SUMÁRIO:
1. A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
2. A Requerente não é parte ilegítima para pedir a apreciação dos atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela sua fornecedora de combustíveis.
3. Apenas o sujeito passivo responsável pela introdução dos produtos petrolíferos (gasolina e gasóleo rodoviário) no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a apreciação e anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
Os árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. José Nunes Barata e Professor Doutor Tomás Castro Tavares (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 05-08-2024, acordam no seguinte:
A..., Lda., adiante designada por Requerente, com o número de identificação fiscal ..., e com sede na ..., n.º... –...,...-...Lisboa, vem, na sequência do indeferimento tácito formado quanto aos pedidos de revisão oficiosa contra as liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (doravante “CSR”) dos períodos acima referenciados, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), bem como dos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”) e 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”), apresentou pedido de pronúncia arbitral contra os referidos indeferimentos tácitos e liquidações de CSR.
O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados contra as liquidações de CSR relativas a dois períodos distintos – um, relativo ao mês de outubro de 2019, e outro, relativo ao período compreendido entre novembro de 2019 e dezembro de 2022 –, de onde resultou um valor pago de 6.380,84€ e 214.373,90€, respetivamente, com base nos mesmos pressupostos de facto e razões de direito.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
1.1. Do pedido
A requerente concretiza a final o seu pedido:
“Nos termos do que acima ficou exposto, requer-se a esse Douto Tribunal que julgue a presente impugnação procedente, por provada, condenando a AT:
i. A reembolsar à Requerente o montante total de 220.754,74 €, indevidamente pago, relativo à CSR de 2019 (18.706,62€), 2020 (66.568,04€), 2021 (66.811,23€) e 2022 (68.668,85€);
ii. no pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor do CSR a reembolsar;
iii. na medida da procedência dos pedidos anteriores, no pagamento das custas do processo e custas de parte.”
Da análise ao pedido formulado pela Requerente, impõe-se a devida clarificação, considerando que pede o reembolso da CSR acrescido de juros indemnizatórios, e como menciona nas Alegações, “Está em causa no presente processo o pedido de reembolso de um imposto considerado contrário ao direito comunitário pelo TJUE e que, em consequência, foi extinto em 31 de Dezembro de 2022”.
Estando o tribunal limitado na sua decisão, ao pedido apresentado pela Autor/Requerente na petição inicial, estabelecido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 RJAT: “1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
Impõe-se que se proceda à interpretação do pedido em conjugação com a “parte narrativa da petição inicial”, no sentido de delimitar a relação jurídica controvertida.
De salientar que a Requerente fundamenta a sua legitimidade na qualidade de Repercutida legal dos atos de liquidação de CSR, que suportou pela aquisição de combustíveis à B... SA, a sua fornecedora de combustíveis, sem, contudo, mencionar que pretende a anulação dos atos de liquidação de CSR ou dos atos de repercussão que resultaram da emissão das faturas de CSR.
O nosso sistema judicial tem por base o princípio do pedido, admitindo alguma jurisprudência e doutrina a possibilidade deste princípio basilar do nosso direito adjetivo poder ceder perante o apelidado “pedido implícito”.
De referir a análise feita no Acórdão da Relação de Lisboa de 05-09-2024 proferido no Processo n.º 6845/20.8T8ALM.L1-6, que determinou a revogação da decisão que considerou o pedido implícito: “Cumpre, pois, apreciar se estamos perante o que a jurisprudência tem vindo a apelidar de “pedido implícito” e aquilatar da sua admissibilidade. Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alínea e) do CPC, na petição inicial, o autor deve formular o pedido, que irá conformar o objecto do processo e condicionar a decisão de mérito, pelo que o tribunal, sob pena de nulidade, não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso (artigos 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, ambos do CPC) e deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras (artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º do CPC).
Defendia o Professor Antunes Varela (In “Manual de Processo Civil”. Coimbra Editora, 2.ª edição, revista e actualizada, 1985, pág. 245, nota 1.) que o “…pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a ação”. Mais recentemente – e atendendo à lógica inerente à estrutura do novo Código de Processo Civil, nomeadamente, de preferência do “conteúdo” em detrimento de razões puramente formais -, tem-se observado uma inversão deste entendimento, com autores como o Professor Lebre de Freitas (In “Código de Processo Civil Anotado. Volume II”. Coimbra: Almedina, 3.ª edição, julho de 2017, pág. 490) a admitirem que “…o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, com o sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente…”. Os Tribunais superiores têm, bem assim, seguido esta linha de raciocínio, “(em primeiro lugar, porque a petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do CC (cf., por ex., Ac do STJ de 21.4.05, em www.dgsi.pt). Depois porque se não releva a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido no caso de o réu haver interpretado convenientemente a petição inicial (art.º 193.º, n.º 3 do CPC), por maioria de razão, ou por aplicação analógica, deve admitir-se um pedido feito no corpo do articulado, máxime se foi correctamente interpretado pelo demandado”( Cfr. Acórdão do TRC, de 10.09.2013, proc. n.º 6/07, disponível em www.dgsi.pt.).
(...)O pedido constitui o elemento identificador das acções, é este o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir. Nas licões de Anselmo de Castro ( in “Direito Processual Civil Declaratário”, pág. 201 e ss.) por pedido, porém, tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz, através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc.) ou seja, a providencia que se pretende obter com a acção; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecido. O primeiro é o objecto imediato; o segundo é o objecto mediato, sendo que para determinaro petitum concorrem ambos os aspectos.
(...) o pedido está ligado ao princípio do dispositivo, sendo este um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida. Como bem aludia Manuel de Andrade ( in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 373 a 374), na visão conservadora e liberal o processo “é uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, em que o juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado – daí a inércia, inactividade ou passividade do juiz, em contraste com a actividade das partes e, outrossim, que a sentença procure e declare a verdade formal (intra processual) e não a verdade material (extra processual)”.
De mencionar ainda o decidido no Acórdão do STJ de 22-09 -2022 proferido no Processo n.º 605/17.0T8PVZ.P1.S, que afirma no sumário:
“I. Como decorrência do princípio do dispositivo, continua a vingar na nossa lei adjectiva o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art. 3º, n.º 1 do CPC).
II. Se é certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, também não devem, sem assento no alegado e peticionado pelo Autor, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: «Não dês mais do que aquilo que te é pedido».
III. Quando perante o alegado na petição inicial há dúvidas quanto aos concretos e efectivos pedidos pretendidos pelo Autor ou ao real conteúdo da pretensão, e, recorrendo às regras interpretativas da declaração judicial, se extrai implícita uma outra pretensão petitória não expressamente ali formulada, pode o tribunal levá-la em conta, extraindo os efeitos jurídicos correspondentes, sem dessa forma violar o princípio do pedido.
IV. Porém, como o princípio do pedido se encontra a par do princípio do contraditório, tem este último que ser sempre respeitado, pois uma sentença desrespeitadora do princípio do pedido, traduzir-se-ia numa decisão-surpresa.
V. Pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis, ou seja, o pedido apresentado na petição pressupõe outro pedido que, por qualquer razão, o autor não exprimiu de forma nítida ou óbvia.”
E, na análise do mérito do Recurso o tribunal menciona:
(...) Como o princípio do pedido está ligado ao princípio do dispositivo – princípio este que constitui um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida – , algumas considerações se justificarão sobre este princípio
Se se nos afigura certo o acabado de enunciar, certo é, também, que no sistema processual civil nacional o princípio do dispositivo se encontra a par do princípio do contraditório, continuando ambos a ser princípios nucleares e fundamentais da lei adjectiva.
(...)
Esta posição foi ancorada “desde logo, no entendimento de um articulado processual, designadamente uma petição inicial, como configurando “[…] uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236º, nº 1 e 238º nº 1 do Código Civil […]”, acrescentando-se colher este entendimento algum respaldo no artigo 295º do CC, ao determinar a aplicação aos actos jurídicos que não se configurem como negócios jurídicos das disposições do Código Civil referentes a estes, designadamente das atinentes à interpretação e integração previstas nos ditos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, “na medida em que a analogia das situações o justifique”
A Requerente começa por afirmar que apresenta Pedido de Pronúncia Arbitral “contra os referidos indeferimentos tácitos e liquidações de CSR, o que faz nos termos e com os fundamentos que seguem (...).”
A Requerente ao referir-se a atos de liquidação de CSR, está a referir-se a atos que só podem ser os atos de liquidação realizados pela AT ao sujeito passivo com a submissão das e-DICs.
Na parte expositiva do PPA a Requerente menciona: “A Requerente vem, pelo presente, solicitar a pronúncia do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, norma que prevê expressamente a competência deste Tribunal para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, tribunal ao qual se vinculou a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), de acordo com o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto imediato o indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados contra as liquidações de CSR relativas a dois períodos distintos – um, relativo ao mês de Outubro de 2019, e outro, relativo ao período compreendido entre Novembro de 2019 e Dezembro de 2022 –, de onde resultou um valor pago de 6.380,84€ e 214.373,90€, respectivamente, com base nos mesmos pressupostos de facto e razões de direito.
A propósito de cumulação de pedidos, dispõe o artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (‘CPPT’):
«[n]a impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão» (cit.).
In casu, encontram-se reunidas as condições enunciadas, pois (i) todas as liquidações em crise respeitam ao mesmo imposto; (ii) os fundamentos de facto e de direito são os mesmos, como melhor se verá adiante; e (iii) o presente Tribunal Arbitral é competente para dirimir da legalidade de ambos os pedidos. Termos em que, ao abrigo do artigo 104.º do CPPT, se cumulam, no presente pedido, as liquidações de CSR relativas ao mês de Outubro de 2019 e aquelas relativas ao período entre Novembro de 2019 e Dezembro de 2022.”
Considerando o disposto no artigo 2.º e) do CPPT, o Código de Processo Civil constitui direito subsidiário a de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos.
Considera este Tribunal Arbitral que está limitado na sua decisão ao princípio do pedido, expressamente consagrado no artigo 609.º, n.º 1 do CPC, o qual é aplicável por disposição do artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, e ainda por remissão do artigo 2.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 a) do RJAT.
Este Tribunal Arbitral adere ao afirmado no mencionado Acórdão do STJ 22-09-2022 quando refere:
“É certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, que é absolutamente essencial nos tempos que correm. É que um processo que não seja efectivo é um processo amorfo, que nada resolve, que se perde em questiúnculas formais, muitas das vezes dessa forma remetendo para as calendas a resolução do litígio.
Mas também não podemos, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: «Não dês mais do que aquilo que te é pedido».”
Pelo exposto concluímos que a Requerente pede ao Tribunal Arbitral a apreciação do indeferimento tácito dos pedidos de Revisão Oficiosa e dos atos de liquidação de CSR resultantes da emissão de faturas pela sua fornecedora de combustíveis, com base na alegada “repercussão legal”, e consequentemente decida sobre o reembolso e juros indemnizatórios, relativos aos valores e CSR que pagou.
1.2. Dos requerimentos anteriores à constituição do Tribunal Arbitral
Em 03-06-2024 a Requerida apresentou um Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa em que requer que “seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.”
Por despacho de 03-06-2024 o Exmo. Senhor Presidente do CAAD entendeu que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD. De mencionar que não cabe ao Tribunal Arbitral praticar quaisquer atos processuais ainda antes da sua constituição e as questões colocadas, mormente quanto à alegada não identificação dos atos tributários impugnados e a legitimidade processual apenas releva no âmbito do saneamento do processo.
A Requerente em 05-06-2024 apresentou um requerimento em resposta a esse, em que referiu nomeadamente, que a AT não tem razão e concluindo que: “A entender-se como a AT pretende, estar-se-ia a fazer letra morta do referido artigo 18º, n.º 4, a) da LGT, algo que ao intérprete se encontra vedado. Requer-se assim o prosseguimento do processo arbitral, nos termos peticionados, como é de direito.”
Tendo o Senhor Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD. De mencionar que não cabe ao Tribunal Arbitral praticar quaisquer atos processuais ainda antes da sua constituição e as questões colocadas, mormente quanto à alegada não identificação dos atos tributários impugnados e a legitimidade processual apenas releva no âmbito do saneamento do processo.
1.5. Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral enviado no dia 23-05-2024 foi aceite no dia 27-05-2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
Os Árbitros designados em 16-07-2024 pelo Conselho Deontológico do CAAD que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 05-08-2024.
A AT apresentou Resposta em que se defendeu por impugnação e suscitou exceções.
Na mesma data foi proferido o despacho arbitral previsto no artigo 17.º do RJAT, a notificar a AT para apresentar Resposta e juntar o Processo Administrativo (PA).
Em 27-09-2024 a AT apresentou Resposta e juntou o PA, que se resume a uma informação relativa ao presente PPA.
Por despacho de 01-10-2024, notificado a 03-10-2024, foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e facultar às Partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, podendo a Requerente pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Requerida na Resposta.
Em 23-10-2024 a Requerente apresentou alegações escrita e respondeu às exceções.
Em 24-10 -2024 a Requerida apresentou alegações escritas.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).
O processo não enferma de nulidades.
Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente; da ineptidão da petição inicial por falta de objeto e da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir; e da caducidade do direito de ação, importa apreciar, preliminarmente, estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal Arbitral, que é de conhecimento prioritário (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade comercial com sede em Portugal.
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A Requerente afirma que suportou, nos períodos CSR no período de relativo ao mês de outubro de 2019, e outro, relativo ao período compreendido entre novembro de 2019 e dezembro de 2022, que ascendeu assim a 220.754,74 € pelo gasóleo e gasolina adquirido ao fornecedor B... SA.; (cfr. PPA).
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A Requerente, apresentou dois pedidos de revisão oficiosa para o período total em questão, em 30 de outubro de 2023 e 29 de novembro de 2023; (cfr. PPA e PA).
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Sobre os pedidos de Revisão Oficiosa não recaiu, até ao momento, qualquer decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.2. Factos não provados
O Tribunal Arbitral considera como não provados os seguintes factos:
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A fornecedora de combustíveis da Requerente (B..., S.A.), tenha pagado o imposto apurado nos atos de liquidação CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas e-DICs por aquela submetidas.
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A mencionada fornecedora de combustíveis tenha repercutido nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
-
Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 220.754,74.
3.3. Motivação da matéria de facto
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
O Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a Resposta.
Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
4. Matéria de direito
4.1. Das exceções
A Requerida na Resposta invoca várias exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.
Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que iniciar por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria. Porém, e dada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisamos a começar, a questão da natureza jurídica da CSR.
-
Da natureza jurídica da CSR
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.
Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:
“Artigo 4.º - Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado e o destinatário registado;
(...).
Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Fator de Adicionamento de CO2 e de CSR.
O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.
Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.
São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.
A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC.
De acordo artigo 10.º-A do CIEC, com as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.
Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.
Como é afirmado no preâmbulo, a CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal, I.P.
Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.
Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:
“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)”
Mencionamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:
“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”
De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.”
Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, um imposto monofásico, em que não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão. O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, com a apresentação da e-DIC, nos termos do CIEC.
b) Da incompetência do Tribunal Arbitral
Nestes autos, a AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que a CSR é uma contribuição e não um imposto, pelo que as matérias sobre a CSR na sua perspetiva encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributaria, por ausência de enquadramento legal.
A AT alega ainda que os Tribunais Arbitrais não têm competência para sindicarem atos de repercussão de CSR.
A Requerida considera ainda que “Ainda que assim não se entenda, sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via.
Efetivamente, resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral e sua fundamentação, que a Requerente suscita, também, junto desta instância arbitral, a legalidade do regime da CSR, no seu todo.
De facto, ao sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição. (veja-se o capítulo III. da exposição em
escrutínio).
Pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia dos atos legislativos.
Sucede que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação.
E este contencioso não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT.
Nas Alegações, respondendo à matéria de exceção, a Requerente defendeu, a improcedência desta exceção:
“(...) A qualificação da CSR como um imposto (ilegal) é facto indesmentível, já declarada como tal pelo Tribunal de Justiça da UE (TJUE), decisão que foi acatada pelo Estado português, que nessa decorrência extinguiu a CSR em 31/12/2022. Sobre a CSR decidiu o TJUE que: de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.”
(...)
No entender da AT, o tribunal arbitral não tem também competência para se pronunciar sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação, defendendo que “A repercussão não constitui um ato tributário, sendo que esta nem sequer corresponde a uma repercussão legal” (pontos 47 e 48 da resposta).
Optando por contradizer o próprio regime legal da CSR, também aqui a AT ignora a realidade, pois a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis não é apenas uma repercussão económica ou de facto, mas verdadeira repercussão legal.
(...)
Apreciando,
A competência dos Tribunais Arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.
Como acima concluído, sendo a CSR um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
b) Exceção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
Nos presentes autos a Requerente invocando a qualidade de repercutida de direito pede a apreciação das liquidações de CSR do”.
A Requerida em síntese alega:
“Nos presentes autos, vem a Requerente peticionar que sejam anuladas as liquidações de CSR referentes ao combustível (gasóleo e gasolina) por aquela adquirido à sua fornecedora no período compreendido entre outubro de 2019 e dezembro de 2022, determinando-se o reembolso de todas as quantias alegadamente suportadas pela Requerente a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.
(...)
Ora, resulta do articulado da Requerente que esta se considera parte legítima para a presente causa nos termos conjugados do n.º 1 e 2 do artigo 9.º CPPT e artigos 65.º e 18.º n.º 3 e 4 da LGT, por ter, alegadamente, suportado o encargo com a CSR.
Aqui chegados, é importante desde logo salientar que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago (cfr. n.º 2 do artigo 15.º do CIEC).
E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo, como já referido no artigo 7.º da presente resposta.
Pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto, cabendo somente às mesmas identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).
Estas disposições legais fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez. Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, que tem por base as declarações de introdução no consumo, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária.
Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4.º do CIEC, por não corresponder à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento do ISP, e da CSR, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e equaciona por mero dever de cautela, carece a Requerente de legitimidade por se encontrar fora do âmbito de aplicação da al. a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, preceito que prevê que os repercutidos legais embora não sendo sujeitos passivos, têm legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar e formular pedido arbitral.
Tal preceito não tem aplicação no caso concreto, pois em causa não está uma situação de repercussão legal, quanto muito, uma situação de repercussão de natureza meramente económica ou de facto.
(...)”
A Requerente respondendo a esta exceção defende nomeadamente o seguinte:
“Nos termos do disposto no artigo 9º nº 1 do CPPT, “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.
Já o artigo 18.º, n.º 4 da LGT dispõe que “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”
Tendo havido repercussão legal do imposto, é clara a legitimidade do Requerente ao abrigo das citadas disposições legais, enquanto lesado pela liquidação da CSR.
Legitimidade essa confirmada em nome do princípio constitucional do reconhecimento do direito à impugnação de atos de natureza administrativa lesivos de interesses legalmente protegidos, previsto no artigo 268º nº 4 da CRP.
(...)”
Apreciando
O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.
Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.
E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.
A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E, o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.
Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, a legitimidade neste caso, para questionar os atos de liquidação da CSR, só poderia advir da comprovação de a Requerente é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CSR pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.
A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação.
A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiriu à fornecedora de combustíveis, juntando apenas as faturas emitidas pela B... SA.
As faturas não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes por si alegados.
Uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais; cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.
Das faturas mencionadas não se pode considerar que delas resultaria qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Por definição uma fatura é um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e que é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA.
Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.
As entidades que introduzem os combustíveis no consumo e que estejam registadas como tal, como é o caso da B... SA, são os sujeitos passivos da CSR e têm a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas faturas juntas com o PPA, não é possível comprovar qual a entidade que procedeu à introdução no consumo, se submeteu as DICs respetivas, se procederam ou não a esse pagamento porque não é junto qualquer documento que se possa considerar como prova desse pagamento.
E, das faturas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, (estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições) pelo que não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DIC).
De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.
Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
Apenas a entidade que introduziu no consumo os combustíveis e apresentou nas Alfândegas as DICs, o sujeito passivo de ISP/CSR, teria legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.
Pelo exposto, considera-se que a Requerente não tem legitimidade processual para pedir a este Tribunal Arbitral a apreciação dos atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela entidade que introduziu no consumo os combustíveis porque no âmbito dos impostos especiais de consumo. Apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a apreciação e anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.
Acresce ainda o seguinte:
O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal[1], que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[2].
De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Sendo que, na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada.
Interessa ainda sublinhar que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a Requerida e solicitar o reembolso do imposto [CSR] se comprovasse que é titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Assim, teria que alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhe tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por si suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes).
Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que foi repercutida e que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal.
Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).
De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).
Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelos fornecedores de combustíveis, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (realce nosso)
A referida norma (artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC) estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs, 296/2023-T, 297/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T, 40/2023-T, 114/2024-T.250/
A Requerente refere que a da Lei 55/2007 (diploma que criou a CSR) , por violação da Diretiva 2008/118, é ilegal também a liquidação de CSR é ilegal
Pelo exposto julga-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de apreciação dos atos de liquidação de CSR, a qual constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
5. Decisão
a) Julgar procedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar os atos de repercussão de CSR;
b) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de apreciação dos atos de liquidação de CSR;
c) Julgar improcedente o pedido de reembolso de CSR e os juros indemnizatórios peticionados;
c) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.
6. Valor do processo
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €. 220.754,74, indicado pela Requerente sem oposição da Requerida.
7. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de março de 2025
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
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(José Nunes Barata – Adjunto)
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(Tomás Castro Tavares - Adjunto)
[1] Desta forma, a lei implica (e pressupõe) que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.
[2] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).