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Sumário:
Estando em causa uma liquidação adicional em IRC, por efeito da qualificação, em procedimento inspetivo, como rendimentos de trabalho dependente os encargos efetuados pelo sujeito passivo com ajudas de custo e compensação por deslocação do trabalhador em viatura própria, cabe à Autoridade Tributária, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., S.A., com o número de contribuinte ..., com sede na Rua..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de da liquidação adicional de retenções na fonte n.º 2023..., relativa a 2020, no valor de € 763.002,66, acrescido de juros compensatórios no valor de € 97.263,22, no montante total de € 860.265,88, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido em violação das regras do ónus da prova e do princípio da veracidade das declarações a que se referem os artigos 74.º e 75.º da LGT, vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 77.º da Lei Geral tributária (LGT), a errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão, ilegal generalização das correções a situações não detetadas, em violação dos artigos 21.º e 22.º 85.º, 87.º e 88.º da LGT, violação dos artigos 2.º, n.º 3, alínea b), 11.º, alínea d), e 103.º, n.º 4, do Código do IRS, e ainda violação do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril de 1998.
Invoca ainda a violação do princípio constitucional de capacidade contributiva.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta, em síntese, que os Serviços de Inspeção Tributária, em vista a aferir se os rendimentos pagos a título de ajudas de custo e deslocações em viatura própria visaram ressarcir o funcionário pelas despesas que suportou com deslocações ao serviço da empresa, solicitou, entre outra documentação, a relação de trabalhadores em exercício de funções em 2020, identificando as respetivas funções e o local de prestação de serviços, bem como a identificação das obras em execução, quer em Portugal quer no estrangeiro, e respetivos clientes e contratos celebrados.
Tendo constatado que esses elementos não foram enviados para efeito de instrução do procedimento, tendo sido apenas disponibilizados os recibos e boletins itinerários dos funcionários e os contratos de trabalho.
E, por outro lado, apurou que, de acordo com os contratos de trabalho, não há local de trabalho fixo, nem se preveem compensações a título de ajudas de custo ou pagamento de deslocações, não são reconhecidos contabilisticamente gastos com o alojamento dos trabalhadores no estrangeiro, os serviços faturados aos clientes não nacionais são relacionados com construção civil, e, nos boletins itinerários relativos a trabalhadores no estrangeiro, não é indicada a localidade da obra, e, quando há deslocações em viatura própria não é indicado o motivo da deslocação.
Em face das diversas incongruências detetadas, os serviços inspetivos concluíram que os pagamentos efetuados a título de ajudas de custos e/ou compensação por deslocação em viatura própria corresponderam a efetivas remunerações, constituindo rendimento sujeito a IRS.
2. Por despacho arbitral de 4 de dezembro de 2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinado o prosseguimento do processo para alegações.
As partes apresentaram alegações em 18 e 20 de dezembro de 2024, mantendo as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 8 de outubro de 2024.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II – Fundamentação
Matéria de facto
4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte.
A) A Requerente presta serviços de carga e descarga, embalamento, instalação e montagem especializadas a clientes nacionais e estrangeiros;
B) Esses serviços traduzem-se essencialmente em cargas e descargas de mercadorias nos armazéns dos clientes e em serviços especializados de metalomecânica e estruturas metálicas.
C) Os seus trabalhadores residem fiscalmente em Portugal.
D) A Requerente possui escritórios no Porto, Lisboa e Viana do Castelo e um armazém com instalações fabris em ... para formação do pessoal e montagem de estruturas processo administrativo, 2.ª parte, págs. 47-48).
E) Por efeito da atividade da Requerente, os seus trabalhadores operacionais deslocam-se com frequência às instalações dos clientes, em território nacional ou no estrangeiro.
F) A Requerente foi sujeita a uma ação externa de inspeção de âmbito geral, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., com referência ao período de tributação de 2020;
G) No âmbito do procedimento de inspeção, os serviços inspetivos analisaram, em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, retenções na fonte em falta relativamente a ajudas de custo e deslocações de trabalhadores em viatura própria.
H) A Requerente comunicou o pagamento ou colocação à disposição, no ano de 2020, aos trabalhadores dependentes, dos seguintes rendimentos, em termos globais:
Código do tipo de rendimento
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Rendimentos do Ano
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Retenção IRS
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Contribuições Obrigatórias
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A
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€ 1 956 203,28
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€ 172 589,00
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€ 214 182,02
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A21
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€ 97 933,69
|
€ 0,00
|
€ 0,00
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A22
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€ 2 080 566,70
|
€ 0,00
|
€ 0,00
|
A3
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€ 185 515,22
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€ 17 255,00
|
€ 20 311,84
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A4
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€ 173 807,72
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€ 16 749,00
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€ 19 024195
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A20
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€ 1 818,09
|
€ 0,00
|
€ 0,00
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A30
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€ 1 312,74
|
€ 0,00
|
€ 0,00
|
Total
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4 157,44
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206 593,00
|
€ 253 518,81
|
(Relatório de Inspeção Tributária (RIT), processo administrativo, 2.ª parte, pág. 54)
I) O valor pago mensalmente, com o código A22, correspondente a ajudas de custo e deslocações em viatura própria, distribui-se da seguinte forma:
Mês
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Ajudas de custo e deslocações em viatura própria (parte não sujeita) - A22
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Janeiro
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€ 134 569,84
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Fevereiro
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€ 184 456,98
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Março
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€ 125 120,11
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Abril
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€ 32 172,47
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Maio
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€ 132 924,62
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Junho
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€ 203 327,66
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Julho
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€ 196 946,74
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Agosto
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€ 117 346,19
|
Setembro
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€ 209 371
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Outubro
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€ 276 946,36
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Novembro
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€ 278 852,83
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Dezembro
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€ 188 531,84
|
Total
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€ 2 080 566,70
|
(RIT, processo administrativo, 2.ª parte, pág. 56)
J) No anexo 14 ao RIT encontra-se um mapa, que aqui se dá como reproduzido, em que se discrimina, em cada coluna, em relação a cada trabalhador, a retribuição mensal, a retribuição a considerar tendo em conta a qualificação das ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura própria como rendimentos de trabalho dependente, a tributação autónoma paga, nos temos do artigo 88.º. n.º 9, do Código do IRC, relativamente aos encargos suportados com ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura própria, a retenção na fonte devida, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, no pressuposto de que esses encargos constituem rendimentos do trabalho dependente, e o valor da correção tributária (processo administrativo, 1.ª parte, págs. 371-410).
L) O contrato de trabalho tipo celebrado entre a Requerente e os trabalhadores é do seguinte teor:
Contrato de trabalho por tempo indeterminado
Primeiro outorgante: A..., S.A. pessoa coletiva n.o..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo sob o número .../2007, com o Capital Social de € 50.000,00 (Cinquenta mil euros), com o n.o de contribuinte da Segurança Social..., com sede na ... n.º..., ...-... Viana do Castelo, representada pelo Administrador – B....
Segundo outorgante: C..., solteiro, serralheiro de profissão, contribuinte fiscal com o n.º..., CC n.º ..., residente na rua ... n.o ..., ..., ...-... ... .
É celebrado o presente contrato de trabalho por tempo indeterminado, sob o seguinte clausulado:
1.ª
A Primeira Outorgante admite o Segundo Outorgante com a categoria profissional de Serralheiro de Construção de Estruturas Metálicas, para desempenhar as funções e tarefas características desta categoria que consistem, nomeadamente, em desenvolver as atividades relacionadas com o fabrico, montagem e preparação do trabalho em estruturas metálicas, seguindo instruções técnicas e cumprindo as exigências de qualidade expressa em normas e códigos (EN287/92 parte 1), respeitando as normas de higiene, segurança e ambiente.
2.ª
O Segundo Outorgante obriga-se a desempenhar as funções características da sua categoria profissional sob as ordens, direção e fiscalização da Primeira Outorgante, mediante a retribuição mensal de € 1550,00 acrescida do subsídio de alimentação de € 4.52 por cada dia de trabalho efetivo.
3.ª
As Partes instituem o regime de banco de horas, previsto no art. 208.º-A do Código do Trabalho e na cláusula 49.º do Contrato Coletivo de Trabalho infra identificado na cláusula 10. a do presente.
Foi, na presente data, dado a conhecer ao Trabalhador o regime agora instituído, o qual compreendeu e aceitou, encontrando-se o mesmo permanentemente disponível para consulta na Cláusula 10.ª do presente.
4.ª
O Segundo Outorgante fica sujeito ao cumprimento do período normal de trabalho de 40 horas semanais, mediante o horário a fixar pela Primeira Outorgante, sem prejuízo de regime especial de adaptabilidade, nos termos do art. 205.º do Código do Trabalho, a que o Segundo Outorgante presta desde já o seu acordo.
5.ª
O local de trabalho do Segundo Outorgante é identificado com a área geográfica do distrito de Viana do Castelo, sem prejuízo de desempenhar a sua atividade profissional onde a Primeira Outorgante tenha obras, quer as mesmas ocorram no país ou no estrangeiro.
6ª
O segundo outorgante terá direito a férias nos termos do art. 237.º e seguintes do Código do Trabalho.
7ª
O Segundo Outorgante ficará ainda seguro pelo risco de Acidentes de Trabalho, contra qualquer eventualidade, sendo a Companhia de Seguros a D... SA, e a Apólice n.º... .
8.ª
O Segundo Outorgante poderá denunciar o respetivo contrato de trabalho mediante o aviso prévio de 30 ou 60 dias, conforme a sua antiguidade seja inferior ou superior a 2 anos, respetivamente.
9.ª
O presente contrato de trabalho é celebrado com efeitos a partir de 16 de janeiro de 2018.
10.ª
O instrumento de Regulamentação Coletiva aplicável é o CCT entre a FENAMW - Feder. Nacional do Metal e a FETESE - Feder. dos Sind. dos Trabalhadores de Serviços e Outros, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 30, de 16 de agosto de 2005 com as alterações posteriores.
11.ª
Os riscos e procedimentos de segurança e saúde inerentes à categoria profissional do Segundo Outorgante são mencionados no Anexo deste mesmo contrato.
(Anexo 6 ao RIT, processo administrativo, 1.ª parte, págs. 24 e segs.)
M) Os serviços inspetivos elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária, que consta do processo administrativo, 2.ª parte, págs. 40 a 120, que aqui se dá como reproduzido, e no qual extraem a seguinte conclusão (págs. 112-114):
4) Conclusão
Em conclusão e resumidamente, nos contratos de trabalho não está prevista qualquer compensação por utilização de viaturas próprias e/ou ajudas de custo, sendo que o local de trabalho constante dos contratos de trabalho celebrados é muito abrangente, “…nas instalações da Entidade Empregadora ou de um terceiro por esta a nomear, …”, “…a área geográfica do distrito de Viana do Castelo, sem prejuízo de desempenhar a sua atividade profissional onde a Primeira Outorgante tenha obras, quer as mesmas ocorram no país ou no estrangeiro.”, pelo que o trabalhador, aquando a contratação, aceita que o seu local de trabalho seja designado pela entidade empregadora.
Nos casos de pagamento de valores a título de compensação por utilização de viatura própria em Portugal, imediatamente à contratação, tudo indica que esses funcionários são colocados nos locais para os quais são contratados, desde logo na celebração do respetivo contrato de trabalho. Alguns casos, são pagos valores, apenas em alguns dias do mês, não se encontrando justificação para tal, não sendo indicado o motivo das supostas deslocações esporádicas, já que também não se sabe onde estão colocados nos restantes dias, acrescendo também que os locais indicados não conferem, na integra, com os locais constantes dos anexos às faturas onde constam esses valores como faturados aos clientes.
Os boletins itinerários exibidos não se encontram corretamente preenchidos, não indicando o efetivo serviço efetuado que motivou a suposta deslocação, as localidades dos percursos e/ou local das obras/serviços, não tendo o sujeito passivo fornecido essa informação mesmo após notificação, uma vez que não cumpriu, na integra, apenas apresentando parte dos elementos solicitados.
Já no caso de trabalhadores no estrangeiro, o normal é serem atribuídas ajudas sempre a 100%, somente indicando o país e o cliente, sendo que se detetaram situações que aqueles valores atribuídos como ajudas de custos constam de anexos a faturas emitidas a outros clientes. Existem situações de atribuição de ajudas de custo no estrangeiro em todos os dias do mês e situações de apenas alguns dias do mês, não tendo justificação para tal, já que não se comprova que o trabalhador, nos dias sem ajudas de custo, não se encontrava no estrangeiro ao serviço da empresa, ou seja, não existe qualquer lógica na atribuição, ou não, de ajudas de custo. Também se detetam situações com atribuição de ajudas de custo no estrangeiro quando existem viagens que contrariam os dias dessa atribuição, ou mesmo situações de pagamentos de valores a título de compensação por utilização de viatura própria em Portugal, apenas 2,3 ou 4 dias, quando já viajaram para o estrangeiro. No estrangeiro, para algumas situações, também são atribuídos valores para compensação de utilização de viatura própria, por deslocações entre localidades, cujo número de quilómetros indicados não se ajusta à realidade verificada, não sendo indicadas horas de início e regresso, desconhecendo também a forma como a viatura própria utilizada terá chegado ao país declarado.
Já no caso de trabalhadores em Portugal, apenas são atribuídos valores a título de compensação por utilização de viatura própria, não se indicando o serviço que motivou a deslocação, a hora de inicio e de regresso, e, em muitos casos, não há indicação da matrícula do veículo utilizado ou indicam matrículas de ciclomotores para viagens longas, ou de veículos que não lhe pertencem. As deslocações declaradas, ou tem origem e destino, nos locais onde o sujeito passivo tem escritórios, Viana do Castelo, Lisboa, Leça da Palmeira, ou então indicam “Carregado”, “Vila Nova de Gaia”, “Setúbal”, “Aldeia Paio Pires”, desconhecendo-se quaisquer instalações aí existentes, sendo que, atendendo aos locais de trabalho constantes dos contratos de trabalho, não se encontra justificação para o inicio e regresso a qualquer um desses locais, atendendo ainda a que os trabalhadores, declaram sempre a deslocação para um cliente, não indicando o local onde prestam o efetivo serviço, acrescendo ainda o facto de, apesar de indicarem a mesma localidade de inicio e de regresso, com a indicação do cliente, o número de quilómetros diários varia sem qualquer justificação.
Ainda no caso de trabalhadores em Portugal, aos quais apenas são atribuídos valores a título de compensação por utilização de viatura própria, não se encontra justificação para determinadas deslocações diárias, aparentemente longas, sem que seja atribuída a respetiva ajuda de custo a que teria direito, no mínimo 25% (almoço), caso se tratassem de efetivas deslocações com direito a compensação, sendo apenas pago o valor do subsidio de alimentação por dia útil.
Não sendo cumprida, na íntegra, a notificação, nomeadamente no que diz respeito à apresentação da relação de trabalhadores, as suas funções e o local efetivo de prestação de serviços e as obras em que laboraram, e à identificação das obras em execução, quer em Portugal quer no estrangeiro, e respetivos clientes, bem como os contratos celebrados com os mesmos, não permite validar quaisquer ajudas de custo atribuídas e/ou compensação por utilização de viatura própria, atendendo ainda a todas as incongruências verificadas e antes descritas, não esquecendo as incongruências verificadas no caso dos responsáveis pela empresa, B... e E..., cujas ajudas de custo no estrangeiro declaradas, coincidem com dias que comprovadamente estão em Portugal, ou com dias que declaram simultaneamente deslocações em viatura própria em Portugal.
As ajudas de custo têm como pressuposto e finalidade exclusiva a atribuição de uma compensação, devendo ser entendida como um complemento à remuneração, motivada por um acréscimo de despesas suportadas pelo trabalhador em resultado de deslocações do seu local de trabalho habitual (domicílio necessário), efetuadas ao serviço da empresa, e que se destinam a compensar os gastos acrescidos por essa deslocação. Importa referir que os verdadeiros casos de não sujeição a imposto das ajudas de custo justificam-se por não constituírem um rendimento efetivo, mas um reembolso ou adiantamento relativo a despesas suportadas pelo trabalhador no interesse da entidade patronal, o que não se comprova no caso em análise. No caso do sujeito passivo, os trabalhadores quando contratados já são conhecedores do local onde vão prestar o serviço, sabendo também que o local de trabalho é “…nas instalações da Entidade Empregadora ou de um terceiro por esta a nomear,…” ou “…a área geográfica do distrito de Viana do Castelo, sem prejuízo de desempenhar a sua atividade profissional onde a Primeira Outorgante tenha obras, quer as mesmas ocorram no país ou no estrangeiro.”, pelo que, mesmo os trabalhadores que são colocados no estrangeiro, aquando a celebração do contrato de trabalho já são conhecedores da situação, até porque as deslocações são permanente e não esporádicas, caso que justificaria a atribuição de verdadeiras ajudas de custo, para além de todas as circunstâncias já referidas em relação às imensas incongruências detetadas.
Por tudo antes exposto, concluímos, sem qualquer dúvida, que os pagamentos efetuados a título de ajudas de custo e/ou compensação por deslocação em viatura própria, são efetivas remunerações, rendimentos sujeitos a IRS e descontos para a Segurança Social, cujos valores totais variam conforme o local de trabalho e a função do trabalhador, situação que acontece em qualquer empresa a funcionar normalmente, não existindo qualquer justificação, conforme exposto, para a atribuição de ajudas de custo e/ou compensação por deslocação em viatura própria.
Conclui-se que os rendimentos pagos a título de ajudas de custo no estrangeiro e quilómetros percorridos em viatura própria, pagos desde o momento da contratação, sem corresponderem a deslocação efetiva do funcionário do seu local de trabalho, devem integrar a remuneração do trabalhador, e deviam ser declarados na declaração mensal de remunerações com o código A - Rendimentos sujeitos a IRS, nos termos do artigo 2.º do Código do IRS, ou seja, deviam acrescer a remuneração mensal do trabalhador e não serem tratados e declarados com o código A22 – Ajudas de Custo e deslocações em viatura própria (parte não sujeita), como indevidamente aconteceu, por integrarem efetivamente o conceito de rendimentos de trabalho dependente, nos termos dos n.º s 1 e 2, do artigo 2.º do CIRS.
N) A ação de inspeção determinou uma correção tributária relativa à retenção na fonte de IRS, no ano de 2020, que originou a liquidação adicional n.º 2023..., no montante de € 763.002,66, e de juros compensatórios, no montante de € 97.263,22, no valor total de € 860.265,88 (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral).
O) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação, que foi registada no serviço de finanças de Viana do Castelo, em 22 de fevereiro de 2024 (processo administrativo, 2.ª parte, págs. 1-34).
P) A Requerente foi notificada do projeto de decisão da reclamação graciosa no sentido do indeferimento, para efeito de exercer o direito de audição prévia (processo administrativo, 2.ª parte, pág. 147).
Q) A Requerente não exerceu o direito de audição, pelo que foi proposta, pela informação dos serviços, datada de 21 maio de 2024, a conversão do projecto de decisão em definitivo (processo administrativo, 2.ª parte, pág. 147).
R) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças, de 21 de maio de 2024 (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral).
S) A informação dos serviços em que se baseia o despacho de indeferimento, na parte que releva, e relativamente às questões colocadas na reclamação graciosa, é do seguinte teor:
[…]
IV. Reclamação graciosa
A. Se os pagamentos em causa correspondem a reais ajudas de custo ou a remunerações "encapotadas" aos seus colaboradores
[…]
Apreciação da RG
1. Antes de mais, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 77° da LGT, importa declarar expressamente a nossa concordância com a fundamentação que consta do RIT referente à ação inspetiva que esteve na origem da matéria ora reclamada.
2. O RIT descreve no Capítulo V a fundamentação que esteve na base da correção aqui em causa - retenção na fonte em sede de IRS, a qual aqui se dá por reproduzido, por economia processual.
3. Com efeito, no ponto 12 é referido que, da análise aprofundada da informação contida nos recibos de vencimento, nos boletins itinerários, e da sua conjugação com a informação que consta da contabilidade, foram detetadas incongruências que colocam em causa, na base, o próprio pressuposto e finalidade associados ao pagamento de ajudas de custo ou de compensações pela utilização de viatura própria.
4. Relembra-se que, quando solicitado pela IT, não foi apresentada a relação de trabalhadores em exercício de funções em 2019, identificando as respetivas funções e o local efetivo de prestação de serviços, e, quando aplicável, as obras em que laboraram, nem a identificação das obras em execução, quer em Portugal quer no estrangeiro, e respetivos clientes e contratos celebrados - por razões que se desconhece e não se compreende.
5. Tal facto contribuiu para que não fosse possível validar os valores que foram contabilizados e pagos como ajudas de custo.
6. As situações relatadas pela IT referem-se a alguns exemplos, como bem refere o RIT mais de uma vez, e foram juntos documentos relativos a tais exemplos sob os Anexos 9 a 16.
7. E não se referem a apenas 20 trabalhadores, como refere a reclamante, são exemplos concretos relativos a mais de 50, contendo descrição detalhada de cada incongruência detetada, o que revela a análise minuciosa levada a cabo pela IT.
8. Note-se que a reclamante ensaiou justificar algumas das incongruências detetadas com justificações genéricas: houve casos em que podia ter acontecido isto, por vezes acontecia desta maneira...
9. A reclamante não tentou contrariar cada uma das situações detetadas e concretamente descritas no RIT, as quais, reitera-se, pretendiam servir de exemplo a todas as verificadas. A descrição efetuada pela IT já foi de si longa, caso se descrevessem todas as incongruências, relativamente a todos os então teríamos um RIT de extensão considerável. trabalhadores, que ocorreram.
10. As situações descritas revelam incontornavelmente que as situações em que foram pagas ajudas custo ou compensações por utilização de viatura própria não cumprem os respetivos requisitos, não se justificando que tenha havido lugar ao pagamento desses valores.
11. Refira-se, quanto ao telemóvel do diretor E..., que a situação verificada e descrita no RIT, contraria o que é agora alegado pela reclamante; apurou-se, por exemplo que foi utilizado na Bélgica de 07 a 10.05.2019 e de 28 a 30.07.2019, ou seja, quando em deslocação ao estrangeiro, o telemóvel pessoal do diretor não ficava em casa e era utilizado por familiares, como argumenta. Nem era utilizado número de operadora local, o número português foi utlizado em roaming [Anexo 17].
12. Por outro lado, a reclamante alega que não tem como controlar o que os funcionários inscrevem nos boletins itinerários, designadamente, as indicações pessoais dos colaboradores, nomeadamente a titularidade e veracidade da matrícula da viatura inserida no documento.»
13. Mas por outro lado vem dizer que as ajudas de custo foram faturadas ao cliente, que «as faturas aos clientes têm duas rúbricas: o valor do serviço efetuado pela empresa (mensal, habitualmente); e por outro lado, o valor das ajudas de custo, totalmente discriminado, por dias e trabalhadores, nos dias no estrangeiro e nas viagens dos trabalhadores (trabalhador e quilómetros)» (quesito 136).
14. De tais declarações se retira que, afinal, o controlo que exercia sobre os boletins itinerários não era feito com o devido rigor, e afinal os clientes pagaram valores inscritos nas faturas que não se encontrariam corretos.
15. Aqui se enquadram por exemplo as situações em que, no recibo de vencimento do trabalhador constam ajudas de custo no mês inteiro, mas afinal viajou para Portugal alguns dias; se, como alega a reclamante, o trabalhador veio matar saudades da família, o cliente acabou por pagar a viagem.
16. A reclamante não logrou justificar as incongruências detetadas nem comprovar as suas alegações genéricas.
17. O que demonstra que não incutiu nos seus registos os necessários rigor e transparência que permitissem à IT validar os valores pagos a título de ajudas de custo e deslocações em viatura própria.
18. Argumenta ainda que, se não se pagar ajudas de custo, os trabalhadores não querem ir parao estrangeiro, porque não compensa. Se é assim tão evidente, por que razão não fica tal situação prevista nos contratos celebrados? Por outro lado, se assim é, como justificar a existência de trabalhadores comprovadamente deslocados para estrangeiro e sem pagamento de qualquer valor a título de ajudas de custo? - como é descrito nos pontos 12.8 do RIT (Anexo 12) e 12.12 (Anexо 16).
19. A reclamante refere que a IT incorreu em erro ao dar relevo à diferença do nº de kms em deslocações idênticas, justificando tratar-se de desvios para ir buscar trabalhadores, ou para abastecer, ou para comprar cigarros. No entanto, nem ensaia justificar algumas das diferenças excecionais referidas no RIT, por exemplo, no ponto 12.11: deslocação Leça da Palmeira - ... - Leça da Palmeira, uma vez foram 600km, outra foram 210 kms... (desvio?); deslocação Leça da Palmeira - Huelva 600km, e regresso apenas 200km.
20. A final, a IT, após apresentar alguns casos a título de exemplo, acaba por concluir genericamente, como consta do ponto 13-15, que aqui damos por integralmente reproduzido, e que resume os principais motivos para não se aceitar os valores pagos a título de ajudas de custo e de compensação por utilizado de viatura própria como tal.
21. Ao não apresentar a documentação solicitada, e perante a falta de rigor nos registos da reclamante, incumpriu o ónus da prova da veracidade da qualificação das ajudas de custo e das compensações.
22. Ainda que se possa compreender, como alega a reclamante, que é impossível exercer a atividade que exerce sem existir o pagamento destes valores (ajudas de custo no estrangeiro e compensação por kms), a sua comprovação deve ser efetuada sempre que solicitada, o que não ocorreu no presente caso. Aliás, parece poder-se verificar (como já foi visto noutros casos), que os valores pagos a título de ajudas de custo eram de certa forma 'construídos' para resultar no pagamento ao funcionário de determinado valor previamente acertado. Só assim se poderia justificar, por exemplo, não se ter em conta a data de uma deslocação para o estrangeiro (viagem de avião) e o recibo de vencimento evidenciar o pagamento de ajudas de custo no estrangeiro em dias anteriores.
23. A execução da contabilidade e dos documentos que lhe serviram de base parece ter sido encarada com leveza, comportamento incompatível com o rigor exigido quando se trata do cumprimento das obrigações fiscais.
24. Pelo que só pode concluir-se que a correção aqui em causa acertou ao considerar estes valores como verdadeiros rendimentos sujeitos a IRS.
B. Em tributação direta, a AT apenas pode desconsiderar as situações de ajudas de custo declaradas e pagas aos trabalhadores expressamente indicadas no RIT com problemas e defeitos (com identificação de cada um dos trabalhadores, valores e situações em causa), ou é-lhe legítimo desconsiderar todas as ajudas de custo da empresa, com base nessa amostra de casos concretos?
[…]
Apreciação da RG
1. Não se concorda com a defesa da reclamante.
2. A IT não extrapolou qualquer ideia ou incorreção, limitou-se a verificar a impossibilidade de validar todos os valores contabilizados e pagos a título de ajudas de custo e de compensação por utilização de viatura própria, promovendo a tributação de todos os valores.
3. E para justificar essa impossibilidade de validação, para além do facto de não ter sido apresentada a documentação solicitada à reclamante, a IT apresentou alguns exemplos, de concretas situações verificadas na sequência da análise minuciosa que fez aos recibos de vencimento e dos boletins itinerários, conjugada com os documentos que serviram de base à execução da contabilidade da reclamante.
4. É certo que, nos termos do nº 1 do artigo 75º da LGT, tal como a reclamante advoga, a sua contabilidade goza da presunção de veracidade,
5. porém, nos termos dos nº 2 e 3 do mesmo artigo 75º da LGT, tal presunção fica afastada quando a mesma revele inexatidões ou indícios fundados de que não refletem o conhecimento da real matéria tributável do sujeito passivo, quando não for cumprido o dever de esclarecimento da sua situação tributária, sendo a força probatória dos dados informáticos dependente da possibilidade da AT os confirmar.
C. Violação do ónus da prova das falsas ajudas de custo, em geral, e em especial, quando são faturadas a clientes em termos factuais e jurídicos.
[…]
Apreciação da RG
1. Reitera-se aqui o que já foi dito na apreciação feita sobre o ponto A.
2. A AT logrou comprovar que a falta de apresentação da documentação solicitada e da análise por ela efetuada, que as incongruências detetadas não permitiam validar os valores contabilizados e pagos a título de ajudas de custo e de compensação por utilização de viatura própria – conforme alguns exemplos que descreveu no RIT.
3. Pelo contrário, a ora reclamante não logrou contrariar aqueles factos, apresentado apenas justificações genéricas, sem concretizar.
4. Uma breve nota julgada necessária quanto à referência que a reclamante faz no quesito 157, acima transcrito.
5. A possibilidade de pagamento de ajudas de custo existe para ambos os setores público e privado. Mas para efeitos de determinação dos valores das ajudas de custo sujeitas a imposto, no setor privado deve ter-se por referência que estão, genericamente, sujeitos a IRS os montantes que excedam os limites legais estabelecidos para os funcionários públicos, por não existir legislação própria, geral e abstrata, aplicável ao setor privado que defina tais limites. 6. Ou seja, é só a limitação do valor que segue a legislação do sector público, o pressuposto e a finalidade do seu pagamento adapta-se a cada uma das atividades exercidas.
D. A haver incorreções, serão ajudas de custo falsas (como parece indicar a AT) ou insuficientes ou mal documentadas (como entende a Requerente)
[…]
Apreciação da RG
1. Reitera-se mais uma vez o já atrás exposto.
2. A AT julgou não ser possível validar os valores contabilizados e pagos a título de ajudas de custo e de compensação por utilização de viatura própria.
3. Nos presente autos a reclamante não logrou comprovar a efetividade de tal natureza dos valores pagos.
4. Se, como julga, poderá tratar-se de ajudas de custo mal documentadas, não comprovou nem acrescentou prova das mesmas.
E. Podem os valores das ajudas de custo ser liquidações, ab initio, à reclamante (como assume a AT) ou teriam de ser previamente liquidados aos colaboradores (como entende a Requerente), e, além disso, as liquidações erram ou não na quantificação do imposto
[…]
Apreciação da RG
1. Remetemos para o ponto 17 do RIT.
2. Uma vez que se trata de rendimentos sujeitos a retenção na fonte com natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído (trabalhador) a responsabilidade originária pelo imposto não retido, e o substituto (empresa) assume a responsabilidade solidária, nos termos do nº 4 do artigo 103º do CIRS, uma vez que tais valores não tinham sido contabilizados nem comunicados como tal ao respetivo beneficiário, pois foram pagos sob a indevida forma de ajudas de custo e compensação por utilização de viatura própria.
3. A ora reclamante não pode estar isenta de responsabilidade sobre as importâncias não retidas, porque não estamos perante um mero caso de falta de retenção de imposto, por exemplo, por aplicação de uma taxa inferior à devida, estamos perante uma situação de errónea classificação dos rendimentos processados pela reclamante e pagos aos trabalhadores, como se de rendimentos não sujeitos a retenção na fonte se tratasse.
4. No RIT ficou demonstrado que as verbas postas à disposição dos trabalhadores, nas condições em que o foram, não constituem ajudas de custo nem compensação por deslocações em viatura própria, mas antes um complemento remuneratório, com implicações fiscais, nomeadamente, em sede de sujeição a IRS através de retenção na fonte.
5. Uma vez que a reclamante pagou mensalmente aos seus trabalhadores montantes que constituíam verdadeiras remunerações, indevidamente declaradas como ajudas de custo e deslocações, tais valores deveriam ter sido sujeitos a IRS através do mecanismo de retenção na fonte. Não tendo tal ocorrido, a reclamante é responsável solidária pelo pagamento do imposto não retido, nos termos do nº 4 do artigo 103º do CIRS.
6. Quanto à jurisprudência aplicável, cumpre mencionar o pedido de pronúncia arbitral - processo CAAD nº 118/2015-T, onde a requerente, “ao longo da sua petição suscita várias questões, desde logo invocando a falta de fundamentação dos atos de liquidação subjacente e a falta de preterição de formalidade legal essencial, pugnando pela nulidade da liquidação por inexistência de facto tributário, estribando a sua posição e em breve síntese, na interpretação que leva a cabo do nº 4 do artigo 103º do CIRS”.
7. Neste processo, o CAAD decidiu julgar totalmente improcedentes os pedidos de anulação das liquidações, na medida em que interpretava o nº 4 do artigo 103º do CIRS, no sentido de que tal disposição permite que a responsabilidade solidária do substituto tributário se traduza numa responsabilidade originária, a ocorrer numa fase anterior à notificação para o cumprimento voluntário do substituído tributário, ou mesmo antes da fase coerciva do recebimento do imposto contra esse mesmo substituído tributário. Entendia-se que, estando em causa rendimentos sujeitos a retenção que não foram contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, cabe ao substituto a responsabilidade solidária pelo imposto não retido, nos termos do nº 4 do artigo 103º do CIRS. Esta responsabilidade materializa-se, no entendimento daquele tribunal, na possibilidade de exigir o imposto que se entenda devido diretamente ao substituto, ainda na fase de pagamento voluntário, notificando, assim, para pagamento, não o titular dos rendimentos sujeitos a retenção e pessoa em relação à qual se verificou o facto tributário, mas antes o substituto, na qualidade de responsável solidária pelo imposto não retido, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 103º do CIRS.
8. Deste pedido de pronúncia arbitral do CAAD coube recurso para o Tribunal Constitucional (Acórd8. Deste pedido de pronúncia arbitral do CAAD coube recurso para o Tribunal Constitucional (Acórdão nº 231/2016). 9. Por decisão em Acórdão do Tribunal Constitucional nº 231/2016, de 6 de junho de 2016, publicado no Diário da República, 2ª série – Nº 108, no qual pretendia o aí requerente a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no nº 4 do artigo 103º do CIRS, sai reforçada a intenção do legislador no sentido de combate à prática daquelas situações fraudulentas, dissipando, ainda, quaisquer dúvidas que até à data pudessem subsistir sobre a sua aplicabilidade.
10. Com efeito retiram-se do aludido Acórdão as seguintes conclusões: «(...) sucede, porém, que a norma sob juízo constitui aquilo a que se costuma chamar de uma norma antiabuso: prossegue a finalidade de prevenir ou desincentivar comportamentos lesivos da administração tributária, do mesmo passo que facilita e agiliza procedimentalmente a cobrança das quantias devidas. As circunstâncias peculiares da situação são expressas de forma clara na previsão da norma: estão em causa «rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários» (sublinhado nosso). Esta não comunicação aos beneficiários faz com que estes até possam ignorar que são devedores de imposto. São as características específicas da situação, que, associados ao desiderato da norma, explicam a derrogação do regime geral. Para este desiderato ser atingido é mister que a entidade patronal seja considerada solidariamente responsável pelo pagamento das quantias devidas ao Estado, ou seja, que a administração tributária possa exigir o seu pagamento, indiferentemente, à entidade patronal ou ao trabalhador. (...) (sublinhado nosso). Tudo visto e ponderado, o Tribunal decide: Não julgar inconstitucional a norma do nº 4 do artigo 103º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares; (...)».
11. Em suma, como o que está em causa é a retenção na fonte sobre o trabalho dependente, a responsabilidade de retenção do imposto, que subsequentemente será entregue nos cofres do Estado, é da entidade empregadora, que agiu de forma fraudulenta.
12. Ou seja, ao substituto (pagador) cabe a obrigação de efetuar a respetiva retenção do imposto (IRS) nos termos estipulados na Lei, sendo que esta retenção (do imposto - IRS) atende à condição do beneficiário do rendimento, e dos rendimentos em si, estabelecendo os montantes (taxas) a reter ou as condições de dispensa a ser aplicadas.
13. Conforme foi exposto ao longo do presente relatório, a empresa ao contabilizar parte das remunerações pagas aos trabalhadores como ajudas de custo e deslocações em viatura própria não sujeitou esses rendimentos a retenção na fonte de IRS, como devia. Como consequência, também não foram comunicados tais rendimentos aos respetivos titulares, como sujeitos a retenção.
14. Pelo que se conclui que a reclamante, substituto dos trabalhadores no apuramento e entrega da retenção na fonte de IRS, é responsável solidária pelo imposto não retido, nos termos do nº 4 do artigo 103º do Código do IRS.
V. Projeto de decisão
Por despacho de 29.04.2024, foi projetada decisão de Indeferimento Total da presente reclamação [fls. 134-145], que foi notificada à ora reclamante através de registo postal datado de 29.04.2024, efetivamente recebido [fls. 146-148].
VI. Direito de audição
O SP foi notificado para exercer o direito de audição, ao abrigo do disposto no artigo 60º da LGT, através do referido registo postal datado de 29.04.2024. Face à referida notificação, não foram acrescentados quaisquer factos novos que pudessem alterar o sentido da decisão proferida, antes foi adotada uma posição de silêncio no decurso do prazo concedido, já terminado em 17.05.2024. Deverá, portanto, considerar-se definitiva a decisão de Indeferimento Total proferida nos autos.
VII. Conclusão
Considerando tudo quanto anteriortmente foi exposto, deverá a decisão projectada ser convertida em decisão definitiva de o indeferimento total.
T) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, por ofício datado de 22 de maio de 2024, enviado por carta registada dessa data.
U) O pedido arbitral deu entrada em 30 de julho de 2024.
Factos não provados
Não se encontra provado que as ajudas de custo e a compensação por deslocação em viatura própria, processadas pela Requerente a favor dos seus trabalhadores operacionais, no ano de 2020, correspondam a rendimentos do trabalho dependente.
Não há factos outros factos não provados que revelem para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta e em factos não questionados pelas partes.
Incumbindo à Autoridade Tributária, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de realizar a correção tributária, mediante a liquidação adicional em sede de IRC, não logrou provar, face a todos os elementos instrutórios, mormente no âmbito do procedimento inspetivo, que os valores pagos a título de ajudas de custo e compensação por deslocações do trabalhador constituem rendimentos do trabalho dependente.
Matéria de direito
5. Em debate está a questão de saber se os pagamentos efectuados pela Requerente aos seus trabalhadores por efeito de deslocação em trabalho e tributados à taxa de 5%, nos termos do artigo 88.º, n.º 9, do Código do IRC, devem ser considerados como ajudas de custo, ou antes como rendimentos de trabalho dependente sujeitos a IRS, como rendimento da categoria A, nos termos do artigo 2.º do Código do IRS.
A questão foi colocada no âmbito de um procedimento inspetivo destinado ao controlo declarativo da sociedade A..., S.A. ora Requerente, em sede de IRC, que determinou uma correção tributária relativa à retenção na fonte de IRS, no montante de € 763.002,66, em resultado da qualificação dos encargos declarados como ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura própria como sendo rendimentos do trabalho dependente, e, como tal, sujeitos a retenção na fonte, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, do Código do IRS.
A Requerente impugna o correspondente ato de liquidação adicional, que inclui juros compensatórios, começando por invocar a violação das regras do ónus da prova, constantes do artigo 74.º da LGT, bem como a violação do princípio da veracidade das declarações do contribuinte, a que se refere o artigo 75.º
É esta a questão que cabe primeiramente analisar.
O artigo 260.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Prestações incluídas ou excluídas da retribuição”, estatui, no seu n.º 1, o seguinte:
1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
[…].
A retribuição corresponde, por sua vez, à contrapartida pela prestação de atividade, no âmbito de um contrato de trabalho, a outra ou outras pessoas, sob a organização e a autoridade destas, pressupondo que, na situação concreta, se verifique a subordinação jurídica por parte do trabalhador à entidade patronal, que consiste numa relação de dependência do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador (artigo 11.º do Código do Trabalho).
A Lei admite como modalidades de retribuição, a retribuição certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável. A retribuição certa é calculada em função de tempo de trabalho. Para determinar o valor da retribuição variável considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo (artigo 261.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código do Trabalho). Em qualquer caso, o direito à igualdade de condições de trabalho implica que qualquer modalidade de retribuição variável, nomeadamente a paga à tarefa, seja estabelecida na base da mesma unidade de medida e a retribuição calculada em função do tempo de trabalho seja a mesma (artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho).
No Relatório de Inspeção Tributária, os serviços inspetivos, num primeiro momento, começam por analisar a cláusula tipo inserta nos contratos de trabalho celebrados pela Requerente com os seus trabalhadores (constantes do anexo 6), segundo a qual “[o] local de trabalho do Segundo Outorgante é identificado com a área geográfica do distrito de Viana do Castelo, sem prejuízo de desempenhar a atividade profissional onde a Primeira Outorgante tenha obras, quer as mesmas ocorram no país ou no estrangeiro” (cláusula 6.ª do contrato tipo).
Daí concluem que, encontrando-se contratualmente fixado que o local de trabalho se situa na área geográfica de Viana do Castelo, sem prejuízo do desempenho da atividade profissional noutros locais onde estejam a decorrer obras, então o valor atribuído como remuneração deverá compensar os custos com a alimentação, o alojamento e deslocação, independentemente da localidade para onde o trabalhador tenha que se deslocar, não sendo devidos, no caso, o pagamento de ajudas de custo ou compensação de deslocação por utilização de viatura própria, na medida em que no contrato já se encontram definidas as condições e locais de trabalho (cfr. processo administrativo, 2.ª parte, págs. 63-64).
Nesse sentido, a Administração entende que os valores pagos pelo sujeito passivo a título de ajudas de custo ou compensação de deslocação constituem rendimentos de trabalho dependente, sujeitos a retenção na fonte, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 3, e 99, n.º 1, alínea a), do Código do IRS (cfr. processo administrativo, 2.ª parte, págs. 115-1164).
Numa primeira análise, face à transcrita disposição do artigo 260.º, n.º 1, do Código do Trabalho, cabe referir que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo por deslocações dos trabalhadores não se consideram retribuição, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
Os usos a que o artigo se refere são os usos ou costumes, as práticas socialmente generalizadas, que o artigo 3.º, n.º 1, do Código Civil considera atendíveis quando a lei o determine, se não forem contrários aos princípios da boa fé.
A Autoridade Tributária não alega nem demonstra que as ajudas de custo em causa se devam considerar como retribuição face aos usos ou costumes existentes, mas antes que, nos contratos de trabalho, se encontra contratualmente fixado o local de trabalho e a possibilidade de o trabalhador exercer a sua atividade profissional noutros locais onde estejam a decorrer obras, concluindo que a remuneração a atribuir deveria já compensar os custos com a alimentação, o alojamento e deslocação, independentemente da localidade onde o trabalhador se encontre deslocado.
No entanto, segundo o citado artigo 260.º, n.º 1, do Código do Trabalho - estando excluída a hipótese de aplicação dos usos e costumes - as importâncias recebidas a título de ajudas de custo só não se consideram retribuição, quando, em caso de deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias tenham sido previstas no contrato.
E, por outro lado, no caso concreto, considerando o elevado número de trabalhadores deslocados para diferentes locais, em território nacional e no estrangeiro, e por tempo indeterminado, a retribuição a fixar no contrato, destinada a incluir as ajudas de custo, teria de ser uma retribuição variável calculada segundo a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses ou ao tempo de execução de contrato (artigo 261.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código do Trabalho).
Sucede que o contrato de trabalho tipo contém uma cláusula que estabelece a retribuição mensal a pagar, que é de € 1550,00, acrescida do subsídio de alimentação de € 4,52 por cada dia de trabalho efetivo (cláusula 2.ª), o que significa que é uma retribuição certa calculada em função do tempo de trabalho. A cláusula 6.ª não se refere à retribuição, mas ao local de trabalho, e, em qualquer caso, nenhuma dessas disposições contatuais inclui qualquer previsão de pagamento de ajudas de custo ou compensação por deslocação em viatura própria, para efeito do cálculo da retribuição a atribuir. Acresce que, havendo lugar ao pagamento de uma retribuição variável, face às circunstâncias indefinidas em que as deslocações podem ter lugar, também não constam das referidas disposições os requisitos de que de depende o cálculo dessa modalidade de retribuição, sendo inviável, por conseguinte, dar como assente que o valor atribuído como remuneração, e de reduzido montante, já inclui a compensação pelas deslocações do trabalhador.
Como é de concluir, a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária, com base no clausulado contratual, para efeito de converter as ajudas de custo e a compensação por deslocação em viatura própria, pagas pela Requerente, em rendimento de trabalho permanente não tem qualquer cabimento.
6. Num segundo momento, o Relatório de Inspeção Tributária passa a analisar os boletins itinerários dos trabalhadores a prestar serviço em Portugal ou no estrangeiro, relativamente aos quais foi declarado o pagamento de deslocações em viatura própria ou de ajudas de custo, vindo a constatar que os boletins itinerários não estão preenchidos corretamente, não permitindo relacionar os pagamentos com situações que justifiquem a efetiva atribuição dessas prestações.
A título exemplificativo, os serviços inspetivos conferiram os gastos contabilizados relativamente ao Administrador B... (Anexo 7), ao Diretor de Serviços do departamento administrativo E... (Anexo 8) e à Técnica de contabilidade F... (Anexo 9).
Em todos estes casos, o Relatório considera, essencialmente, que não há evidência na contabilidade de que os colaboradores tenham estado efetivamente deslocados no estrangeiro ao serviço do sujeito passivo e que tenham sido realizados os gastos declarados com deslocações e despesas associadas (cfr. processo administrativo, 2.ª parte, págs. 65-88).
No mesmo âmbito, o Relatório analisa os gastos relacionados com o departamento produtivo, ainda que sem identificação dos trabalhadores beneficiários das prestações, vindo a concluir, nos termos já referenciados no antecedente ponto 5., que, nos contratos de trabalho celebrados é estabelecido que o local de trabalho para o pessoal do departamento produtivo é onde o sujeito passivo tem obras, quer as mesmas ocorram no país ou no estrangeiro, sendo certo que o trabalhador, no momento da contratação, já conhece o seu local de trabalho, e que, sendo no estrangeiro, a sua remuneração terá que ser ajustada. Neste sentido, entendem os serviços inspetivos que não são relevantes, para efeitos de ajudas de custo, quaisquer despesas de deslocação, alojamento ou alimentação incorridas pelo trabalhador, uma vez que este não se ausenta do seu próprio local habitual de trabalho contratualmente previsto (cfr. processo administrativo, 2.ª parte, pág. 89).
O Relatório dá conta ainda de incongruências nos boletins itinerários (Anexo 10), incongruências entre boletins itinerários e viagens adquiridas (Anexo 11) e incongruências nos boletins itinerários com quilómetros em território nacional (Anexo 12) (cfr. processo administrativo, 2.ª parte, págs. 89-111).
Ora, a circunstância de os serviços inspetivos terem detetado, nos elementos instrutórios, a existência de erros ou omissões que poderão pôr em causa a própria veracidade das deslocações em serviço que justificaram o pagamento de ajudas de custo, e, bem assim, diversas incongruências nos boletins itinerários, não permitem conduzir à conclusão de que os pagamentos efetuados, a esse título, correspondem a rendimentos de trabalho dependente. E, quando muito, apenas permitiriam excluir a dedução dos encargos para efeitos fiscais, em atenção ao disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea g), do Código de IRC, por incumprimento dos requisitos de ordem contabilística de que a lei faz depender a dedutibilidade.
De resto, por alguma razão, nos termos do artigo 88.º. n.º 9, do Código do IRC, são tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos efetuados ou suportados relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.
Como tem sido frequentemente assinalado, a introdução do mecanismo de tributação autónoma, que começou por se reportar a despesas confidenciais e não documentadas e se estendeu progressivamente a diversos outros tipos de despesas, como os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação, é justificada por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição. Coimbra, pág. 407).
Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento as à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016).
No caso das ajudas de custo, como se referiu, esses encargos não são dedutíveis como custo fiscal, nos termos da referida disposição do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), quando a entidade empregadora não tenha cumprido a formalidade do registo das ajudas de custo por forma a permitir o controlo das deslocações. Mas, sejam ou não deduzidos, estão sujeitos a tributação autónoma, como forma de dissuadir os comportamentos concretos que possam traduzir-se em vantagens indiretas para os beneficiários. Nesse sentido aponta a redação atual do artigo 88.º, n.º 9, que suprimiu a expressão “encargos dedutíveis”, que constava da redação resultante da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro, passando a referir-se a “encargos” (cfr. Gustavo Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, Coimbra, 2019, págs. 182-183).
No caso em análise a Autoridade Tributária, para qualificar os pagamentos declarados como ajudas de custo ou compensação por deslocação em viatura própria como rendimentos do trabalho, parte de meras presunções que não têm qualquer relação com a realidade.
De facto, a Administração retira a ilação de que se tratam de rendimentos permanentes do trabalho com base na cláusula tipo do contrato de trabalho, que se refere ao local de trabalho, partindo erroneamente da ideia de que a prevista possibilidade de os trabalhadores exercerem a sua atividade profissional noutros locais onde estejam a decorrer as obras, para além da área geográfica de Viana do Castelo, independentemente do local para onde o trabalhador tenha que se deslocar, significa que a remuneração (que está fixada contratualmente em € 1.550,00 ou em valor aproximado) já se destina compensar os custos da deslocação.
Para além de a retribuição fixada ser manifestamente insuficiente para permitir suportar as despesas de alimentação, alojamento e transporte quando o trabalhador se encontra deslocado, por tempo indeterminado, no território nacional ou no estrangeiro, o certo é também que não é a cláusula que se destina a definir o local de trabalho que poderá fixar as condições dos pagamentos que são devidos ao trabalhadores, nos termos legais, para compensação das despesas em incorrem por efeito da deslocação.
Do mesmo modo, incompreensivelmente, os serviços inspetivos concluem que os erros e omissões constantes dos registos contabilísticos e as incongruências dos boletins itinerários, referentes à escrituração de ajudas de custo e compensações por deslocações, também permitem deduzir que esses encargos correspondem a rendimentos de trabalho dependente, quando, obviamente, essas incorreções ou irregularidades apenas poderiam relevar para a não dedutibilidade desses encargos para efeitos fiscais.
7. Nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, cabe à Autoridade Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
E, consequentemente, estando em causa uma liquidação adicional em IRC, por efeito da qualificação, como rendimentos de trabalho dependente, dos encargos efetuados pelo sujeito passivo com ajudas de custo e compensação por deslocações do trabalhador, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, alínea a), do Código de IRS, e na sequência do procedimento inspetivo instaurado para controlo das obrigações declarativas do contribuinte, o ónus da prova dos factos justificativos dessa liquidação incumbe à Autoridade Tributária.
Como resulta do anteriormente exposto, a Autoridade Tributária não logrou provar que os valores pagos a título de ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura própria do trabalhador correspondem a rendimentos do trabalho dependente, pelo que o pedido arbitral mostra-se ser procedente.
Pedidos de julgamento prejudicado
8. Face à solução a que se chega fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.
Reembolso do imposto liquidado e juros indemnizatórios
9. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação em IRC impugnado, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido;
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Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 860.265,88, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 12.240,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 31 de março de 2025
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
(relator)
O Árbitro vogal
Pedro Guerra Alves
O Árbitro vogal
Ricardo Sequeira