presente Tribunal arbitral concorda.

 

114. Cumpre destacar a decisão arbitral de 26-10-2024, no processo n.º 393/2024-T, acessível em www.caad.pt, segundo a qual a “tributação em imposto do selo, nos termos da (…) Tabela Geral do Imposto do Selo, de encargos com comissões cobradas pela comercialização (…) de unidades de participação nos fundos de pensões abertos geridos pela respetiva entidade gestora é ilegal por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.”

 

115. Também a decisão arbitral de 11-11-2024, no processo nº 389/2024-T, acessível em www.caad.pt, dispõe que os “fundos de pensões têm natureza de “património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde (…)”, cujas unidades de participação são comercializadas junto do público, constituindo a respetiva emissão e subscrição atos de “reunião de capitais”. “É ilegal a sujeição a imposto do selo, nos termos da (…) Tabela Geral do Imposto do Selo, de encargos com comissões (…) cobradas pelas instituições (…) na comercialização de unidades de participação de fundos de pensões, por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE, assim como o redébito aos Fundos pela respetiva Sociedade Gestora de Fundos de Pensões.”

 

116. Face ao exposto, afigura-se forçoso solucionar a primeira questão de direito em causa nos presentes autos a favor dos Requerentes, tal como peticionado no respetivo PPA.

 

117. Transpondo para o caso em apreço, com as devidas adaptações, e dando cumprimento à jurisprudência do TJUE, entendemos que os fundos de pensões, à semelhança da interpretação constante noutras decisões arbitrais, encontram-se abrangidos e beneficiam da proibição de tributação, em sede de Imposto do Selo, constante na Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

 

118. Não obstante, cumpre verificar se os Requerentes cumpriram com o ónus de prova que lhes competia para o efeito, de forma a responder às restantes questões em aberto.

 

119. Nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos (…) dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

120. Competia, assim, aos Requerentes, provar os factos que operam como suporte das pretensões e dos respetivos direitos que invocam. Ou seja, os Requerentes teriam de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de liquidação subjacentes aos atos impugnados nos presentes autos.

 

121. Probatoriamente, os Requerentes apenas juntaram prova documental para suportar o respetivo PPA. Não obstante, nos autos consta, também, o processo administrativo junto pela Requerida.

 

122. Ora, do denominado “Contrato de Mediação de Fundos de Pensões” celebrado entre o A... e o M..., resulta que esta última entidade, na qualidade de “mediadora”, desenvolve a atividade de mediação em relação aos fundos de pensões geridos pelo A..., nos termos legais e regulamentares aplicáveis.

 

123. Em particular, o contrato em causa especifica que “entende-se por mediação de fundos de pensões qualquer atividade que consista em propor ou praticar outros atos preparatórios, junto de clientes, no contexto de adesões individuais a fundos de pensões, no que se refere à subscrição, transferência, resgate ou reembolso, assim como apoiar no acompanhamento dessas adesões individuais, incluindo a prestação de informações sobre um ou mais fundos de pensões geridos pela entidade gestora e demais serviços prestados pela entidade gestora aos clientes, no contexto dos fundos de pensões por si geridos”.

 

124. Ao abrigo do referido contrato, a “mediadora” pode envolver-se na “subscrição, transferência e resgate ou reembolso” no âmbito dos fundos de pensões, sendo que será remunerada pelo “exercício da atividade de mediação” de fundos de pensões e de outros serviços prestados pela entidade gestora.

 

125. No âmbito do contrato e dos respetivos aditamentos constam menções relativas a “comissão de comercialização” em adesões individuais, “comissão de comercialização sobre valor subscrito/transferido ou resgatado” e “comissão de comercialização sobre contribuições” em produtos e serviços, enquanto remuneração da entidade mediadora.

 

126. Neste âmbito, da prova documental produzida, e conforme factualidade dada como provada, é possível verificar ordens de pagamento emitidas pelo A..., através de diversos documentos intitulados como “MEMO”, referentes a “Comissão M...”, entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022.

 

127. Foram, também, juntas aos autos algumas faturas emitidas pelo M..., referentes a “Comissão de Comercialização dos Fundos de Pensões”, para pagamento pelo A..., entre janeiro e outubro de 2023.

 

128. Os Requerentes alegam que todos estes documentos configuram “faturas” e que respeitam a comissões de comercialização referentes aos fundos de pensões, conforme mencionado expressamente no articulado do PPA.

 

129. Contudo, e como bem refere a Requerida, nem todos os documentos em causa configuram “faturas”. Acresce que os documentos intitulados como “MEMO” – documentos meramente internos – nem especificam qual o tipo de comissão em causa, mencionando apenas “Comissão M...”.

 

130. Não se afigura possível concluir, com certeza, que a atividade da entidade mediadora e que as respetivas comissões, designadamente as comissões de comercialização em causa, sejam referentes, específica e exclusivamente, à mediação no âmbito da emissão e subscrição de novas unidades de participação nos fundos de pensões.

 

131. Ademais, notamos que os Requerentes juntaram outros documentos, também intitulados como “MEMO”, referentes a “Comissão de Gestão”, entre janeiro e dezembro de 2021, e janeiro e outubro de 2023, a creditar ao A..., com menção do respetivo “Imposto do Selo” a liquidar.

 

132. Contudo, não foram juntas quaisquer “faturas” das ditas comissões de gestão, contrariamente ao alegado pelos Requerentes. Nem os documentos intitulados como “MEMO” permitem concluir se a referida “Comissão de Gestão” inclui, e nem em que exata medida inclui, a alegada “Comissão M...” como pretensa comissão de comercialização.

 

133. Na verdade, em sede de relatórios dos fundos de pensões, conforme consta no processo administrativo junto, consta que a “comissão de gestão” corresponde à “remuneração da sociedade gestora pela sua atividade de gestão do património” de cada fundo. Também se menciona nesses relatórios que a “comissão de mediação” corresponde a “despesas incorridas com as transações de títulos”, por exemplo. Podem também ser cobradas “outras comissões” que “reverteriam a favor da entidade comercializadora”.

 

134. Daqui decorre, igualmente, que não se afigura possível concluir, com certeza, que as comissões de gestão em causa refletem, nem em que medida, as ditas comissões de comercialização, por referência, específica e exclusivamente, à mediação no âmbito da emissão e subscrição de novas unidades de participação nos fundos de pensões.

 

135. Ora, tal como mencionado na decisão arbitral de 28-06-2024, no processo n.º 132/2024-T, acessível em www.caad.pt, “não se provou que as comissões de gestão cobradas (…) incluam uma parte correspondente a comissões de comercialização. A este respeito, refira-se que as faturas emitidas (…) contêm a descritiva “comissão de gestão (…)”, mas sem fazerem qualquer referência ou autonomização da alegada comissão de comercialização”.

 

136. No mesmo sentido, a decisão arbitral de 10-05-2023, no processo n.º 572/2022-T, acessível em www.caad.pt, refere que “não se provou que as comissões de gestão emitidas (…) incorporam a componente das comissões de comercialização. Assim como também não se individualizam os tipos de serviços”.

 

137. Com relevo, destaca-se, ainda, o disposto na decisão arbitral de 26-04-2023, no processo n.º 681/2021-T, acessível em www.caad.pt, que expõe que “a incompatibilidade com o art. 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE da liquidação do imposto do selo ao abrigo da verba 17.3.4. da TGIS em relação às comissões de gestão cobradas (…) aos fundos de investimento por si geridos depende de a comissão de gestão incluir a remuneração pelos serviços de comercialização de unidades de participação, não abrangendo, pois, todos os outros serviços e funções de gestão dos organismos”, sendo que “não ficou provado (…) que as comissões de gestão cobradas (…) aos fundos de investimento por si geridos, conforme faturas juntas (…), incorporem uma componente remuneratória de comercialização das unidades de participação desses fundos”, improcedendo, assim, “a ilegalidade invocada”.

 

138. Com efeito, na falta de prova que suporte devidamente o PPA, e conforme decisão arbitral de 18-10-2024, no processo n.º 979/2023-T, acessível em www.caad.pt, “o Imposto do Selo liquidado sobre “comissões de gestão” de fundos não se enquadra no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE e não é incompatível com esta norma.”

 

139. Perante uma situação de patente insuficiência da prova produzida nos autos, em face dos factos alegados pelos Requerentes que sustentam o pedido e configuram a respetiva causa de pedir, improcede, assim, o PPA, por não provado, relativamente às denominadas comissões de comercialização e comissões de gestão cobradas, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados, nos termos legais.

 

140. Por fim, fica prejudicada, também, a apreciação do pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1. Decisão

 

141. Face ao exposto, o presente Tribunal Arbitral coletivo decide:

 

  1. Julgar improcedente, por não provado, o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Condenar os Requerentes nas custas do processo.

 

  1. Valor

 

142. Fixa-se o valor do processo em 327.275,36 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII.   Custas

 

143. Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 5.814,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

18 de março de 2025

 

O Árbitro Presidente

 

 

Prof. Doutor Rui Duarte Morais

 

 

A Árbitra Auxiliar (Relatora)

 

 

 

Dra. Adelaide Moura

 

 

O Árbitro Auxiliar

 

 

 

Dr. António A. Franco