Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 883/2024-T
Data da decisão: 2025-03-25  Selo  
Valor do pedido: € 667.925,00
Tema: IS – Garantias – Isenção – (alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS) – Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008 –
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SUMÁRIO:

 

I – O significado da palavra “inerente” não tem o alcance de expressar a mera “acessoriedade”, que é referida na verba 10 da TGIS, apontando, antes, para situações em que é legalmente obrigatória a prestação de garantia para a prática de operações dos tipos referidos na alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS.

 

II – As garantias prestadas no caso dos autos (penhores de ações, penhores de créditos, penhores de quotas e hipotecas), também não estão isentas de tributação, em sede de IS, no âmbito da Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, por força da derrogação prevista na alínea d), do n.º 1, do seu artigo 6.º.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Fernando Araújo, José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Susana Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 27.09.2024, decidem o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., LDA., NIPC..., com sede social na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (“a Requerente”), veio, em 17.07.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários de autoliquidação do Imposto do Selo (“IS”), no valor total de €667.925,00 (seiscentos e sessenta e sete mil e novecentos e vinte cinco euros), bem como da decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023..., e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. A Requerente juntou 8 (oito) documentos. 
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 19.07.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  4. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. A 09.09.2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído a 27.09.2024.
  7. Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 30.09.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (“PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional. 
  8. No dia 04.11.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação e, juntou aos autos o PA.
  9. Por despacho de 25.11.2024, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 (dez) dias contados da notificação do presente despacho e a Requerida no prazo de 10 (dez) dias contados da notificação das alegações da Requerente, ou da falta da apresentação das mesmas.
  10. Em 06.12.2024, a Requerente apresentou as suas alegações escritas finais.
  11. Em 10.03.2025, a Requerente apresentou requerimento, no qual juntou a Decisão Arbitral, de 03.03.2025, proferida no processo n.º 892/2024-T, não transitada em julgado e transcreveu as conclusões, já publicadas, do Advogado-Geral, apresentadas a 13 de fevereiro de 2025, no âmbito do processo n.º C685/23, em análise do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), por considerar que tais elementos são relevantes para a boa decisão da causa.

I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de autoliquidação de IS aqui em crise, invoca a Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. A prestação de garantias é, por excelência, um ato acessório de um direito de crédito;
  2. Como refere PESTANA DE VASCONCELOS, a “garantia surge sempre ligada à concessão de crédito”, permitindo dessa forma que “o credor aceite (o) (...) desfasamento” inerente a tal concessão (Cfr. L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, 3ª edição, Almedina, Coimbra: 2019, Página 55);
  3. Logo, a prestação de garantias aqui em crise é, e não podia deixar de ser, um ato acessório e inerente à emissão das obrigações;
  4. Mais, resulta claro do Despacho (de 19 de julho de 2023, relativo ao processo C-335/22, do Tribunal de Justiça da União Europeia), que o artigo 5.º, n.º 2, al. b), da Diretiva 2008/7, deve ser interpretado de forma ampla e abrangente;
  5. Assim, a proibição de cobrança de IS sobre a emissão de obrigações tem de incluir, não só a emissão propriamente dita, como todos os atos que lhe sejam conexos ou acessórios;
  6. Termos em que, não havia lugar à cobrança de IS pela prestação de garantias em discussão nos autos;
  7. Não colhe, portanto, a necessidade de distinção entre garantias legalmente obrigatórias e garantias voluntariamente prestadas, ao interpretar o conceito de “inerentes” constante do artigo 7.º, n.º, 1, alínea d), do Código do IS;
  8. O Tribunal de Justiça não só não diferencia os vários atos sobre os quais a incidência de impostos indiretos está proibida, como afirma que esta proibição tem de ser interpretada ampla e teleologicamente;
  9. Ou seja, o Tribunal de Justiça clarifica que a proibição de cobrança de impostos indiretos sobre a emissão de obrigações também implica a mesma proibição relativamente a todos os atos conexos ou acessórios a essa emissão, sob pena de retirar-se o efeito útil à primeira proibição, o que sempre equivaleria a uma situação que o Tribunal de Justiça entende ser contrária ao direito da União Europeia: a tributação de uma “operação que faz parte integrante de uma operação global” não incide qualquer tributo;
  10. À luz da Diretiva 2008/7 e da liberdade de circulação de capitais, não pode ser outra a interpretação do artigo 7.º, n.º 1, alínea d), do Código do IS, que não aquela segundo a qual a expressão “inerentes” seja sinónimo de “associadas” ou “conexas”, sob pena de prevalecer uma interpretação contra legem ao direito da União Europeia;  
  11. Aliás, ainda que referindo-se a uma questão paralela, o Tribunal de Justiça concluiu que a proibição de incidência de IS sobre as comissões devidas pelos serviços de colocação em mercado de obrigações e papel comercial era independente do caráter obrigatório ou voluntário que haja levado o emitente a contratar tais serviços;
  12. Conclusão essa que, na situação da ora Requerente, é aplicável, mutatis mutandis, significando que tem de ser indiferente o caráter legal ou voluntário da prestação de garantias associadas à emissão de obrigações, que, novamente, sempre se terá como um ato integrante de uma operação global;
  13.  Por todo o exposto, as autoliquidações de IS aqui em crise padecem de erro e devem ser declaradas anuladas.
  1. Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
  1. Não se oferecem grandes dúvidas quanto à sujeição a IS dos dois “Security Agreements”;
  2. Conforme se extrai da alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do Código do IS, para que a isenção opere é necessário que se encontrem preenchidos os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva nela previstos;
  3. Assim sendo, em primeiro lugar, deve tratar-se de garantias inerentes a operações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas; e, em segundo lugar, tais operações têm de ser realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM;
  4. Atendendo ao pedido da Requerente, o pressuposto da isenção a determinar é saber o que se entende por “garantias inerentes a.…” e, sobre esta questão, decidiram os tribunais arbitrais noutros processos em sentido contrário ao entendimento da Requerente (Cfr. Decisões Arbitrais n.ºs 97/2016-T, de 19 de junho de 2016, 2/2020-T, de 29 de março de 2021 e 80/2021-T, de 3 de agosto de 2021);
  5. A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que as garantias em causa foram prestadas facultativamente pela entidade emitente, pelo que não são inerentes a qualquer operação sobre valores mobiliários e de emissão de valores mobiliários, e que a prestação de garantia é inerente apenas às operações sobre instrumentos financeiros derivados e não sobre valores mobiliários em geral;
  6. O significado da palavra “inerente” não tem o alcance de expressar a mera “acessoriedade”, que é referida na verba 10 da Tabela Geral do IS, apontando, antes, para situações em que é legalmente obrigatória da prestação de garantia para a prática de operações dos tipos referido na alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do Código do IS;
  7. As situações em que é obrigatória a cobertura, através de garantias, de riscos de operações que tenham por objeto valores mobiliários, são aquelas em relação às quais é adequado afirmar que as garantias são “inerentes” às operações;
  8. Para além de que, é esta a interpretação que se compagina com o princípio da legalidade, que abrange as isenções fiscais (artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);
  9. Por outro lado, não tem razão a Requerente quanto interpreta, na linha daquela jurisprudência do TJUE, recorde-se, proferida noutro contexto, “latu sensu” a expressão “formalidades conexas” da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE (que mais não é do que uma reformulação da Diretiva 69/335/CEE, cujos termos, em substância, retoma) de modo a incluir na previsão deste preceito toda e qualquer garantia, designadamente os “Security Agrement...” em apreço;
  10. O conceito de “formalidades conexas”, que devem estar isentas de impostos indiretos, visa as eventuais atuações que uma sociedade de capitais é, por força da legislação nacional, obrigada a levar a cabo para proceder à criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dos títulos negociáveis (neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C31/97 e C32/97, n.ºs 21 e 11, e, por analogia, de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C466/03, n.ºs 52 a 54 e jurisprudência referida);
  11. A expressão “formalidades conexas” reporta-se, assim, e apenas, às formalidades legais da operação de reuniões de capitais propriamente dita, no caso, a emissão obrigacionista, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação, onde cabem, nomeadamente, as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões;
  12. Neste contexto, a expressão “formalidades conexas” constante da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva, deve ser interpretada como abrangendo apenas e só quaisquer atos legalmente necessários para que a reunião de capitais se possa concretizar; 
  13. Efetivamente, somente em relação a esses atos é possível afirmar que a sua tributação redundaria numa oneração indireta das operações de reunião de capitais, a qual é proibida pela Diretiva, na medida em que só estas formalidades constituem ónus que não está na disponibilidade das partes evitar;
  14. No caso em dissídio, a prestação das garantias por parte do emitente das obrigações, a ora Requerente, é voluntária e facultativa, podendo ser afastada e só onerando a operação de capitais por vontade exclusiva das partes, porquanto, em sítio nenhum a Requerente demonstra que as garantias constituídas resultam de uma imposição legal sem as quais a operação de emissão obrigacionista não se podia concretizar;
  15. Muito pelo contrário, em momento algum esteve a Requerente legalmente vinculada a apresentar quaisquer garantias para realizar o empréstimo obrigacionista em causa, não podendo, assim, considerar-se que exigências feitas por terceiros, neste caso os “Original Bondholders” (as “Entidades Financeiras”), estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, porquanto estão em causa realidades perfeitamente distintas; 
  16. Acresce que, no presente caso, a emissão destes títulos de dívida, acompanhada posteriormente pela constituição das garantias tituladas nos dois “security agreemet...”, equivale materialmente à celebração bilateral de um contrato de mútuo garantido por “inter alia,... penhores de ações...penhores de créditos... penhores de quotas... hipotecas, entre outros...” já que todas as emissões obrigacionistas foram negociadas diretamente com as entidades financiadoras e garantidas (os “Original Bondholders”), não estando demonstrado que tais títulos tenham como destino primário a sua negociação em mercado;
  17. Mais: para além de haver apenas aqueles subscritores/beneficiários das garantias – 6 no contrato garantido pelo SECAG MEAG e 3 no contrato garantido pelo SECAG ...–, a própria Requerente nos artigos 1.º e 9.º da PI afirma e informa o tribunal que ambos os empréstimos obrigacionistas derivam “da celebração de contrato de emissão de obrigações realizada por oferta particular, no montante máximo de...”, pelo que é seguro concluir que não se trata nem nunca se tratou de emissões obrigacionistas destinadas ao público em geral;
  18. Na verdade, o que temos aqui não é mais nem menos de que um conjunto de garantias constituídas no interesse da Requerente a favor das entidades financiadoras, contra o compromisso de estas últimas subscreverem as obrigações emitidas, unicamente com o intuito de mitigar e acautelar o risco de perda do seu investimento, situação em tudo análoga a uma garantia exigida por um banco para cobertura de um empréstimo bancário que este conceda, mas ao qual não se aplica a Diretiva;
  19. Mas mesmo que se admitisse – o que só por mera hipótese de raciocínio a Requerida concede – que as garantias prestadas como colaterais em favor das entidades financeiras (os “Original Bondholders”) estariam abrangidas pela alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE, a sua tributação encontra-se legitimada pelo n.º 1, do seu artigo 6.º, cuja alínea d), prevê expressamente: “em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e diretos... que onerem a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas”;
  20. Ou seja, a Diretiva não só não proíbe como permite explicitamente que, em derrogação do disposto no n.º 5, os Estados-Membros tributem a constituição de quaisquer garantias;
  21. De facto, na interpretação do n.º 2, do artigo 5.º, não pode, nem deve, por um lado, fazer-se interpretações sem qualquer apoio literal, com recurso à analogia, e justificadas por conceitos subjetivos de “operação global” e de “efeito útil” da Diretiva, e por outro lado, ignorar deliberadamente, fazendo tábua rasa dos mesmos, os ditames que provém do artigo 6.º da Diretiva, sob pena de se estar a desrespeitar as mais elementares regras da interpretação jurídica, como parece resultar de algumas decisões de TJUE e dos nossos próprios tribunais;
  22. Quer-se com isto dizer que, sem prejuízo da exclusão da tributação dos empréstimos obrigacionistas propriamente ditos, quando se analisa as garantias que o garantem, deve o intérprete-aplicador entender que o legislador comunitário as tratou como operações distintas, isto é, como não sendo acessórias daquelas, nem se confundido entre si, não aproveitando, por isso, da exclusão de tributação prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva;
  23. Sublinhe-se, aliás, que em sítio nenhum o Estado português tributa os empréstimos obrigacionistas, como aliás muito bem sabe a Requerente;
  24. Por tudo isto, e por tudo quanto antes se disse, improcede a pretensão da Requerente, não padecendo as autoliquidações de IS contestadas de qualquer ilegalidade.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se. O processo não enferma de nulidades. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente, a 27.07.2023, procedeu à celebração de contrato de emissão de obrigações realizada por oferta particular, no montante máximo de €57.500.000,00 (cinquenta e sete milhões e quinhentos mil euros), tendo cada obrigação o valor nominal de €1.000,00 (mil euros), sendo que as obrigações emitidas tinham prazo de liquidação até 04.01.2025 e, que da emissão referida foi efetuado registo junto da B..., S.A., com o código ISIN ... (as “Primeiras Obrigações”; informação disponível para consulta em www...).
  2. Para garantir as Primeiras Obrigações, foi celebrado um contrato de constituição de garantias, “Security Agreement” (“SECAG MEAG”), com autenticação notarial (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  3. As garantias prestadas consistem, inter alia, em penhores de ações, em penhores de créditos, em penhores de quotas e em hipotecas, entre outras (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  4. O montante máximo garantido ao abrigo do contrato mencionado em B. (“SECAG MEAG”) foi de €66.865.000,00 (sessenta e seis milhões oitocentos e sessenta e cinco mil euros (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  5. Pela prestação de garantias, e tendo por referência o montante máximo garantido indicado em D., foi liquidado, no termo de autenticação notarial do contrato de constituição de garantias, o “Security Agreement” (“SECAG MEAG”), e pago o montante de €401.190,00 (quatrocentos e um mil cento e noventa euros), a título de IS (Cfr. Documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos ao PPA).
  6. Para o cálculo do referido IS, foi aplicada a verba 10.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), tendo sido liquidado e pago 0,6% do montante total garantido ao abrigo do contrato de constituição de garantias, “Security Agreement” (“SEAG MEAG”) (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  7. Em 31.08.2023, a Requerente procedeu à celebração de outro contrato de emissão de obrigações realizada por oferta particular, no montante máximo de €45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros), tendo cada obrigação o valor nominal de €1,00 (um euro), sendo que as obrigações emitidas têm prazo de liquidação até 30.06.2049 e, que da emissão referida foi efetuado registo junto da B..., S.A., com o código ... (as “Segundas Obrigações”; informação disponível para consulta em www. ...).
  8. Para garantir as Segundas Obrigações, foi celebrado um contrato de constituição de garantias, “Security Agreement” (“SECAG ...”), com autenticação notarial (Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA).
  9. As garantias prestadas consistem, inter alia, em penhores de ações, em penhores de créditos, em penhores de quotas e em hipotecas, entre outras (Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA).
  10. O montante máximo garantido ao abrigo do contrato mencionado em H. (“SECAG...”) foi de €53.347.000,00 (cinquenta e três milhões trezentos e quarenta e sete mil euros (Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA).
  11. Pela prestação de garantias, e tendo por referência o montante máximo garantido indicado em J., foi liquidado, no termo de autenticação notarial do contrato de constituição de garantias, “Security Agreement” (“SECAG ...”) e pago o montante de €266.735,00 (duzentos e sessenta e seis mil setecentos e trinta e cinco euros), a título de IS (Cfr. Documentos n.ºs 5, 6 e 7 juntos ao PPA).
  12. Para o cálculo do referido IS, foi aplicada a verba 10.2 da TGIS, tendo sido liquidado e pago 0,5% do montante total garantido ao abrigo do contrato de constituição de garantias, “Security Agreement” (“SECAG...”) (Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA).
  13. Em 23.11.2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2023...), peticionando que as autoliquidações de IS aqui controvertidas fossem declaradas nulas, ou, caso assim não se entendesse, anuladas, com todas as consequências legais (Cfr. Documento n.º 8 junto ao PPA).
  14. Em 05.07.2024, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023..., de 01.07.2024, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
  15. A Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 17.07.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1.  O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

  1. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1 DA QUESTÃO DE FUNDO

 

  1. A Requerente pretende, em síntese, a anulação das autoliquidações de IS aqui em crise, por entender que:

 

  1. O artigo 7.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto do Selo (“CIS”), tem de ser interpretado no sentido de isentar de IS a constituição de quaisquer garantias associadas à emissão de obrigações, ainda que não seja legalmente obrigatória; ou
  2. Se se entender o contrário – ou seja, que o artigo 7.º, n.º 1, alínea d), do CIS, só isenta a constituição de garantias legalmente obrigatórias – então terá de se concluir que o regime de tributação de IS português, consubstanciado, inter alia, nos artigos 1.º e 7.º, do CIS, e na verba 10 da TGIS, é contrário ao direito da União Europeia, tendo especialmente em conta a liberdade de circulação de capitais (Cfr. artigos 63.º a 66.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) e o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008.

 

  1. Vejamos, então, se lhe assiste razão. 

 

IV.2 APRECIAÇÃO

 

IV.2.1. DA ISENÇÃO DO IMPOSTO DO SELO – ALÍNEA D), DO N.º 1, DO ARTIGO 7.º, DO CIS

 

  1. Dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do CIS, que “o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

 

  1. Por força da verba 10, da aludida TGIS, ficam sujeitas a imposto do selo as “Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente sobre o respectivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato:”, às taxas aí previstas, em função do prazo da garantia.

 

  1. Já a alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS, estabelece que “são também isentos de imposto: d) As garantias inerentes a operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM, que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas.” (negrito nosso)

 

  1. A norma supra transcrita – alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS – alude, como é bom de ver, às “garantias inerentes a operações” “que tenham por objeto, direta ou indiretamente, valores mobiliários (...)

 

  1. Defende, em síntese, a AT que “as garantias em causa foram prestadas facultativamente pela entidade emitente, pelo que não são inerentes a qualquer operação sobre valores mobiliários e de emissão de valores mobiliários, e que a prestação de garantia é inerente apenas às operações sobre instrumentos financeiros derivados e não sobre valores mobiliários em geral”.

 

  1. Neste contexto, a questão que se coloca é saber o que significa “garantias inerentes a.…”, para efeitos da isenção consagrada na alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS.

 

  1. Sobre esta questão já decidiram os tribunais arbitrais, em processos mais recentes, no sentido oposto ao preconizado pela Requerente.

 

  1. Referimo-nos, deste modo, às Decisões Arbitrais n.ºs 2/2020-T, de 29 de março de 2021 e 80/2021-T, de 3 de agostos de 2021), nas quais nos revemos.

 

  1. Assim, e sem prejuízo de exaustividade, transcrevemos os excertos considerados relevantes da Decisão Arbitral n.º 80/2021-T, de 3 de agosto de 2021, que se aplicam aqui mutatis mutandis:

 

O significado da palavra “inerente” que é o de “intimamente unido”, “intrínseco” ou “inseparável”, “que é próprio de algo”, “que é atribuído ou propriedade de algo”[1], pelo que o uso daquela palavra não tem o alcance de expressar a mera “acessoriedade”, que é referida na verba 10 da TGIS, apontando, antes, para situações em que é legalmente obrigatória da prestação de garantia para a prática de operações dos tipos referidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

E é certo que tem havido e há situações em que é obrigatória a prestação de garantias e conexão com operações que tenham por objeto valores mobiliários, como decorre do artigo 411.º, n.º 4, do Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril, na redacção inicial, e do seu artigo 412.º na redação do Decreto-Lei n.º 196/95, de 29 de Julho, do artigo 19.º do Regulamento da CMVM n.º 5/2007, do artigo 260.º do Código dos Valores Mobiliários, nas redacções do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, e do Decreto-Lei n.º 40/2014, de 18 de Março, do artigo 261.º do mesmo Código na redacção do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e também do Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, complementado pelo Decreto-Lei n.º 40/2014, de 18 de Março, e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013.

As situações em que é obrigatória a cobertura, através de garantias, de riscos de operações que tenham por objecto valores mobiliários, são aquelas e relação às quais é adequado afirmar que as garantias “inerentes” às operações.

            Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.[2]

            No caso em apreço, não há elementos que apontem no sentido de a expressão “garantias inerentes” ter sido incorretamente utilizada, para aludir também a garantias prestadas facultativamente, que podem ou não acompanhar operações que tenham por objecto valores mobiliários.” (negrito nosso)

 

  1. Por outro lado, veja-se, ainda, o referido na Decisão Arbitral n.º 2/2020-T, de 29 de março de 2021:

 

Do sentido literal e imediato afigura-se que o legislador pretende abranger situações em relações às quais a prestação de garantias faz parte do procedimento da operação em causa, ou seja, encontra-se prevista na lei como um trâmite, entre outros, característico do mesmo.

Somente assim o intérprete é remetido para um critério tipificado e de aplicação geral e uniforme. Incluir nesta interpretação situações em que as garantias são acordadas pelas partes contratualmente, estaríamos a remeter o intérprete para uma interpretação ad-hoc, casuística, para averiguar em que medida no âmbito do contrato uma parte se obrigou ou não perante a outra a prestar as garantias, com consequências inevitavelmente subjetivas e arbitrárias. E, o mais grave seria, ainda, deixar na disponibilidade das partes a possibilidade de contornar a aplicação da isenção, o que não é de todo admissível atento os princípios da legalidade e da tipicidade que marcam as normas sobre benefícios fiscais.

(...), a criação de benefícios fiscais não apenas tende a suscitar questões delicadas de segurança jurídica e de tutela da expetactiva dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária global, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes”. Nas palavras de Saldanha Sanches, as normas que estabelecem benefícios fiscais compreendem “uma decisão sobre distribuição dos encargos tributários, aumentando a tributação dos contribuintes não isentos”. Também o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 188/2003, de 8.4.2003) conclui “que as isenções tributárias, traduzindo uma excepção à regra geral da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhes dar fundamento” (Cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2011, Almedina, Coimbra, p. 283 ss. e notas 455 da página 285 e 499, da página 311, respetivamente. Mais recentemente, do mesmo Autor, Manual de Direito Fiscal, Reimpressão, 2015).” (negrito nosso)

 

  1. Dito tudo isto, entende, também, este Tribunal Arbitral que as garantias “inerentes” terão de estar consagradas na lei como imprescindíveis para as operações em questão, não sendo compatível com os princípios da legalidade e da tipicidade dos benefícios fiscais a interpretação alternativa defendida pela Requerente.

 

  1. Porquanto, tal interpretação “reconduzir-se-ia, em última análise, a atribuir a uma entidade pública ou privada que tem de aplicar a isenção (um notário ou, eventualmente, um seu ajudante que o substitua) o poder de determinar o alcance real da isenção, pois, sem a exigência de previsão legal explícita da inerência, o conceito não teria qualquer densificação normativa, o que careceria manifestamente de razoabilidade.[3]

 

  1. Face ao exposto, não colhe o argumento aduzido pela Requerente, não beneficiando as garantias aqui em apreço, relativas a emissão de obrigações, e prestadas facultativamente, da isenção prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS.

 

IV.2.2 DA ALEGADA VIOLAÇÃO DA DIRETIVA 2008/7/CE, DO CONSELHO, DE 12 DE FEVEREIRO DE 2008

 

  1. Não obstante se tenha concluído pela inaplicabilidade da alínea d), do n.º 1, do artigo 7.º, do CIS, considera a Requerente, que a ser assim, o regime de tributação de IS português, consubstanciado, inter alia, nos artigos 1.º e 7.º, do CIS, e na verba 10 da TGIS, é contrário ao direito da União Europeia, violando o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, que proíbe os Estados-Membros da União Europeia de imporem qualquer forma de tributação indireta (incluindo o IS) sobre todas as “formalidades conexas” com empréstimos obrigacionistas.

 

  1. Estatui o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008 que “Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.” (negrito nosso)

 

  1. Da jurisprudência do TJUE – a que se socorreu a Requerente (processo n.º C-656/2021; processo n.º C-335/22 e processo n.º C-416/22), para sustentar a sua posição –, resulta que as “formalidades conexas” abrangidas pela proibição da tributação constante do citado artigo – 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 – são aquelas que apresentem uma ligação estreita, isto é, que se integram ou insiram numa operação de reunião de capitais globalmente considerada.

 

  1. Todavia, e sem prejuízo da amplitude interpretativa que decorre de tal jurisprudência, a verdade é que as “formalidades conexas” visadas naqueles acórdãos – serviços de compensação na venda de ações em bolsa e encargos com serviços de comercialização na subscrição de participações de fundos – são diferentes entre si e distintas das visadas nos presentes autos – em que está em causa a prestação de garantias no âmbito da emissão de obrigações –, como, aliás, reconhece a própria Requerente no seu PPA.

 

  1. Considera, assim, o Tribunal Arbitral que não pode ser feita uma transposição tout court da jurisprudência do TJUE para o presente processo.

 

  1. Já quanto à Decisão Arbitral, de 03.03.2025, proferida no processo n.º 892/2024-T, não transitada em julgado, a que fez referência a Requerente no seu requerimento de 10.03.2025, importa evidenciar que, por um lado, não é possível extrair, sem margem para dúvidas, que a factualidade ali descrita é idêntica à nossa e, por outro, que pouco ou nada se discute sobre a (in)aplicabilidade da derrogação prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da dita Diretiva, limitando-se a afirmar que: “(...), nada, no artigo 6.º da Diretiva 2008/7/EC, permite sustentar tributação da prestação de garantias.” e que “O Security Agreement não permite concluir que se esteja diante da constituição de privilégios ou hipotecas para que se permita a previsão legal de direitos que os oneram.”, mas sem qualquer fundamentação que acompanhe o referido raciocínio.

 

  1. Neste sentido, iremos, sim, acompanhar de perto as conclusões, já publicadas, do Advogado-Geral, apresentadas a 13 de fevereiro de 2025, no âmbito do processo n.º C685/23, em análise do TJUE, onde é discutida a questão que neste segmento da decisão se coloca, salientando-se, desde logo, e como será bom de ver, que a interpretação a dar às mesmas é completamente distinta daquela que a Requerente veio – em 10.03.2025, através de requerimento – tentar apresentar. 

 

  1. Volvendo ao caso dos autos e ao enquadramento jurídico que ora nos interessa, conclui-se que o artigo 5.º, da aludida Diretiva, enuncia o princípio da não sujeição a impostos indiretos dos empréstimos contraídos sobre a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis e todas as formalidades conexas.

 

  1. Já o artigo 6.º, do mesmo Diploma, derroga expressamente o disposto no artigo 5.º e autoriza os Estados-Membros a cobrarem direitos que onerem unicamente “a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas”.

 

  1. Assim, “a relação entre as duas disposições é, evidentemente, de regra/exceção: a primeira enuncia uma regra de caráter geral, a segunda só é aplicável por derrogação da primeira quando se verifiquem as condições ali previstas.”[4]

 

  1. O intérprete deverá, portanto, proceder a uma ponderação entre os dois princípios expressos nas duas disposições (livre circulação de capitais e direito de tributação dos Estados-Membros nos casos expressamente previstos), tendo porém em conta o facto de que o primeiro tem um alcance geral, considerando também que os impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais[5]. O segundo, em contrapartida, tem, nestas situações, um alcance meramente residual, mas não nulo: é o próprio legislador da União quem, depois de afirmar que a melhor solução para alcançar os objetivos da Diretiva 2008/7, ou seja, a harmonização da legislação relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais[6], consistiria em eliminar o imposto sobre as entradas de capital, reconhece que as perdas de receitas decorrentes da aplicação imediata desta medida são, no estado atual, inaceitáveis para os Estados-Membros[7].[8]     

 

  1. Com efeito, na situação em apreço é evidente que a operação financeira principal está abrangida pelo conceito amplo de “empréstimos, (...), contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis (...)”, pelo que a questão que verdadeiramente se coloca é a de saber se o contrato de garantia subscrito em simultâneo com o contrato de empréstimo obrigacionista está abrangido pelo conceito de “formalidades conexas”.

 

  1. Ora, o contrato de garantia não é, em regra, imposto por lei ou por outra fonte vinculativa em caso de emissão de obrigações, tendo a sua autonomia jurídica própria em relação ao contrato de financiamento, no sentido em que este pode existir juridicamente sem aquele.

 

  1. Para além de que, as finalidades dos dois contratos são, naturalmente, distintas, o que significa que, diferentemente da hipótese analisada pelo TJUE no Acórdão C-656/2021, a que fez menção a Requerente, as duas operações não têm a mesma finalidade e a ocorrência da segunda não tem uma função direta na realização concreta da primeira operação.

 

  1. Sendo, sim, a vontade das partes, através de um contrato específico, que é a fonte constitutiva das garantias prestadas.
  2. Nesta perspetiva, crê o Tribunal Arbitral, tal como a AT, que a expressão “formalidades conexas”, constante da citada norma, deve ser interpretada como abrangendo apenas e só quaisquer atos legalmente necessários para que a reunião de capitais se possa concretizar, na medida em que só estas formalidades constituem ónus que não está na disponibilidade das partes.

 

  1. E, no caso em dissídio, a prestação das garantias por parte do emitente das obrigações, a ora Requerente, é voluntária e facultativa, podendo ser afastada, e só onerando a operação de capitais por vontade exclusiva das partes.

 

  1. Contudo, mesmo que se admitisse que as ditas garantias estariam abrangidas pela alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, as mesmas não deixavam de estar sujeitas a tributação, em virtude do consagrado na alínea d), do n.º 1, do artigo 6.º, do mesmo diploma: “Em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos: d) Direitos que onerem a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas.”, no qual a aplicação de um imposto indireto é considerada compatível com a livre circulação de capitais.

 

  1. A nosso ver, tal norma sempre abrangeria o caso objeto do litígio, pois consideramos que a Diretiva em apreço, ao utilizar a expressão “privilégios e hipotecas”, visa reunir os tipos de garantias cuja constituição, inscrição ou extinção tenha um efeito idêntico sobre os direitos do credor: o de constituir uma garantia especial capaz de conferir direitos preferenciais na satisfação do crédito em caso de incumprimento. E isso independentemente da sua natureza mobiliária ou imobiliária.

 

  1. Neste contexto, é nosso entendimento que o termo “privilégios” inclui os penhores mobiliários, na medida em que estes conferem direitos preferenciais especiais, tal como as hipotecas. 

 

  1. Aliás, o penhor é a máxima garantia possível, equiparável em termos funcionais à hipoteca, pelo que não se vê razão para excluir a sujeição a imposto do selo, na medida em que tal sujeição ocorre no caso da hipoteca, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 6.º, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

 

  1. Na verdade, cremos que se enquadram, ainda, no conceito de “privilégios” outros tipos de garantias que tenham os mesmos efeitos, ou seja, que confiram direitos especiais na aceção supra indicada – i.e, o de constituir uma garantia especial capaz de conferir direitos preferenciais na satisfação do crédito em caso de incumprimento –.

 

  1. A ser outra a interpretação, estaríamos a privar a menção “privilégios”, consagrada na alínea d), do n.º 1, do artigo 6.º, da citada Diretiva, de qualquer significado e utilidade, dando origem a uma situação iníqua, no qual só no caso de um contrato de garantia em que estejam previstas hipotecas é possível aplicar impostos indiretos, o que levaria a uma disparidade no tratamento entre garantias com as mesmas funções e efeitos, que afetaria negativamente a autonomia contratual das partes.

 

  1. Desta feita, é manifesto que as garantias aqui prestadas (penhores de ações, penhores de créditos, penhores de quotas e hipotecas) estão sujeitas a tributação, em sede de IS, ao abrigo da citada norma – alínea d), do n.º 1, do artigo 6.º, da aludida Diretiva –,

 

  1. Sendo esta a interpretação a retirar das aludidas conclusões do Advogado-Geral, apresentadas no âmbito do processo n.º C685/23, e não a apresentada pela Requerente, que está em clara contradição com a posição preconizada por aquele.

 

  1. Face a todo o exposto, conclui o Tribunal Arbitral que não há qualquer violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, nem tampouco do princípio da livre circulação de capitais, não padecendo as autoliquidações aqui contravertidas de qualquer ilegalidade, devendo manter-se as mesmas na ordem jurídica, o que acarreta, também, a improcedência da pretensão da devolução do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, formulada pela Requerente. 

 

V. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, mantendo na ordem jurídica os atos tributários de autoliquidação do Imposto do Selo impugnados, bem como a decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa contra eles interposta; e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

 

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €667.925,00 (seiscentos e sessenta e sete mil e novecentos e vinte cinco euros), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €9.792,00 (nove mil setecentos e noventa e dois euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 25 de março de 2025

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Fernando Araújo

 

(Presidente)

 

 

José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora

 

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

 

 

Susana Mercês de Carvalho

 

(Árbitra Adjunta)

 



[1] Dicionários Priberam e Porto Editora, disponíveis em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/inerente e http://www.priberam.pt/dlpo/inerente.

No mesmo sentido, no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, refere-se como significado de “inerente”: “que está por natureza unido, ligado a alguém ou alguma coisa”. 

[2] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

[3] Decisão Arbitral n.º 80/2021-T, de 3 de agosto de 2021.

[4] Conclusões do Advogado-Geral, apresentadas a 13 de fevereiro de 2025, no âmbito do processo n.º C685/23, em análise do TJUE, página 4, ponto 22.

[5] Considerando 2 da Diretiva 2008/7.

[6] Considerando 3 da Diretiva 2008/7.

[7] Considerando 6 da Diretiva 2008/7.

[8] Conclusões do Advogado-Geral, apresentadas a 13 de fevereiro de 2025, no âmbito do processo n.º C685/23, em análise do TJUE, página 4, ponto 23.