Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 654/2024-T
Data da decisão: 2025-03-28  IRC  
Valor do pedido: € 112.826,00
Tema: Derrama Municipal – Revisão Oficiosa – Competência material
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SUMÁRIO:

  1. O artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
  2. A Derrama Municipal, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes em território português, com exclusão de rendimentos provenientes de fonte estrangeira.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.RELATÓRIO

  1. No dia 17 de maio de 2024, a sociedade A... SGPS S.A. (adiante designada por “Requerente”), pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa), enquanto sociedade dominante de um grupo de empresas tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) apresentou no CAAD requerimento de constituição de tribunal arbitral e o respetivo Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”), pretendendo, nos termos dos artigos 2º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), a declaração

 

 

 

de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento expresso da Revisão Oficiosa com o n.º ...2023... e bem assim a ilegalidade e consequente anulação parcial do objeto imediato de tal meio administrativo de defesa, no caso, as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”) referentes à Derrama Municipal dos exercícios de 2019 e 2020 da Requerente (resultantes das declarações..., respetivamente) e da sociedade dominada do grupo em RETGS (... e..., respetivamente) BANCO B..., S.A. (“Banco B...”) com o NIPC ..., das quais resultaram na autoliquidação e pagamento, na perspetiva da Requerente, indevida, no valor de € 112.826,00, a título de Derrama Municipal (“Derrama”).

  1. Nomeados os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente), Prof. Doutor Fernando Manuel dos Santos Cardoso e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira e não tendo a Requerente, nem a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), suscitado qualquer objeção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29 de julho de 2024.
  2. Seguindo-se os normais trâmites, em 24 de setembro a AT apresentou Resposta, juntando nessa mesma data o processo administrativo instrutor.
  3. Por despacho arbitral de 10 de janeiro de 2025 e atento o facto de se suscitarem questões sobre a regularidade do pedido de revisão oficiosa - da qual também depende a viabilidade do pedido de pronúncia arbitral - convidaram-se Requerente e Requerida a, querendo, revisitar tais questões em alegações, tendo-se fixado um prazo de 15 dias para o efeito, tendo nesse ensejo igualmente se procedido à prorrogação do prazo para a prolação da decisão arbitral, nos termos do n.º 2 do artigo 21º da RJAT
  4. Dentro do prazo determinado, veio a Requerente a apresentar alegações escritas nas quais secundou a posição inicialmente assumida no PPA no sentido da procedência do pedido e de improcedência quanto à defesa por exceção, tendo igualmente a Requerida formulado alegações no referido prazo, na qual sustentou a posição já anteriormente manifestada em sede de Resposta, no sentido da procedência da exceção invocada e de improcedência da questão de fundo que serve de base ao pedido arbitral formulado.

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:
    1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

 

 

  1. As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e encontram- se regularmente representadas.
  2. Foi invocada pela Requerida exceção dilatória atinente à incompetência em razão da matéria, a qual será apreciada na sequência da fixação da matéria de facto.
  3. A cumulação de pedidos é admissível porquanto respeita ao mesmo tributo e é baseada nas mesmas circunstâncias de facto e se funda em idêntica fundamentação de direito.

 

  1. FACTOS PROVADOS:

 

 

O Tribunal entende que resultaram provados, com relevo para a decisão, os seguintes factos:

  1. O Banco B... é um sujeito passivo residente para efeitos de IRC dos exercícios de 2019 e 2020, integrando, juntamente com a Requerente, esta enquanto sociedade dominante e aquela enquanto sociedade dominada, um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS e da qual faziam parte igualmente as sociedades:C...– Sociedade Gestora de Fundos de Organismos de Investimento Coletivo S.A. (NIF...); e D..., S.A. (NIF...);
  2. A Requerente procedeu à submissão das declarações Modelo 22 de IRC do grupo com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, as quais foram, entretanto, substituídas nos dias 2 de agosto de 2021 e 18 de julho de 2022 (cfr. Docs 2 e 3 juntos com o PPA), através da submissão das declarações ... e ..., respetivamente;
  3. Com base nestas últimas declarações, foram apurados os seguintes montantes de imposto:

 

 
 
 
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  1. O BANCO B... procedeu igualmente à submissão de declarações Modelo 22 de IRC de 2019 e de 2020, as quais foram, entretanto, substituídas; a de 2019, no dia 2 de agosto de 2021 e a que coube a declaração com o n.º ... e a referente a 2020, em 18 de julho de 2022, a que coube a declaração com o n.º ... (cfr. Docs. 4 e 5 juntos com o PPA).
  2. Com base nestas últimas declarações, foram apurados e pagos os seguintes montantes de imposto:

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  1. Os valores declarativamente apurados pelo Banco B..., a título de Derrama Municipal, conforme Anexo A das Declarações Modelo 22 e inseridos no Campo 364 do Quadro 10 das suas declarações Modelo 22 individuais dos períodos de tributação aqui em análise decompõem-se nos termos seguintes:

 

 

 

  1. No âmbito da prossecução da sua atividade, o Banco B... auferiu em 2019 e 2020 rendimentos de obrigações de fonte estrangeira e de juros de títulos de dívida estrangeiros, no montante de € 6.202.504,89 e € 6.817.391,58, respetivamente;
  2. Os rendimentos identificados na alínea que antecede foram refletidos no resultado líquido de cada período – cfr. balancetes analíticos constantes de Docs. 8 e 9 – dando-se a conhecer os detalhes dos juros e respetiva reconciliação para a contabilidade, através de tabelas segregadas relativas a tais rendimentos, identificadas por título, ISN (Sistema Internacional de Nomenclatura), designação, entidade emitente e país de residência - constantes de Docs. 10 e 11 - e ainda, por amostragem, os respetivos avisos de lançamento, emitidos pelo Banco B... e comprovativo de pagamento junto do intermediário financeiro - conforme decorre do teor de Docs, 12 a 41 – aqui se dando o teor de todos estes identificados documentos juntos com o PPA, por integralmente reproduzidos;
  3. Os rendimentos provenientes de entidades estrangeiras a que aludem as duas alíneas que antecedem, decompõem-se nas seguintes rubricas contabilísticas:

 

 
 

 

 

 

 

 

  1. A Requerente apresentou, em 29.12.2023, pedido de Revisão Oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.º4 e 5 da Lei Geral Tributária (“LGT”), relativamente aos atos de autoliquidação de IRC referentes aos exercícios de 2019 e 2020, na parte referente à Derrama Municipal que incidiu sobre os rendimentos provenientes de fonte estrangeira – cfr. Doc. 6 junto com o PPA;
  2. Por decisão e respetivo ofício de notificação, datados de 19.02.2024, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa – cfr. Doc. 1 junto com o PPA - decisão essa assente na apreciação e conclusão que ora se cita:

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8.

 

 

 

 

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9.

 

 

 

 

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  1. Em 17 de maio de 2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem aos presentes autos;

 

a)Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

 

O juiz (ou, in casu, os árbitros) não têm o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

 

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

 

No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pelas partes, e que não foram impugnados, na cópia do processo administrativo, apresentado pela AT e bem assim no posicionamento adotado pelas partes.

 

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Por último importa realçar que o posicionamento da Requerente e Requerida quanto aos factos não se apresenta, no essencial, como divergente, antes extraindo conclusões opostas quanto à interpretação e aplicação do direito relativamente aos factos com relevo tributário nestes autos.

 

 

 

IV.Factos não provados:

Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que se tenham considerado não provados.

 

V.Matéria de direito

 

Da Posição da Requerente:

A Requerente invoca que decisão de indeferimento expresso do pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente, constitui o objeto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral, cujo objeto mediato são os atos de liquidação de IRC no segmento referente à Derrama Municipal, acima identificados, peticionando-se a sua declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial.

 

Em sede de IRC, o Banco B... qualifica-se como um sujeito passivo residente nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código daquele imposto, sendo que, com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, fazia parte integrante, juntamente com a Requerente (esta, enquanto sociedade dominante), de um Grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS, estatuído nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, o qual, para além do Banco B... e da Requerente, era constituído pelas seguintes sociedades: C...– Sociedade Gestora de Fundos de Organismos de Investimento Coletivo S.A. (NIF ...) e D..., S.A. (NIF...).

 

No cumprimento das obrigações fiscais declarativas a que se encontra adstrita, a Requerente procedeu tempestivamente à submissão das declarações Modelo 22 de IRC do Grupo com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, as quais foram, entretanto, substituídas pela última vez nos dias 2 de agosto de 2021 e 18 de julho de 2022, respetivamente, tendo com base nestas últimas declarações apurado uma matéria coletável de € 9.397.864,57 e € 13.202.310,76, IRC a recuperar de € 527.853,27 e € 1.392.168,95 e um valor de Derrama Municipal de € 139.847,04 e €47.630,97, respetivamente.

 

 

 

Por sua vez, o Banco B..., a título individual, no estrito cumprimento das obrigações fiscais declarativas, procedeu, tempestivamente à submissão das declarações Modelo 22 de IRC referentes aos períodos de tributação de 2019 e 2020, as quais foram, entretanto, substituídas pela última vez nos dias 2 de agosto de 2021 e 18 de julho de 2022, respetivamente, tendo com base nestas últimas declarações apurado uma matéria coletável de € 8.785.031,71 e € 12.630.039,38, IRC a pagar de € 352.375,82 e € 3.047.739,32 e um

valor de Derrama Municipal de € 131.775,47 e € 36.663,14, respetivamente

 

 

Em concreto, a Requerente liquidou Derrama Municipal sobre a totalidade da matéria coletável, com referência aos períodos de tributação de 2019 e 2020, isto é, apurou este imposto tendo por base não só os rendimentos gerados em território nacional, como igualmente os rendimentos gerados fora deste.

 

Assim, as autoliquidações de IRC incluem um valor de Derrama Municipal apurada que se entende indevido, na medida em que a base de incidência da Derrama apurada se encontra influenciada por rendimentos obtidos no estrangeiro, os quais não poderiam ter contribuído para a coleta apurada a título de Derrama Municipal.

 

Atualmente, a Derrama Municipal encontra‐se prevista no Regime Financeiro das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, constituindo, como resulta do n.º 1 do artigo 18.º desse regime, uma fonte de rendimento dos municípios, tendo por base uma proporção dos rendimentos obtidos na respetiva área geográfica, daí resultando que o rendimento que não seja gerado na circunscrição dos municípios fica fora do âmbito de incidência da Derrama Municipal.

 

A Requerente entende que os rendimentos obtidos fora do território nacional devem ser excluídos no cálculo da Derrama Municipal das sociedades residentes em território nacional, subtraindo-os ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC apurado, em linha com o decidido no Acórdão do STA de 13-01-2021, proferido no processo n.º 03652/15.3BESNT 0924/17.

 

 

 

Ora, no que respeita ao exercício de 2019 e 2020, a Requerente e o Banco B..., no âmbito da sua matéria coletável fizeram incluir rendimentos obtidos no estrangeiro, os quais foram erradamente sujeitos a Derrama Municipal, resultando, pelo exposto pagamento de Derrama Municipal em excesso, no valor global de € 112.826,00

 

Peticionam assim a anulação da decisão de indeferimento da Revisão Oficiosa e bem assim a anulação parcial das autoliquidações de IRC, no que à Derrama Municipal paga em excesso diz respeito, o estorno de tal montante em excesso pago e ainda o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT.

 

Posição da Requerida:

 

 

Por seu turno, veio a Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Requerida, a submeter Resposta, por exceção e por impugnação.

 

Por exceção, entende a Requerida que a apreciação do indeferimento expresso da Revisão Oficiosa extravasa a competência do tribunal arbitral em razão da matéria, na medida em que o Art.º 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da Requerida à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», sem que aí seja mencionado o mecanismo de Revisão Oficiosa previsto no Art.º 78.º da Lei Geral Tributária.

 

Sustenta ainda a Requerida que face aos princípios constitucionais e legais, a interpretação do disposto na Portaria n.º 112-A/2011 deve configurar-se literalmente, pois não é despiciendo que o legislador no Art.º 2.º alínea a) daquela portaria, ao ter completado a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa» com a menção

«nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», tenha delimitado intencionalmente a vinculação da Requerida a tais situações

 

 

 

Por impugnação, veio a Requerida sustentar que a Derrama Municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, independentemente da origem geográfica dos rendimentos, com base no art. 18.º da Lei n.º 73/2013 e no art. 4.º do CIRC, defende que devem ser incluídos todos os rendimentos no apuramento da Derrama, incluindo os obtidos no estrangeiro, devido ao princípio da universalidade da tributação, discordando do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), constante da decisão de 13/01/2021, proferida no processo n.º 03652/15.3BESNT.

 

Por outro lado, entende igualmente a Requerida que a Requerente não demonstrou de forma adequada que os montantes de Derrama Municipal pagos sobre rendimentos com origem no estrangeiro foram indevidos, pelo que deve o pedido formulado improceder e ainda que a quantificação pela Requerente efetuada sempre padeceria de uma indevida dupla dedução por força de não ter desconsiderado da base de cálculo da Derrama, os montantes incorridos com os gastos atinentes aos rendimentos gerados fora do território nacional.

 

No tocante ao pedido de juros indemnizatórios pela Requerente formulado, sustenta a Requerida que os mesmos não são legalmente devidos, não decorrendo as liquidações de qualquer erro imputável aos serviços, mas antes diretamente da aplicação da lei.

 

Concluindo que a decisão de indeferimento referente à revisão oficiosa n.º ...2023... e bem assim os atos de autoliquidação de IRC com referência aos períodos tributários de 2019 e 2020 devem manter-se na ordem jurídica.

 

Em face da defesa por exceção apresentada pela Requerida, foram as partes convidadas a, querendo, formular alegações escritas, o que fizeram, onde mantiveram, no essencial, o posicionamento nos respetivos processados iniciais, tendo a Requerente contraditado a matéria de exceção.

 

Quanto a esta questão, sustentou a Requerente dever ser a exceção invocada pela Requerida improcedente, porquanto entender ser o tribunal arbitral competente para a apreciação da pretensão daquela, em virtude de tal pretensão respeitar à apreciação da legalidade da decisão

 

 

 

administrativa de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa anteriormente apresentado com referência aos atos tributários de autoliquidação de IRC dos anos 2019 e 2020, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), nessa mesma decisão de indeferimento, apreciado a legalidade daqueles atos de autoliquidação de imposto.

 

 

1)Da (in)competência do Tribunal Arbitral para conhecer da impugnação do indeferimento de pedido de Revisão Oficiosa sobre atos de autoliquidação:

 

O fundamento invocado pela AT para sustentar a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da legalidade do ato tributário assenta na prévia inexistência de recurso ao instituto da reclamação graciosa, nos termos do artigo 131º do CPPT.

 

Ora, o recurso à via administrativa funciona como condição de impugnabilidade contenciosa dos atos de autoliquidação, tal qual decorre do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março e respetiva remissão para o artigo 131.º do CPPT, o qual preceitua que a “…impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa.”

 

Entendemos, no entanto, que tal linha de argumentação não pode merecer provimento, na medida em que, o pedido de Revisão Oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à Reclamação Graciosa, sendo certo que in casu, aquele instrumento de defesa administrativa foi efetivamente apresentado previamente à propositura da impugnação arbitral que ora se aprecia, sendo que tal posicionamento vem sendo reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas.

 

Não se deixa de reconhecer que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 faz remissão, se referem à reclamação graciosa e não ao meio administrativo utilizado pela Requerente (Revisão Oficiosa), mas, ainda assim, sufraga-se o entendimento segundo o qual tal referenciação acomoda e abrange não apenas a

 

 

 

Reclamação Graciosa, mas igualmente o mecanismo administrativo da Revisão dos atos tributários, conforme previsto no artigo 78.º da LGT.

 

E tal raciocínio assenta na finalidade visada pelo legislador, a qual passa por garantir que a autoliquidação (e as retenções na fonte) sejam objeto de uma filtragem prévia por parte da AT, de molde a racionalizar o recurso à via contenciosa pelo que, nessa medida se concede à AT o direito de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte, antes de ser aberta a via contenciosa.

 

É assim entendimento quer da doutrina, quer da jurisprudência, que o pedido de revisão oficiosa constitui um meio impugnatório administrativo (com um prazo mais alargado que os restantes) apto a abrir a via contenciosa, equiparando-a à reclamação graciosa necessária a que se referem os artigos 131º a 133º do CPPT.

 

Neste mesmo sentido1, “(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.

E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.”

 

 

 

 
 

 

1 Carla Castelo Trindade, in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97

 

17.

 

 

 

Pela sua clareza, ampla base jurisprudencial coligida e por secundarmos o posicionamento vertido em decisão arbitral coletiva, tirada no âmbito do processo n.º 560/2023-T2, não se pode deixar de aqui se transcrever trecho do aí acordado, com relevo para a exceção em apreciação nos presentes autos:

Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa.

Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.

Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretandas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, aludindo-se neste sentido às decisões proferida nos processos arbitrais n.º 245/2013-T e 678/2021T.

De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, no âmbito do processo n.º 96/17.6BCLSB, cujo excerto se transcreve de seguida:

“O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de

 

 
 

 

2 Disponível em www.caad.org.pt

 

 

 

25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15). Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…)”

De referir ainda que o problema deve ser juridicamente analisado na perspetiva das condições de impugnabilidade do próprio ato tributário e não da competência do tribunal, pois o que está em causa é a necessidade de uma (específica) interpelação administrativa prévia. Este requisito configura o pressuposto processual da impugnabilidade do ato (in casu, dos atos de autoliquidação, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea

i) do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT[3]. Dito de outro modo, se a tese da AT tivesse vencimento, o Tribunal Arbitral seria competente, mas o ato seria inimpugnável, pelo que do mesmo não poderia conhecer”

 

Em face do que se deixa supra alinhado, não se poderá deixar de concluir que a tese propugnada pela Requerida nestes autos não corresponde à melhor interpretação das normas convocadas, melhor interpretação essa que, com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, conjugada com a doutrina e jurisprudência que vem sendo reiterada sobre a matéria, vai no sentido de admitir que o acesso à via contenciosa para efeitos do artigo 2.º, alínea a) da portaria de vinculação, se possa efetuar não só por recurso prévio à reclamação graciosa (também) prevista no artigo 131º do CPPT, mas também por via do mecanismo administrativo do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários, sempre que as pretensões sejam atinentes à ilegalidade de autoliquidação (e bem assim de retenção na fonte).

 

 

 

Por fim, quanto à invocada inconstitucionalidade agitada pela Requerida, esta não deu a conhecer, densificando, de que que forma os princípios constitucionais invocados se podem ter por violados, devendo ter-se em conta que a questão da constitucionalidade desta interpretação sobre o âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD já foi objeto de apreciação do Tribunal Constitucional que decidiu «não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD». (Acórdão n.º 244/2018, de 15 de Junho).

 

Assim, não pode deixar de se concluir pela competência em razão da matéria deste Tribunal Arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º, alínea

a) da Portaria n.º 112-A/2011, nada obstando assim a que se prossiga com o conhecimento da questão de mérito em que a Requerente assenta o pedido anulatório formulado.

 

2)Do âmbito de incidência da Derrama Municipal:

 

 

A questão de fundo a decidir nos presentes autos arbitrais consiste em determinar se a Derrama Municipal incide, ou não, sobre os rendimentos que tenham sido gerados fora do território nacional.

 

A Requerente alega, em síntese, a ilegalidade das autoliquidações de Derrama Municipal relativas a 2019 e 2020, as quais incidiram também sobre os rendimentos auferidos pela Requerente e pelo Banco B... junto de entidades não residentes em território nacional.

 

A AT considera, por seu turno, que a melhor interpretação das normas aplicáveis, em particular do artigo 18.º da Lei nº 73/2013, de 3 de setembro, não permite excluir da incidência de Derrama Municipal quaisquer rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos,

 

 

 

mesmo aqueles que não se possam considerar imputáveis ou obtidos em qualquer dos municípios do território nacional.

 

A Derrama Municipal veio a conhecer uma reformulação com a aprovação da Lei das Finanças Locais, designadamente através da entrada em vigor da Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro, a qual estabeleceu a autonomia financeira das autarquias locais.

 

Assim, através de tal diploma legal e em concreto do seu artigo 12º, foi conferida aos municípios a faculdade de lançar Derrama sobre a coleta da contribuição predial rústica e urbana, da contribuição industrial e do imposto de turismo cobrados na respetiva área municipal, com uma taxa não superior a 10% da coleta liquidada, sendo que o resultado de tal Derrama tinha por finalidade a realização de melhoramentos urgentes no seio da autarquia beneficiária.

 

Tal regime foi, no seu essencial, mantido com a entrada em vigor da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, que estabelecia que a Derrama incidiria nos termos do artigo 5º sobre “as coletas liquidadas na respetiva área em contribuição predial rústica e urbana e em contribuição industrial” (n.º 1), tendo esta natureza excecional, apenas se admitindo a sua aprovação tendo em vista acorrer ao financiamento de investimentos urgentes e/ou no quadro de contratos de reequilíbrio financeiro, tal como resulta do n.º 2 da versada norma.

Posteriormente, a Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, veio a introduzir modificações ao nível da incidência objetiva da Derrama Municipal, na medida em que passou a consagrar no seu artigo 18º o legislador que esta recairia “sobre a coleta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”,

 

A modificação em causa veio acompanhada de alteração verificada ao nível da tributação do rendimento, por via do desaparecimento da Contribuição Industrial e a criação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), de onde o legislador passou a consagrar no n.º 1 do seu artigo 18º que a Derrama municipal incide “sobre a coleta do IRC que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica

 

 

 

(do município) por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.

 

Ainda tendo presente o disposto no referido artigo 18º, mais concretamente no seu n.º 4 quando os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e apresentem matéria coletável superior a 50.000 euros, o lucro tributável imputável a cada município é determinado com base na proporção da massa salarial correspondente aos estabelecimentos que existam no respetivo município, em relação à totalidade dos estabelecimentos situados em território nacional, sendo a massa salarial apurada em conformidade com o disposto no n.º 6, isto é, considerando o “valor das despesas efetuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários”.

 

Esclarecendo igualmente o legislador que, sempre que o sujeito passivo desenvolva a sua atividade somente num município, o rendimento considera-se gerado nesse município, ou seja, no município onde se situa a sua sede ou direção efetiva ou, tratando-se de não residentes, no local do seu estabelecimento estável.

 

Ante o exposto e concretamente ante o teor do n.º 4 do artigo 18.º da Lei n.º 42/98, a competência para o lançamento da Derrama Municipal deixou de pertencer em exclusivo e ao município em que se localiza a sede da sociedade ou ao município em que tenha lugar a liquidação do IRC.

 

Nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 14º da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, a Derrama abandonou a coleta enquanto critério, passando a incidir sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português

 

Igualmente, o novo quadro legal vindo de identificar trouxe outras alterações, para além da formulação da base de incidência, como seja a relativa ao alargamento do campo de

 

 

 

aplicação da Derrama, a qual passou a incidir sobre as sociedades não residentes com estabelecimento estável em território nacional, conforme decorre do n.º 1 do artigo supra referido.

 

Assim, na perspetiva do Supremo Tribunal Administrativo3 e de Casalta Nabais4, a Derrama abandonou a natureza de um adicional ao IRC, para se constituir como um adicionamento a este, por força da incidência se efetuar sobre a matéria tributável e não sobre a coleta, passando a incidir diretamente sobre a matéria tributável do imposto principal, configurando-se como um imposto acessório àquele.

 

Por seu turno, a Lei das Finanças Locais presentemente vigente - aprovada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro – não trouxe alterações aos supra apreciados n.ºs 1 e 2 do artigo

14.º da Lei n.º 2/2007, apenas sendo de assinalar a reformulação quanto ao modo de distribuição da Derrama nas situações em que a atividade do sujeito passivo se considera como plurilocalizada, de molde a assegurar, conforme resulta do texto da lei, uma repartição territorial mais justa, conforme decorre do n.º 7.

 

Ante o regime vigente, nos termos do n.º 1 do artigo 14º, a Derrama incide sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português e não residentes com estabelecimento estável nesse território”, mantendo-se os princípios da repartição proporcional entre municípios e da imputação do rendimento, em caso de ausência de desconcentração, recaindo sobre o município onde se localiza a sede ou direção efetiva, ou, para os não residentes, ao estabelecimento estável, conforme decorre do n.º 5.

 

Pode assim concluir-se que a partir da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, deixou de ser mencionada a finalidade específica da derrama e o seu caráter excecional, o que se afigura consentâneo com a sua transição para um imposto autónomo municipal, cuja incidência se

 

3 Acórdão do STA de 2 de fevereiro de 2011, Processo n.º 0909/10, disponível em www.dgsi.pt

4 Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª ed., Coimbra, págs. 79-80

 

 

 

limita ao lucro tributável apurado em sede de IRC, não se olvidando que o balizamento da derrama municipal tendo por base os rendimento gerados nas respetivas circunscrições municipais têm por objetivo garantir que as edilidades municipais disponham de recursos financeiros suficientes para o cumprimento das suas atribuições, o que in casu, tem lugar por força da tributação das atividades económicas levadas a efeito em cada uma dessas circunscrições municipais.

 

Em face da opção tomada pelo legislador no sentido de estabelecer que a derrama municipal se baseia no lucro tributável proporcional ao rendimento gerado no município ou, em caso de partilha, o imputável a cada município, o legislador evidencia o princípio segundo o qual cada município só poderá lançar a Derrama sobre a parcela do rendimento efetivamente gerado no seu território, o mesmo significando que a mesma não pode recair sobre rendimentos gerados fora da área geográfica da sua circunscrição.

 

Se este se afigura ser o princípio orientador prosseguido pelo legislador desde a vigência da Lei das Finanças Locais desde a versão aprovada no ano de 2007 até à presente data, por maioria de razão e de lógica de raciocínio, não se poderá deixar de aplicar idêntico entendimento quando em causa estão rendimentos de um sujeito passivo, parte dos quais gerados na área de determinado município e outros rendimentos gerados fora do território nacional.

 

Isto é, excluindo o legislador a hipótese de lançamento pelo município da sede ou da direção efetiva de Derrama municipal relativamente aos rendimentos auferidos em outros municípios com base em critérios de territorialidade, razão alguma se antevê para que se deva deixar de, igualmente, excluir os rendimentos gerados fora de Portugal da base de cálculo da Derrama a apurar a favor desse mesmo município.

 

O artigo 4.º, n.º 1, do Código do IRC consagra o princípio da universalidade, segundo o qual as entidades residentes são tributadas com base em todos os rendimentos que contribuem para o lucro tributável, independentemente da sua origem.

 

 

 

Já quanto às entidades não residentes sem estabelecimento estável são tributados com base territorial, apenas relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal5.

 

Contudo, ainda que, nos termos do princípio da universalidade, as entidades com sede e direção efetiva em Portugal estejam sujeitas a IRC sobre rendimentos obtidos no exterior, tal não implica que esses rendimentos devam relevar para o cálculo da Derrama, cuja incidência se restringe à proporção do rendimento gerado no município.

 

Assim, tendo presente os princípios de interpretação que devem ter no elemento literal, os termos do n.º 2 do artigo 9º do Código Civil a sua base e de outra banda, a unidade do sistema jurídico, não se vislumbra como poder concluir que os rendimentos de fonte estrangeira possam integrar a base do cálculo da Derrama, mesmo que integrem o lucro tributável, pois não se está perante rendimentos gerados na área do município.

 

No sentido do vindo de alinhar, não se pode, naturalmente, deixar de aqui convocar e deixar parcialmente transcrito o entendimento jurisprudencial segundo o qual se encontram excluídos do cálculo da Derrama Municipal os rendimentos obtidos fora do território nacional, tirado do acórdão do STA, de 13 de janeiro de 2021, no âmbito do processo n.º 03652/15, nos termos do qual:

“... o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar "o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município" envolvido e/ou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se "o rendimento (que) é gerado no município", em que se situa a sede ...[20]

 

 

 

 

 

5.Neste sentido, Gustavo Lopes Courinha, in Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Coimbra, 2019, págs. 40-41

 

 

 

Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecia a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à "proporção", à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.

 

É verdade que numa análise pelo elemento literal do bloco normativo, a Lei do Financiamento das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais,[21] essencialmente no seu art.º 18.º que disciplina a criação da Derrama, utiliza os vocábulos “lucro tributável”, “rendimento” e “volume de negócios”, sendo conceitos diferentes em termos contabilísticos e em termos fiscais, como aliás se verifica nos factos dados como provados nas alíneas c) e f). No entanto, essa dissonância não oblitera o princípio essencial que preside à criação da derrama. Desde logo o art.º 3.º, na sua alínea j), define como princípio fundamental, o da justa repartição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais, que o art.º 10.º desenvolve, no respeito pelo princípio da estabilidade das relações financeiras entre o Estado e as autarquias locais, devendo ser garantidos os meios adequados e necessários à prossecução do quadro de atribuições e competências que lhes é cometido nos termos da lei. Por sua vez a participação de cada autarquia local nos recursos públicos é determinada nos termos e de acordo com os critérios previstos na presente lei, visando o equilíbrio financeiro vertical e horizontal.[22]

Por tudo isto, dispõe o n.º 1 do art.º 18.º que os municípios podem deliberar lançar uma derrama, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

 

 

 

É assim inequívoco que existe uma dependência sistémica entre a área geográfica onde são gerados os rendimentos e os volumes de negócios/rendimentos e o montante da derrama que pode ser cobrada para prosseguir o designado equilíbrio financeiro vertical e horizontal.

 

Julgamos ser esta a interpretação que melhor respeita a letra da lei, respeitando os mais lógicos objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente ... certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e devem respeitar "os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material" (Artigo 5º da Lei Geral Tributária (LGT), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo...

 

A aplicação de um critério justo e equitativo de natureza material também só fica completo, se quanto às parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, excluindo-se da base de incidência da derrama, se assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da

 

 

 

proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a "massa salarial", ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo.).

 

É verdade que a Requerente traz à colação o facto de na Lei nada se referir à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, como também é verdade que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas ..., a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do nº 1, do artº 4º, do CIRC”, professa a tributação universal dos rendimentos para os residentes.

 

Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável, (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta, concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, "relativamente ligeira"”.

 

(…)

“Ora, neste cenário, compete ao juiz aplicar, sempre, a lei de forma geral e abstrata, mas sem deixar de atentar, casuisticamente, em particularidades justificativas de, pela via jurisprudencial, se ir completando o puzzle, assumidamente, incompleto, da tributação, dos sujeitos passivos de IRC, em derramas municipais. Deste modo, assumimos que o lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos

 

 

 

fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)”

 

Em face de tal posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo, o qual vem sendo secundado por diversas decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD6 atenta a prova efetuada a que aludem as alíneas G), H) e I) dos «Factos Provados», inexorável se torna concluir que a Derrama Municipal autoliquidada relativa aos exercícios de 2019 e 2020 consideraram, ilegalmente, na base tributável para cálculo da respetiva coleta, os rendimentos gerados no estrangeiro, no montante de € 6.202.504,89 e € 6.817.391,58, respetivamente.

 

3)Da (in)suficiência probatória e da quantificação:

 

Acolhendo-se nos presentes autos o entendimento sufragado pelo STA, importa ainda abordar as subsequentes linhas de defesa apresentadas pela Requerida em ordem à improcedência do pedido, a saber: insuficiência probatória quanto ao quantum dos rendimentos oriundos do estrangeiro e a questão relativa ao cálculo apurado pela Requerente quanto ao valor de derrama municipal indevidamente paga.

 

A Requerente juntou cópia dos seus balancetes relativos aos exercícios em causa e mapas resumo, contendo a data, indicação do número do documento e descrição do tipo de operações em causa, explicitando igualmente ainda a segregação desses rendimentos com origem no território nacional, por um lado, e os rendimentos auferidos com origem no estrangeiro, por outro.

 

Na perspetiva da Requerida, tal evidenciação não é suficiente, afirmando porquanto entende que a demonstração do lucro tributável apurado em resultado dos rendimentos obtidos com origem no estrangeiro, deveria basear-se em documentos externos, os quais,

 

6 Secundando-se a fundamentação, em linha com diversas decisões arbitrais, as quais exemplificativamente se identificam: processos nºs 554/2021-T, de 15 de março de 2022; 720/2021-T, de 27 de maio de 2022; n.º 234/2022-T, de 28 de novembro de 2022; 211/2023-T, de 17 de julho de 2023; 170/2023-T, de 22 de novembro de 2023; 958/2023-T, de 23 de abril de 2024; 29/2024-T, de 3 de julho de 2024; 31/2024-T, de 9 de setembro de 2024; e 315/2024-T, de 29 de outubro de 2024

 

 

 

não obstante poderem ser em número avultado, deveriam ser verificados, aleatoriamente, mediante amostragem, a definir pela AT, uma vez que só esses poderiam comprovar a bondade dos registos.

Ora, a Requerente quantifica os rendimentos de capitais que diz ter obtido de fonte estrangeira a partir de elementos recolhidos com origem na sua contabilidade, asserção esta que a Requerida não coloca em crise, isto é, a Requerida sustenta não ser tal prova suficiente porquanto desacompanhada dos respetivos documentos de suporte, que nem teriam de ser todos, mas antes e apenas por amostragem, a definir pela AT

 

A este respeito, torna-se difícil compreender esta linha argumentativa, desde logo, porquanto em sede de procedimento administrativo de Revisão Oficiosa teve a oportunidade de examinar a documentação que pudesse então reputar por adequada, em ordem a aferir da correção dos valores pela Requerente dados a conhecer logo em tal sede administrativa, mas, por razões que se desconhecem, em tal instância limitou-se, quanto à substância, a pugnar pela conformidade legal da interpretação segundo a qual na base de cálculo deveriam constar não só os rendimentos auferidos em território nacional, como igualmente os gerados fora dele, não colocando em causa nem a quantificação da suposta ilegalidade pela Requerente aventada, nem tão pouco a entretanto insuficiência probatória, ambas aduzidas somente na presente instância.

 

Acrescendo ainda que a Requerida em momento algum colocou em crise a contabilidade da Requerente e do Banco B... ou dúvida alguma erigiu sobre a credibilidade e aderência da mesma à realidade dos contribuintes em causa.

 

Ora, pese embora se deva reconhecer que as declarações que dão origem às autoliquidações em causa foram objeto de substituição, já fora do respetivo prazo legal, ante a concreta documentação contabilística aportada pela Requerente, a que acrescem os demais elementos e dados de suporte (como sejam os detalhes dos juros de fonte de estrangeira e respetiva conciliação para a contabilidade e bem assim uma amostragem de avisos de lançamento sobre tais juros) elaborados no sentido de demonstrar a invocada ilegalidade ocorrida, a ausência de qualquer indício ou sequer invocação (por parte da Requerida) no

 

 

 

sentido de que tal contabilidade não se deva ter como em conformidade com a legislação comercial e fiscal (artigo 75º, n.º 1 da LGT), não se poderá deixar de concluir, dentro do princípio da livre apreciação da prova, como satisfeito o ónus que sobre a Requerente recaía, nos termos do n.º 1 do artigo 74º da LGT, de demonstrar, quantificadamente, essa mesma ilegalidade.

 

Note-se que, em momento algum anterior à sua Resposta nesta instância veio a Requerida a colocar em causa a eventual não correspondência à realidade dos elementos factuais em causa, tal como declarados pela Requerente, na medida em que o indeferimento da Revisão Oficiosa se alicerçou única e exclusivamente na suposta incorreta interpretação e aplicação do direito por banda da Requerente, no tocante à pretendida não inclusão para efeitos do cálculo da Derrama Municipal dos rendimentos auferidos com origem fora do território nacional.

 

Assim sendo, há que concluir que a Requerente cumpriu com o ónus da prova relativamente aos factos que, por essa razão foram dados como provados, em conformidade com as respetivas alíneas G), H) e I) dos «Factos Provados» que a Derrama Municipal autoliquidada relativa aos exercícios de 2019 e 2020 consideraram, ilegalmente, na base tributável do versado imposto, os rendimentos gerados no estrangeiro, no montante de € 6.202.504,89 e € 6.817.391,58, respetivamente.

 

Por último, entende a Requerida que, se para determinar a base de cálculo da derrama municipal forem excluídos apenas os rendimentos obtidos no estrangeiro, como advoga a Requerente, então os gastos suportados para a obtenção de tais rendimentos seriam considerados no cálculo da base de incidência da derrama municipal (componente negativa da mesma base de incidência) resultando numa dupla redução do valor da Derrama municipal calculada naqueles termos, o que constitui uma clara violação da lei.

 

A este respeito, não se disside, em tese, com a linha de raciocínio trilhada pela Requerida, mas in casu a Requerida limita-se a assumir (como um facto assente) que existem custos associados a tais rendimentos, sendo certo que não procede à evidenciação dos mesmos.

 

 

 

 

 

E, à semelhança da linha de argumentação relativa à insuficiência probatória, a Requerida teve o ensejo de, querendo, averiguar a existência da componente de eventuais gastos que se poderiam ter por associados a tais rendimentos gerados fora do território nacional.

 

E tal dever decorria, desde logo, da prossecução do princípio da legalidade, postulado no artigo 13º do CPA e do princípio do inquisitório previsto no artigo 58º da LGT, o qual não poderia deixar de impor, sendo esse o entendimento da Requerida, quanto mais não fosse aquando da Revisão Oficiosa ou via procedimento inspetivo, de molde a identificar, caso existissem, tais eventuais gastos isoláveis ou alocados à formação de tais rendimentos do exterior e a retirar da base de cálculo da Derrama Municipal.

 

Assim não o tendo entendido e nesse sentido não tendo procedido, a Requerida acaba por se ver cativa dessa sua inércia inquisitória, incapaz de ir além do mero invocar em tese e por princípio, não logrando coligir qualquer factualidade concreta em que a mesma se possa probatoriamente fundar para efeito de colocar em causa a quantificação pela Requerente efetuada.

 

Ante o vindo de expor e sendo certo que, estando-se, como se está, perante os muitas vezes denominados «rendimentos passivos» para cuja obtenção podem nem sequer estar associados gastos expressivos, embora sempre admitindo, baseados nas regras da experiência, a sua hipotética existência, não menos seguro é concluir que7O tribunal não pode, com base em ilações não fundamentadas ou suposições não demonstradas nos autos, concluir pela verificação de factos tributários relevantes. A atividade decisória exige prova objetiva e concreta.”, razão pela qual não pode merecer acolhimento o argumento pela Requerida, suscitado em ordem à improcedência do pedido.

 

Destarte, não se estando no caso dos vertentes autos – relativamente aos rendimentos constantes a que aludem as alíneas G), H) e I) dos «Factos Provados» - perante rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, não poderão estes deixar de ficar

 

7 Acórdão do STA – Proc. 01384/14, de 21-09-2022, disponível em www.dgsi.pt

 

32.

 

 

 

excluídos da base de incidência, acolhendo este Tribunal Arbitral a fundamentação da decisão do STA, a qual, por sua vez, vem sendo reiteradamente acolhida em decisões dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD8, razão pela qual, inexistindo razões de facto e de direito que permitam afastar-nos de tal entendimento jurisprudencial, não poderá deixar de se reconhecer a existência de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito e nessa decorrência, conferir provimento ao pedido de anulação da decisão de indeferimento do ato de Revisão Oficiosa e bem assim à parcial anulação dos atos de autoliquidação de IRC de 2019 e 2020 da Requerente e do Banco B... objeto daquele, no segmento referente à Derrama Municipal.

 

4)Do reembolso da Derrama Municipal indevidamente paga:

 

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que quadra com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, pelo que, não resultando controvertido entre as partes o facto de a Requerente ter efetuado o pagamento das autoliquidações objeto da Revisão Oficiosa ora arbitralmente sindicada, impõe-se condenar a Requerida à reconstituição da situação que existiria caso a ilegalidade que ora se reconhece não tivesse sido levada a efeito, o que passa pela restituição dos valores indevidamente pagos pela Requerente, nos termos do ponto 2) supra deste capítulo.

 

 

 

 

 

 

 

8 Secundando-se a fundamentação, em linha com diversas decisões arbitrais, as quais exemplificativamente se identificam: processos nºs 554/2021-T, de 15 de março de 2022; 720/2021-T, de 27 de maio de 2022; n.º 234/2022-T, de 28 de novembro de 2022; 211/2023-T, de 17 de julho de 2023; 170/2023-T, de 22 de novembro de 2023; 958/2023-T, de 23 de abril de 2024; 29/2024-T, de 3 de julho de 2024; 31/2024-T, de 9 de setembro de 2024; e 315/2024-T, de 29 de outubro de 2024

 

 

 

 

 

5)Dos Juros Indemnizatórios:

 

 

Por força do disposto no nº 5 do artigo 24.º do RJAT refere-se que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Importa, no entanto, considerar que no tocante à revisão oficiosa dos atos tributários, o citado artigo 43.º da LGT contém uma disciplina especial, prevendo a alínea c) do seu n.º 3 que os juros indemnizatórios se consideram devidos “Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

No caso que ora nos atém, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela Requerente em 29 de dezembro de 2023 e a decisão e o ofício de envio da respetiva notificação decisória encontram-se datados de 19 de fevereiro de 2024, de onde não transcorreu o previsto prazo de um ano, constitutivo do direito a juros indemnizatórios.

 

Conforme é jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo, inexiste direito a juros indemnizatórios nas situações em que o pedido de revisão do ato tributário é decidido em período inferior a um ano, por força do disposto no citado artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, entende o STA que: Os juros indemnizatórios correspondem à materialização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

 

 

 

A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal. Com estes pressupostos, pode dizer-se que a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/09/2022, rec.112/21.7BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 23/02/2023, rec.1/22.8BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.37 e seg.).

O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, mas não esgota as causas da sua constituição. Na verdade, outras normas da ordem jurídica tributária prevêem o pagamento de juros indemnizatórios pelo credor tributário. São os casos, por exemplo, do atraso no pagamento de reembolsos do I.V.A. (cfr.artº.22, nº.8, do C.I.V.A.), do atraso no pagamento dos reembolsos do I.R.S. (cfr.artº.102-B, nº.2, do C.I.R.S.) e do I.R.C. (cfr.artº.104, nº.6, do C.I.R.C.).

Revertendo ao caso dos autos, deve recordar-se, antes de mais, que é jurisprudência deste Tribunal, no que respeita à questão da obrigação de juros indemnizatórios nos casos de retenção indevida de imposto e em que foi deduzido meio gracioso (v.g.pedido de revisão oficiosa), que o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de eventual indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte (cfr.v.g. ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/12/2017, rec.926/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec.360/11.8BELRS).

Avançando, examinemos a questão do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa. Nesta sede, deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão lavrado no processo nº.51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo

 

 

 

sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec.51/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.5/19.8BALSB; ac.S.T.A.- Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB).”

 

Sobre esta temática, seguimos de perto Jorge Lopes de Sousa o entendimento de que 9«Nas situações em que a prática do ato que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o ato é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos»

 

Assim, secundando-se o entendimento jurisprudencial uniformizador e o sentido da doutrina vinda de parcialmente citar, as quais se têm por subsumíveis ao caso em apreciação, não poderá deixar de se concluir pela procedência do pedido de juros indemnizatórios, computados desde um ano após a dedução do pedido de Revisão Oficiosa até à data do processamento da nota de crédito, os quais deverão ser apurados em sede de execução de julgados.

 

 

 

 

 

9 cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52

 

 

 

 

 

VI. Decisão:

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com o n.º ...2023... e anular parcialmente os atos de autoliquidação de IRC de 2019 e 2020 da Requerente e do Banco B..., no que à Derrama Municipal concerne, no concreto segmento em que ilegalmente fez incidir, para efeitos da base tributável deste imposto municipal, os rendimentos provenientes do estrangeiro identificados nas alíneas G), H, e I) dos

«Factos Provados»;

 

  1. Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados apenas a partir do decurso de um ano após a apresentação daquele pedido, a apurar em sede de execução de julgados;
  2. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo nos termos da Tabela I do RCPTA, calculadas em função do valor da causa

- arts. 4º, n.º 1, do RCPTA e 6º, n.º 2, al. a) e 22º, n.º4, do RJAT;

 

 

 

Valor do processo:

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa- se ao processo o valor de € 112.826,00, atribuído pela Requerente, sem contestação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quantitativo esse que refletirá, na perspetiva da Requerente, o quantum tributário indevidamente liquidado nas Modelos 22 de IRC de 2019 e 2020 a título de Derrama Municipal.

 

Custas:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 28[10] de março de 2025

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Presidente - Prof. Doutor Victor Calvete)

 

 

 

(Adjunto - Prof. Doutor Fernando Manuel dos Santos Cardoso)

 

 

 

 

(Adjunto - Dr.º Luís Sequeira)



[10] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-03-31