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SUMÁRIO
I - As transferências de excedentes de tesouraria da Requerente (mutuante e com residência fiscal em Portugal) em benefício de uma mutuária não residente encontram-se sujeitas ao Imposto do Selo previsto na verba 17.1.4 da TGIS.
II - A Requerente pode, no entanto, beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h) do CIS, desde que preenchidos os respetivos pressupostos para a sua aplicação (conforme, de resto, defendido pela própria AT em sede de decisão de indeferimento).
III - In casu, recai sobre a Requerente o ónus de provar os pressupostos para a aplicação da isenção de Imposto do Selo.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Gonçalo Estanque designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13-11-2024, decide no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal n.º..., com sede no ... (...), ..., ..., ... (“Requerente”), veio, em 02-09-2024, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) com vista a ser decretada a anulação dos seguintes atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo (“IS”):
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..., do qual resultou um valor a pagar de € 4.247,33
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..., do qual resultou um valor a pagar de € 2.428,11
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..., do qual resultou um valor a pagar de € 1.367,01
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..., do qual resultou um valor a pagar de € 6.119,23
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..., do qual resultou um valor a pagar de € 5.841,34
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 04-09-2024 e automaticamente notificado às partes.
Em 23-10-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o qual comunicou a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 13-11-2024.
Em 14-11-2024, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, foi emitido despacho para que a Requerida, no prazo de 30 dias, apresentasse resposta e, querendo, solicitasse a produção de prova adicional.
A Requerida, em 17-12-2024, apresentou a sua resposta - onde conclui pela improcedência do pedido - e juntou aos autos o processo administrativo.
Através de Requerimento apresentado em 10-01-2025, junto aos autos em 03-02-2025, a Requerente veio esclarecer que cometeu um lapso no pedido de pronúncia arbitral apresentado, no que diz respeito à correta identificação de um dos atos tributários impugnados no PPA. Por lapso havia sido indicada a autoliquidação de IS n.º ..., do qual resultou um valor a pagar de € 7.706,33 quando, na verdade, deveria ter sido identificado o ato tributário de autoliquidação de IS n.º ..., do qual resultou um valor a pagar de € 5.841,34 (cinco mil, oitocentos e quarenta e um euros e trinta e quatro cêntimos). Este último, efetivamente, constava do PPA como Documento n.º 5.
Em 03-02-2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente era, no período compreendido entre janeiro e maio de 2022, uma sociedade por quotas residente fiscal em Portugal, cujo capital social era detido pela “B... Gmbh”, uma sociedade com sede e direção efetiva na Alemanha - cfr. Docs. 6 e 7 juntos ao PPA, cujos teores se dão como reproduzidos.
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A Requerente faz parte do grupo empresarial C...- cfr. Docs. 6 e 7 juntos ao PPA, cujos teores se dão como reproduzidos.
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Em 23-02-2000, foi celebrada a “Convention d’Omnium” entre a sociedade D... e as entidades aderentes do Grupo, a qual se destinava a pôr em prática um acordo de cash pooling - cfr. Doc. 6 junto à Reclamação Graciosa, constante do Processo Administrativo (veja-se, em particular, o artigo 1.º da “Convention d’Omnium”), cujo teor se dá como reproduzido.
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A Requerente aderiu, em 23/04/2020 através do “Participation form to the Treasury Centralisation Agreement”, ao sistema de cash pooling da C...- cfr. Doc. 9 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
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Com efeitos partir de 01-02-2022, a Requerente e a B... Gmbh assinaram um “Amendment to the Treasury Centralisation Agreement”, nos termos do qual acordaram que os fluxos decorrentes do cash pooling (débitos e créditos) da Requerente seriam efetuados / beneficiaram a B... Gmbh. Ou seja, os excedentes de tesouraria gerados pela Requerente seriam transferidos para a conta da B... Gmbh - cfr. Art. 20.º do PPA e Doc. 8 junto à Reclamação Graciosa, constante do Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido.
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Das Demonstrações Financeiras do ano de 2022 da Requerente constam a “zeros” as rubricas de financiamentos obtidos, conforme detalhe infra:
cfr. Doc. 13 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
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Em 17-02-2022 a Requerente apresentou a declaração mensal de IS n.º ... relativa ao período 2022-01, da qual resultou um montante a pagar de €4.247,33. - cfr. atos tributários juntos ao formulário de pedido de constituição de tribunal arbitral.
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Em 08-03-2022 a Requerente apresentou a declaração mensal de IS n.º ... relativa ao período 2022-02, da qual resultou um montante a pagar de €2.428,11 - cfr. atos tributários juntos ao formulário de pedido de constituição de tribunal arbitral.
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Em 07-04-2022 a Requerente apresentou a declaração mensal de IS n.º ... relativa ao período 2022-03, da qual resultou um montante a pagar de €1.367,01 - cfr. atos tributários juntos ao formulário de pedido de constituição de tribunal arbitral.
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Em 04-05-2022 a Requerente apresentou a declaração mensal de IS n.º ... relativa ao período 2022-04, da qual resultou um montante a pagar de €6.119,23 - cfr. atos tributários juntos ao formulário de pedido de constituição de tribunal arbitral.
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Em 03-06-2022 a Requerente apresentou a declaração mensal de IS n.º ... relativa ao período 2022-05, da qual resultou um montante a pagar de €5.841,34 - cfr. atos tributários juntos ao formulário de pedido de constituição de tribunal arbitral.
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Os montantes de imposto supra referidos foram integralmente pagos pela Requerente, conforme detalhe infra
cfr. Doc. 6 junto ao PPA, cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
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Em 19-02-2024, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra os referidos atos tributários de autoliquidação de IS - cfr. processo administrativo junto aos autos.
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Através do Ofício n.º..., de 27-03-2024, a AT propôs o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada e notificou a Requerente para exercer Direito de Audição Prévia - cfr. processo administrativo junto aos autos.
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A Requerente exerceu o seu Direito de Audição Prévia em 23-04-2024 - cfr. processo administrativo junto aos autos.
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Através do Ofício n.º..., datado de 10-05-2024, a AT notificou a Requerente da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa - cfr. processo administrativo junto aos autos.
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Em 02-09-2024, o Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficou provado que os empréstimos, incluindo os respetivos juros, tenham sido concedidos por prazo não superior a um ano.
Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados e não provados com base nas posições assumidas e nos documentos juntos pelas partes.
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MATÉRIA DE DIREITO
1. POSIÇÃO DAS PARTES
No essencial, a Requerente entende que o facto tributário em crise - utilização de crédito - ocorreu na Alemanha, porquanto os fundos foram recebidos pela entidade B... GMBH, com sede e direção efetiva na Alemanha, pelo que, como tal, não existe qualquer conexão territorial com Portugal.
A legislação portuguesa tributa apenas operações realizadas em território nacional (art. 4.º do Código do IS), sendo que o critério relevante é o local de receção dos fundos.
A título subsidiário entende, ainda, a Requerente que a exclusão da isenção do IS, prevista nas alíneas g), h) e i), do n.º 1, e no n.º 2 do artigo 7.º, do Código do IS, para operações com mutuários com residência fiscal na UE (e não residentes fiscais em Portugal) viola a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE), por discriminar entidades não residentes. A Requerente invoca, ainda, neste particular, o Acórdão Faurécia do TJUE (Processo C-420/23).
Por seu turno, a Requerida defende que a conexão relevante para aferir a incidência territorial do Imposto do Selo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIS, é o local da concessão do crédito, independentemente da residência do seu utilizador, local esse que determinava à Requerente o dever de liquidar o imposto devido pelas transferências de fundos que realizou à data dos factos tributários sob apreço para a B... Gmbh, sociedade devedora/mutuária com sede em Alemanha, no âmbito da execução do contrato de cash pooling do grupo C... .
Ademais, prossegue a Requerida, percorrida toda a PI e, bem assim, na reclamação graciosa, em sítio nenhum a Requerente demonstra, como legalmente lhe compete, o seu direito às isenções invocadas.
2. Do Direito
A questão em torno da “territorialidade” da verba 17.1.4 da TGIS foi já apreciada pela Jurisprudência. O Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no Acórdão proferido no Proc. n.º 0800/17 (datado de 14-03-2018) foi claro ao concluir que:
“ O facto tributário eleito para tributação é, sempre, a concessão de crédito em que uma parte se obriga a realizar uma prestação de valores monetários a outra que por sua vez se obriga a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro.
A utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito é que torna aparente o contrato de concessão de crédito que o legislador quer tributar. Até que essa utilização se verifique, não há lugar a tributação e esta, quanto à sua taxa, depende muito do valor e periodicidade da utilização”.
Este entendimento foi, igualmente, reiterado no Acórdão n.º 06/11.4BESNT 0436/16 (de 28-11-2018), também do STA, onde se refere que:
“Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.
Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. Portanto, no caso concreto, incumbiria à impugnante a liquidação do imposto de selo, na qualidade de concedente do crédito, que seguidamente o deveria debitar à A’………… não residente”.
Ora, in casu, estamos, igualmente, perante um acordo de cash pooling com transferências de excedentes de tesouraria da Requerente (mutuante e com residência fiscal em Portugal) em benefício de uma mutuária não residente. Assim, seguindo a supra referida jurisprudência do STA temos, também, de concluir pela sujeição das operações de cash pooling em crise ao Imposto do Selo.
O passo seguinte é, pois, determinar se, conforme suscitado pela Requerente, seria de aplicável alguma das isenções, previstas no artigo 7.º, n.º 1, alíneas g), h) e i) Código do Imposto do Selo.
Em primeiro lugar, note-se que, analisado o PPA apresentado pela Requerente, não podemos concluir pela aplicação das alíneas g) e i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. A alínea g) da referida norma respeita a empréstimos “exclusivamente destinados à cobertura de carência de tesouraria”, enquanto a alínea i) regula “empréstimos com características de suprimentos”. Ora, resulta evidente do PPA e da documentação de suporte que estamos perante um “Treasury Centralisation Agreement” (cfr. entre outros, Doc. 9 junto ao PPA) e operações de cash pooling (art. 16.º do PPA). Tais operações são, isso sim, qualificadas como operações de centralização de tesouraria e, como tal, subsumíveis à alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
À data dos factos alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS tinha seguinte redação:
“Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.
O n.º 2 do artigo 7.º do CIS, também com relevo para o presente processo, à data dos factos, estipulava que:
“O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”
No entanto, antes desta análise importa referir que, conforme refere a Requerente, em virtude do acórdão proferido pelo TJUE no âmbito do caso Faurecia (Proc. C‑420/23, de 20-06-2024),“o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado‑Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro”.
Refira-se, no entanto, que a isenção de Imposto de Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alíneas g), h) e i) Código do Imposto do Selo não é, em si mesma, discriminatória. A discriminição a que se refere o Acórdão Faurecia do TJUE resulta, isso sim, do n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo. Note-se, de resto, que a questão prejudicial submetida pelo STA no processo Faurecia versa apenas sobre o n.º 2 do artigo 7.º do CIS[1]. Ou seja, a aplicação da isenção era excluída nas situações em que um mutuário era não residente (algo que, in casu, sucede) e tal exclusão era, conforme decidido pelo TJUE, discriminatória.
Ou seja, contrariamente ao referido pela Requerente (Art. 22.º do PPA), esta discriminação normativa constante do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, por si só, não determina a anulação das liquidações de IS em crise, dado que, em primeiro lugar, deve ser verificado o preenchimento dos requisitos constantes do artigo 7.º, n.º 1, alíneas g), h) e i) Código do Imposto do Selo. A questão da discriminação resultante do n.º 2 do artigo 7.º do CIS apenas se coloca após a prévia verificação dos requisitos previstos no artigo 7.º, n.º 1, alíneas g), h) e i) Código do Imposto do Selo.
Note-se, de resto, que a própria AT, em sede de decisão de indeferimento, não está a recusar a aplicação da(s) referida(s) isenção(ões) de IS. De facto, compulsada aquela decisão de indeferimento verificamos, inclusive, que a AT concorda com a aplicação da mesma à Requerente desde que cumpridos os respectivos requisitos de aplicação. A decisão de indeferimento da AT é bastante clara:
“Concluímos, pois, que as transferências diárias de excedentes (...) poderão aproveitar da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artº 7º do CIS, após comprovação de estarem cumpridos os pressupostos objetivos e subjetivos que a lei prevê (...) propõe-se o indeferimento do pedido mantendo-se por isso válidas na ordem jurídica as liquidações de IS elencadas no quadro II., por referência aos períodos de janeiro a maio de 2022, no montante de €20.003,02, uma vez que a Reclamante não logrou provar o preenchimento dos pressupostos da respectiva isenção, previstos nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS” (cfr. pág. 16 e 23 da decisão de indeferimento).
Assim importa, pois, verificar se, in casu, estão cumpridos os requisitos para a aplicação da isenção de Imposto do Selo. Naturalmente, tendo em conta o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, é à Requerente que assiste o ónus da prova dos pressupostos da isenção.
Ora, nos termos da alínea h) do n.º 1, ambos, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, os requisitos para a isenção de imposto do selo são os seguintes:
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prazo da operação financeira ser inferior a 1 ano; e
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relação de domínio ou de grupo entre as sociedades envolvidas
Note-se que, independentemente da questão em torno da aplicabilidade do n.º 2 do artigo 7.º do CIS, a verdade é que a Requerente prova de modo cabal a inexistência de qualquer financiamento externo (cfr. Alínea F) do probatório). De facto, resulta evidente da análise das demonstrações financeiras de 2022 da Requerente que não foram obtidos quaisquer financiamentos neste ano.
No entanto, é necessário averiguar o preenchimento dos requisitos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
Compulsados os autos, em particular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, verifica-se que a questão em torno da relação de domínio ou de grupo foi solucionada em sede de audição prévia através da junção do organograma do grupo (e, de resto, reiterada no PPA - vide alínea A) do probatório).
No entanto, a Requerente não logrou provar que as operações financeiras em crise não excederam o prazo de um ano. Note-se que não foram juntos quaisquer elementos que demonstrem o cumprimento deste pressuposto. A “Convention d’Omnium” celebrada entre a sociedade D... e as entidades do Grupo, a qual se destinava a pôr em prática um acordo de cash pooling (cfr. Doc. 6 junto à Reclamação Graciosa, constante do Processo Administrativo), não estabelece qualquer prazo. Sendo que, o facto de tal contrato ter a duração de um ano, apesar de renovável (cláusula 8), não permite extrapolar pela vigência do prazo de um ano para as específicas operações de cash pooling. Tanto assim é que, a referida “Convention d’Omnium” foi celebrada no ano de 2000 e no presente processo discutem-se operações realizadas no ano de 2022.
Não existem, também, regras quanto a quaisquer reembolsos / pagamentos findo um determinado prazo. A única excepção quanto a isto encontra-se prevista no artigo 8.º da Convention d’Omnium” e apenas se refere a situações bastante específicas, i.e. quando uma entidade deixa de pertencer ao grupo C..., algo que, de acordo com o alegado, não sucedeu no período em questão.
Face exposto, não ficou provado o integral preenchimento dos requisitos para a aplicação da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea h) do n.º 1, ambos, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, em especial, a natureza de curto prazo das operações em crise.
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DECISÃO
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida de todos os pedidos.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €20.003,02, conforme corrigido pela Requerente na sequência da Resposta da AT.
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em €1.224,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2025
O Árbitro,
Gonçalo Estanque
[1] Vide, parágrafo 16 do Acórdão Faurecia (Proc. C‑420/23, de 20-06-2024).