SUMÁRIO:
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Nos termos do artigo 16.º, n.º 8, do CIRS, são requisitos de aplicação do regime de residente não habitual que: (i) o sujeito passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e (ii) que o sujeito passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores, não tendo a inscrição no registo de residentes não habituais natureza constitutiva do direito a ser tributado nos termos do regime legal.
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Ficou demonstrado nos autos que, nos últimos cinco anos anteriores ao pedido do estatuto de RNH, o Requerente tinha sido parcialmente residente fiscal em território português.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., cidadão de nacionalidade alemã, titular do número de identificação fiscal português (“NIF”) ... e residente na ..., n.º ..., ..., ...-... Leiria (“Requerente”), vem, nos termos e para os efeitos previstos no disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do RJAT e do artigo 99.º do CPPT, deduzir pedido de pronúncia arbitral constituído com vista à anulação de despacho de indeferimento de reclamação graciosa, emitido pela AT, e anulação da liquidação do IRS com o número 2023..., no valor de € 19.975,89 (dezanove mil novecentos e setenta e cinco euros, e oitenta e nove cêntimos), respeitante a 2022.
O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, no âmbito do processo com o número ...2024..., enquanto ato imediato, e bem assim, a referida liquidação do IRS emitida pela AT, enquanto ato mediato da presente impugnação.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) em 09-08-2024.
O Requerente optou por não designar Árbitros.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi a árbitro designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, comunicando a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 24-09-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído, em 14-10-2024.
Na mesma data, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que apresentou, em 11-11-2024, tendo juntado igualmente Processo Administrativo (doravante PA).
Na Resposta, a AT suscitou duas exceções, uma como sendo da incompetência do Tribunal Arbitral, e outra, a da impropriedade do meio processual utilizado, defendendo a improcedência do PPA caso estas não fossem atendidas.
Por despacho de 20-01-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e bem assim as partes de apresentarem alegações escritas.
A coberto de despacho arbitral, de 23-03-2025, notificou-se ainda o Requerente, ao abrigo do artigo 16.º do RJAT para, querendo, exercer no prazo de 10 dias o direito de resposta cingido à matéria da exceção invocada pela Requerida.
O que o Requerente efetuou tempestivamente, em 26-03-2025.
II. Síntese da posição das Partes:
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Da Requerente
Os argumentos apresentados no PPA, bem como em alegações escritas, sublinham o seguinte:
"Em 01-01-2022, o Requerente deslocou a sua residência fiscal do Brasil para Portugal.
O Requerente procedeu à sua inscrição como residente, para efeitos fiscais, em Portugal, junto da AT.
Não obstante ter deslocado a sua residência para Portugal apenas em 01-01-2022, por lapso dos Serviços, o Requerente ficou erradamente registado no cadastro da AT enquanto residente fiscal em Portugal, com efeitos a 01-11-2021.
Assim, durante o ano de 2021, o Requerente não preencheu os critérios para se qualificar como residente fiscal em Portugal, ao abrigo das disposições do Código do IRS.
Como confirmam as próprias autoridades fiscais brasileiras, até 31-12-2021, o Requerente teve sempre a sua residência fiscal no Brasil (cf., cópia do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais brasileiras, referente ao ano de 2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que se junta como Documento n.º 3).
O Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal apenas em 01-01-2022.
Nos 5 anos anteriores à fixação da sua residência em Portugal (i.e., em 2017, 2018, 2019, 2020 ou 2021), o Requerente não preencheu, em qualquer um daqueles anos, os critérios previstos no artigo 16.º do Código do IRS, para ser qualificado como residente, para efeitos fiscais, em Portugal. 18º Assim, em 2022, o Requerente preenchia todos os requisitos para ser considerado residente não habitual (“RNH”), ao abrigo do artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS (na redação em vigor à data dos factos), e, em consequência, para poder beneficiar do respetivo regime especial aplicável aos RNH.
Em 10-08-2022, o Requerente procedeu à entrega do pedido de inscrição como RNH (cf., cópia do comprovativo de submissão, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que se junta como Documento n.º 4).
Ora, não obstante o Requerente reunir todos os requisitos para beneficiar do regime do RNH, o Requerente recebeu a notificação para exercício de direito de audição, relativamente ao projeto de decisão de indeferimento do registo como RNH (cf., cópia do projeto de decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que se junta como Documento n.º 5), com o seguinte teor: «Consta em declarações de terceiros (Mod. 10/DMR), como tendo obtido rendimentos da Categoria A, enquanto residente, relativamente ao(s) ano(s) de 2021».
Os referidos rendimentos foram auferidos pela prestação de uma atividade de elevado valor acrescentado, por respeitarem ao desempenho de funções comerciais na qualidade de diretor de desenvolvimento de negócio (Business Development Director) (cf., cópia do contrato de trabalho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que se junta como Documento n.º 6).
O Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS modelo 3, referente ao ano de 2022, com identificação n.º..., na qual incluiu a totalidade dos rendimentos por si auferidos, nomeadamente os rendimentos de trabalho dependente pagos pela entidade B... no montante de € 112.000,00.
A apresentação da declaração do IRS referida no ponto anterior deu origem à liquidação do IRS com o número 2023..., com o valor a reembolsar a favor do Requerente de € 1.835,40.
Não obstante, entende o Requerente que, por se encontrarem verificados todos os requisitos na lei para beneficiar da aplicação do regime aplicável aos RNH e por desempenhar uma atividade de elevado valor acrescentado sob o código “1213 – Diretor de Estratégia e Planeamento” (Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, acrescentado), os rendimentos por si auferidos deveriam ter sido tributados no termos daquele regime, designadamente mediante a aplicação da taxa de 20% (e não a taxa máxima de 48%) sobre os referidos rendimentos do trabalho dependente.
Em 06-02-2024, não concordando com a liquidação em crise, o Requerente apresentou reclamação graciosa, requerendo a anulação da liquidação contestada e a emissão de nova liquidação enquanto RNH (cf., cópia da reclamação graciosa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que se junta como Documento n.º 7).
Ora, conforme os factos elencados supra, o Requerente teve, nos termos das normas do Código do IRS, o estatuto de não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021.
Ademais, o Requerente procedeu, em 10-08-2022, à entrega do pedido de inscrição como RNH, cumprindo com o disposto nas normas legais acima expostas.
Ora, salvo melhor opinião, entende o Requerente que a circunstância de ter sido, alegadamente, incluído numa Declaração Mensal de Remunerações de uma entidade não pode fazer presumir a sua residência fiscal em Portugal.
Assim sendo, e uma vez que se verifica que o Requerente cumpriu efetivamente os requisitos previstos no Código do IRS para ser considerado RNH, com início a 01-01-2022, entende o Requerente que não pode ser prejudicado pelo reporte incorreto efetuado pela sua entidade empregadora.
Neste contexto, a AT deveria ter promovido a retificação dos dados constantes no registo de contribuintes relativamente ao Requerente, com efeitos retroativos, de forma a aí constar adequadamente refletida o seu estatuto de RNH em Portugal com data de início a 01-01-2022.
Importa notar que, conforme decidido pelo Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), no âmbito do processo n.º 574/2023-T, de 04-03-2024, «Resulta assim, no entendimento do Tribunal Arbitral, da norma supra identificada, que o legislador faz depender a obtenção do estatuto de residente não habitual exclusivamente dos requisitos cumulativos previstos no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS. Veja-se que o n.º 11 do artigo 16.º do CIRS de forma clara faz depender a inscrição como RNH à circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual. Consequentemente a obrigação definida no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS trata-se de uma mera obrigação declarativa, não sendo constitutiva de direito. Pelo que em caso de incumprimento do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS a consequência nunca poderá ser a não obtenção do estatuto de RNH, mas tão somente uma infração suscetível de ser punida pelo artigo 116.º do RJIT.»
Veja-se ainda a decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 815/2021-T, de 29-08-2022, «O direito à tributação como residente não habitual fica condicionado ao cumprimento dos requisitos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “[d]a inscrição como residente em território português, e não (da inscrição) como residente não habitual. A inscrição como residente não habitual não é assim, constitutiva do referido direito (à tributação como residente não habitual), mas reveste uma mera natureza declarativa.»
E, ainda, por fim, a decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 188/2020-T, de 24-09-2021, na qual se refere que «(…) como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.
Sob esta perspetiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual – até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional –, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar a sua efetividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal. E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.
A este respeito, também o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0842/23.9BESNT, de 29-05-2024, confirmou já que «(…) o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.
No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pela ora Recorrente.
Com este pano de fundo, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.
Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (n.º 7 do artigo 16.º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção -Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (n.º 12 do artigo 16º do CIRS).
Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16.º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.
Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018, situação que implica a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida, com a consequente viabilização da pretensão da Recorrente no âmbito desta acção no sentido da anulação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição.»
Voltando ao caso em análise, e conforme ficou desde já evidenciado, o Requerente preenchia, para o ano de 2022, todos os requisitos de que dependia o seu enquadramento como RNH, considerando que se tornou residente, para efeitos fiscais em Portugal, em 01-01-2022 e não preencheu, em qualquer um dos cinco anos anteriores, os critérios para ser considerado aqui residente, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS.
Em consequência, o Requerente deveria ter sido tributado enquanto RNH em 2022, considerando que o regime se deverá aplicar pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português, nos termos do artigo 16.º, n.º 9, do Código do IRS.
Por outro lado, e como demonstrado anteriormente, a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, constitui uma obrigação meramente declarativa e, portanto, não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, sendo que o atraso na entrega poderia, apenas, conduzir a uma contraordenação tributária e não à preclusão do direito de ser corretamente enquadrado como RNH.
A este respeito, importa salientar que do facto de a entidade empregadora do Requerente, a. B..., ter reportado, por lapso, as remunerações referentes ao ano de 2021 do Requerente numa Declaração Mensal de Remunerações (destinada a declarar os rendimentos de trabalho dependente auferidos por sujeitos passivos residentes em território português), ao invés de as reportar nas respetivas Modelo 30 (destinada a declarar os rendimentos pagos a sujeitos passivos não residentes em território português), não pode a AT presumir que o Requerente foi residente fiscal em Portugal em 2021.
Como de resto ficou provado, reforça-se que o Requerente foi residente fiscal no Brasil a totalidade do ano de 2021, tendo deslocado a sua residência para Portugal apenas em 01-01- 2022.
Consequentemente, para o ano de 2022, deveria ter sido apurado uma coleta total no valor € 20.428,40 (i.e. € 99.680,00 x 20%) – e não o valor de € 39.911,89 erradamente apurado pela AT – apurando-se uma coleta líquida no valor de € 19.163,19 e um valor a reembolsar ao Requerente de € 21.811,29.
Nestes termos, é questão isenta de dúvidas que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente e, bem assim, a liquidação de IRS com o número 2023..., respeitante ao período de 2022, devem ser considerados e declarados ilegais, por enfermarem de vícios determinativos da sua ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito e de facto e, por consequência, anuláveis, nos termos do artigo 163.º do CPA."
Pugna ainda o Requerente pelo pagamento de juros indemnizatórios nos seguintes termos:
"(...) o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e a liquidação do IRS identificada supra em crise são manifestamente ilegais. 60º Assim, considera o Requerente ter direito ao recebimento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor que o Requerente deveria ter sido reembolsado e não recebeu, no montante total de € 19.975,89, computados desde a emissão da liquidação do IRS com o número 2023... até à emissão da respetiva nota de crédito."
Peticiona, por fim, ao Tribunal Arbitral que se digne a:
a) Declarar e a ordenar a anulação do despacho que indeferiu o pedido de Reclamação Graciosa com o número ...2024..., e bem assim, da liquidação do IRS com o número 2023..., emitidas pela AT;
b) Condenar a AT a efetuar o reembolso da quantia paga em excesso pelo Requerente no montante de € 19.975,89;
c) Reconhecer o direito da Requerente aos juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes a restituir e computados desde a emissão da liquidação do IRS com o número 2023... até à emissão da nota de crédito;
d) Condenar a Requerida ao pagamento das custas arbitrais.
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Da Requerida
Sintetizam-se os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida:
Segundo a Requerida, o peticionado não pode proceder, em primeiro lugar porque a questão controvertida, e que subjaz à alegada ilegalidade da liquidação identificada, na ótica da AT não pode ser apreciada pelo CAAD, e, ainda que assim não fosse, sempre se diria que os atos impugnados não padecem das ilegalidades que lhe são apontadas.
Defendendo-se por exceção, invoca a Requerida:
"a) Incompetência material do Tribunal Arbitral para o conhecimento dos vícios suscitados/a apreciação do pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico tributário dos residentes não habituais
Primeiramente, importa abordar a questão da propriedade do meio escolhido pelo Requerente para fazer valer a sua pretensão, porquanto, não obstante impugnar também a liquidação “do IRS com o número 2023...”, referente ao ano de 2022, a causa de pedir que suporta tal pedido centra-se na suposta condição de RNH do mesmo. Com efeito, e conforme referido/assumido pelo próprio Requerente no PPA o “ato imediato da presente impugnação” é “o despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, no âmbito do processo com o número ...2024...”.
(...) de acordo com Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág. 105: «Mas, mesmo relativamente à impugnação de atos praticados no âmbito de procedimentos tributários, a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando de fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT…»
É de facto notório que o Requerente pede, de forma expressa e literal que lhe seja reconhecido o direito a ser tributado ao abrigo de um regime especial em sede de IRS: o regime fiscal dos residentes não habituais, só que o julgamento dessa questão prévia não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto. Sendo, assim, o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos RNH, no caso para aplicar o regime, que lhe foi negado, à liquidação em apreço. Porquanto, como se disse e aqui se repete, se trata de questão tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação invocado.
Neste sentido, vejam-se as recentes decisões arbitrais proferidas nos processos 796/2022-T CAAD, 906/2023-T e 651/2024-T, cujos trechos infra se extratam, nas partes mais relevantes, aderindo-se in totum às respetivas fundamentação e conclusões: “Seguimos na nossa análise a douta jurisprudência do Tribunal Constitucional, e dos tribunais superiores, designadamente, do Supremo Tribunal Administrativo que entendem que o ato que indefira o reconhecimento como RNH é atacável contenciosamente através de Ação Administrativa, não sendo uma faculdade, mas um ónus do contribuinte fazê-lo, não podendo efetuá-lo no âmbito da liquidação do tributo. Concretizando, o reconhecimento da aplicabilidade ao Requerente do regime dos RNH teria de ser efetuada por via de Ação Administrativa Especial e não pela presente via impugnatória arbitral, sustentando-se para o efeito nos acórdãos do STA n.º 034/14 de 2016-05-11, n.º 014/19.7BALSB (uniformizador de jurisprudência) e acórdão do Tribunal Constitucional (doravante TC), com o n.º 718/2017 – naquilo que aqui for aplicável já que o quadro factual que lhe está subjacente não é exatamente idêntico ao dos autos.” (…).
Desta forma, tendo em conta que os únicos vícios ora imputados à liquidação se prendem com a apreciação de alegados vícios atinentes ou decorrentes daquele outro ato de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, contra o qual, frise-se, o Requerente não reagiu graciosa ou contenciosamente, ónus que lhe cabia, estando esse ato, por isso, consolidado na ordem jurídica (constituindo, além do mais, caso julgado administrativo), é por demais evidente a incompetência material, absoluta, do CAAD, para apreciar estes alegados vícios/ilegalidades que, segundo invoca, ferem de ilegalidade a liquidação.
O CAAD tem certamente competência para apreciar outros vícios/erros atinentes à legalidade da liquidação sub judice, mas estando inevitavelmente excluída a “possibilidade de impugnação do ato consequente como o de liquidação do tributo, com fundamento em vícios que atinjam aquele seu ato pressuposto” (cf. citado acórdão do Tribunal Constitucional), e não estando em causa quaisquer outros vícios da liquidação, ter-se-á de concluir pela incompetência material deste tribunal, a qual é aferida pelo pedido do Requerente e causa de pedir em que o mesmo se apoia.
A incompetência material configura uma exceção dilatória, que desde já se suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido conerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Quanto à alegada impropriedade do meio processual, considera a AT que "Os mesmos argumentos que sustentam a incompetência absoluta do CAAD supra suscitada aplicam-se mutatis mutandis à impropriedade do meio processual."
Ou seja, se o indeferimento do pedido de inscrição como RNH só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, como se viu, é inquestionável que o P.P.A. apresentado pelo Requerente não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão.
A impropriedade do meio consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT."
Tocantemente à defesa por impugnação, defende a AT que "O que está efetivamente em causa é tão só a não verificação, no caso concreto, dos requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS: o Requerente foi residente fiscal em Portugal em 2021, portanto num dos cinco anos anteriores a 2022. Efetivamente, tal como resulta da documentação junta no processo administrativo (PA) o Requerente apresentou um pedido de inscrição como RNH em 10-08-2022, cuja decisão de indeferimento foi assim fundamentada (cfr. folhas 15 e 16 do PA).
O Requerente não apresentou quaisquer alegações em sede de audição prévia, bem como não apresentou recurso hierárquico, nem reagiu graciosa ou contenciosamente contra o ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, o qual se consolidou, assim, na ordem jurídica. Acresce que, a Requerida possui outros elementos, que são do conhecimento pessoal do Requerente, que reforçam a informação que consta das DRM submetidas pela entidade patronal. E das quais consta que no ano de 2021 foram pagos ao Requerente rendimentos do trabalho dependente (categoria A), quer enquanto residente em território nacional (DMR), quer enquanto residente no estrangeiro (modelo 30). Não estamos perante um lapso da entidade empregadora do Requerente, a “B...”, como este quer fazer crer, pois esta não procedeu à substituição das mesmas, e nem a AT se limitou a presumir que o Requerente foi residente fiscal em Portugal em 2021; como demonstraremos.
Veja-se o extrato informático dos rendimentos declarados pela entidade patronal do requerente relativamente a 2021.
Tal informação é corroborada, por um pedido de alteração de residência fiscal apresentado pelo próprio requerente em 17-02-2023, onde este solicita a alteração da morda fiscal com efeitos retroativos à data de 01-11-2021 (cfr. folhas 27 do PA).
E a decisão de deferimento deste pedido foi tomada pela AT tendo por base, justamente, um contrato de trabalho com aquela data e as DRM entregues pela entidade patronal.
Por sua vez, no e-balcão, em 20-12-2022, e relativamente a questões relacionadas com a declaração de IRS de 2021, foi o próprio Requerente que assumiu em declarações perante a AT, ter sido residente em Portugal numa parte do ano de 2021 (veja-se o documento completo a folhas 28 do PA), conforme extrato:
Não se tratou, pois, como alega o Requerente ao longo do PPA de um lapso da entidade patronal. (sublinhado da Requerida).
Como ficou demonstrado, não tem correspondência com a factualidade acima descrita, o invocado pelo Requerente de que até 31-12-2021 teve a sua residência fiscal no Brasil e que só em 01-01-2022 deslocou a sua residência fiscal do Brasil para Portugal. Com efeito, foi o próprio Requerente que procedeu à sua inscrição como residente, para efeitos fiscais, em Portugal, junto da AT, solicitando que aquela inscrição tivesse efeitos reportados a 01-11-2021 (cfr. folhas 27 do PA):
Ora, o Requerente vem agora “dar o dito pelo não dito”, e estribar a sua argumentação numa questão que não contende diretamente com o que está efetivamente em causa.
Todavia, e atendendo ao acima exposto e demonstrado, é deveras de concluir, sem quaisquer dúvidas, que o Requerente não reúne os pressupostos para que tal estatuto lhe seja reconhecido, uma vez que foi efetivamente residente fiscal em Portugal no ano de 2021 (não obstante possa ser considerado também residente no Brasil).
Por último, e ainda que não proceda a argumentação expendida na presente Resposta, o que não se concede, e por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que nunca poderia a Requerida ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios peticionados por alegado erro imputável aos serviços.
Ainda que a liquidação padecesse de ilegalidade, que não se vislumbra, sempre se teria de dizer que os requisitos para tais juros, a contar da data de liquidação, não se encontrariam reunidos, considerando que a liquidação ora impugnada resultou tão só da declaração entregue pelo mesmo.
Como, aliás, é jurisprudência assente, veja-se entre outros, o Acórdão do TCAN, proferido no âmbito do Proc. 02408/16.0BEPRT, em 12/01/2023, e também doutrina, como por exemplo nas palavras de Jorge Lopes de Sousa3 “(…) nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte [...], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos”. Conclui-se, assim, que a atuação da Requerida não merece qualquer juízo de censura, antes se afigurando que esta posição é a única que se coaduna com o princípio da legalidade. Nestes termos, deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, absolvendo-se a Requerida dos pedidos."
Concluindo a Requerida:
"A Requerida (AT) interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes, tendo em conta a não verificação dos pressupostos de que dependia a atribuição do regime do RNH em 2022 e nos 10 anos seguintes. Nesta medida, a AT/Requerida indeferiu o pedido do Requerente, porquanto não se verificam os pressupostos legais previstos para a inscrição pretendida, ou seja, “não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
E remata nestes termos:
"a) Devem as exceções invocadas proceder, e a Requerida ser absolvida da instância;
b) Na hipótese de assim não se entender, o que não se concede, deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, por não provada, e ser a Requerida absolvida dos pedidos."
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
IV. EXCEÇÕES INVOCADAS PELA AT (incompetência do Tribunal Arbitral, e impropriedade do meio processual utilizado)
Em síntese, a Requerida alega que os "(…) vícios ora imputados à liquidação se prendem com a apreciação de alegados vícios atinentes ou decorrentes daquele outro ato de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, contra o qual, frise-se, o Requerente não reagiu graciosa ou contenciosamente, ónus que lhe cabia, estando esse ato, por isso, consolidado na ordem jurídica (constituindo, além do mais, caso julgado administrativo), é por demais evidente a incompetência material, absoluta, do CAAD, para apreciar estes alegados vícios/ilegalidades que, segundo invoca, ferem de ilegalidade a liquidação."
Invoca, igualmente, a Requerida que "O CAAD tem certamente competência para apreciar outros vícios/erros atinentes à legalidade da liquidação sub judice, mas estando inevitavelmente excluída a “possibilidade de impugnação do ato consequente como o de liquidação do tributo, com fundamento em vícios que atinjam aquele seu ato pressuposto” (cf. citado acórdão do Tribunal Constitucional), e não estando em causa quaisquer outros vícios da liquidação, ter-se-á de concluir pela incompetência material deste tribunal, a qual é aferida pelo pedido do Requerente e causa de pedir em que o mesmo se apoia."
Conclui a Requerida que "A incompetência material configura uma exceção dilatória, que desde já se suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT."
Vejamos.
"(…) o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, no âmbito do processo com o número ...2024..., enquanto ato imediato da presente impugnação, e bem assim, a liquidação do IRS com o número 2023..., emitidos pela AT, enquanto ato mediato da presente impugnação."
Formulando o Requerente o seguinte pedido "Nestes termos, e nos demais de direito que V.ª Exas. doutamente suprirão, requer-se que se dignem a julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por fundado e provado, e, em consequência, que se dignem a:
a) Declarar e a ordenar a anulação do despacho que indeferiu o pedido de Reclamação Graciosa com o número ...2024..., e bem assim, da liquidação do IRS com o número 2023..., emitidas pela AT;
b) Condenar a AT a efetuar o reembolso da quantia paga em excesso pelo Requerente no montante de € 19.975,89;
c) Reconhecer o direito da Requerente aos juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes a restituir e computados desde a emissão da liquidação do IRS com o número 2023... até à emissão da nota de crédito;
d) Condenar a Requerida ao pagamento das custas arbitrais."
Recorda-se, a propósito, Jorge Lopes de Sousa "Embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça a referência explícita a competência dos Tribunais Arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações."
E bem assim, que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente tem como objeto imediato o despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, no âmbito do processo com o número ...2024..., notificado através do Ofício n.º ..., de 07-05-2024, e como objeto mediato a liquidação de IRS com o número 2023... .
Alega a Requerida que "sem se apreciar se o Requerente pode ou não estar inscrito como RNH, não há como avançar para a apreciação para a ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS uma vez que decorre tão só de aplicação deste regime de tributação".
Ora, é consabido que a inscrição como RNH prevista no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS é uma mera obrigação declarativa, não podendo ser, por isso, considerada constitutiva do direito de ser tributado enquanto RNH.
Resulta que é à liquidação de IRS à qual se imputa o vício de erro sobre os pressupostos por não aplicação das regras de tributação dos residentes não habituais que corresponderia à situação tributária do Requerente, questionando-se a legalidade da liquidação de IRS face ao entorno jurídico-tributário aplicável -, e não à inscrição no registo da condição de residente não habitual do Requerente.
Não procede, em consequência, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida.
Quanto à alegada impropriedade do meio processual, a AT alega, ainda, que "(…) se o indeferimento do pedido de inscrição como RNH só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, como se viu, é inquestionável que o P.P.A. apresentado pelo Requerente não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão." Conclui a Requerida que "(…) existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo."
A posição deste Tribunal Arbitral quanto ao invocado supra, desde logo secundada por abundante jurisprudência arbitral, alguma da qual citada pelo Requerente (v.g. decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 705/2022-T, de 30-07-2023), é a de que não nos encontramos perante qualquer ato de não inscrição cadastral ou de não reconhecimento como residente não habitual para efeitos fiscais que possa operar como ato pressuposto autónomo, prévio e destacável relativamente ao ato de liquidação de imposto ora impugnado, e que por via da sua consolidação na ordem jurídica, implique a preclusão da impugnação da liquidação de imposto.
Neste contexto, deve improceder igualmente a exceção da impropriedade do meio processual.
Improcedendo ambas as exceções suscitadas pela Requerida, não existem obstáculos ao conhecimento do mérito da causa.
V. MATÉRIA DE FACTO
V.1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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No ano de 2021 foram pagos ao Requerente rendimentos do trabalho dependente (categoria A), quer enquanto residente em território nacional (DMR), quer enquanto residente no estrangeiro (modelo 30).
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A “B...” não procedeu à substituição das declarações entregues.
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Houve pedido de alteração de residência fiscal apresentado pelo próprio requerente, em 17-02-2023, onde este solicita a alteração da morada fiscal com efeitos retroativos à data de 01-11-2021 (cfr. folhas 27 do PA), em conformidade com a existência de contrato de trabalho com aquela data e de DRM entregues pela entidade patronal.
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No E-balcão, em 20-12-2022, e relativamente a questões relacionadas com a declaração de IRS de 2021, o Requerente assumiu em declarações perante a AT, ter sido residente em Portugal numa parte do ano de 2021 (veja-se o documento completo a folhas 28 do PA).
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O Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS modelo 3, referente ao ano de 2022, com identificação n.º..., na qual incluiu a totalidade dos rendimentos por si auferidos, nomeadamente os rendimentos de trabalho dependente pagos pela entidade B... no montante de € 112.000,00.
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A apresentação da declaração do IRS referida no ponto anterior deu origem à liquidação do IRS com o número 2023..., com o valor a reembolsar a favor do Requerente de € 1.835,40.
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Em 06-02-2024, não concordando com a liquidação em crise, o Requerente apresentou reclamação graciosa, requerendo a anulação da liquidação contestada, referente ao período de tributação de 2022.
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Em 13-05-2024, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referido no ponto anterior.
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O Requerente não se conforma e não aceita o despacho de indeferimento proferido pela AT, relativamente à reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, e a liquidação de IRS com o número 2023..., motivo pelo qual apresenta o pedido de constituição de tribunal arbitral com o presente pedido de pronúncia arbitral.
V. 2. Factos não provados:
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Não ficou demonstrada a existência de lapso por parte da entidade empregadora do Requerente, a “B...”.
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O Requerente não apresentou o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do ato de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual, nem a reclamação graciosa teve esse fundamento.
Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.
V. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
VI. DO DIREITO
VI.1. A questão a decidir:
Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, as questões a apreciar prendem-se com o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente tendo como tema central a referida liquidação do IRS com o número 2023..., no valor de € 19.975,89 (dezanove mil novecentos e setenta e cinco euros, e oitenta e nove cêntimos), respeitante a 2022.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme vem referido pela AT, o regime fiscal dos “Residentes Não Habituais” (RNH) encontra-se previsto no Código do IRS e foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, e complementado com a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro.
A inscrição como RNH é solicitada por via eletrónica, na respetiva área pessoal do portal das finanças, até 31 de março do ano seguinte àquele em que a pessoa em causa se torne residente.
Dispunha, à data dos factos, o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS o seguinte: “8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Não obstante, a AT efetua, posteriormente, um controlo da informação de que dispõe sobre o contribuinte que indicie a qualificação como residente nesses cinco anos, nomeadamente ter estado registado como residente, ter apresentado declarações Modelo 3 de IRS como residente, ter sido beneficiário de pagamento de rendimentos de trabalho dependente e independente como residente (reportados na Declaração Mensal de Remunerações ou na declaração Modelo 10) ou ter beneficiado de isenção de IMI como residente na habitação própria e permanente em Portugal, entre outros.
O candidato a este regime tem de declarar que não se verificaram, nos cinco anos anteriores, as condições exigidas para que qualificasse como residente em território português.
Ora, no caso em concreto, em 10-08-2022 o Requerente procedeu à entrega do pedido de inscrição como RNH, para que lhe fosse reconhecida essa qualidade relativamente ao ano de 2022.
A factualidade dada acima como provada, devidamente demonstrada através de documentos integrantes do PA, designadamente do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, das declarações de IRS da "B...", e bem assim, dos pedidos de assistência registada no Portal da Finanças, respetivamente em 20-12-2022, e 06-01-2023, corroborando a informação prestada anteriormente, demonstram inequivocamente que não se verificam os pressupostos legais exigidos no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime fiscal dos “Residentes Não Habituais.”
Termos em que improcede o pedido da Requerente por não provado.
VII. DECISÃO
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar improcedentes ambas as exceções suscitadas pela Requerida;
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Julgar improcedente, por não provada, a presente ação arbitral, e ser a Requerida absolvida de todos os pedidos, tudo com as devidas consequências legais;
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Condenar a Requerente nas custas judiciais.
VIII. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de €19.975,89 (dezanove mil novecentos e setenta e cinco euros, e oitenta e nove cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada.
IX. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de março de 2025
A Árbitro
Alexandra Iglésias
Texto elaborado em computador. A redação da presente decisão rege-se pelo acordo
ortográfico de 1990.