Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 430/2024-T
Data da decisão: 2025-03-28  IRC  
Valor do pedido: € 61.466,36
Tema: IRC. Dedutibilidade de gastos. IVA. Direito à dedução. Efectividade dos gastos e comprovação.
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SUMÁRIO

  1. A AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.
  2. Em contrapartida, é ao Sujeito Passivo que incumbe fazer prova adequada do preenchimento dos requisitos do art.º 23.º, combinado com o art.º 23.-A, ambos do CIRC, ou dos requisitos de que depende a aplicação do regime dos art.os 19.º e seguintes do CIVA.
  3. A “insuficiência descritiva” da facturação só pode ser relativizada se existir, como sucedâneo, documentação idónea à disposição da Autoridade Tributária.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A Sociedade A..., S.A., NIPC ..., apresentou, no dia 26 de Março de 2024, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, a), e 10.º, 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos despachos de indeferimento total das reclamações graciosas nos ...2023... (IRS Retenções na Fonte – 2019), ...2023... (IVA – 2019), ...2023... (IVA – 2020) e ...2023... (IVA 202101), e dos despachos de deferimento parcial das reclamações graciosas nos ...2023... (IRC – 2019) e ...2023... (IRC – 2020); e, mediatamente, sobre a ilegalidades dos actos que foram objecto daquelas reclamações graciosas, nomeadamente:
  1. Reclamação Graciosa n.º ...2023...

A liquidação de IRS n.º 2022-..., referente a retenções na fonte, no valor de € 24.343,30, e a liquidação n.º 2022-..., referente a juros compensatórios, no valor de € 2.951,62.

  1. Reclamação Graciosa n.º ...2023...

As liquidações adicionais de IVA n.º 2022..., referente ao 1.º trimestre de 2019, no valor de € 110,83; n.º 2022-..., referente ao 2.º trimestre de 2019, sem valor a pagar; n.º 2022-..., referente ao 3.º trimestre de 2019, no valor de € 2.889,67; e n.º 2022-... referente ao 4.º trimestre de 2019, no valor de € 3.539,37.

  1. Reclamação Graciosa n.º ...2023...

As liquidações adicionais de IVA n.º 2022-..., referente a Janeiro de 2020, sem valor a pagar; n.º 2022-..., referente a Fevereiro de 2020, sem valor a pagar; n.º 2022-..., referente a Março de 2020, no valor de € 2.269,26; n.º 2022-..., referente a Abril de 2020, no valor de € 258,93; n.º 2022-..., referente a Maio de 2020, no valor de € 95,77; n.º 2022..., referente a Junho de 2020, sem valor a pagar; n.º 2022-..., referente a Julho de 2020, no valor de € 2.837,34; n.º 2022-..., referente a Agosto de 2020, no valor de € 60,6; n.º 2022-..., referente a Setembro de 2020, no valor de € 228,11; n.º 2022-..., referente a Outubro de 2020, no valor de € 822,08; n.º 2022-..., referente a Novembro de 2020, sem valor a pagar; e n.º 2022-..., referente a Dezembro de 2020, sem valor a pagar.

  1. Reclamação Graciosa n.º ...2023...

A liquidação adicional de IVA n.º 2022-..., referente a Janeiro de 2021, no valor de € 2.744,85.

  1. Reclamação Graciosa n.º ...2023...

A liquidação adicional de IRC n.º 2023-..., referente ao exercício de 2019, e respectiva demonstração de acerto de contas, com valor a pagar de € 1.747,26; e a liquidação de juros compensatórios n.º 2023-..., no valor de € 145,51.

  1. Reclamação Graciosa n.º ...2023...

A liquidação de IRC n.º 2023-..., referente ao exercício de 2020, e respectiva demonstração de acerto de contas, no valor de € 15.591,93; e a liquidação de juros compensatórios n.º 2023-..., no valor de € 829,90.

Peticionando a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  2. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  3. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8.º do RJAT, e arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  4. Aproveitando a faculdade prevista no art. 13.º, n.º 1 do RJAT, a AT
  1. Revogou parcialmente o despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., pelos valores de € 2.258,21 (referentes na totalidade a “Gastos não dedutíveis – IMI e AIMI”) e € 137,66 (referentes parcialmente a “Recibos de seguros emitidos em nome de terceiros e/ou afetos à habitação”);
  2. Anulou parcialmente a liquidação adicional n.º 2022-..., referente ao 3.º trimestre de 2019, pelo montante parcial de € 69,00, passando a liquidação de um valor a pagar de € 2.889,67 para € 2.820,67 (referentes a “IVA deduzido indevidamente – transportes que não geraram operações tributáveis”);
  3. Anulou a liquidação adicional n.º 2022-..., referente a Fevereiro de 2020, pelo montante total de € 622,56 (referente a “B...”).
  1. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 11 de Junho de 2024; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  2. Por Despacho de 14 de Junho de 2024, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17.º do RJAT, apresentar resposta.
  3. A AT apresentou a sua Resposta em 6 de Setembro de 2024, juntamente com o processo administrativo.
  4. Por Despacho de 9 de Setembro de 2024, foi a Requerente notificada para esclarecer os lapsos relativos à documentação junta ao pedido de pronúncia, e os lapsos relativos à respectiva numeração, para juntar documentos em falta, e para esclarecer qual a numeração correcta de toda a documentação.
  5. Por Despacho de 14 de Novembro de 2024, foi determinada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT.
  6. No dia 17 de Dezembro de 2024 realizou-se a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ouvindo-se os depoimentos de C..., de D... e de E... .
  7. Concedida às partes a faculdade de apresentarem alegações, só a Requerida o fez, em 21 de Janeiro de 2025.
  8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objecto do processo.
  9. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
  10. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
  11. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  12. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima constituída no ano de 1990, inicialmente com a denominação de Sociedade Agrícola da F..., SA.
  2. A Requerente está registada com os seguintes códigos de actividade:

 

  1. Em 1997 a sociedade adquiriu a Quinta ..., situada em ..., onde desenvolveu até 2018 a atividade de produção agrícola e silvicultura, incluindo designadamente a cortiça e gado.
  2. Posteriormente foi tomada a decisão de vender a Quinta, ao mesmo tempo que se diversificava a actividade da empresa, que passou a abranger a comercialização de tractores usados (começando pela venda dos tractores que estavam destinados à sua própria actividade agrícola) e, com o valor resultante da alienação da Quinta, a aquisição de imóveis, seja para um armazém para exposição dos tractores, seja para actividades de Alojamento Local (AL).
  3. Em 2021, a Requerente foi alvo de dois procedimentos de inspecção externa, datados ambos de 12 de Julho de 2021: 1) Uma acção inspectiva de âmbito geral ao exercício de 2019 (titulada pela ordem de serviço n.º OI2022...); 2) Uma acção inspectiva de âmbito geral ao exercício de 2020 (titulada pela ordem de serviço n.º OI2022...).
  4. A acção inspectiva decorreu entre 27 de Maio de 2022 e 14 de Dezembro de 2022.
  5. Desses procedimentos resultaram Relatórios de Inspeção Tributária (RIT), através dos quais foram efectuadas correcções meramente aritméticas, que por sua vez deram lugar às liquidações adicionais.
  6. A Requerente deduziu Reclamações Graciosas contra aquelas liquidações, as quais, em 26 de Dezembro de 2023, mereceram despachos de indeferimento total, nuns casos, e de deferimento parcial, noutros.
  7. Reagindo a tais decisões, em 26 de Março de 2024 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria não-provada

 

Entre os factos relevantes para esta Decisão Arbitral, ficaram por provar diversos dos gastos invocados pela Requerente no PPA (arts. 15.º a 285.º, 357.º a 426.º, 441.º a 502.º), dado não serem acompanhados de documentação que preencha os requisitos do art. 23º, n.º 4 e n.º 6, ou afaste a aplicação do art. 23.º-A, ambos do CIRC; e ficou por provar o preenchimento, invocado pela Requerente no PPA (arts. 286.º a 356.º, 503.º a 574.º), de alguns dos requisitos de que depende o direito à dedução do IVA, nos termos do arts. 19.º e seguintes do CIVA.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos e nos documentos juntos ao PPA.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e arts. 596.º, 1 e 607.º, n.º 3 e n.º 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e arts. 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16.º, e) do RJAT, e art. 607.º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607.º, n.º 5 do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).
  5. Nos termos do art. 396.º do Código Civil, a força probatória da prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal.
  6. Nos termos do art. 393.º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal cingir-se-á à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam.
  7. A prova prestada pelas três testemunha C..., E... e D..., corroborou alguma da factualidade básica que estava documentada, embora somente no que respeita a questões de depreciações e gastos referentes aos imóveis e respectiva utilização, especificamente no que respeita ao prédio “B”; e a questões de facturação por parte da prestadora de serviços de reparação de tractores.
  8. Além do que precede, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre o Mérito da Causa

 

III. A. Posição da Requerente

 

III. A. 1. Depreciações contabilizadas e não aceites como gastos fiscais (IRC – 2019)

 

  1. A Requerente começa por abordar a questão das depreciações contabilizadas e não aceites como gastos fiscais.
  2. Relativamente a 3 prédios urbanos contabilizados como activos fixos tangíveis pela Requerente:

 

S...

R...

 

 

 

 

 

 

O...

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Os SIT concluíram que não se trataria de edifícios comerciais afectos à actividade de venda de tractores, dada até a afectação a habitação que consta das respectivas cadernetas, e o facto de a administradora da Requerente residir no imóvel “B”, pelo que o RIT conclui que o imóvel “B” não cumpre os requisitos para ser reconhecido como um activo fixo tangível, porquanto, por um lado, não foi afecto à actividade operacional do sujeito passivo (a venda de tractores), mas sim à habitação; e, por outro lado, não foi utilizado para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.
  2. Assim, foi desconsiderada a depreciação praticada em 2019 quanto ao imóvel “B”, no imóveis apenas ocorre o início da sua utilização em 2020, pelo só a partir desse período de tributação é que se inicia a respectiva depreciação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Em sua defesa, a Requerente argumenta que uma actividade empresarial não nasce imediatamente definida em todos os seus detalhes, expandindo-se de acordo com um plano de desenvolvimento – pelo que contesta a premissa da AT, de que em 2019 a Requerente se dedicava somente à venda de tractores, e não ainda ao Alojamento Local, quando na verdade já se dedicava a ambas as actividades, ainda que só em 2022 tivesse iniciado a exploração da actividade de AL, só então tendo solicitado as licenças e obtido as autorizações.
  2. Quanto à efectiva utilização do imóvel “B” em 2019, a Requerente sustenta que, sendo demorada a preparação e adaptação do local para a actividade de AL, o imóvel “B” foi utilizado para fins administrativos e comerciais da empresa, nomeadamente para instalação do escritório, antes de este se transferir, em final de 2020, para o parque de exposição dos tractores (sendo que depois disso ainda os serviços permaneceram no imóvel “B”, dada a ocorrência da pandemia). Ou seja, que o imóvel não se encontrava afecto à habitação, nem a finalidades estranhas à actividade da Requerente.
  3. E que não se alterou a afectação dos imóveis na caderneta porque o destino último era a AL, e, para essa, a base é a licença de habitação – e isso não conflitua com a relevância empresarial dessa utilização.
  4. Mais ainda, a Requerente mudou a sua sede social para a morada do imóvel “B” em Dezembro de 2020.
  5. Assim, conclui a Requerente, tendo aquele imóvel “B” sido utilizado pela Requerente entre Maio de 2019 e finais de 2020 com fins administrativos e comerciais, os gastos decorrentes dessa utilização relevam como gastos fiscais, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, g) do CIRC (lembrando a abolição do conceito de “indispensabilidade” nessa norma).
  6. Esclarece a Requerente que o imóvel “B” foi depreciado, em 2019, pelo método da linha recta (quotas constantes, anuais) nos termos do disposto no n.º 5 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, tendo aplicado a taxa de 2%, que corresponde a uma vida útil de 50 anos, e ao código homogéneo “2015 - Edifícios Comerciais e administrativos” da tabela II anexa a esse diploma (Taxas genéricas).
  7. A Requerente insiste que o imóvel “B” é um activo não corrente, AFT ou propriedade de investimento, susceptível de gerar um rendimento na sua alienação, com potencial de vir a gerar mais-valias. E que não é a afectação habitacional que poderá retirar-lhe o carácter de activo, susceptível de gerar benefícios económicos futuros para a empresa que o detém, de molde a impedir a dedução dos gastos associados à sua manutenção e conservação ou à reintegração do capital investido.
  8. Acusando a AT de se prender ao conceito formal de afectação de um imóvel, para se apoiar numa presunção, quando se lhe sobrepõe a substância económica da afectação efectiva do imóvel. Pelo que a AT deveria ter desenvolvido todos os esforços para a descoberta dessa verdade material, de acordo com o princípio do inquisitório, de acordo com o art. 58.º da LGT – que não podiam resumir-se a uma visita ao local em final de 2022, muito depois do período de tributação de 2019.
  9. Quanto ao facto de a administradora I... ter o seu domicílio fiscal na morada do imóvel “B”, o que igualmente o tornaria incompatível com uma utilização empresarial, a Requerente sustenta que ocorreu somente uma falta de actualização da morada, sem consequências práticas visto que ela continuava a ser contactável na morada da ora Requerente. Além disso, lembra que nada obsta a que a sede efectiva da empresa se encontra no imóvel em que reside a sócia-gerente.
  10. Finalmente, entende que, como o respectivo custo de aquisição se encontrava apurado com fiabilidade e o sujeito passivo tinha expectativa de obter benefícios económicos futuros com a sua utilização, a NCRF 7, no seu § 7, autorizava o reconhecimento do imóvel “B” como Activo Fixo Tangível da Requerente – e veio a confirmar-se com o registo, em 2022, como estabelecimento de Alojamento Local.
  11. Lembra ainda que, de acordo com o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, são objecto de depreciação os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, e as propriedades de investimento contabilizados ao custo histórico, que, com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo. Ora, não existindo, no CIRC, qualquer definição de conceito de activos fixos tangíveis ou de propriedades de investimento, os mesmos deverão ser encontrados no normativo contabilístico das NCRF que a Requerente adoptava em 2019.

 

III. A. 2. Gastos afectos à habitação – electricidade (IRC – 2019)

 

  1. A Requerente sustenta que o imóvel “B” foi utilizado, no período de referência, para fins comerciais e administrativos, pelo que os gastos relativos a consumo de electricidade imputados ao imóvel “B”, no valor de € 929,12, deverão ser aceites fiscalmente, visto terem contribuído para gerar rendimentos tributados em IRC.

 

III. A. 3. Gastos não dedutíveis – aquisição de mobiliário, roupa de cama (IRC – 2019)

 

  1. Porque os réditos declarados pela Requerente, no período de tributação em causa, respeitavam na sua totalidade à transmissão onerosa de tractores e equipamentos agrícolas, o RIT desconsiderou as seguintes facturas, por documentarem gastos que não preenchem os requisitos do art. 23.º, n.º 1 do CIRC:

 

U...

T...

T...

 

 

 

 

  1. A Requerente contra-argumenta que em 2019 já tinha sido tomada a decisão de iniciar a actividade de Alojamento Local, e é a essa que as despesas se reportam – sustentando que essas despesas só podiam ser desconsideradas se ostensivamente se destinassem aos interesses pessoais de sócios ou de terceiros, desviando-se das necessidades da empresa.
  2. Além disso, alega que se estava numa fase de investimento, não sendo razoável considerar-se gastos somente depois de iniciada a actividade de geração de rendimentos: com esses investimentos, visou-se deixar as instalações prontas para, no momento de início de actividade, preencherem os requisitos do art. 12.º do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto. E argumenta, de novo, que a AT falhou no cumprimento do princípio do inquisitório, e que lhe competia apurar a factualidade dos investimentos em causa; alegando ainda que ocorreu falta de fundamentação na correcção a que se procedeu no RIT.

 

III. A. 4. Gastos não dedutíveis – alojamento e refeições (IRC – 2019)

 

  1. Da análise documental realizada pelos SIT, resultou a desconsideração dos seguintes gastos:

 

 

 

 

 

 

 

V...

V...

 

 

 

 

 

  1. Com os seguintes fundamentos:
  1. Documento n.º 20244: É aceite apenas como gasto fiscal 50% do valor contabilístico do gasto, considerando-se que o alojamento corresponde ao administrador ... e ao seu pai;
  2. Documento n.º 20366: Viagem à Índia da administradora I... sem que existam evidências de transacções com entidades residentes nesse país;
  3. Documento n.º 20437: Viagem a feira com deslocação e estadia, considerando que a factura não identifica o período da deslocação, o destino, os beneficiários e a identificação da feira;
  4. Documento n.º 20707: Apenas é aceite fiscalmente o montante de € 211,52, por se alegar que, ou os respectivos documentos de suporte não identificam o NIF do cliente, ou estes gastos se encontram suportados por meros extractos bancários;
  5. Documentos n.os 20708 e 20709: Despesas com alojamento de G... (pai dos accionistas) e H..., alegando que não são trabalhadores nem prestadores de serviços e/ou fornecedores da Requerente.
  1. A propósito de todos eles, retoma a Requerente que o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário – insistindo que apenas se exige que sejam incorridos no interesse da empresa, independentemente do efeito de geração efectiva de lucros.
  2. Sobre o Documento n.º 20244, alega que G..., pai dos accionistas, foi administrador da Requerente até 2008 e continuou a assessorá-la nas áreas em que tinha know-how, pelo que a sua deslocação, como assessor da administração, se justificaria plenamente.
  3. Sobre o Documento n.º 20366, alega que a AT não fundamenta a desconsideração a que procedeu.
  4. Sobre o Documento n.º 20437, identifica a feira: Expo Agrofuturo 2019, em Medellin, Colômbia, alegando que se tratou de um certame relevante no comércio de tractores.
  5. Sobre o Documento n.º 20707, esclarece as razões da deslocação a Londres, e lembra que o próprio art. 23.º, n.º 3 do CIRC não exige que toda a comprovação assente em facturas e recibos, admitindo outra documentação – em especial porque, tratando-se de entidades estrangeiras, não poderia exigir-se-lhes a subordinação às regras portuguesas.
  6. Assim, do quadro seguinte:

 

as refeições que foram desconsideradas são congruentes com despesas de alojamento que foram aceites pelos SIT (28/11), tal como o são as de combustível.

  1. Em suma, quanto a gastos não dedutíveis – alojamento e refeições, para efeitos do IRC de 2019, a Requerente sustenta que, do valor total de € 1.389,78, deverá aceitar-se como gasto fiscal o montante de € 550,24 (total dos gastos suportados no extrato da CGD, subtraído do montante de € 256,44 que corresponde a um levantamento de numerário).

 

III. A. 5. Gastos não devidamente documentados – J... (IRC – 2019)

 

  1. A Requerente lembra que o RIT desconsiderou os gastos suportados com os serviços prestados por J..., por entender que a documentação é insuficiente (para efeitos dos arts. 23.º, 3, 4 e 6 e 23.º-A, 1, b) e c) do CIRC): seja porque as facturas subjacentes emitidas por J... não identificam o bem a que respeita o “diagnóstico”, e/ou calibração, não qualificam a natureza da mão de obra, e não indicam os dias/datas em que foram realizadas as alegadas prestações de serviços; seja porque a factura n.º 1/41, datada de 23/08/2019, foi liquidada pela Requerente através de uma transferência bancária efectuada via Multibanco, tendo a mesma com beneficiário “E...”.
  2. A Requerente alega que, no actual regime do art. 23.º do CIRC, relevam a efectividade do gasto, a sua justificação e a sua documentação.
  3. Face a esses requisitos, afigura-se-lhe inequívoco que a referência a “mão de obra” (sem mais detalhe) nas 17 facturas emitidas por J... se refere a prestação de serviços, devidamente quantificada em cada uma das facturas, e não suscitando dúvidas razoáveis quanto ao âmbito (reparação mecânica) em que são prestados esses serviços – invocando para isso uma orientação jurisprudencial dominante, relativa aos requisitos de facturação, tanto em sede de IRC como em sede de IVA, devendo aceitar-se provas adicionais através das quais se consiga verificar o cumprimento dos requisitos substantivos de que dependa a relevância fiscal dos gastos – apenas se requerendo que essa comprovação adicional assente em documentos válidos.
  4. Entende, assim, que ficam comprovados, nas facturas, os serviços prestados por J... e o seu marido, K..., no âmbito de intervenções técnicas de reparações nos tractores adquiridos com vista à sua valorização para venda – ficando claro, para ela, que era K... quem efectuava a assistência aos tractores, estando curricularmente habilitado a fazê-lo, enquanto J... intervinha nas compras e em todo o trabalho administrativo.
  5. Além disso, sustenta que toda essa prestação de serviços era documentada e controlada pela Requerente, e que essa documentação não foi adequadamente processada pelos SIT, não obstante ter sido integralmente disponibilizada.
  6. Por outro lado, faz notar que todas as prestações de serviços foram datadas, para efeitos do art. 36.º, 5, f) do CIVA e do art. 18.º, 1 e 3, b) do CIRC.
  7. E sustenta que o pagamento para a conta bancária de E... decorreu de um pedido expresso de J... e de K... .

 

III. A. 6. Transportes L... Lda. (IRC – 2019)

 

  1. A Requerente alega que estão em causa duas operações interligadas: a) a aquisição de um tractor (John Deere 6320) usado a M..., e que se destinava ao cliente N...; b) a exigência, da parte de M..., de que a A... interviesse na identificação de um outro tractor usado que o mesmo pretendia adquirir (John Deere 6155) – após o que se deu a venda, tendo o vendedor britãnico atribuído uma comissão à A... .
  2. O transporte do tractor John Deere 6155, da Grã-Bretanha para Romariz, e o transporte do tractor John Deere 6320 comprado a M..., de Romariz para Alpiarça, foram contabilizados numa conta 31x, e consequentemente afectaram directamente os gastos do período.
  3. A questão levantada pelos SIT prendeu-se com a contabilização dos gastos destes transportes como gastos adicionais de compra, numa operação que incluía igualmente uma intermediação de venda, alegando os SIT que esse gasto não podia ser afectado ao preço de compra (inventários) de um tractor que não foi vendido pelo sujeito passivo.
  4. A Requerente reconhece que a factura em causa – n.º 51/131, datada de 26/04/2019, emitida por Transportes L... Lda, no valor global de € 2.700,00, corresponde a dois transportes distintos, o do tractor John Deere 6155 e o do tractor John Deere 6320.
  5. Daqui decorre que nos termos do disposto no n.º 10 da NCRF 18, o gasto relativo a este segundo transporte, porque directamente relacionado com a aquisição de uma mercadoria posteriormente vendida pelo SP, tinha necessariamente de ser reconhecida como um custo de compra de inventários.
  6. Por essa razão, a Requerente reconhece a insuficiência da factura, mas alega, de novo, que ela poderia ter sido superada pela adequada diligência dos SIT, decompondo em duas parcelas o valor global do transporte (€ 2.700,00): € 2.400,00 do transporte do tractor John Deere 6155, € 300,00 do transporte do tractor John Deere 6320.
  7. Face a estes novos elementos, apresentados em sede de reclamação graciosa, a AT reverteu a sua decisão, aceitando como fiscalmente dedutível o montante de € 300,00 associado à operação de transporte do tractor John Deere 6320 de Romariz para Alpiarça.
  8. Quanto aos € 2.400,00 remanescentes, a Requerente admite que a sua contabilização como um custo de compra não cumpre com o disposto na NCRF 18 e no art. 26.º do CIRC, mas que daí não deve seguir-se a sua desconsideração como gasto fiscal – visto que, no seu entender, a intermediação no negócio do tractor John Deere 6155 foi condição essencial para que o negócio do tractor John Deere 6320 se realizasse.
  9. Por essa razão, a Requerente propõe uma “análise consolidada” das duas operações:

 

  1. Sustentando que não faz sentido vedar ao sujeito passivo a possibilidade de deduzir fiscalmente um gasto que se encontra directamente relacionado com uma operação que gera rendimentos tributáveis em IRC – ainda que associado ao transporte de uma mercadoria que não é sua, mas em cuja venda interveio.
  2. E isto porque, alega, a operação de intermediação financeira contribuiu para a formação do seu lucro tributável, nos termos do disposto no art. 17.º, n.º 1 do CIRC.

 

III. A. 7. Despesas não documentadas (IRC – 2019)

 

  1. A Requerente lembra que o RIT classifica como não documentadas as seguintes despesas:

 

Q...

 

  1. Também aqui a Requerente alega que a AT não fundamentou adequadamente essa classificação – e que no que respeita à primeira das despesas, o beneficiário estaria identificado, a Q..., o que injustificaria a tributação autónoma sobre o montante de € 141,66.

 

III. A. 8. J... (IVA – 2019)

 

  1. Genericamente no que respeita às correcções por não-dedutibilidade de IVA, a Requerente começa por assinalar que elas sempre implicariam uma correcção da matéria colectável da Requerente nos períodos relevantes – já que o acréscimo desse IVA não-deduzido acresce como gasto dedutível em sede de IRC.
  2. Daí retira a conclusão de que, a proceder a não-dedutibilidade em IVA, ocorre, na liquidação adicional de IRC de 2019, um erro sobre os pressupostos de direito.
  3. Especificamente no que respeita às facturas emitidas por J..., o RIT considerou que, porque não identificam o bem a que respeita o “diagnóstico”, e/ou calibração, não qualificam a natureza da mão de obra, e não indicam os dias/datas em que foram realizadas as alegadas prestações de serviços, elas não cumprem os requisitos do art. 36.º, b) e f) do CIVA – e, desse incumprimento formal, faz decorrer a não-dedução do IVA, nos termos do art. 19.º, n.º 2, a) e n.º 6 do CIVA.
  4. A Requerente manifesta a sua discordância dessa solução, seja por entender que não há incumprimento total dos requisitos do art. 36.º do CIVA, seja por entender que o princípio da neutralidade do IVA impõe que os requisitos formais sejam substituídos pela comprovação adequada do preenchimento dos requisitos materiais do direito à dedução do IVA.
  5. E lembra a posição genérica do TJUE, de que, face ao princípio fundamental da neutralidade do IVA, as autoridades tributárias nacionais não podem recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma factura que não cumpre os requisitos formais, quando essas autoridades disponham de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – para concluir que não é possível negar o direito à dedução a partir de simples deficiências formais na facturação, quando existam meios (nomeadamente provas complementares) para suprir tais deficiências.
  6. Havendo prova robusta, já produzida a propósito da incidência de IRC, entende a Requerente, sem mais, que não ocorre aqui fundamento para a desconsideração das facturas em causa para efeitos do direito à dedução do IVA nelas mencionado, no montante de € 3.770,59.

 

III. A. 9. IVA deduzido não relacionado com a actividade – mobiliário, roupa de cama (IVA – 2019)

 

  1. A Requerente assinala que a desconsideração destes gastos em IRC (por não ter sido aceite a efectiva relação com actos preparatórios da actividade de AL, na qual foram e são utilizados esse mobiliário e demais artigos de decoração para a realização de operação activas – prestações de serviços – pelo SP desde 2022) veda o direito à dedução do IVA em relação a eles.
  2. A Requerente insiste que foi comprovada a efectividade do exercício futuro da actividade de AL, apenas retardada no seu início pela interposição da pandemia, e ainda pelo falecimento de um administrador, irmão dos dois actuais administradores da Requerente.
  3. Novamente a Requerente acusa os SIT de omissão do dever de recolherem prova adicional adequada, em obediência ao princípio do inquisitório.
  4. Entende a Requerente que, perante a demonstração de que o IVA em causa se refere a actos directamente relacionados com o desenvolvimento da sua actividade de alojamento local, ainda que numa fase preparatória e ainda que diferida no tempo a sua abertura ao público por razões válidas, mas da qual já praticou (e pratica) operações activas de IVA, deve ser aceite a dedução do IVA em causa (€ 1.378,12).

 

III. A. 10. IVA deduzido não relacionado com a actividade – electricidade (IVA – 2019)

 

  1. A Requerente que o RIT desconsiderou consumos ocorridos em dois imóveis que alega se encontravam afectos à habitação, nos termos do art. 20.º, n.º 1, a) do CIVA.
  2. E relembra que o imóvel “B”, embora destinado a AL, foi naquele período afecto aos seus serviços comerciais e administrativos, aí se exercendo uma actividade económica em relação directa e imediata com a atividade da empresa globalmente considerada, sujeita a IVA – pelo que deve ser aceite a dedução do IVA relativo ao consumo de electricidade no imóvel “B” (€ 166,88).

 

III. A. 11. IVA deduzido indevidamente – transportes que não geraram operações tributáveis (IVA – 2019)

 

  1. Regressa-se à factura n.º 51/131, datada de 26/04/2019, emitida por Transportes L... Lda, no valor global de € 2.700,00, a qual corresponde a dois transportes distintos: a) tractor John Deere 6155 – da Grã-Bretanha até Romariz; b) tractor John Deere 6320 – desde Romariz até Alpiarça.
  2. O RIT considera que o transporte subjacente a esta dedução de IVA não confere direito a essa dedução, nos termos do art. 20.º, 1 do CIVA, ou seja, por não se encontrar relacionada com bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo na realização de bens, ou na prestação de serviços.
  3. Relativamente ao transporte do tractor John Deere 6320, entende a Requerente que ficou demonstrado o seu montante e a sua ligação a uma venda, sendo de manter a dedução de IVA (€ 69,00), nos termos do art. 20.º, 1 do CIVA.
  4. Relativamente ao transporte do tractor John Deere 6155, entende a Requerente que foi igualmente demonstrado que a operação de intermediação de venda do mesmo não pode de todo ser dissociada da compra e venda do outro trator (6320), assumindo que se trata de operação híbrida e que o valor pago pelo transporte foi negociado no âmbito global desta operação.
  5. Entende, assim, que este transporte, e o IVA subjacente, seja directamente imputável a uma operação não tributável em Portugal ao abrigo das regras de territorialidade – a intermediação de venda facturada a um sujeito passivo residente na Grã-Bretanha.
  6. Acrescenta que, do ponto de vista finalístico, resulta do corpo do art. 168.º da Directiva do IVA que ao sujeito passivo só é reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante quando os bens ou serviços que adquira sejam “utilizados para os fins das suas operações tributadas” – pelo que o direito à dedução está ligado à realização de operações tributáveis, daí decorrendo que tal direito não existe sempre que os inputs se destinem a operações isentas sem direito a dedução, ou a operações situadas fora do campo de incidência do IVA.
  7. Como, no seu entender, se trata de uma prestação de serviços não tributada, por aplicação das regras de localização previstas no art. 6.º do CIVA, conclui a Requerente que a AT tinha de efectuar a correcção da matéria tributável do sujeito passivo (reconhecendo este IVA como um gasto dedutível) no âmbito do processo inspectivo em que concluiu pela inexistência do seu direito à dedução – uma correcção favorável à Requerente, mas que devia ser promovida, com imparcialidade, pela própria AT, já que, se não existia o direito a dedução do IVA relativo a esta factura de transporte, a AT tinha o dever de considerar o montante desse IVA, que considerou não dedutível, como gasto para efeito de determinação da matéria tributável de IRC, e liquidar em conformidade.
  8. Não o tendo a AT feito, entende a Requerente que a liquidação de IRC enferma de vícios de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação do art. 23.º, n.º 1 e n.º 2, f) do CIRC, e vício procedimental, por não incluir nas correcções efectuadas as referidas correcções favoráveis ao sujeito passivo com violação dos arts. 266.º, n.º 2, da CRP, 55.º e 58.º da LGT, e 5.º do RCPITA.

 

III. A. 12. Depreciações contabilizadas não aceites como gasto fiscal – Imóveis (IRC – 2020)

 

  1. Estiveram em causa, no exercício de 2020, os seguintes activos fixos tangíveis:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. O imóvel “A”, que fora adquirido no final de 2019 para os mesmos objectivos dos imóveis “B” e “C”, foi vendido em 2021. Os restantes imóveis foram visitados pelos SIT em 27/10/2022, para verificar se se encontravam afectos à actividade desenvolvida pelo Sujeito Passivo no período de 2020 (venda de tractores usados), tendo concluído pela negativa, por encontrarem que todos teriam sido destinados a habitação, o que levou à desconsideração da depreciação efectuada relativamente a 2020, no montante de € 4.809,43.
  2. A Requerente relembra que, no que se refere ao imóvel “C”, a afectação de um imóvel a “habitação” não constitui condição impeditiva da sua exploração como um estabelecimento de alojamento local – pelo que os gastos imputáveis a este imóvel foram igualmente incorridos no âmbito do seu objectivo social, ou seja, na prossecução do interesse empresarial, sem se revelar desviante face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.
  3. Não obstante o desfasamento temporal entre aquisição e utilização do imóvel, por razões já aduzidas (pandemia, com especial incidência negativa no sector do alojamento, e falecimento de um dos administradores), entende a Requerente que os gastos incorridos com o imóvel configuram actos de gestão, do tipo dos que uma empresa realiza com o objectivo de incrementar os proveitos, e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento.
  4. Lembra a Requerente que, nesse período de tributação o imóvel sofre a depreciação decorrente do decurso do tempo (art. 29.º, n.º 2 do CIRC), uma depreciação que seria sempre recuperável fiscalmente, em termos de impacto no lucro do sujeito passivo, no momento em que ocorresse a sua alienação (mais-valias); não sendo o facto de um determinado activo de uma empresa não estar a ser usado, total ou parcialmente, para fins empresariais, num determinado exercício económico, que lhe poderá retirar o caráter de activo susceptível de gerar benefícios económicos futuros para a empresa que o detém, de molde a impedir a dedução dos gastos associados à sua manutenção e conservação ou à reintegração do capital investido – pelo que os gastos entretanto incorridos com esse imóvel têm uma motivação empresarial, não podendo exigir-se, nesse contexto, que a geração de rendimentos ocorresse de forma imediata.
  5. E alega que tudo isso foi desconsiderado pelos SIT na sua visita aos imóveis.
  6. A Requerente faz notar ainda que, contrariamente ao que acontece em sede de IVA, em que o direito à dedução do imposto suportado pelas empresas nos seus inputs exige, a fim de garantir a neutralidade do imposto, a afectação dos bens ou serviços a uma actividade efectivamente tributada, a dedutibilidade dos gastos em sede de IRC não depende da realização de rendimentos num determinado exercício, ou que exista uma correlação directa entre ganhos e gastos, ainda que estes respeitem a activos não utilizados no exercício em causa, pois tal não-utilização apenas releva de uma opção de gestão, que AT não poderá sindicar, salvo se se traduzissem comprovadamente em actos anormais. E lembra que não é o facto de um determinado activo não estar a ser usado, total ou parcialmente, num determinado exercício económico, não gerando proveitos nesse exercício, que lhe poderá retirar o carácter de activo, susceptível de gerar benefícios económicos futuros para a empresa que o detém.
  7. No que respeita ao imóvel “A”, a Requerente assinala que a aceitabilidade fiscal da sua depreciação em 2020 em nada afecta o apuramento do lucro tributável do sujeito passivo, se considerarmos o conjunto dos períodos de tributação de 2020 e 2021 – essencialmente porque a eventual desconsideração fiscal destas depreciações em 2020 apenas teria como resultado o diferimento da tributação, não relevando para efeitos do apuramento do lucro tributável, desde o início da utilização do imóvel até à data da sua venda – porque a alienação do imóvel “A” gerou uma mais-valia fiscal de € 15.664,79 no período de tributação de 2021 e o sujeito passivo não declarou a intenção de reinvestir esta mais-valia fiscal, pelo que a mesma foi integralmente tributada como uma componente da sua matéria colectável na declaração de rendimentos do modelo 22 de IRC do período de tributação de 2021.
  8. E que, pelo contrário, a correcção suscitada pelo RIT, porque a AT não desencadeou desde logo a consequente correcção da liquidação de IRC do período de tributação de 2021, rectificando o apuramento das mais-valias fiscais declaradas, resulta num manifesto desvio aos princípios de justiça e de tributação pelo lucro real.
  9. Quanto ao imóvel “B”, a Requerente reitera que a sua aquisição visou um objectivo de abertura de um estabelecimento de alojamento local, e que temporariamente, a partir de Maio de 2019, foi utilizado para fins administrativos e comerciais, relacionados designadamente com a componente de negócio de comércio de tractores usados. E que o imóvel “B” foi depreciado, em 2020, em € 2.151,06, pelo método da linha recta (quotas constantes, anuais), nos termos do disposto no n.º 5 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, tendo sido aplicada a taxa de 2%, que corresponde a uma vida útil de 50 anos, e o código homogéneo “2015 - Edifícios Comerciais e administrativos” da tabela II anexa a esse diploma (Taxas genéricas); adequando-se, portanto, ao disposto no art. 23.º, n.º 2, g) do CIRC.
  10. Quanto ao imóvel “C”, a Requerente reitera a motivação da sua aquisição e o motivo pelo qual não gerou rendimentos em 2020, não obstante se encontrar já em condições de ser utilizado e a funcionar como estabelecimento de alojamento local – o que só não sucedeu por causa da pandemia, o que não impediu que nesse período de tributação o imóvel tivesse sofrido naturalmente uma depreciação decorrente do decurso do tempo (para efeitos do art. 29.º, n.º 2 do CIRC); uma depreciação que seria sempre recuperável fiscalmente em termos de impacto no lucro do sujeito passivo no momento em que ocorresse a sua alienação (mais-valias).
  11. Não sendo o facto de um determinado activo de uma empresa não estar a ser usado, total ou parcialmente, para fins empresariais, num determinado exercício económico, que lhe poderá retirar o caráter de activo, susceptível de gerar benefícios económicos futuros para a empresa que o detém, ou poderá impedir a dedução dos gastos associados à sua manutenção e conservação ou à reintegração do capital investido. Razão pela qual a Requerente entende que tais depreciações (no valor de € 1.145,65) se encontram devidamente contabilizadas e cumprem com o preceito de gastos fiscalmente aceites, encontrando-se especificamente enumeradas na relação de gastos e perdas constantes do art. 23.º, n.º 2, g) do CIRC.

 

III. A. 13. Gastos afectos à habitação – electricidade (IRC – 2020)

 

  1. A Requerente reitera os argumentos apresentados relativamente aos mesmos gastos do exercício de 2019.

 

III. A. 14. Gastos não dedutíveis – aquisição de mobiliário, roupa de cama (IRC – 2020)

 

  1. A Requerente reitera os argumentos apresentados relativamente aos mesmos gastos do exercício de 2019.

 

III. A. 15. Gastos não dedutíveis – IMI e AIMI (IRC – 2020)

 

  1. São os seguintes os gastos em causa:

 

 

 

 

 

 

 

  1. No despacho da reclamação graciosa, a AT considerou “assistir razão ao invocado pela reclamante, ocorreu uma errónea quantificação da correção, pelo que será de proceder à reformulação da liquidação em conformidade, o que se traduz na aceitação fiscal do gasto no montante de 290,04 euros, mantendo-se as correções determinadas no âmbito do RIT no montante de 2.258,21 euros”. Isto porque entendeu que só o imóvel 5852 teria sido utilizado para obter e garantir os rendimentos da Requerente.
  2. A Requerente discorda, entendendo que não é possível uma tal aceitação parcial de uma conta (68111) quando o valor integral do saldo dessa conta foi desconsiderado para efeitos fiscais.
  3. Quanto à obtenção de rendimentos pela Requerente, esta discrimina-os assim por imóvel:
  • 5502: gerou rendimento de mais-valias no período de tributação de 2021 (art. 46.º do CIRC);
  • 69: permitiu obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, pelo facto de ter albergado a sua actividade comercial e administrativa durante os períodos de tributação de 2019 e 2020;
  • 7415: permitiu ao SP obter ou garantir os rendimentos de AL nos períodos de tributação de 2022 e 2023 (contribui para o lucro tributável por via do disposto no art. 17.º, 1 do CIRC);
  • 5852: local onde os tractores estão em exposição, e onde se situam os serviços comerciais e administrativos da Requerente (contribui para o lucro tributável por via do disposto no art. 17.º, 1 do CIRC).
  1. Sustenta a Requerente que cabia à AT, por força do art. 74.º da LGT, a prova de que a utilização dos imóveis não estava funcionalizada à obtenção de rendimento da empresa, ou à manutenção do potencial de uma fonte produtora de rendimento – pelo que ocorreu, no seu entender, uma errónea qualificação e quantificação de factos tributários, além da ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida, nesta esta desconsideração de gastos no valor de € 2.258,21.

 

III. A. 16. Gastos não devidamente documentados – J... (IRC – 2020)

 

  1. O RIT desconsiderou gastos suportados com os serviços prestados por J... no período de 2019. Entre outros, o valor de € 15.735,20 com gastos imputados ao Inventário Final a 31/12/2019 (tractores que constam do inventário nessa data) do que resultou um incremento do CMVMC nesse período:

 

  1. Esta correcção teve um impacto no apuramento do CMVMC (via inventário inicial) no período de tributação de 2020:

 

  1. Como no Inventário Final a 31/12/2020 constam 2 tractores (19 e 36) não vendidos em que foram imputados gastos de 2019 subjacentes a facturas emitidas por J..., pelo que se opera uma correção adicional (de valor contrário) de redução do valor desse Inventário Final no montante de € 1.540,58.

 

  1. Pelo que o RIT apura um acréscimo líquido do Lucro Tributável no valor de € 14.194,62 (€ 15.735,20 – € 1.540,58).
  2. A Requerente discorda, pelas mesmas razões já expendidas a propósito do exercício de 2019. No quadro de facturas de 2020:

 

As correcções efectuadas resultam de a facturação não permitir, alegadamente, verificar a legitimidade dos gastos, nuns casos não identificando o bem a que respeita o “diagnóstico”, e/ou calibração, noutros não qualificando a natureza da mão de obra, noutros não indicando os dias/datas em que foram realizadas as alegadas prestações de serviços – havendo até uma uma transferência bancária em 20/10/2020, a favor da prestadora de serviços, no valor de € 457,12, com a menção “Pagamento ao K... 31/10/2020”, o que indiciaria que a factura emitida em nome da “J...” não respeitaria a prestação de serviços realizados por ela.

  1. Em suma, tal como relativamente ao exercício de 2019, também aqui a alegação dos SIT foi a de que a documentação não preenche os requisitos dos arts. 23.º, n.os 3, 4 e 6, e 23.º-A,  n.º 1, b) e c) do CIRC.
  2. A Requerente contesta que as facturas, ao contrário do alegado pelos SIT, identificam os serviços prestados. E acusa os SIT de terem sido inconsistentes, por exemplo ao reduzirem o valor do inventário em 2019 por um critério que não foi aplicado em 2020.
  3. De novo a Requerente esclarece o que a facturação representa: serviços prestados por K... e por J..., tendo uma racionalidade económica subjacente, estando tudo documentado de forma que complementa adequadamente a própria facturação. Além disso, insiste que a forma das facturas obedece ao estabelecido no art. 36.º, n.º 5, f) do CIVA.
  4. Sustentando, em suma, que devem ser mantidos como fiscalmente aceites os valores imputados a compras do sujeito passivo sustentadas por facturas emitidas por J... no período de tributação de 2020, no valor global de € 27.078,71.

 

III. A. 17. Recibos de seguros emitidos em nome de terceiros e/ou afectos à habitação (IRC – 2020)

 

  1. Os gastos desconsiderados neste capítulo respeitam a 2 apólices de seguro: a) Um recibo emitido em nome da entidade O... Lda, no valor de € 209,81 (presume-se que corresponde ao imóvel sito Rua ... nº ... – Alpiarça, adquirido em 2019 a essa entidade); b) Um outro relativo à apólice n.º ... “Ramo ... Lar Seguro” no valor de € 137,66, (sendo o local de risco o imóvel sito na Rua ..., n.º ..., ..., ... – Alpiarça).
  2. O RIT desconsidera estes gastos porque: a) o 1.º recibo foi emitido em nome de terceiros e não em nome do sujeito passivo; b) o imóvel a que respeita o segundo recibo não foi utilizado para obter ou garantir rendimentos.
  3. A Requerente assinala a falta de fundamentação para a correção do recibo emitido em nome da O... Lda, uma vez que a questão suscitada se prende com o formalismo do documento de suporte e não com a substância do mesmo – sendo que o local seguro foi aquele onde estiveram instalados os serviços comerciais e administrativos nos anos de 2019 e 2020, permitindo a geração de rendimentos tributados em IRC.
  4. Por outro lado, sustenta que o seguro de um imóvel de que seja proprietário um SP por si mesmo tem de ser aceite fiscalmente pela aplicação a contrario do art. 23.º-A, n.º 1, g) do CIRC – dado que não é o facto de um determinado activo de uma empresa não estar a ser usado, total ou parcialmente, para fins empresariais, num determinado exercício económico, que lhe poderá retirar o carácter de activo. Neste enquadramento a Requerente assevera que este gasto foi utilizado para pelo menos garantir rendimentos seus, mesmo que futuros, dado assegurar que o capital investido no imóvel não sofre nenhuma perda em função de um eventual sinistro.
  5. Concluindo que devem ser totalmente aceites os gastos incorridos com seguros que lhe minimizem as perdas do capital investido em caso de sinistro (€ 347,47).

 

III. A. 18. Gastos não devidamente documentados – B... (IRC – 2020)

 

  1. Aqui está em causa a factura n.º 1000245 emitida em 05/02/2020 por “P... Lda.”, no valor de € 2.706,77 com a designação de “Fornecimento de madeiras para recuperação de portas e aduelas com montagem”, argumentando o RIT que esta fatura não indica a quantidade de “madeiras”, não quantifica o número de horas de mão de obra e não indica os dias/datas em que foi realizada a alegada “montagem”. A ausência destes elementos não permitiria aos SIT verificar a legitimidade de tais gastos, nos termos do art. 23.º, n.º 3, n.º 4, b) e e) e n.º 6 do CIRC.
  2. Em sua defesa, a Requerente argumenta que a factura está inteiramente regular, de acordo com os critérios do art. 23.º do CIRC e do art. 36.º do CIVA.
  3. Além disso, alega que o serviço facturado foi efectuado no imóvel localizado na Rua de ..., n.º ..., ...-... Oeiras, o qual gerou rendimento de mais-valias no período de tributação de 2021 (sendo um ganho obtido pela Requerente nos termos do disposto no art. 46.º do CIRC). E que a AT não fez prova, como lhe competia, dos factos em que fez assentar a sua rejeição da factura.

 

III. A. 19. J... (IVA – 2020)

 

  1. A AT alegou o incumprimento, na facturação, do art. 36.º, b) e f) do CIVA (e também do art. 23.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do CIRC), para negar o direito à dedução do IVA, nos termos do art. 19.º, .º 2, a) e n.º 6 do CIVA.
  2. Pelo contrário, entende a Requerente não só que as facturas emitidas por J... têm subjacente a materialização de intervenções técnicas nos tractores adquiridos pela Requerente, ou seja, foram efectivadas e estão directamente relacionadas com a actividade desenvolvida pela Requerente; mas também que o princípio fundamental da neutralidade do IVA implica que a dedução tenha lugar ainda que o sujeito passivo possua uma factura que não cumpre todas as exigências legais, desde que disponha de todas as informações necessárias para comprovação dos requisitos materiais do exercício do direito à dedução.
  3. Admitindo que o descritivo que consta das facturas é algo genérico, a Requerente assinala que, em contrapartida, para suprir essa insuficiência, existe um suporte documental subjacente que permite desfazer dúvidas e apurar a realidade económica das operações facturadas – e invoca a jurisprudência do TJUE e do STA em apoio desse entendimento favorável ao recurso subsidiário a meios alternativos de prova – não se justificando, em conclusão, a desconsideração das facturas em causa para efeitos do direito à dedução do IVA nelas mencionado, no valor de € 6.238,11.

 

III. A. 20. IVA deduzido não relacionado com a actividade – mobiliário, roupa de cama (IVA – 2020)

 

  1. O RIT desconsiderou estas despesas por entender que elas não se relacionam com a única actividade que identificou no período de referência, a de transmissão onerosa de tractores.
  2. A Requerente lembra que, à data, era sujeito passivo de IVA, exercendo uma actividade económica que não se cingia ao comércio de tractores e outros equipamentos agrícolas – visto que em 2019 e 2020 adquiriu 2 imóveis destinados à exploração de estabelecimentos de alojamento local, tendo nesse período incorrido em gastos integrados em actos preparatórios dessa actividade económica – sustentando que existem elementos objectivos que comprovam essa funcionalização.
  3. A Requerente admite que não havia ainda registo legal dessa actividade, nem pedido de licença, mas que se evidenciava que se tratava de actos preparatórios, como os SIT poderiam ter constatado na acção inspectiva, que decorreu 2 anos depois.

 

III. A. 21. IVA deduzido não relacionado com a actividade – electricidade (IVA – 2020)

 

  1. Também aqui o RIT considerou não ser possível deduzir o IVA relativamente a consumos em imóveis que se encontravam afectos a habitação, sem conexão com a actividade que os SIT atribuíram à Requerente – isto não obstante esta insistir que no imóvel “B” funcionaram, naquele período, os serviços administrativos e comerciais da A... .
  2. Sustentando que o IVA em causa se refere a actos globalmente relacionados com o desenvolvimento da sua actividade, e que essa conexão genérica basta como fundamento, reclama a Requerente que seja aceite a dedução do IVA relativo ao consumo de electricidade no Imóvel “B” (€ 415,77).

 

III. A. 22. B... (IVA – 2020)

 

  1. A mesma factura n.º 1000245, emitida em 05/02/2020 por “P... Lda.”, no valor de € 2.706,77, com a designação de “Fornecimento de madeiras para recuperação de portas e aduelas com montagem”, que tinha sido desconsiderada em sede de IRC, também não foi considerada pelo RIT para efeito de dedução do IVA – o que a Requerente contesta, à luz do disposto no art. 36.º, n.º 5 do CIVA, e invocando que a mensuração dos trabalhos prestados não se adequa a uma aplicação literal da norma – pelo que entende inexistirem fundamentos para a desconsideração da factura em causa para efeitos do direito à dedução do IVA nela mencionado no valor de € 622,56.

 

III. A. 23. Juros Indemnizatórios

 

  1. A Requerente, para lá de peticionar que sejam anuladas as liquidações adicionais de IRC e IVA e as liquidações de juros compensatórios, peticiona ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à luz do disposto no art. 43.º, n.º 1 da LGT.

 

III. B. Posição da Requerida

 

  1. Na sua resposta, a Requerida começa por assinalar, em ponto prévio, que alguns dos actos impugnados foram entretanto revogados, por reconhecimento de erros nas respectivas liquidações.
  2. E assinala também que, não obstante o PPA aludir à Reclamação Graciosa n.º ...2023..., respeitante à liquidação de IRS n.º 2022-..., referente a retenções na fonte, no valor de € 24.343,30, e à liquidação n.º 2022-..., referente a juros compensatórios, no valor de € 2.951,62, nada mais é mencionado a respeito, seja da Reclamação Graciosa, seja das correspondentes liquidações, não sendo formulado nenhum pedido, ou causa de pedir, com base naquelas correcções.
  3. Por impugnação, a Requerida retoma a totalidade da argumentação já aduzida nos RITs e nas decisões proferidas em 26 de Dezembro de 2023 nas Reclamações Graciosas. E sustenta que há deficiências de prova e de cumprimento de ónus probatório, além de erros de Direito na interpretação do quadro normativo aplicável.
  4. Sublinha que, não obstante a nova redacção do art. 23.º do CIRC, os gastos continuam a dever estar adequadamente documentados, e serem especificamente incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (pressupostos de verificação necessariamente cumulativa); e que a relevância de um gasto para efeitos fiscais continua a depender da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efectivamente incorrido e se o foi no interesse da própria empresa que o suporta, ou se respeita a um qualquer outro interesse, à satisfação de interesses alheios, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.
  5. Lembrando que alguns gastos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação pelo SP, têm a sua dedutibilidade vedada pelos arts. 23.º-A, n.º 1, a), 1.ª parte, e 23.º, n.º 4 do CIRC.
  6. E afastando as continuadas alegações de violação do princípio do inquisitório pela Requerida, na medida em que entende que toda a dedutibilidade de gastos segue o regime do art. 23.º do CIRC, e que esta norma, no seu n.º 1, impõe ao SP a demonstração de que os gastos ou perdas observam a condição de terem sido incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC – correndo o ónus da prova, portanto, do lado da Requerente.
  7. Quanto às depreciações contabilizadas não aceites como gastos fiscais (IRC de 2019 e 2020), à luz dos artigos 29.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1 do CIRC, relativas aos prédios urbanos sitos na Rua ..., n.º ..., em Oeiras (“imóvel A”), na Rua..., n.os ... e..., em Alpiarça (“imóvel B”), na Rua ..., n.os ... e..., em Alpiarça (“imóvel C”), e na Rua ..., n.º..., em Alpiarça (“imóvel D”), a Requerida mantém que os prédios se encontravam afectos a habitação, e não à actividade operacional de comercialização de tractores usados e de Alojamento Local, sendo que, relativamente ao imóvel “A”, o mesmo foi vendido ainda antes de ser usado para Alojamento Local.
  8. Sustenta que os argumentos e provas apresentados pela Requerente não procedem, seja porque nenhum dos 4 imóveis estava relacionado com a actividade e CAE da Requerente ao tempo dos factos e da acção inspectiva, seja porque, confessadamente, somente a 12 de Julho de 2022, isto é, muito após o exercício de 2019 e da acção inspectiva, é que a Requerente procedeu à alteração da sua actividade – tanto que à data a Requerente não dispunha das necessárias licenças, nem sequer de comprovativos de pedidos de licenças.
  9. Ora, os elementos do activo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização, o que, no caso vertente, só teria ocorrido durante o ano de 2022 com a obtenção da respectiva licença para o exercício da actividade de Alojamento Local, e não em 2019 e 2020 – pelo que os gastos e perdas incorridos ou suportados pela Requerente referentes à depreciação contabilística dos imóveis “B”, “C” e “D”, e respetivo mobiliário não devem ser dedutíveis na determinação do lucro tributável de 2019 e 2020, porque só poderiam sê-lo a partir de 2022, nos termos do art. 29.º, n.º 1 e n.º 4, do CIRC.
  10. Quanto ao imóvel “B”, a Requerida contesta que ele, não obstante a sua afectação à habitação e não obstante ser o domicílio fiscal e morada de família da administradora I..., tenha sido utilizado para fins administrativos e comerciais da Requerente, de Maio de 2019 até à instalação de um contentor na ..., n.º ..., em finais de Maio de 2020.
  11. E isto porque se trata de um imóvel que, pelas suas características intrínsecas e até pela sua localização, se revela totalmente inapto para tais funções – tanto assim que a Requerente não teria produzido qualquer prova em apoio da sua alegação, não podendo aceitar-se como prova os depoimentos escritos de clientes e fornecedores, nem declarações da administradora consignadas num atestado, que prova que a declarante afirmou o que afirmou, mas não prova que seja verdadeiro o que foi afirmado, até porque quem emitiu o atestado não tinha conhecimento directo dos factos (nos termos do art. 617.º do CPC e do art. 115.º, n.º 2 do CPA).
  12. Por isso, conclui a Requerida, também com esses fundamentos não pode ser aceite a depreciação contabilizada como gasto do imóvel “B”, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, conjugado com o artigo 23.º, n.º 1, ambos do CIRC.
  13. Quanto aos gastos de electricidade para cômputo do IRC de 2019 e 2020, a Requerida novamente mantém que não são de aceitar, na medida em que, no período em causa, os prédios “B” e “C” se encontravam afectos a habitação, e não à actividade operacional de comercialização de tractores usados e de Alojamento Local.
  14. Salientando que a Requerente nada argumenta quanto ao imóvel “C”, a Requerida insiste que, à data, a actividade de comercialização de tractores usados era desenvolvida pela Requerente na ..., n.º ..., em Alpiarça, ao passo que os outros imóveis, pelas suas características, se encontravam destinados a habitação, sendo que o imóvel “B” não era senão a residência, e domicílio fiscal, da administradora I... .
  15. Quanto aos gastos de electricidade no imóvel “C”, e visto que só em 2022 a Requerente alterou o CAE de actividade, conclui a Requerida que tais gastos só podem ter sido incorridos no interesse de outrem que não a ora Requerente, pelo que tais gastos do imóvel “C”, tal como os gastos do imóvel “B”, não podiam ser dedutíveis na determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, conjugado com o artigo 17.º, n.º 1 e n.º 3, a), ambos do CIRC.
  16. Quanto aos gastos com a aquisição de mobiliário, roupa de cama, e artigos de iluminação e decoração, para efeitos de dedução no IRC de 2019, novamente não foram aceites, fundamentalmente porque os prédios “A”, “B” e “C” se encontravam afectos a habitação, e não à actividade de Alojamento Local – entendendo que não há prova de que em 2019 tivessem sido iniciadas, e menos ainda que estivessem em desenvolvimento, actividades para a exploração destes prédios em Alojamento Local (não fazendo prova um documento interno elaborado pela própria Requerente); recordando a Requerida que, à data da acção inspectiva, a Requerente não dispunha de licenças para a actividade de Alojamento Local, e nem sequer dispunha de comprovativos referentes a pedidos de licença.
  17. Já que os bens aqui em causa configuram activos fixos tangíveis depreciáveis quando entraram em funcionamento, em 2022, no âmbito da actividade de alojamento local, nos termos dos normativos contabilísticos e fiscais vigentes, conclui a Requerida que tais gastos não eram dedutíveis na determinação do lucro tributável de 2019, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, conjugado com o artigo 17.º, n.º 1 e n.º 3, a), ambos do CIRC.
  18. Quanto a gastos não dedutíveis com alojamentos e refeições, para cômputo do IRC de 2019, a Requerida indica que não foram aceites gastos: a) com alojamentos e refeições referentes a pessoas estranhas à empresa; b) com alojamentos e refeições a favor de destinatários não identificados; e c) referentes a levantamentos Multibanco/caixas de câmbio.
  19. Lembra a Requerida, a esse propósito, que nos termos do art. 23.º, n.º 3 do CIRC, a dedutibilidade dos gastos deve ser comprovada documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito; e que, no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os elementos previstos no art. 23.º, n.º 4 do CIRC; e ainda que, sendo a Requerente uma sociedade comercial que exerce, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, é obrigada, nos termos do artigo 123.º do CIRC, a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei, que, além dos requisitos indicados no artigo 17.º, n.º 3, permita o controlo do lucro tributável – sendo que os lançamentos efectuados na contabilidade devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CIRC.
  20. Ora, quanto a gastos com alojamentos e refeições, para cômputo do IRC de 2019, a Requerida esclarece que muitos não se encontravam comprovados documentalmente, para efeitos do quadro normativo dos arts. 23.º, n.os 1, 3, 4 e 6, e 23.º-A, n.º 1, c) do CIRC, pelo que os SIT os desconsideraram.
  21. Quanto ao registo contabilístico 20437, referente a “viagem a feira com deslocação e estadia”, lembra a Requerida que é à Requerente que cabe comprovar documentalmente os gastos dedutíveis, sendo certo que, da factura que titula aquele gasto no montante de € 6.047,60, não constam elementos essenciais para que se possa aferir da sua dedutibilidade fiscal, tais como o período da deslocação, a identificação do(s) beneficiário(s), e a alegada feira – sendo que a Requerente não forneceu mais esclarecimentos em sede do direito de audição no procedimento inspectivo, quer em sede de Reclamação Graciosa, quer ainda em sede arbitral, limitando-se, pelo contrário, seja a sugerir que seria à Requerida que caberia obter essa prova, seja a produzir alegações desacompanhadas de prova documental – o que não preenche o standard probatório dos arts. 23.º e 23.º-A do CIRC.
  22. Concluindo, quanto a tais gastos com alojamentos e refeições, não poderem ser deduzidos na determinação do lucro tributável, nos termos do art. 23.º, n.os 1, 3, 4 e 6, conjugado com o art. 23.º-A, n.º 1, b) e c), e com o art. 17.º, n.º 1 e n.º 3, a), todos do CIRC.
  23. Quanto aos gastos não devidamente documentados, respeitantes a J..., para cálculo do IRC de 2019 e 2020, a Requerida esclarece que as facturas emitidas por aquela fornecedora foram tidas por insuficientes em matéria de prova, por apenas mencionarem “mão de obra”, sem apresentarem o nível de detalhe exigível (a identificação de qual o serviço prestado, de quando o foi, de quantas horas de mão de obra envolveu, o preço unitário e total aplicados, quais os materiais facturados, respetivo preço unitário e total) – pelo que o valor surge em bloco, não sendo perceptível que valor respeita a cada componente dos serviços, inexistindo igualmente a menção temporal exigida.
  24. Quanto a essa facturação da fornecedora, a Requerida lembra que a não-dedutibilidade a que se reporta o art. 23.º-A do CIRC refere expressamente, na 1.ª parte da al. c) do n.º 1 dessa norma, os encargos cuja documentação não satisfaça os requisitos mínimos previstos no artigo 23.º, n.º 4, ficando a respectiva dedutibilidade fiscal expressamente vedada por aquela norma, a qual visa impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários, para assegurar a eficiência do controlo da afectação das despesas a fins empresariais, essencial para a relevância de aquisições de serviços com gastos, e para evitar situações de fraude e de evasão fiscal.
  25. E sustenta que é ilegal a prova tentada pela Requerente, com depoimentos escritos que a Requerida entende não caberem no regime do RJAT.
  26. Além de que em parte nenhuma se fornece a identificação fiscal do real prestador dos serviços, não obstante ser inequívoco que se trata de K..., o marido de J..., e não se trata desta, à qual a Requerente admite só terem sido atribuídas funções de responsabilidade das compras e do trabalho administrativo.
  27. Acrescendo a isso que, nos termos do art. 63.º-C da LGT, a Requerente, como sujeito passivo de IRC, tem necessariamente de dispor de uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida – e que deveria ter sido através dessa conta que deveriam ter sido provados os pagamentos efectuados, e não através de declarações que, além de tudo o resto, omitem a identificação fiscal do suposto prestador de serviços.
  28. Em suma, não havendo sequer prova segura da realidade efectiva das operações – dos pagamentos –, os gastos constantes das facturas emitidas J... não eram dedutíveis na determinação do lucro tributável de 2019 e 2020, nos termos do art. 23.º, n.os 3, 4 e 6, conjugado com o art. 23.º-A, nº 1, c), ambos do CIRC.
  29. Quanto à consideração dos gastos relacionados com o transporte de um tractor, da Grã-Bretanha para Portugal, através de Transportes L... Lda, para cálculo do IRC de 2019, a Requerida esclarece que tais gastos não foram aceites por ausência de razão economicamente válida para a Requerente os suportar, constituindo, pois, gastos por conta de terceiros, sem os ter repercutido, dado que o tractor não foi vendido por ela – sendo que a Requerente reconhece que o sujeito passivo M..., adquirente directo do tractor, não tinha capacidade de contratar o transporte desde a Grã-Bretanha até Romariz, e que foi a transportadora L... Lda. que assegurou esse transporte, pelo que o valor de € 2.400,00 deve ser aceite fiscalmente, ainda que não por via do apuramento do custo das mercadorias vendidas e consumidas, como erradamente considerou.
  30. Lembra a Requerida que os custos com o transporte são, em regra, assumidos ou pelo vendedor do bem ou pelo comprador, sendo que a Requerente não assume nenhum desses papéis na transacção aqui em causa – pelo que não aceita o argumento segundo o qual o gasto deve ser aceite na medida em que a Requerente recebeu uma comissão pela operação de intermediação na venda (além de que a Requerente não faz qualquer prova do que alega, nomeadamente de ter assumido a responsabilidade pelo transporte em contrapartida da comissão de intermediação, não tendo sido apresentada qualquer razão economicamente válida para a Requerente suportar gastos de transporte do tractor da Grã-Bretanha para Portugal por conta de terceiros, sem os ter repercutido, que não seja a razão de tratar-se de mera liberalidade no interesse de terceiros que não a Requerente).
  31. Por isso entende a Requerida que os gastos relacionados com o transporte de um tractor, da Grã-Bretanha para Portugal, através de Transportes L... Lda, não podiam ser deduzidos na determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23.º, 1 do CIRC.
  32. Quanto às despesas não documentadas, para cômputo do IRC de 2019, a Requerida esclarece que os três registos identificados durante a acção inspectiva se reconduzem a saídas de meios financeiros do património da Requerente sem um documento de suporte que permita determinar a natureza das despesas, ou o seu beneficiário, pelo que tais gastos não podiam ser aceites.
  33. Notando que a Requerente nem sequer tenta justificar dois desses três registos, a Requerida não aceita a argumentação que dá a Q... como o beneficiário a que se refere o 3.º documento – o que parece sugerir a iniciativa de fazer uma liberalidade a favor da transportadora aérea.
  34. Como a Q... não é manifestamente a beneficiária do serviço de transporte que lhe foi pago, entende a Requerida que há uma falta total de documento de suporte para essa saída de meios financeiros do património da empresa que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário, passando, pois, a constituir uma verdadeira e genuína despesa não-documentada, sujeita a tributação autónoma nos termos do art. 88.º, n.º 1 do CIRC.
  35. Quanto aos gastos não dedutíveis relativos a IMI e AIMI, para cálculo do IRC de 2020, a Requerida assinala que esse ponto está ultrapassado dada a revogação, pela AT, da correcção proposta no RIT.
  36. Quanto aos recibos de seguros emitidos em nome de terceiros, ou afectos à habitação, para efeitos do cômputo do IRC de 2020, lembra a Requerida que ocorreu também uma revogação parcial, no que respeita aos gastos relacionados com o seguro de habitação referente ao imóvel “C”, no valor de € 137,66.
  37. Subsiste a desconsideração fiscal do gasto relacionado com o seguro de habitação referente ao imóvel “B”, no valor de € 209,81 – assinalando a Requerida que tal gasto não foi incorrido para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, já que ela não aceita a alegação da Requerente de que, no período em causa, o imóvel “B” estava afecto à actividade de comercialização de tractores usados, pelo que não pode ser aceite nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.
  38. A Requerida assinala, ainda, que o recibo do seguro do imóvel “B” ter sido emitido em nome de uma entidade terceira (O..., Lda.) e não em nome da Requerente – uma razão adicional para tais gastos não serem dedutíveis na determinação do lucro tributável, nos termos do art. 23.º, n.º 1 e n.º 4, a) e b), do CIRC.
  39. Quanto a gastos não devidamente documentados referentes ao fornecedor no imóvel “A”, para efeito do cálculo do IRC de 2020, a Requerida refere que tais gastos não foram aceites porque a factura emitida pelo fornecedor B... apenas menciona “fornecimento de madeiras para recuperação de portas e aduelas com montagem”, sem apresentar o nível de detalhe exigível (a identificação do serviço prestado, o momento e duração da prestação, o preço unitário e total praticado, quais os materiais facturados), pelo que o valor surge em bloco, não sendo perceptível que valor respeita a cada componente dos serviços.
  40. Quanto a essa facturação, novamente a Requerida lembra que a não-dedutibilidade a que se reporta o art. 23.º-A do CIRC refere expressamente, na 1.ª parte da al. c) do n.º 1 dessa norma, os encargos cuja documentação não satisfaça os requisitos mínimos previstos no artigo 23.º, n.º 4, ficando a respectiva dedutibilidade fiscal expressamente vedada por aquela norma, a qual visa impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários, para assegurar a eficiência do controlo da afectação das despesas a fins empresariais, essencial para a relevância de aquisições de serviços com gastos, e para evitar situações de fraude e de evasão fiscal.
  41. Nestes termos, a deficiente identificação do serviço efectivamente prestado, aliás reconhecida pela Requerente, que tenta colmatar essa deficiência com documentação complementar, não preenche os requisitos do art. 23.º, n.os 3, 4 e 6, e do art. 23.º-A,  n .º 1, c), ambos do CIRC – não sendo aceitável a alegação da Requerente, de que o ónus da prova recairia sobre a Requerida, e não sobre ela, Requerente.
  42. Quanto à negação do direito à dedução do IVA, de 2019 e 2020, referente a facturas relacionadas com a fornecedora J..., essa desconsideração resultou da circunstância de as aludidas facturas apenas mencionarem “mão de obra”, sem apresentarem o nível de detalhe exigível (a identificação de qual o serviço prestado, de quando o foi, de quantas horas de mão de obra envolveu, o preço unitário e total aplicados, quais os materiais facturados, respetivo preço unitário e total) – pelo que o valor surge em bloco, não sendo perceptível que valor respeita a cada componente dos serviços, inexistindo igualmente a menção temporal exigida.
  43. A Requerida entende inaceitáveis as declarações com as quais a Requerente procurou sanar a deficiência de prova, por considerar que elas constituem depoimentos escritos que não são admitidos pelo RJAT.
  44. Por outro lado, novamente a Requerida assinala a estranheza da falta de identificação fiscal do verdadeiro prestador de serviços – e a estranheza de a prestadora J... estar registada para o exercício de actividade de carpintaria e actividades similares desde 2017, não obstante não ser ela, manifestamente, a verdadeira prestadora desses serviços. Sendo alegado que o verdadeiro prestador é K..., não se faz prova de que seja funcionário da prestadora que emitiu as facturas, ou sequer que seja casado com ela.
  45. Na ausência desses requisitos mínimos do standard de prova, conclui a Requerida que o IVA em causa não podia ser dedutível, por força do art. 19.º, n.º 2, a) e n.º 6, do CIVA.
  46. Quanto à negação do direito à dedução do IVA, de 2019 e 2020, referente a facturas relacionadas com a aquisição de mobiliário, roupa de cama, e artigos de iluminação e decoração, a Requerente esclarece que essa desconsideração assentou na circunstância de, naquelas datas, os prédios “A”, “B” e “C” se encontrarem afectos a habitação, e não à actividade de Alojamento Local – não havendo qualquer indício de que, não obstante o alegado, estivessem em curso actividade preparatórias da futura exploração daqueles prédios.
  47. Quanto à negação do direito à dedução do IVA referente a facturas relacionadas com consumos de energia eléctrica em imóveis afectos à habitação, a Requerida reitera que, à data, os prédios “B” e “C” se encontravam afectos a habitação, e não à actividade operacional de comercialização de tractores usados e de Alojamento Local – assinalando que a Requerente nem chega a alegar seja o que for quanto ao IVA referente ao imóvel “C”.
  48. Quanto às correções efectuadas em matéria de direito à dedução de IVA de 2019 relacionado com o transporte de tractores, lembra a Requerida que ocorreu também uma revogação parcial, no que respeita ao IVA relacionado com o transporte de um tractor, de Romariz para Alpiarça, no valor de € 69,00.
  49. Já no que respeita ao transporte de um outro tractor, da Grã-Bretanha para Romariz, através de Transportes L... Lda, entende a Requerida que as correcções são de manter, visto que a Requerente se limitou a receber uma comissão pela operação de intermediação na venda que suscitou esse outro transporte, não se vislumbrando qualquer razão economicamente válida para a Requerente suportar gastos de transporte do tractor da Grã-Bretanha para Portugal por conta de terceiros, sem os ter repercutido, que não seja a razão de tratar-se de mera liberalidade no interesse de terceiros que não a Requerente.
  50. Quanto à correcção efectuada pela Requerida em matéria de direito à dedução de IVA de 2020 relacionado com o fornecedor B..., a Requerida lembra que tal correcção foi entretanto revogada.
  51. Finalmente, quanto ao direito a juros indemnizatórios, a Requerida só os admite quanto às revogações entretanto ocorridas. Lembrando que, quanto à liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2020, ela não foi ainda paga, pelo que aí nunca seriam devidos juros indemnizatórios.
  52. Em alegações, a Requerida assinala que não foi produzida prova testemunhal sobre três grupos de questões:
  1. gastos relacionados com o transporte de um tractor, da Grã-Bretanha para Portugal, através de Transportes L... Lda, para cálculo do IRC de 2019;
  2. despesas não documentadas, para cômputo do IRC de 2019;
  3. correções efectuadas em matéria de direito à dedução de IVA de 2019 relacionado com o transporte de tractores.
  1. Pelo que a prova testemunhal se cingiu a dois grupos de questões:
  1. liquidações adicionais de IRC e de IVA, de 2019 e 2020, relacionadas com depreciações e gastos referentes aos imóveis, seu recheio, consumo de electricidade e seguro;
  2. liquidações adicionais de IRC e de IVA, de 2019 e 2020, relacionadas com gastos e despesas referentes a facturas emitidas pela fornecedora J... .
  1. Sendo que, quanto ao primeiro grupo de questões, a Requerida assinala que a prova testemunhal se limitou a referências ao prédio “B”, sem menção dos demais.
  2. Ora, no entender da Requerida, a prova testemunhal reforçou a convicção de que o prédio “B” não era senão o domicílio da administradora I... e do seu agregado familiar – o que explicaria os consumos energéticos, muito elevados se nesse prédio tivessem decorrido somente, como a Requerente alegou, actividades administrativas e comerciais da empresa. Em suma, a prova testemunhal teria retirado credibilidade às alegações da Requerente quanto à utilização do prédio “B” – além de que a prova testemunhal foi omissa quanto ao alegado projecto de Alojamento Local.
  3. Quanto ao segundo grupo de questões, a Requerida assinala que a prova testemunhal foi congruente nos três depoimentos, e que eles permitem concluir que, efectivamente, J... não foi a prestadora do serviço facturado, mas sim o seu cônjuge, K..., que não emitia facturas em seu próprio nome porque alegadamente teria “problemas” fiscais, e por isso combinara essa substituição pela sua cônjuge para efeitos de facturação.
  4. Só que, aceite esta factualidade, transparece uma ilegalidade flagrante: é que a lei não admite que uma factura seja emitida por quem não tenha sido o efectivo prestador de um serviço – não admite simulações e concluios entre o adquirente e o emitente que visem ocultar a identidade do real prestador do serviço, exonerando este da obrigação de emitir as facturas em seu próprio nome.
  5. Trata-se de um incumprimento grave daquilo que a lei fiscal determina, podendo até configurar um crime, o de frustração de créditos (e não somente créditos fiscais).
  6. Torna-se inadmissível, conclui a Requerida, requerer a devolução de IVA através da invocação de um procedimento que é claramente ilícito.

 

III. C. Fundamentação da decisão

 

III. C.1. As normas aplicáveis

 

Os problemas a enfrentar gravitam em torno da interpretação e aplicação de um conjunto restrito de normas, avultando entre elas:

 

Art. 23.º do CIRC (Gastos e perdas)[1]

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade; 

i) Provisões; 

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros; 

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;  

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

5 - (Revogado).

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

7[2] - Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente.

 

Art. 23.º-A do CIRC (Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)[3]

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;  

b) As despesas não documentadas;

c)[4] Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido, por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º ou por sujeitos passivos que não tenham entregue a declaração de inscrição, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 117.º;

d) As despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação; 

e) As multas, coimas e demais encargos, incluindo os juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações de qualquer natureza que não tenham origem contratual, bem como por comportamentos contrários a qualquer regulamentação sobre o exercício da atividade; 

f) Os impostos, taxas e outros tributos que incidam sobre terceiros que o sujeito passivo não esteja legalmente obrigado a suportar;

g) As indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável;

h) As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário; 

i) Os encargos com o aluguer sem condutor de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, na parte correspondente ao valor das depreciações dessas viaturas que, nos termos das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 34.º, não sejam aceites como gastos; 

j) Os encargos com combustíveis na parte em que o sujeito passivo não faça prova de que os mesmos respeitam a bens pertencentes ao seu ativo ou por ele utilizados em regime de locação e de que não são ultrapassados os consumos normais; 

k) Os encargos relativos a barcos de recreio e aeronaves de passageiros que não estejam afetos à exploração do serviço público de transportes nem se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; 

l) As menos-valias realizadas relativas a barcos de recreio, aviões de turismo e viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, que não estejam afetos à exploração de serviço público de transportes nem se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo, exceto na parte em que correspondam ao valor fiscalmente depreciável nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º ainda não aceite como gasto; 

m) Os juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, na parte em que excedam a taxa definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º;  

n) Os gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, quando as respetivas importâncias não sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do período de tributação seguinte;

o) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, os gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais, quando os beneficiários sejam titulares, direta ou indiretamente, de partes representativas de, pelo menos, 1 % do capital social, na parte em que exceda o dobro da remuneração mensal auferida no período de tributação a que respeita o resultado em que participam; 

p) A contribuição sobre o setor bancário; 

q) A contribuição extraordinária sobre o setor energético; 

r)[5] As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal a que se referem os n.os 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. 

s)[6] A contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica.

2 - Não concorrem para a formação do lucro tributável as menos-valias e outras perdas relativas a instrumentos de capital próprio, na parte do valor que corresponda aos lucros ou reservas distribuídos ou às mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais da mesma entidade que tenham beneficiado, no próprio período de tributação ou nos quatro períodos anteriores, da dedução prevista no artigo 51.º, do crédito por dupla tributação económica internacional prevista no artigo 91.º-A ou da dedução prevista no artigo 51.º-C. 

3 - Não são aceites como gastos do período de tributação os suportados com a transmissão onerosa de instrumentos de capital próprio, qualquer que seja o título por que se opere, de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

4 - A Autoridade Tributária e Aduaneira deve disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, que seja considerada relevante para efeitos do disposto na segunda parte da alínea c) do n.º 1. 

5 - No caso de não se verificar o requisito enunciado na alínea n) do n.º 1, ao valor do IRC liquidado relativamente ao período de tributação seguinte adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado em resultado da dedução das importâncias que não tenham sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes. 

6 - Para efeitos da verificação da percentagem fixada na alínea o) do n.º 1, considera-se que o beneficiário detém indiretamente as partes do capital da sociedade quando as mesmas sejam da titularidade do cônjuge, respetivos ascendentes ou descendentes até ao 2.º grau, sendo igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras sobre a equiparação da titularidade estabelecidas no Código das Sociedades Comerciais. 

7[7] - O disposto na alínea r) do n.º 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer título, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se referem os n.os 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.

8 - A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias. 

9 - Tratando-se de sociedades de profissionais sujeitas ao regime de transparência fiscal, pode ser fixado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças o número máximo de veículos e o respetivo valor para efeitos de dedução dos correspondentes encargos.  

 

Art. 29.º do CIRC (Elementos depreciáveis ou amortizáveis)[8]

1 — São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais:

a) Os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis;

b) Os ativos biológicos não consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo de aquisição.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se sujeitos a deperecimento os ativos que, com caráter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.

3 — As meras flutuações que afectem os valores patrimoniais não relevam para a qualificação dos respectivos elementos como sujeitos a deperecimento.

4 — Salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, os elementos do ativo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização.

5 — São igualmente depreciáveis, nos termos dos números anteriores, os componentes, as grandes reparações e beneficiações e as benfeitorias reconhecidos como elementos do ativo sujeitos a deperecimento nos termos do n.º 1.

 

Art. 17.º do CIRC (Determinação do lucro tributável)

1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período.

3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:  

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

c)[9] Estar organizada com recurso a meios informáticos.

 

Art. 19.º do CIVA (Direito à dedução)

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

b) O imposto devido pela importação de bens;

c)[10] O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), i), j), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º;

d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto;

e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º

2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a)[11] Em faturas passadas na forma legal;

b)[12] No recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via eletrónica pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos quais constem o número e a data do movimento de caixa;

c)[13] Nos recibos emitidos a sujeitos passivos enquadrados no «regime de IVA de caixa», passados na forma legal prevista neste regime.

3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura[14].

4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada.

5 - No caso de faturas emitidas pelos próprios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedução fica condicionado à verificação das condições previstas no n.º 11 do artigo 36.º.[15]

6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.[16]

7 - Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma.[17]

8 - Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação.[18]

 

III. C.2. Algumas considerações sobre o quadro normativo dos arts. 23.º e 23.º-A do CIRC

Recordemos que a redacção em vigor nos exercícios de 2019 e 2020 era a introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC.

O abandono da referência expressa à indispensabilidade dos gastos, que constava da redacção em vigor até final de 2013 (“Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora […]”) corresponde a um entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, de que a dedutibilidade das “business expenses” deve abarcar gastos e perdas, e não apenas gastos, e reportar-se às despesas ordinárias, que são comumente realizadas e geralmente aceites como úteis, e apropriadas, pelos padrões de um sector de actividade, deixando somente de fora:

  1. aqueles gastos que, de acordo com padrões objectivos, sejam inapropriados, inúteis, inadequados para promoverem rendimentos do sujeito passivo que estejam sujeitos a tributação;
  2. aqueles gastos que, embora fossem abstractamente apropriados, úteis, adequados, não se demonstra que efectivamente o tenham sido – não havendo prova de que, no período de tributação de referência, tenham representado “gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo”;
  3. aqueles gastos e perdas que são enumerados, ainda que de forma não-exaustiva (“nomeadamente”), pela própria lei, como sendo indedutíveis – não sendo indiferente, neste âmbito, que a mesma Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC e que alterou a redacção do art. 23º, n.º 1, tenha introduzido um novo art. 23-º-A (“Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”) que amplia drasticamente o número desses gastos e perdas enumerados como expressamente indedutíveis (art. 23º-A, n.º 1: “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação”)

Por isso, embora sem a ênfase da “indispensabilidade comprovada”, o regime manteve-se basicamente inalterado na reforma de 2014, no sentido de que continuou a ter de existir uma relação entre os encargos suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro lado – significando isso, na prática, que, no respeito embora de uma latitude razoável na gestão das empresas, a AT não tem que aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas e por elas apresentados, mesmo aqueles que tenham sido efectivamente incorridos e estejam devidamente documentados.

E isto porque, em síntese:

  1. Nem todos os gastos ou perdas “incorridos ou suportados pelo sujeito passivo” o foram, ou o são, com o objectivo ou a idoneidade de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
  2. Mesmo alguns encargos, gastos e perdas que satisfazem o critério do n.º 1 do art. 23.º são afastados pela própria lei, por não satisfazerem os requisitos dos n.os 2 e seguintes do art. 23º, ou por estarem abarcados na enumeração do art. 23º-A do CIRC.

A restrição que subsiste na aceitação de encargos dedutíveis, no art. 23º, reforçado pelo art. 23º-A do CIRC, faz todo o sentido como salvaguarda dos princípios constitucionais de “repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art. 103.º, n.º 1 da CRP) e de tributação do rendimento real das empresas (art. 104.º, n.º 2 da CRP): pois se trata de evitar que artifícios contabilísticos e jurídico-formais interfiram no apuramento da realidade económica de que dependem a defesa e consagração efectivas daqueles princípios constitucionais, prevenindo a erosão da base tributável.

Devendo notar-se que, no novo art. 23.º-A do CIRC já se abrigam expressamente algumas “thin-capitalization rules”, regras de “safe haven” ou de “earnings stripping”, com as quais se busca contrariar algumas técnicas sofisticadas de “planeamento fiscal”.

É que, quando se trata de ponderar os objectivos fiscais da informação contabilística, de imediato avultam os objectivos da obtenção de informação idónea à colecta equitativa de receita para o erário público, evitando perdas ou desigualdades que resultassem, ou resultem, de operações aptas a operar transferências de lucros, conversões contabilísticas de lucros em encargos, e outras formas de instrumentalização da substância económica, em prejuízo tanto da receita como da igualdade tributária.

Novamente em síntese, as alterações ao art. 23.º do CIRC não significam um enfraquecimento dos objectivos de fiscalização das condições e limites dentro dos quais os encargos de um sujeito passivo podem ser apresentados, considerados, aceites ou rejeitados:

  1. Seja porque, muito simplesmente, o art. 23.º não foi revogado, e continua a desempenhar a mesma função que anteriormente;
  2. Seja porque a sua posição, dentro do CIRC, passou a estar, a partir de 2014, reforçada com a adição do art. 23.º-A.

 

III. C.3. A dedutibilidade de gastos em IRC

 

A dedutibilidade fiscal de gastos pelos sujeitos de IRC tem sido amplamente debatida na jurisprudência.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Junho de 2003 (Proc. n.º 06350/02) estabelecia:

Nos termos do art.º 23.º do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora. […] É para definir o grupo dos elementos negativos que o art.° 23.° do CIRC enuncia, a título exemplifícativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. […] A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.

Por seu lado, o STA, em Acórdão de 29 de Março de 2006 (Proc. n.º 01236/05), entendeu que:

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis. O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais”.

E em 30 de Novembro de 2011, um acórdão do STA (Proc. n.º 0107/11), adiantava ainda que:

da noção legal de custo fornecida pelo art.º 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. [§] A indispensabilidade a que se refere o art.º 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros. [§] A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. [§] Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”

O TCAN, em acórdão de 20 de Dezembro de 2011 (Proc. n.º 01747/06.3BEVIS), aditou:

A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menos o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.”

Já depois da alteração da redacção do art. 23.º, e o aditamento do art. 23.º-A, o acórdão do TCAS de 14 de Fevereiro de 2019, (Proc. n.º 74/01.7BTLRS), mantinha-se que:

A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no art.º 3.º do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu n.º 2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no art.º 17.º e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23.º quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei. […] Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido art.º 23.º do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. [§] A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. […] O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. […] Quanto ao enquadramento no aludido artigo 23.º do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo: [§] a- É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. art.º 23.º, n.º 1 do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica; [§] b- Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23.º do C.I.R.C.; [§] c- A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr. art.º 75.º, n.º 1 da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado art.º 23.º do C.I.R.C.

O STA, em acórdão de 7 de Abril de 2021 (Proc. n.º 01716/17.8BESNT), esclarece que:

É no art.º 17.º e seg. do C.I.R.C. que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23.º quais os custos (gastos e perdas, nas palavras do legislador) que, como tal, devem ser considerados pela lei. […] Num primeiro momento e para efeitos de dedutibilidade fiscal em ordem ao apuramento do lucro tributável, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, terão de passar pelo crivo geral do disposto no citado art.º 23.º do C.I.R.C. Na nova redacção introduzida no preceito pela Lei n.º 2/2014, de 16/01, são de considerar gastos e perdas para efeitos fiscais todos os que, contabilizados, visam, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto. [§] Ou seja, todos aqueles que não obedeçam ao comando do disposto do n.º 1 do art.º 23 do C.I.R.C., não serão dedutíveis para efeitos de determinação da matéria colectável.”

E o acórdão do TCAS de 24 de Junho de 2021 (Proc. n.º 7872/14.0BCLSB) acrescenta que:

É no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23.º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta o a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que […] não pode […] ser considerado custo dedutível. […] Este é uma despesa com um fim empresarial, o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. […] Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é, ou não, empresarial.”

O ponto é desenvolvido no acórdão do TCAS de 8 de Julho de 2021 (Proc. n.º 311/03.3BTLRS):

Cabe à AT pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo” (gasto), através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art.º 74.º, n.º 1 da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT); […] O requisito de indispensabilidade do “custo” (gasto) do art. 23.º do CIRC tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim.”

Quanto às implicações no ónus da prova, estabelece o acórdão do TCAS de 28 de Outubro de 2021 (Proc. n.º 67/04.2 BESNT) que:

Nos termos do art.º 23° do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora. […] Serão, assim, indispensáveis, os custos que apresentem conexão com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (critério do fim) ou, em alternativa os custos que apresentem conexão com a fonte produtora (critério da fonte). […] Se a Autoridade Tributária e Aduaneira questionar a indispensabilidade do gasto cabe à contribuinte o ónus da prova da sua qualificação como custo dedutível.”

Estabelecendo ainda o acórdão do TCAS de 2 de Novembro de 2023 (Proc. n.º 9731/16.2 BCLSB):

Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros […]. Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.”

Em suma, a doutrina e a jurisprudência continuam a defender a presença de um conceito de indispensabilidade, admitindo como gasto dedutível, para efeitos de determinação da matéria colectável, todo o gasto decorrente da gestão realizado na prossecução do objecto societário, excluindo-se todo o gasto que seja estranho a tal prossecução.

Lê-se na Decisão do Processo n.º 398/2020-T:

A exclusão, propositada, da menção “comprovadamente sejam indispensáveis", não significa uma alteração radical nas regras da dedutibilidade. A doutrina considera que é bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. De facto, não se eliminou toda a subjetividade que poderia existir com a anterior redação, pois a relevância fiscal de um gasto continuará a depender de uma ponderação de critérios, tais como, a prova da sua necessidade, adequação, ou da produção do resultado, sendo que a falta geral dessas características gera a dúvida sobre se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa e, como tal, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não. […] Um dos objetivos destes limites à dedutibilidade dos gastos consiste em impedir eventuais situações de abuso fiscal, daí que o legislador tenha estabelecido uma lista exemplificativa de gastos dedutíveis por forma a limitar as reduções indevidas de impostos, ou estaria aberto o caminho à prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios em detrimento dos da empresa, resultando numa violação do princípio da tributação do lucro real.»

A amplitude do conceito de “indispensabilidade” era propugnada pelo STA, no já aludido Acórdão de 30 de Novembro de 2011, (Proc. n.º 0107/11):

Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. […] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.”

O que corresponde ao entendimento já consagrado na doutrina:

Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”[19].

 

III. C.4. O preenchimento de requisitos formais

 

O regime que decorre actualmente do art. 23.º do CIRC sujeita a dedutibilidade de gastos a dois critérios:

  • um de natureza formal, através do qual se exige que os gastos ou perdas tenham um suporte documental adequado, em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo; e
  • outro de natureza material, nos termos do qual se exige que os gastos ou perdas tenham sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, como ficou consignado no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

Preenchidos os requisitos formais, a dedutibilidade de custos contabilizados dependerá da verificação de uma motivação intrínseca susceptível de afastar, a título excepcional, a regra geral de identidade conceptual entre custos contabilísticos e custos fiscais[20].

Dada a “prova diabólica” que o apuramento de tal motivação intrínseca poderia acarretar, compreende-se a adição, e inserção sistemática, do art. 23.º-A do CIRC, para funcionar, como tem efectivamente funcionado, como uma espécie de cláusula geral antiabuso invertida, na medida em que não se exige à AT um concreto dever de fundamentação quanto à exclusão de dedutibilidade de um determinado gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável, bastando a verificação subsuntiva nas categorias enunciadas nesse art. 23.º-A (obstando-se, por outro lado, a uma sobre-extensão do art. 23.º para os domínios das cláusulas antiabuso, sendo que esta norma não tem vocação para concorrer com a do art. 38.º, 2 da LGT). E é nessa posição coadjuvante que o art. 23.º-A do CIRC elenca os encargos que não são considerados dedutíveis para efeitos fiscais, incluindo neles, genericamente “os encargos cuja documentação não cumpra” com as exigências do art. 23.º do mesmo Código.

O preenchimento de requisitos formais tem sido aceite com grande amplitude, aliás de acordo com o que decorre do art. 23.º, n.º 3 do CIRC – admitindo-se a dedução de custos através de documentos que comprovem a respectiva realização, desde que eles deixem transparecer a factualidade alegada, de forma consistente e credível, como decorre do n.º 4 do art. 23.º do CIRC[21].

Devendo lembrar-se que, quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de factura ou documento legalmente equiparado, nos termos do CIVA, o documento comprovativo deve obrigatoriamente assumir essa forma, nos termos do art. 23.º, n.º 6 do CIRC.

Impõe-se esclarecer ainda que, se algum efeito concreto teve a nova redacção do art. 123.º do CIRC, foi o de desacreditar uma visão estritamente “finalística” da indispensabilidade, segundo a qual se exigiria uma relação de causa a efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas pudessem ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais fosse possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos[22]. Entendida a indispensabilidade como referida à ligação dos custos com a actividade desenvolvida pelo contribuinte, os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa reportáveis a todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo, só não sendo indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.

Sendo assim, a AT só deveria desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo “o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora[23]. Daqui decorre, como princípio, a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram – só devendo ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito.

Devendo, em conformidade, desconsiderar-se fiscalmente um custo efectivamente suportado somente em situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, ou em situações em que a empresa, em detrimento do seu património, pretenda beneficiar terceiros, ou situações similares – a serem aferidas através de uma análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa [24].

 

III. C.5. A questão do “standard” ou “suficiência” da prova

 

O critério da indispensabilidade tem, a montante, a questão da prova: da suficiência da prova para atestar a existência dos factos subsumíveis às normas pertinentes, mas também da suficiência, ou “standard”, de prova, para detalhar adequadamente os factos, sem verdadeiramente questionar a existência de tais factos.

Remetemos neste ponto para o acórdão proferido no processo n.º 504/2022-T do CAAD:

“Precisemos o tema: não se trata de falta de documentação (não emissão de faturas), mas que as mesmas são muito enxutas e imprecisas no seu descritivo: “serviços prestados”, sem identificar o tipo de serviços e sem documentos de apoio que os relacionem diretamente com um projeto ou centro de proveitos da Requerente.

O tribunal advoga uma solução harmonizada e uniforme para esta questão, em sede de IRC e IVA […]

Em sede de IVA, esta exata questão (requisitos mínimos do descritivo das faturas) foi tratada e decidida pelo Ac. TJUE C-516/14, de 15/9, que contém duas relevantes conclusões, totalmente aplicáveis ao caso dos autos:

“[…] [as] faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» […], não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.° 6 deste artigo [artigo 226.° da Diretiva 2006/112/CE] e que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido n.° 6 nem as exigências previstas no n.° 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

O artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.

Ou seja:

a) as faturas em causa nos presentes autos não cumprem as exigências legais da legislação do IVA, em face dos seus sucintos e lacónicos descritivos – nem do IRC, como se sustenta naquela leitura uniformizada;

b) mas a consequência não é a imediata não aceitação da dedução do IVA nelas contido – nem a não aceitação da dedução em sede de IRC, como sustentado numa leitura uniformizada;

c) tem de se aceitar a dedução do IVA – consequência do direito à dedução, base da neutralidade do imposto – se, perante as provas dos autos, se consegue verificar o cumprimento dos requisitos substantivos desse exercício.

O Tribunal deve também aceitar a dedução no IRC – consequência do direito à tributação do rendimento real – se, perante as provas dos autos, consegue verificar o cumprimento dos requisitos substantivos desse exercício de dedução dos gastos ao rendimento, como manifestação e concretização do rendimento real.”

Ainda quanto à insuficiência descritiva da facturação, ou de documentação sucedânea – ou seja, a violação de alguns requisitos formais sem detrimento para a observância de requisitos materiais –, vale a pena transcrever a seguinte passagem de outra decisão arbitral, esta no Processo n.º 96/2018-T:

A primeira questão que se suscita prende-se com a suficiência do discriminativo constante das faturas emitidas à Requerente, cuja dedução foi rejeitada pela AT, mais concretamente com saber se aquele observa as condições mínimas de detalhe estabelecidas pelo artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA, acima transcrito, segundo o qual as faturas devem obrigatoriamente mencionar “a extensão e natureza dos serviços prestados”.

Sobre esta questão, o TJ, num caso relativamente recente, considerou insuficiente um descritivo que continha apenas a indicação de “serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente”, por ser demasiado genérico para identificar a concreta natureza dos serviços em causa e a sua extensão, sem prejuízo de não entender obrigatória a descrição dos serviços prestados de forma exaustiva. Para o TJ “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA” e é à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas respeitam as exigências do artigo 226.º, n.º 6, da Diretiva IVA – cf. Acórdão do TJ, de 15 de setembro de 2016, Barlis, C-516/14, n.ºs 26, 27 e 28. De notar que estas exigências podem ser supridas através de documentos conexos com as faturas, que a estas possam ser equiparados, nos termos do artigo 219.º da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca (Acórdão Barlis, n.º 34).

No entanto, o TJ não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação do artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA.

Para o Tribunal Europeu, “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).” – cf. Acórdão Barlis, n.º 42.

Assim, o TJ conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. Acórdão Barlis, n.º 43 e dispositivo.

Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos Acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépito kft, C-392/09; de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10; de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evita-K EOOD, C-78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13. Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este “garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos” – cf. Acórdão Uszodaépito kft, n.º 38).

Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura – cf. n.º 48 do Acórdão Kopalnia.

Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral n.º 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, convocar o Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, “que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidades no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução”.

O referido entendimento tem sido reforçado em jurisprudência posterior, designadamente no Acórdão de 15 de novembro de 2017, Rochus Geissel, C-374/15, que recorda que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (n.ºs 40 a 46 do Acórdão Rochus Geissel).

De igual forma, o Acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, reitera a anterior posição antiformalista e perfilha o entendimento de que, caso ocorra a retificação de faturas que contenham erros (ou omissões), a mesma produz efeitos (retroativos) à data em que as faturas foram inicialmente elaboradas – Acórdão Senatex, n.ºs 35 a 43 e dispositivo.

Porém, em situações de fraude, por exemplo, quando a violação das “exigências formais tiver por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas”, o TJ confirma a admissibilidade, à luz do direito europeu, da recusa do direito à dedução. Neste caso, é necessário que se demonstre que o sujeito passivo “não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” – cf. Acórdão de 28 de julho de 2016, Giuseppe Astone, C-332/15, n.º 42 e ponto 2 do dispositivo.

A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo Sérgio Vasques, “[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem de liberdade que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado” – cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345 (excerto de p. 341).

Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, também com apoio na jurisprudência comunitária, consideram que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem “razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo” – cf. “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Facturas e Direito à Dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp. 191-211 (o excerto de p. 194).

Também Cidália Lança refere que “de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJ], o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais” – cf. Anotação ao artigo 36.º do Código do IVA: Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coord. e Organização Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p. 340".

Assim, se for demonstrável a existência de serviços prestados, sendo possível relacionar os mesmos com uma documentação minimamente idónea, serão de aceitar as deduções referidas por essa documentação, também para efeitos do disposto no art. 23º, 1 e 4, do CIRC, invalidando correcções que tenham sido introduzidas ao lucro tributável em IRC.

Em contrapartida, não podemos deixar de ponderar o que significou o aditamento, ao CIRC, do art. 23.º-A, especificamente no que respeita ao “standard” exigível de documentação: é que, como entendeu o STA no acórdão de 9 de Setembro de 2015 (Proc. n.º 028/15), as exigências formais de documentação que constam daquele n.º 4 do artigo 23.º foram manifestamente acentuadas pela reforma do IRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que, em princípio, deixou de ser admissível no caso de falta dos requisitos mínimos, a possibilidade de utilização de quaisquer meios de prova da materialidade das operações cujos encargos estivessem indevidamente documentados, que era admitida jurisprudencialmente, à face do regime legal anterior – o que se compreende porque, numa ponderação de princípios, não pode ser liminarmente sacrificado o interesse público que, através de exigências formais de documentação, preserva a susceptibilidade de conhecimento da materialidade das operações subjacente aos documentos, evitando simulações e dissimulações.

E assim, quando não haja sucedâneo probatório, quando a AT não disponha de outros meios para verificar a existência de requisitos materiais da dedutibilidade, deve prevalecer a estrita exigência do preenchimento de requisitos probatórios formais. O que aliás confirma a posição assumida pela TJUE no acórdão de 15 de Setembro de 2016 (Proc. n.º C-516/14), que propugnou um abrandamento das exigências formais estabelecidas pelo art. 226.º, n.ºs 6 e 7 da Directiva 2006/112, do Conselho, à facturação, expressamente ressalvando que tal só será possível “quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos”.

 

III. C.6. O direito à dedução de IVA. Paralelos entre IRC e IVA.

 

O mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo.

Sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, a natureza e amplitude do direito à dedução têm de ser apurados através da análise conjunta do disposto no art. 168.º da Directiva IVA (DIVA) e nos arts. 19.º e seguintes do CIVA.

Tal como previsto na DIVA, o CIVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

O princípio norteador é o de que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA, pelo que não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante. Neste corolário do princípio da neutralidade, o regime instituído pela DIVA permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à actividade tributada (devendo notar-se que o princípio da neutralidade do IVA surge ainda numa outra acepção, a de que o sistema do IVA não deve interferir com as decisões económicas, nem com a formação dos preços, ao longo do circuito económico).

De acordo com o método da dedução do imposto, e em conformidade com o disposto no art. 19.º do CIVA, através de uma operação aritmética de subtracção, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respectivas facturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o art. 1.º, 2, §2 da DIVA, “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.

As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excepcionais, e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.

Como requisitos objectivos do exercício do direito à dedução do IVA temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (nos termos gerais do art. 36.º, n.º 5, e art. 40.º do CIVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do imposto (não se aplicando, portanto, uma exclusão do direito à dedução, nos termos do art. 21.º do CIVA).

Como requisitos subjectivos do exercício do direito à dedução do imposto encontra-se, nomeadamente, a exigência de que os bens e serviços estejam directamente relacionados com o desenvolvimento de uma actividade económica – já que, de acordo com o art. 168.º da DIVA (transposto, em parte, pelo art. 20.º, 1, a), do CIVA), o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como em operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.

O TJUE, no entanto, admite a possibilidade de dedução do IVA mesmo que não se concretizem operações tributáveis, no caso de essas operações, por factos que ultrapassem a vontade da entidade, não se virem a concretizar numa situação de liquidação da sociedade. Mas subsiste a exigência de que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA possa ser dedutível: isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação continuará a só ser dedutível na medida em que tal operação esteja relacionada a jusante com uma operação efectivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.

Adicionalmente, o TJUE tem vindo a considerar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do próprio imposto, não podendo em princípio ser limitado, e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante, sublinhando ainda que toda e qualquer limitação do direito à dedução tem incidência ao nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros – do que resulta que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Directiva, e mesmo essas sujeitas aos princípios da proporcionalidade e da igualdade, o que pressuporá sempre uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica.

É possível uma solução harmonizada e uniforme para as questões de IRC e de IVA, por várias razões, de que destacaríamos três:

  1. por um princípio de unidade e coerência interpretativa de todo o direito fiscal;
  2. porque a falta, ou insuficiência, da factura pode originar tanto a não dedução fiscal das despesas em IRC, como a não dedução do IVA (arts. 19.º, n.º 2, a) e 36.º, n.º 5, do CIVA);
  3. porque as preocupações subjacentes à documentação das operações económicas são homólogas para os dois impostos: o objectivo, em impostos de massas, de dispor da informação, controlo e motivação da diminuição da carga tributária em resultado de fornecimentos de terceiros.

Logo, a dedutibilidade, ou indedutibilidade, em IRC tem consequências paralelas em sede de IVA. Assim:

  • Requisito formal: é imprescindível, para a aceitação da dedução do IVA contido nos gastos, que eles estejam devidamente documentados, nos termos e na sequência do decidido no Acórdão do TJUE n.º C- 516/14, de 15 de Setembro.
  • Requisito material: os gastos identificados têm de ser totalmente empresariais, com absoluta destinação aos interesses societários da Requerente – único caso em que se considerarão preenchidos os requisitos do arts. 19.º e seguintes do CIVA: se um gasto for empresarial, o IVA nele contido será dedutível, segundo as regras legais e o princípio da neutralidade do imposto; e não o será se o requisito material não se verificar.

Convirá lembrar que só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas passadas na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, nos termos do art. 19.º, n.º 2 do CIVA – sendo que, para efeitos do exercício do direito à dedução, se consideram passadas na forma legal as facturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º do CIVA, consoante os casos; e o art. 19.º, n.º 5 do CIVA dispõe que no caso de facturas emitidas pelos próprios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedução fica condicionado à verificação das condições previstas no n.º 11 do art. 36.º; além de que, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto recaia sobre o adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que seja liquidado por força dessa obrigação, como estabelece o artigo 19.º, n.º 8 do CIVA.

Convirá também lembrar que, nos termos do art. 20.º, n.º 1, a) do CIVA, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações como as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; e que o art. 21.º do CIVA prevê os casos de exclusão do direito à dedução do imposto.

 

III. C.7. Questões a decidir

 

Com o objectivo de simplificar as soluções a apresentar no caso sub iudice, adoptaremos a numeração sugerida pela Requerida na sua resposta, referenciando 22 questões, ainda que duas delas (a 15 e a 22) já estejam resolvidas:

Questão

Imposto

Arts. do PPA

1. Depreciações contabilizadas e não aceites como gastos fiscais

IRC – 2019

15 a 151

2. Gastos afectos à habitação – electricidade

IRC – 2019

152 a 156

3. Gastos não dedutíveis – aquisição de mobiliário, roupa de cama

IRC – 2019

157 a 183

4. Gastos não dedutíveis – alojamento e refeições

IRC – 2019

184 a 218

5. Gastos não devidamente documentados – J...

IRC – 2019

219 a 250

6. Transportes L... Lda.

IRC – 2019

251 a 270

7. Despesas não documentadas

IRC – 2019

271 a 283

8. J...

IVA – 2019

286 a 319

9. IVA deduzido não relacionado com a actividade – mobiliário, roupa de cama

IVA – 2019

320 a 331

10. IVA deduzido não relacionado com a actividade – electricidade

IVA – 2019

332 a 338

11. IVA deduzido indevidamente – transportes que não geraram operações tributáveis

IVA – 2019

339 a 356

12. Depreciações contabilizadas não aceites como gasto fiscal – Imóveis

IRC – 2020

357 a 424

13. Gastos afectos à habitação – electricidade

IRC – 2020

425

14. Gastos não dedutíveis – aquisição de mobiliário, roupa de cama

IRC – 2020

426

15. Gastos não dedutíveis – IMI e AIMI

IRC – 2020

427 a 440

16. Gastos não devidamente documentados – J...

IRC – 2020

441 a 469

17. Recibos de seguros emitidos em nome de terceiros e/ou afectos à habitação

IRC – 2020

470 a 485

18. Gastos não devidamente documentados – B...

IRC – 2020

486 a 502

19. J...

IVA – 2020

503 a 543

20. IVA deduzido não relacionado com a actividade – mobiliário, roupa de cama

IVA – 2020

544 a 567

21. IVA deduzido não relacionado com a actividade – electricidade

IVA – 2020

568 a 574

22. B...

IVA – 2020

575 a 590

 

As questões 15 e 22, como referimos, já se encontram resolvidas, a favor da Requerente:

  • A 15, porque foi revogado parcialmente o despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., pelos valores de € 2.258,21 (referentes na totalidade a “Gastos não dedutíveis – IMI e AIMI”);
  • A 22, porque foi integralmente revogada a correspondente correcção.

Ocorreram também revogações parciais nas questões 11 e 17, mas nelas subsistem liquidações:

  • Na 11, foi anulada parcialmente a liquidação adicional n.º 2022-..., referente ao 3.º trimestre de 2019, pelo montante parcial de € 69,00, passando a liquidação de um valor a pagar de € 2.889,67 para € 2.820,67;
  • Na 17, foi revogado parcialmente o despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., pelo valor de € 137,66 (referentes parcialmente a “Recibos de seguros emitidos em nome de terceiros e/ou afetos à habitação”), subsistindo a desconsideração fiscal de um gasto no valor de € 209,81.

Também com o objectivo de simplificar, podemos agrupar algumas das questões, seja porque se reportam às mesmas realidades e receberam o mesmo fundamento dos SIT para as correcções propostas, seja porque se trata da mesma tributação referida a 2 exercícios sucessivos. Assim agrupamos:

 

  1. Questões 1, 2, 3, 9, 10, 12, 13, 14, 20 e 21
  2. Questões 4 e 7
  3. Questões 5, 8, 16 e 19
  4. Questões 6 e 11
  5. Questão 17
  6. Questão 18

 

A. QUESTÕES 1, 2, 3, 9, 10, 12, 13, 14, 20 e 21

 

Está em causa saber se 3 imóveis da propriedade da Requerente estiveram, ou não, afectos à actividade operacional da Requerente, em termos de serem utilizados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC e IVA.

A Requerida entendeu que não, seja porque o imóvel B esteve ao serviço de fins administrativos e comerciais da empresa, seja porque todos os imóveis já estavam, em 2019 e 2020, destinados para o Alojamento Local, verificando-se naqueles anos os primeiros actos preparatórios daquela actividade (somente retardados pela pandemia e por um infortúnio familiar).

A Requerida sustenta que o imóvel B era o domicílio da administradora e sua família, e não tinha condições para servir os fins administrativos e comerciais da empresa, sendo que os gastos documentados correspondem a gastos domésticos, não empresariais. E que, quanto à actividade de Alojamento Local em todos os prédios, ela se iniciou em 2022, até em termos de pedidos administrativos (salvo para o prédio A que, entretanto, foi vendido), não havendo o menor indício dessa actividade de Alojamento Local no período de 2019 e 2020. Lembrando que os elementos do activo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização.

O que excluiria a dedutibilidade, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1 e 29.º, n.º 1 e n.º 4, conjugados com o artigo 17.º, n.º 1 e n.º 3, a), todos do CIRC.

 

B. QUESTÕES 4 e 7

 

Estão em causa despesas avulsas, desconsideradas porque algumas envolvem pessoas alheias à empresa, outras porque não especificam qualquer objectivo empresarial, outras porque não estão documentadas, outras porque são meros levantamentos de numerário, outras ainda por insuficiências descritivas da facturação.

A Requerente alega que todas foram incorridas no interesse da empresa, não cabendo à AT sindicar para lá disso, e apresentou razões que não ficaram claras na documentação; quanto às despesas não-documentadas, apenas procura esclarecer uma delas, apresentando a Q... como beneficiária dessa despesa.

A Requerida lembra que a Requerente é obrigada, nos termos do artigo 123.º do CIRC, a dispor de contabilidade organizada, e que daí decorre um standard probatório que não se verifica – destacando a insuficiência descritiva correspondente ao registo contabilístico 20437, do qual não constariam elementos essenciais para que se pudesse aferir a sua dedutibilidade fiscal. As despesas não documentadas reconduzir-se-iam a saídas de meios financeiros do património da Requerente sem um documento de suporte que permitisse determinar a natureza das despesas, ou o seu beneficiário – rejeitando a Requerida a argumentação que dá a Q... como o beneficiário a que se refere um dos documentos (porque isso subentenderia a iniciativa da Requerente de fazer uma liberalidade a favor da transportadora aérea).

O que excluiria a dedutibilidade, nos termos do art. 23.º, n1, .os 3, 4 e 6, conjugado com o art. 23.º-A, n.º 1, b) e c), e com o art. 17.º, n.º 1 e n.º 3, a), todos do CIRC; e manteria a sujeição das despesas não-documentadas à tributação autónoma, nos termos do art. 88.º, n.º 1 do CIRC.

 

C. QUESTÕES 5, 8, 16 e 19

 

Está em causa a facturação emitida por J..., que a AT rejeitou com base em insuficiências descritivas que seriam patentes nessa facturação, que impossibilitariam a verificação do cumprimento dos requisitos substantivos de que depende a relevância fiscal dos gastos.

A Requerente entende que a facturação deixa transparecer que a prestação de serviços ocorreu, foi prestada por K..., marido da emitente das facturas, enquanto esta intervinha nas compras e em todo o trabalho administrativo – estando toda a prestação de serviços documentada e controlada, e datada, para efeitos do art. 36.º, n.º 5, f) do CIVA e do art. 18.º, n.º 1 e n.º 3, b) do CIRC – além de ter ocorrido um pagamento da Requerente a um terceiro que decorreu de um pedido expresso de J... e de K... . Além disso, a Requerente invoca o princípio da neutralidade do IVA para lembrar que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, os requisitos formais devem sempre poder ser substituídos pela comprovação adequada do preenchimento dos requisitos materiais do direito à dedução do IVA; e que existe, disponibilizada, documentação que permite o apuramento integral da realidade económica das operações facturadas.

A Requerida mantém que a documentação não preenche os requisitos dos arts. 23.º, n.os 3, 4 e 6, e 23.º-A, n.º 1, b) e c) do CIRC; e que a documentação suplementar não colmata as deficiências informativas, seja sobre a figura de K..., o alegado prestador material dos serviços, seja sobre os pagamentos ocorridos, lembrando que a Requerente tem necessariamente de dispor de uma conta dedicada às movimentações dos pagamentos da empresa, nos termos do art. 63.º-C da LGT

E desse incumprimento formal, faz a Requerida decorrer a não-dedução do IVA, nos termos do art. 19.º, n.º 2, a) e n.º 6 do CIVA.

 

D. QUESTÕES 6 e 11

 

Estão em causa os transportes originados por dois negócios, um a aquisição de um tractor, pela Requerente, a M..., um vendedor português; e outro a aquisição, por M..., de um tractor a um vendedor britânico, intervindo a Requerente como mero intermediário – tendo a Requerida sustentado que o transporte do tractor, da Grã-Bretanha para Portugal, não é um custo atendível, visto que a Requerente não foi parte na compra e venda. Sendo que a Requerente sustenta o oposto, com a alegação de que o negócio luso-britânico foi condição essencial para que se realizasse o negócio em que ela foi parte, e, portanto, as correspondentes despesas de transporte são gastos directamente relacionados com uma operação que gera rendimentos tributáveis em IRC (para efeitos do art. 17.º, n.º 1 do CIRC e do art. 20.º, n.º1 do CIVA).

Por seu lado, a Requerida sustenta que não há razão economicamente válida para a Requerente suportar os custos do transporte do tractor da Grã-Bretanha para Portugal sem os ter repercutido, dado que ela não foi parte no negócio (e não existe qualquer prova de que a Requerente tenha assumido essa despesa perante as partes no negócio, pelo que resta o indício de uma liberalidade realizada no interesse de terceiros).

O que excluiria a dedutibilidade, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

 

E. QUESTÃO 17

 

Estão em causa dois seguros, um desconsiderado por ter sido emitido em nome de terceiros e não em nome do sujeito passivo, ou outro inicialmente desconsiderado por respeitar a um prédio que não foi utilizado para obter ou garantir rendimentos sujeitos a imposto.

A Requerente reagiu, alegando que o que foi colocado em questão prendia-se com o formalismo do documento de suporte, e não com a substância do mesmo; e alegando que os seguros devem ser ipso facto considerados activos de uma empresa, independentemente da sua utilização, por aplicação a contrario do art. 23.º-A, n.º 1, g) do CIRC.

Aceitando a dedutibilidade dos gastos relacionados com o seguro de habitação referente ao imóvel C, a Requerida manteve a desconsideração fiscal do gasto relacionado com o seguro de habitação referente ao imóvel B, mantendo o argumento que tal gasto não foi incorrido para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, dado não aceitar que esse prédio estivesse afecto, no período de referência, à actividade de comercialização de tractores usados.

O que excluiria a dedutibilidade, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

 

F. QUESTÃO 18

 

Está em causa a facturação emitida por P... Lda., que a AT rejeitou com base em insuficiências descritivas que seriam patentes nessa facturação, que impossibilitariam a verificação do cumprimento dos requisitos substantivos de que depende a relevância fiscal dos gastos, nos termos do art. 23.º, n.os 3, 4, b) e e) e 6 do CIRC. Logo, a combinação do art. 23.º-A, n.º 1, c), 1.ª parte com o art. 23.º, n.º 4, ambos do CIRC, excluiria a dedutibilidade deste gasto.

A Requerida contesta, sustentando que a factura cumpre os requisitos do art. 23.º do CIRC e do art. 36.º do CIVA.

 

III. C.8. Aplicação

 

Atenta a fundamentação que precedeu esta recapitulação / sistematização das questões, entende este Tribunal:

A título prévio: as repetidas alegações, pela Requerente, de que a AT teria violado o princípio do inquisitório, não resistem à análise do regime combinado dos arts. 23.º e 23.º-A do CIRC e 19.º e 36.º do CIVA, que conjugados impõem aos Sujeitos Passivos a demonstração de preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende a respectiva aplicação – correndo o ónus da prova, portanto, do lado dos Sujeitos Passivos, como a Requerente.

Quanto a “A. QUESTÕES 1, 2, 3, 9, 10, 12, 13, 14, 20 e 21”: a prova documental não permite concluir que o prédio B tenha tido a utilização empresarial que a Requerida lhe atribui, por referência ao período relevante; e nem mesmo a prova testemunhal logrou transmitir certezas a esse respeito, convergindo somente na afirmação de que a administradora da Requerente vivia, à época, nesse prédio. Por outro lado, não só não existe nenhuma prova contemporânea de que os prédios se destinavam ao Alojamento Local, como está comprovado que as diligências iniciais nesse sentido datam de 2022. Assim sendo, os gastos invocados, nesta sede, pela Requerente não são dedutíveis, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1 e 29.º, n.os 1 e 4, conjugados com o artigo 17.º, n.os 1 e 3, a), todos do CIRC. Com as concomitantes consequências em sede de IVA.

Quanto a “B. QUESTÕES 4 e 7”: a prova documental das despesas avulsas é muito deficiente, em especial se levarmos em conta que sobre a Requerente impendem deveres contabilísticos. Há uma clara insuficiência descritiva em todas elas, e em particular na de maior valor, n.º 20437. Dir-se-ia que a orientação jurisprudencial do TJUE em matéria de insuficiência descritiva poderia resgatar a situação em favor da Requerente; todavia, sucede que o próprio TJUE faz a ressalva de que o abrandamento das exigências formais de facturação, por parte das autoridades nacionais, só pode ocorrer “quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos”. Ora é manifesto que a documentação complementar é claramente insuficiente e inconclusiva, e nem sequer houve prova testemunhal neste ponto. Quanto à única despesa não-documentada que a Requerente pretendeu fundamentar, é evidente o erro de indicar a transportadora aérea como beneficiária da despesa.

De tudo isto decorre a necessária indedutibilidade de gastos, por força do art. 23.º, n.os 1, 3, 4 e 6, conjugado com o art. 23.º-A, n.º 1, b) e c), e com o art. 17.º, n.º 1 e n.º 3, a), todos do CIRC; mantendo-se a sujeição das despesas não-documentadas à tributação autónoma, nos termos do art. 88.º, n.º 1 do CIRC.

Quanto a “C. QUESTÕES 5, 8, 16 e 19”: a facturação emitida por J... tem deficiências muito patentes, embora mitigadas por documentação que permite reconstituir, com um grau de verosimilhança, o que efectivamente se passou em termos de prestação de serviços – e foi neste ponto que a prova testemunhal foi mais elucidativa, não deixando muitas dúvidas quanto à realidade económica a que se reporta aquela facturação. É verdade que, de toda essa prova, resulta que não foi a emitente das facturas quem prestou os serviços titulados por elas, mas sim K...– de quem falta uma identificação adequada, mormente a identificação fiscal –. É uma situação que reveste aspectos de alguma gravidade, como a Requerida assinala nas suas alegações, mas a reacção jurídica a uma situação dessas deverá situar-se no plano contraordenacional, ou mesmo penal, não na consequência da negação da realidade económica daquilo que se passou, até porque a licitude dos serviços prestados não é ferida por qualquer ilicitude da situação pessoal de quem os prestou, e decerto, com base nas facturas emitidas, a referida actividade já foi objecto de tributação da emitente (no pressuposto de que tenha cumprido os seus próprios deveres declarativos).

Se no ponto anterior dissemos que não havia sucedâneo para a falta de informação prestada, neste caso a AT dispõe de informação suficiente para verificar o preenchimento dos requisitos substantivos do exercício do direito à dedução em IRC e em IVA; e portanto, de acordo com a aludida jurisprudência do TJUE, é possível deduzir estes gastos em sede de IRC, e deduzir o IVA.

Quanto a “D. QUESTÕES 6 e 11”: as despesas de transporte de um tractor da Grâ-Bretanha para Portugal não são um custo atendível, na medida em que nenhum título jurídico legitima que a Requerente tenha tomado para si o suporte de tais despesas, mais ainda por faltar qualquer comprovação de um arranjo contratual através do qual a Requerente tenha assumido essa obrigação perante o adquirente do referido tractor. É certo que a Requerente era contraparte desse adquirente num outro negócio; mas mesmo que fosse verdade que este outro negócio estava dependente do sucesso do contrato luso-britânico, e que portanto a Requerente tinha um interesse nesse sucesso, daí não decorre que as despesas de transporte devessem ser suportadas por ela: pura e simplesmente, não são gastos directamente relacionados com uma operação que gerasse rendimentos tributáveis em IRC, para efeitos de aplicação do art. 17.º, n.º 1 do CIRC e do art. 20.º, n.º 1 do CIVA.

De tudo isto decorre a necessária indedutibilidade de gastos em sede de IRC e a dedução de IVA.

Quanto a “E. QUESTÃO 17”: Pelas mesmas razões que enunciámos relativamente a “A. QUESTÕES 1, 2, 3, 9, 10, 12, 13, 14, 20 e 21”, é de desconsiderar fiscalmente o gasto relacionado com o seguro de habitação referente ao imóvel B, por não haver prova satisfatória de que tal gasto foi incorrido para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, na actividade de comercialização de tractores usados, no período de referência. Excluindo-se, portanto, a dedutibilidade, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

Quanto a “F. QUESTÃO 18”: dada a harmonia das soluções de IRC e de IVA, especificamente no que respeita ao standard de prova, não se compreende que tenha sido revogada a correcção quanto ao IVA (a “questão 22” na enumeração inicial), e o não seja a correcção quanto ao IRC – com base na mesma factura. Por identidade de razões, conclui-se que é possível deduzir este gasto em sede de IRC.

 

III. C.9. O direito aos juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, relativamente ao montante indevidamente pago; juros a serem contados desde a data em que a Requerida indeferiu parcialmente as reclamações graciosas, ou seja, desde 26 de Dezembro de 2023.

O art. 24.º, n.º 5 do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretado e aplicado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária, ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.

Uma vez verificado o erro, e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, o Requerente tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição.

Isso requer a verificação de dois requisitos: que o imposto tenha sido efectivamente pago; que a actuação da AT se traduza num “erro imputável aos serviços”, para efeitos da aplicação art. 43.º da LGT.

A Requerida advertiu que ainda não foi paga a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2020, pelo que, no que respeita ao IRC de 2020, não são devidos juros indemnizatórios.

Por outro lado, a Requerida admitiu que esses mesmos juros indemnizatórios seriam devidos quanto às revogações entretanto ocorridas.

A que acrescem os juros indemnizatórios nos pontos em que a Requerida seja condenada a restituir o imposto indevidamente liquidado – novamente, com a ressalva do imposto não-pago pela Requerente.

Atendendo ao estabelecido no art. 61.º do CPPT, tais juros são calculados à taxa legal, e contados até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.

 

III. C.10. O IVA não deduzido e a matéria tributável em IRC

 

Em execução do julgado, a AT recalculará, para cada período, a liquidação de IRC, sempre que a não-dedução do IVA, em resultado da presente decisão, represente um novo gasto dedutível, nos termos do art. 23.º, n.º 1, f) do CIRC.

 

III. C.11. Matérias de conhecimento prejudicado

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria, por isso, inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT.

 

IV. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade dos actos tributários ora sindicados, por erro nos pressupostos de direito, e declarando a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra tais actos tributários, no que respeita às seguintes matérias (indicando-se os correspondentes artigos do Pedido de Pronúncia Arbitral):
  1. Gastos não devidamente documentados – J... (IRC – 2019, arts. 219 a 250)
  2. J... (IVA – 2019, arts. 286 a 319)
  3. Gastos não devidamente documentados – J... (IRC – 2020, arts. 441 a 469)
  4. Gastos não devidamente documentados – B... (IRC – 2020, arts. 486 a 502)
  5. J...  (IVA – 2020, arts. 503 a 543)
  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica os actos tributários ora sindicados que não tenham sido entretanto revogados, no que respeita a todas as restantes matérias sobre que incidiu esse pedido;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente, no que respeita às matérias em que o seu pedido foi julgado procedente;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do indeferimento das reclamações graciosas, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos, no que respeita às matérias em que o pedido de pronúncia foi julgado procedente e o imposto foi pago, e no que respeita aos actos entretanto revogados;
  4. Condenar as partes no pagamento das custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos.

 

V. Valor do processo

 

A revogação parcial levada a cabo pela AT, nos termos do art. 13.º do RJAT, teve um efeito sobre o valor remanescente do processo, reduzindo-o.

Temos, todavia, de distinguir dois valores:

  1. aquele que, divergindo da indicação no Pedido de Pronúncia Arbitral, veio a revelar-se ser o valor do litígio subsistente;
  2. aquele que, tendo sido indicado naquele Pedido de Pronúncia Arbitral, levou à formação deste tribunal arbitral colectivo.

Ora, o funcionamento deste tribunal envolve custas que devem ser suportadas pelas partes – e daí que o Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária estabeleça regras próprias para cálculo do valor do processo, mais próximas do princípio de que o valor da acção é aquele que existe no momento em que ela é proposta (art. 299.º do CPC).

Por outro lado, se fixássemos à causa um valor inferior ao indicado pela Requerente, exercendo os poderes que nos são conferidos pelo art. 306.º do CPC, isso não determinaria a incompetência do Tribunal, por força do disposto no art. 310.º, n.º 3 do mesmo CPC, aplicável ex vi art. 29º, n.º 1, e), do RJAT.

Assim, não obstante o Tribunal reconhecer que o valor da causa poderá ser inferior àquele inicialmente atribuído a ela pela Requerente, é este último que terá de servir de referência ao cálculo da taxa de arbitragem.

Vale aqui o entendimento fixado na decisão proferida no Proc. 151/2013-T: "O facto de o valor do litígio, para efeitos de determinação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ser o que resulta da aplicação subsidiária do CPPT, não obsta a que seja outro o valor para efeitos de custas, pois trata-se de matéria que tem a ver exclusivamente com as receitas do CAAD, que é uma entidade privada, e, como se disse, a regulamentação do regime de custas foi deixada pelo artigo 12.º do RJAT, na sua exclusiva disponibilidade, ao estabelecer que «é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa»".

Fixa-se, assim, o valor do processo em € 61.466,36 (sessenta e um mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas no montante de € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros) a cargo da Requerente (€ 857,00 = 35%) e da Requerida (€ 1.591,00 = 65%). Cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT.

 

Lisboa, 28 de Março de 2025

 

Os Árbitros

 

 

Fernando Araújo

 

 

Leonor Fernandes Ferreira

 

J. Coutinho Pires

 



[1] Redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC.

[2] Aditado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro.

[3] Aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC.

[4] Redacção da Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho.

[5] Redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.

[6] Aditada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

[7] Redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.

[8] Redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC.

[9] Aditada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

[10] Redacção do Decreto-Lei n.º 85/2022, de 21 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2023.

[11] Redacção do Decreto-Lei nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013.

[12] Redacção do Decreto-Lei nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013.

[13] Aditada pelo Decreto-Lei n.º 71/2013, de 30 de Maio, com entrada em vigor em 1 de Outubro de 2013.

[14] Redacção do Decreto-Lei nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013.

[15] Redacção do Decreto-Lei nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013.

[16] Redacção do Decreto-Lei nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013.

[17] Aditado pelo Decreto-Lei n.º 134/2010, de 27 de Dezembro.

[18] Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

[19] Moura Portugal, António, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, 116.

[20] Moura Portugal, António, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, 302.

[21] Cfr. decisões nos Procs. n.os 510/2020-T, 534/2020-T ou 793/2021-T, por exemplo.

[22] Esse entendimento restritivo da indispensabilidade foi decisivamente criticado por Moura Portugal, António, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, 243 e segs., Castro Tavares, Tomás, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 131 e segs., e Castro Tavares, Tomás, “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco, n.º 101/102, Janeiro de 2002, 40.

[23] Faveiro, Vítor, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, 601.

[24] Courinha, Gustavo Lopes, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 2019, 114-115; Morais, Rui Duarte, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, 87.