Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 886/2024-T
Data da decisão: 2025-03-07  IRS  
Valor do pedido: € 850.593,00
Tema: IRS 2019 – Cláusula Geral Anti-Abuso (“CGAA”).
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SUMÁRIO:

  1. Não ocorrendo a verificação cumulativa dos elementos – meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório – constantes do  n.º 2 do artigo 38.º da LGT,  não é possível (pelo menos de modo cabal) concluir, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que o motivo da transformação da forma societária foi o único, ou o principal motivo, para evitar a tributação em sede de mais-valias.
  2. Não se encontrando preenchidas, in casu, as condições cumulativas necessárias para o preenchimento da tipicidade da Cláusula Geral Anti-Abuso (“CGAA”), procede parcialmente o peticionado pelos  Requerentes.
  3. Não pode proceder, neste âmbito, o pedido dos Requerentes atinente ao pagamento de juros de mora.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete  (Presidente), Dr.ª Alexandra Iglésias (Adjunta e Relatora) e Dr. Nuno Filipe Raposo Jacinto  (Adjunto) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte: 

 

  1. RELATÓRIO

 

A... e B... (doravante “Requerentes”), titulares dos números de identificação fiscal ... e ..., respetivamente, residentes na Av. ... n.º..., ..., ...-... Porto, vêm apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (adiante “PPA”), ao abrigo do

disposto na alínea a)  do n.º 1 do artigo 10.°do RJAT e no artigo 99.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT").

O presente pedido tem por objeto imediato a declaração de ilegalidade e subsequente anulação do ato tácito de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

E como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários consubstanciados na liquidação de IRS n.º 2023..., na demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., e na demonstração de liquidação de juros compensatórios – taxa majorada n.º 2023...– devidamente refletidos na demonstração de acerto de contas compensação n.º 2023..., relativas ao ano de 2019.

É ainda peticionada a condenação da AT, ora Requerida, na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios e de mora, sendo igualmente declarado ilegal e reembolsado o montante de juros liquidado ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 38.º da LGT.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), em 25-07-2024. 

O Requerente optou por não designar Árbitros.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foram os árbitros designados pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-09-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo, foi constituído em 27-09-2024.

Na mesma data, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que apresentou, em 04-11-2024, tendo juntado o Processo Administrativo (doravante PA), em 05-11-2024.

Verificando-se um equívoco da contribuinte ao requerer o depoimento de parte[1], quando era uma declaração de parte aquilo que lhe era legalmente admissível requerer, ao abrigo do artigo 466.º do Código do Processo Civil, tal depoimento não foi admitido pelo Tribunal, sendo por despacho arbitral, de 08-01-2025, decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se revelar inútil para a boa decisão da causa.

Em 20-01-2025, a Requerente veio invocar lapso no pedido de depoimento de parte, requerendo que fosse admitida a prestação de declarações de parte.

Tratando-se de um pedido de reponderação de decisão processual já produzida, com efeitos de caso julgado formal, entendeu o Tribunal Arbitral não voltar a pronunciar-se sobre esta matéria. 

 

II. Síntese da posição das Partes:

  1. Da Requerente

De acordo com os argumentos apresentados no PPA, e segundo a Requerente “A sociedade C..., de cariz familiar, foi constituída, em 1971, respetivamente pela Avó, Mãe, e Tia da Requerente e, desde 30-10-1987, passou a ter o respetivo capital social integralmente detido por D... e E..., Pais da Requerente  A... .

A Requerente A... dedica-se ao exercício de funções enquanto médica, na especialidade de Medicina Geral e Familiar, estando desde o início da carreira integrada no Serviço Nacional de Saúde, em regime de exclusividade.

Pelo que nunca colaborou com a C...  nem participou em nenhuma tomada de decisão dos Pais relativamente à sociedade.

Foi neste contexto que em 18-10-2019, a Requerente recebeu dos Pais uma doação de 9.690.694 ações, representativas de 16,1901% do capital social da  C... .

Tendo sido apenas nesse momento que a Requerente teve o primeiro contacto relevante com a C... o que, aliás, foi demonstrado pelos Pais, que fizeram questão de doar à Requerente uma participação inferior à dos irmãos, fruto do seu total afastamento das empresas.

Compreendendo a posição dos Pais, a Requerente A... não colocou qualquer objeção à doação, ato “típico” entre ascendentes e descendentes, e que encarou como natural, tendo particularmente em consideração a idade avançada dos Pais (de tal forma que, lamentavelmente, o Pai viria, entretanto, a falecer e a Mãe se encontra num estado de incapacidade total).

Posteriormente, tomou conhecimento da operação de potencial transmissão da sociedade que estaria em curso, não tendo considerado existirem razões para de alguma forma rejeitar ou tentar condicionar o cumprimento do contrato de promessa de compra e venda da sociedade que os Pais haviam celebrado.

Tratava-se, na verdade, de aceitar uma doação dos Pais composta por ações de uma empresa que há décadas era propriedade da Família e de, posteriormente, não colocar objeções a que a operação de potencial transmissão que se encontrava em curso fosse executada, nos termos que teriam sido negociados pelos Pais.

A este propósito, importa referir que, numa perspetiva operacional, o processo estaria a ser liderado por F... , irmã da Requerente, principal protagonista da boa gestão e dos bons resultados da empresa, e responsável pela representação dos Pais junto dos potenciais compradores.

A Requerente  não tinha obviamente conhecimentos que lhe permitissem avaliar em detalhe a sociedade, nunca interagiu com potenciais compradores, nunca participou em qualquer reunião de trabalho sobre a operação, e nem sequer assinou qualquer tipo de contrato com os potenciais compradores, sendo sempre representada pela irmã F..., devidamente mandatada para o efeito.

Em suma, para o que aqui releva, a Requerente praticou apenas os seguintes atos:

a.       Em 18.10.2019, aceitou receber dos Pais uma doação de 9.690.694 ações, representativas de 16,1901% do capital social  da  C... tendo esse momento tido o primeiro contacto relevante com a sociedade e desconhecendo totalmente que a mesma havia sido objeto de uma operação de transformação em sociedade anónima;

b.       Após esse momento, tomou conhecimento de que estaria em curso uma operação de potencial transmissão da totalidade do capital social da  C..., não tendo tido na mesma qualquer intervenção;

c.        Não se opôs a que, em 24-10-2019, a sua irmã F..., em sua representação e dos restantes acionistas, assinasse o contrato de compra e venda da totalidade do capital social da C... à sociedade G..., UNIPESSOAL, LDA.

A sociedade C...foi, em 30.09.2019, transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima.

A referida transformação foi deliberada pelos Pais da Requerente (detentores de 100% do capital social da C...).

Sendo certo que, após a transformação em sociedade anónima, os Pais da Requerente “ficaram a deter 99,9995% do capital, ou seja, a quase totalidade do capital, tal como acontecia antes da transformação (Cf. Folha 9 do Relatório de Inspeção, já junto como Documento n.º 3).

A Requerente, como se disse, fruto do já referido afastamento da empresa, nem sequer tinha conhecimento de que a sociedade tinha sido objeto da referida transformação em momento anterior à doação.

No entanto, e ainda que tivesse tido prévio conhecimento, tratando-se de um ato previsto na legislação e frequente nas empresas, não teria tido qualquer motivo para recusar a doação dos Pais, em quem, obviamente depositava total confiança.

Na verdade, ao contrário do que a AT menciona, a referência a que a evolução para uma estrutura jurídica de sociedade anónima melhor se ajusta à dimensão, posicionamento, e perspetiva de crescimento da sociedade, é perfeitamente comum nestas operações (…), e só pode ser entendida como “vaga” e “genérica” se nos abstrairmos totalmente da realidade da empresa e do percurso que, entretanto, continuou a trilhar.

De facto, há que distinguir a obtenção de resultados positivos e o percurso satisfatório enquanto sociedade familiar, de uma decisão legítima e livre dos sócios, da afirmação da sociedade num outro patamar e em outros mercados, bem como da preparação da estrutura para uma gestão mais profissional.

Por outro lado, importa ter presente que, ao contrário do que pretende insinuar a AT, o facto de o contrato promessa de compra e venda subscrito pelos Pais da Requerente referir a existência de uma possibilidade de transformação em sociedade anónima antes da execução definitiva da venda, e não uma obrigação de tal ocorrer, em nada releva para o que aqui está em causa.

Por outro lado, tendo a aquisição da sociedade sido realizada por uma sociedade gestora de fundos de private equity, sujeita a regulação e a deveres de reporte junto dos investidores dos respetivos fundos, e tendo sido iniciada (com o respetivo CPCV assinado) sendo a C... uma sociedade por quotas, foi necessário acautelar no contrato promessa a possibilidade de tal transformação ocorrer. Tendo a operação de transformação em sociedade anónima sido essencial para viabilizar a operação.

 
   

O caráter essencial do penhor financeiro sobre as ações (e, como tal, da transformação da sociedade em momento anterior à transmissão) pode ser comprovado pela declaração entretanto emitida pela entidade compradora, aqui junta como Documento n.º 6.

É evidente, em face do que efetivamente ocorreu, que, para além da total legitimidade que os Pais da Requerente tinham para livremente deliberar a transformação da sociedade em sociedade anónima, fizeram-no naquele preciso momento a pedido da entidade adquirente, com o objetivo de viabilizar a operação de financiamento da aquisição da sociedade.

Consequentemente, verifica-se que o penhor financeiro não pode incidir sobre quotas, na medida em que estas não são valores mobiliários, ao contrário do que sucede com as ações, definidas como tal na alínea a) do artigo 1.° do Código dos Valores Mobiliários.

Desta forma, no caso concreto da C..., não seria possível à entidade adquirente –G... UNIPESSOAL LDA. assegurar a prestação de garantia no momento da doação, e já ter sido celebrado um contrato de promessa para transmissão da totalidade do capital social da C... à sociedade G..., com um caráter “vinculativo”, demonstra que os Pais da Requerente pretenderam assegurar que a venda da sociedade ocorreria”.

Afirma ainda a Requerente que "(...) se estamos perante uma sequência de atos preparatórios para uma operação fiscalmente abusiva, então deveria ter sido reconstituída a situação fiscal que decorreria de uma venda da sociedade pelos Pais da Requerente A..., seguida de uma doação da respetiva liquidez aos filhos". (…)

E "Se a AT, numa postura de coerência com as premissas da sua exposição, tivesse concluído este raciocínio, teria verificado (será que não o fez?) que uma alienação das participações da sociedade C... (quotas ou ações pelos Pais da Requerente A... não teria dado lugar a qualquer tributação em sede de IRS."

Se o objetivo fosse doar liquidez resultante da venda, teriam concretizado a venda e, sem terem de pagar IRS (por terem adquirido as participações em data anterior a 1 de janeiro de 1989), fariam doação isenta de Imposto do Selo aos filhos.

Doação esta que, ao contrário da doação de participações sociais, nem sequer teria de ser declarada junto da AT através da entrega da Modelo 1 de Imposto do Selo, por força da dispensa prevista no n.º 11 do artigo 26.° e n.º 1 do artigo 28.°, ambos do Código do Imposto do Selo.

Como tal, verifica-se que a AT está a considerar abusiva uma operação de transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima prévia a uma doação quando: 

i. Existe um motivo económico inquestionavelmente válido para a transformação: sem penhor financeiro não haveria financiamento bancário; sem financiamento bancário não haveria operação de transmissão;

ii. A operação “de base”, transmissão de participações pelos Pais da Requerente A..., estaria sempre excluída de IRS, na medida em que as mais-valias que seriam declaradas no Anexo G1 da Declaração Modelo 3 de IRS não seriam sujeitas a imposto;

iii. Por outro lado, como poderia a Requerente A... ter atuado em alternativa?

a. Rejeitava a doação que lhe havia sido feita pelos Pais?

b."Auto qualificava" a operação de transformação (que não decidiu nem tinha poderes para decidir, e da qual não foi parte) e calculava o custo da aquisição “simulando” ter recebido quotas, quando na realidade recebeu ações?

c. Admitiria como valor de aquisição um valor distinto do valor que resulta da liquidação de Imposto do Selo validada pela AT?

d. Este facto – este, sim – justificaria a aplicação de uma norma anti abuso!

e. Efetivamente, a AT desconsidera os atos praticados pelos Pais da Requerente para ficcionar outros que, sem qualquer justificação em matéria de elemento resultado, poderiam ser suscetíveis de gerar uma receita fiscal que nunca seria apurada na ausência dessa ficção.

iv. Qual a razão para a AT colocar em causa apenas a transformação e não a doação?

v. A resposta parece-nos óbvia:

a. Se a AT desconsiderasse ambas as operações (transformação e doação) ficcionar-se-ia que a transmissão tinha ocorrido diretamente na esfera dos Pais da Requerente.

b. Neste cenário, não haveria lugar a qualquer tributação, apesar do que refere a AT em resposta ao direito de audição que, com o devido respeito, não se pode sobrepor a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e profusamente repetida na jurisprudência do CAAD.

c. Ao colocar em causa apenas o ato de transformação, a AT consegue sujeitar a tributação uma realidade que nunca seria, na sua base, tributável.

vi. Como tal, a questão que se impõe é a seguinte: Estando a exclusão de tributação de mais-   -valias por aquisição anterior a 1 de janeiro de 1989 em situações semelhantes perfeitamente clarificada por Acórdão do STA de março de 2018 (mais de um ano antes da transmissão das ações à G... UNIPESSOAL LDA), por que motivo fariam os Pais da Requerente A... uma operação “abusiva” para evitar uma mais-valia que nunca poderia ser tributada?

vii. Qual a vantagem fiscal? O legislador passou a permitir “aplicações parciais” da cláusula geral anti abuso, em que a AT “seleciona” as operações que pretende desconsiderar, em função do resultado obtido?

viii. Se a construção, neste caso, foi abusiva, porque não colocar em causa a doação? Apenas porque da mesma não resultaria qualquer receita fiscal?

Na situação aqui em apreço, discute-se a aplicação indevida da cláusula geral anti abuso e, consequentemente, a violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, em virtude de não ocorrer a verificação cumulativa dos elementos – meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório —  constantes do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

Conforme refere a decisão arbitral 297/2017-T do Centro de Arbitragem Administrativa: “Esta norma é constituída por duas partes distintas, sendo a primeira,  relativa aos requisitos de aplicação da CGAA e a segunda, relativa às consequências de aplicação da referida cláusula. No que à primeira parte da norma respeita, podem distinguir-se nela quatro condições, a saber:

a)   Que tenha havido celebração de atos ou negócios jurídicos;

b)    Que em consequência dos mesmos tenha resultado um ganho fiscal (redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos au negócios jurídicos de idêntico fim económico ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios);

c)   Que a celebração dos mesmos tenha ocorrido com o intuito essencial ou principal de obter tal ganho; e d)   Que os referidos atos ou negócios tenham sido celebrados por meios artificiosos e com abuso das normas jurídicas.”

Os requisitos referidos têm natureza cumulativa.

Em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, a AT tem o ónus de provar os factos constitutivos de direito que invoca. Impende-lhe, pois, não somente o ónus de alegar, como também de demonstrar a verificação dos referidos requisitos.

Ora, basta o não preenchimento de um dos elementos para que se conclua pela ilegitimidade do recurso à CGAA e, consequentemente, para provocar a anulação da liquidação em causa.

Assim, para a efetiva aplicação da CGAA, têm de se verificar todos os seus pressupostos, que, conforme de seguida se demonstrará, a AT não logrou demonstrar estarem preenchidos. Assim, vejamos, em suma:

O elemento meio determina que tenha existido o recurso a formas ou negócios jurídicos inabituais, atípicos ou artificiais, tendo em vista a obtenção, de modo exclusivo ou predominante, de uma vantagem fiscal, o que manifestamente não aconteceu no caso em apreço. Ficou, pois, (mais do que) demonstrada, a necessidade efetiva de transformar a sociedade em anónima, pois de outro modo não seria viável a constituição de penhor financeiro, o qual era exigido para efeitos de financiamento bancário, sem o qual, por sua vez, não seria realizada a operação de compra e venda

Quanto ao elemento resultado, este consiste na obtenção de uma vantagem fiscal efetiva, decorrente dos esquemas ou montagens abusivas, que se traduz na redução, eliminação ou diferimento temporal do imposto. 

Não foi, manifestamente, o caso: além de não se poder invocar a falta de genuinidade do meio, pois a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima foi, como se viu, determinante para a realização do negócio, pois sem ações não seria viável o penhor financeiro, e sem este não seria possível o empréstimo bancário. Acresce que, caso a venda tivesse ocorrido diretamente da esfera dos Pais da Requerente, nunca haveria lugar ao pagamento de qualquer imposto.

O elemento intelectual procura analisar se a motivação do contribuinte, relativamente à obtenção da vantagem fiscal efetiva através dos meios utilizados, apurada objetivamente, com base num juízo de razoabilidade e normalidade, foi ou não preponderantemente de natureza fiscal. A este respeito, refira-se que a Requerente, durante toda a sua vida, sempre esteve à margem de qualquer decisão e/ou negociação relativa à empresa, pelo que nunca poderia intervir na transformação  da sociedade, pelo que nunca poderia estar verificado o elemento intelectual;

Por fim, relativamente ao elemento normativo respeitante à reprovação normativa-sistemática da alegada vantagem obtida, reitere-se que a Requerente não interveio de maneira nenhuma no ato de transformação colocado em causa pela AT.

Por outro lado, o artigo 45.º do Código do IRS (em vigor à data dos factos), é claro quando prevê que o custo de aquisição de participações sociais adquiridas a título gratuito neste caso via doação, é o valor que resulta da liquidação de Imposto do Selo. Por sua vez, o artigo 15.° do Código do Imposto do Selo, estabelece uma fórmula objetiva e matemática para determinar a base tributável das ações doadas. Ora, de acordo com as regras estabelecidas pelo próprio legislador, a Requerente apurou uma menos- valia de € 1.804.505,62 (estando a AT a procurar “transformá-la” numa mais-valia de € 2.010.247,05). Mais se diga que não se verifica qualquer abuso de formas jurídicas para alcançar uma “poupança fiscal”, pois o resultado seria o mesmo/não pagamento de imposto), caso fossem os Pais da Requerente a realizar a venda diretamente.

Nota ainda a Requerente que, na medida em que se apurou, quanto à transmissão das ações da C..., uma menos-valia, a referida divergência não deu origem a qualquer impacto no apuramento do IRS de 2019 (não tendo igualmente as perdas sido aproveitadas no exercício de 2020, ou em qualquer outro exercício posterior).

Quanto à liquidação de juros ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, afirma a RequerenteNos termos do disposto pelo n.º 6 do artigo 38.° da LGT, em caso de aplicação do disposto no n.º 2, os juros compensatórios que sejam devidos, nos termos do artigo 35.º", são majorados em 15 pontos percentuais, sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.-° 15/2001, de 5 de junho, na sua redação atual”.

(…) ficou demonstrado supra que não se encontram preenchidas, in casu  as condições cumulativas necessárias para o preenchimento da tipicidade da CGAA, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 38.° da LGT.

Na verdade, a AT limitou-se a apresentar indícios, insinuações e presunções, nunca tendo logrado demonstrar e fundamentar a existência de uma configuração jurídica inabitual e que configura uma prática evasiva ou de elisão fiscal.

Não se pode, pois, aceitar que, em face da aplicação da CGAA, o sujeito passivo possa ser penalizado, via aplicação de uma taxa de juro aparentemente compensatória, mas de natureza efetivamente punitiva, que se aproxima, mais, a uma natureza sancionatória.

Sucede, assim, que, assumindo que a taxa de juros “compensatórios” majorada assume natureza punitiva, forçoso será concluir que a mesma viola de forma direta e flagrante o princípio geral de direito de proibição do ne bis in idem, na medida em que o sujeito passivo é penalizado mais do que uma vez pelo mesmo comportamento.

Significa isto que, no limite, o sujeito passivo pode vir a ser penalizado duplamente - em sede contraordenacional, por aplicação do artigo 114.° do RGIT, e via aplicação de juros compensatórios de natureza sancionatória, à taxa de 19% -, quanto ao mesmo facto.

Em face do exposto, não pode a Requerente aceitar a liquidação de juros em apreço, devendo a mesma ser anulada, por não estarem reunidos os requisitos para aplicação da CGAA; e

Sem prejuízo, caso assim não se entenda, pelo facto de a majoração em apreço ter natureza exclusivamente sancionatória, sendo ilegal e inconstitucional:

•          Por falta de previsão legal no RGIT ou na lei penal;

•         Por violar princípios constitucionais basilares do direito fiscal: princípio da capacidade contributiva e princípio ne bis in idem.

Sobre o pagamento de juros indemnizatórios considera a Requerente: 

De acordo com o n.º 1 do artigo 43.° da LGT “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Temos, assim, que o direito à perceção de juros indemnizatórios assenta um conjunto de pressupostos de verificação cumulativa, quais sejam: a existência de um erro imputável aos serviços, em função do qual resulte pagamento em montante superior ao devido, sendo esse erro analisado em sede de reclamação ou impugnação judicial.

Entende a Requerente que o erro se consubstanciou nas correções efetuadas pelos SIT em resultado da ação de inspeção.

Ainda, considera que se encontra verificada a imputação do erro aos serviços, na medida em que a AT praticou os atos tributários por sua iniciativa em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, diga-se, sem fundamento legal.

Em face do exposto, entende a Requerente que estão verificados todos os requisitos legais do direito a juros indemnizatórios, previsto no n.º 1 do artigo 43.° da LGT, solicitando, portanto, que as autoridades fiscais competentes procedam ao pagamento dos mesmos, ressarcindo-a por esta via dos danos/prejuízos causados na sua esfera.

Nessa medida, são devidos juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento da prestação tributária indevida até ao seu integral reembolso,

Devendo a AT proceder à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 100.° da LGT.

Acresce que, em aplicação conjugada do disposto no n.º 5 do artigo 43.º da e no n.º 2 do artigo 102.º, ambos da LGT, são ainda devidos juros de mora a partir do termo do prazo para execução voluntária da decisão judicial até à data da emissão da nota de crédito, em cumulação com os juros indemnizatórios.

 

  1. Da Requerida

Sintetizam-se os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida:

Segundo a AT, dever-se-ão considerar impugnados os factos alegados pela Requerente, nos termos do disposto no art.º 574.º n.º 2 do Código do Processo Civil - CPC, ex vi art.º 29.º n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT, de que a transformação societária se terá ficado a dever a motivos de ordem de gestão empresarial, financeira e concorrencial. 

De acordo com a mesma, a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram alegadas motivações económicas para a transformação societária protagonizada, sem que o prove.  

Com efeito, considera que em momento algum a Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, visto que nunca juntou meios de prova da substância dos motivos justificativos da transformação societária e de estes também não resultarem verificados dos factos reunidos. 

Defendendo que não se poderão dar como reais os motivos da dita transformação, sendo antes puramente artificiais, dado o real motivo da transformação ter sido a obtenção da vantagem fiscal que a transformação da sociedade permitiu obter, em virtude da utilização abusiva do método de avaliação de participações sociais previsto no art.º 15.º do CIS e que é igualmente aplicado em sede de determinação do valor de aquisição no âmbito de mais-valias sujeitas a IRS.

E acrescenta a Requerida que a doutrina tem consolidado a ideia de que se está perante uma prática de elisão fiscal, sempre que os contribuintes praticam uma série de atos anómalos, desadequados face ao fim económico pretendido, mas que em si mesmos são legais e produzem o mesmo resultado económico (mas não fiscal) dos atos usuais e adequados que estão definidos nas normas de incidência. 

Realça, igualmente, que a Requerente adquiriu a sociedade por doação quando a mesma já tinha sido objeto de um contrato promessa de compra e venda em que se tinha estabelecido, entre outros desideratos, o valor de venda em € 22.000.000,00, 

E que lhe esteve vedada a prática de qualquer ato de gestão de longo prazo e de caráter inovatório desde que se tornou detentora de uma parte do capital da sociedade até à data da venda da sociedade à entidade compradora, entidade esta que foi especialmente criada para a compra da sociedade transformada e que era detida a 100% pela entidade promitente compradora. 

Tendo este conjunto de atos e negócios jurídicos permitido a obtenção de uma vantagem fiscal ilegítima.

Por mais não lhes ter permitido do que o encapotar de uma mais-valia mobiliária com a abusiva obtenção de uma menos-valia geradora do direito ao reporte dos prejuízos fiscais ao rendimento líquido positivo da categoria G em sede de IRS nos 5 anos seguintes e que de outro modo não seria possível obter na sua esfera particular”.  

Afirma igualmente a Requerida que a menos-valia geradora do direito ao reporte de prejuízos fiscais apenas foi obtida em virtude da transformação societária ocorrida entre a celebração do CPCV e do CCV, tendo esta transformação permitido o empolamento do valor de aquisição das referidas participações sociais, através da utilização abusiva resultante da aplicação do artigo 15.º n.º 3 do CIS para a avaliação deste tipo de participações e cujo valor obtido é considerado para efeitos de valor de aquisição em sede do artigo 45.º n.º 1 do CIRS. 

Pugnando a AT que, caso não tivesse ocorrido a transformação e conforme o artigo 45.º n.º 1 do CIRS, o valor de aquisição das quotas a ser considerado resultaria da aplicação do artigo 15.º n.º 1 do CIS, aplicável à avaliação deste tipo de participações, que faria resultar num valor de aquisição inferior ao valor de realização, e que geraria, desse modo, uma mais-valia na esfera pessoal de cada um dos filhos ... .

Alega ainda a Requerida que tendo resultado a transformação societária numa avaliação das ações, no valor de €5.366.305,62, a Requerente considerou o valor de aquisição das participações sociais vendidas à G...“(…) o que permitiu a realização de uma menos-valia, já que o valor de realização se cifrou em €3.561.800,00, ao passo que a avaliação das quotas se teria traduzido num valor de €1.551.552,95, igualmente considerável para efeitos de valor de aquisição das participações sociais aqui em causa e que, subtraído ao valor de realização, teria originado uma mais-valia de €2.010.247,05 aquando da venda da sociedade

Sendo, portanto, inequívoco que a primeira situação, resultante da aplicação do art.º 15.º n.º 3 do CIS, beneficia de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, que resultaria da aplicação do art.º 15 n.º 1 do CIS e que só foi possível obter em virtude de ter ocorrido a transformação societária aqui em causa.” 

Insiste a AT que a transformação em sociedade anónima foi desprovida de qualquer substância económica na esfera dos PAIS ... e dos FILHOS ..., já que não exerceram qualquer direito associado à posse das ações em virtude de estes terem assumido os direitos e obrigações inerentes ao contrato promessa anteriormente celebrado pelos seus Pais. 

Mais afirma a AT que “Tendo-se restringido a atuação dos promitentes-vendedores e dos donatários, segundo a Requerida, à atividade corrente e programada, a transformação em sociedade anónima não teve, nem teria substância nem relevância económica enquanto os FILHOS ... fossem detentores do capital da mesma, tornando-se evidente que foram atos praticados por terem apenas relevância fiscal na esfera pessoal dos FILHOS ...”.    

Assim, conclui a AT “(…) não resta qualquer margem de dúvida de que esta construção abusiva foi realizada devido à sua relevância para obtenção da pretendida vantagem fiscal para os FILHOS ..., já que não se vislumbra nesta construção qualquer vantagem económica, financeira ou comercial, em tão curto espaço de tempo, que financeiramente pudesse justificar a transformação da sociedade enquanto os FILHOS ... foram os detentores da sociedade.” 

Invoca a Requerente no seu PPA que tal transformação se ficou a dever à necessidade de se constituir o penhor financeiro exigido para a obtenção de financiamento bancário, que não pode incidir sobre quotas, mas apenas sobre ações.  

Já que o futuro da sociedade e os meios de financiamento de que a mesma dependia, sob um ponto de vista de substância e relevância económica, não relevam nem aproveitam aos FILHOS ... na medida em que estes foram detentores do capital da sociedade apenas durante 6 dias e ainda porque, contratualmente, assumiram uma atuação limitada à prática de atos de gestão corrente, não se vislumbra, segundo a Requerida, qualquer substância económica no aproveitamento, pelos FILHOS ..., da alegada necessidade da constituição do penhor financeiro, visto que a sociedade já tinha sido transformada quando a adquiriram

Concluindo-se apenas pela natureza artificiosa e fraudulenta da operação de transformação societária e que a mesma se realizou apenas para a obtenção de uma vantagem fiscal, não tendo brotado nenhuma razão económica válida na esfera da aqui Requerente para a sua realização”

A Requerente invocava igualmente no PPA “(…) que a transformação societária não permitiu obter nenhum resultado fiscal na sua esfera pessoal e que tal operação de transformação societária não seria abusiva porque os ... podiam, eles próprios, vender a sociedade já que tal operação não estaria sujeita a IRS na esfera deles”. 

Ora, faz notar a AT que “(…) a Requerente adquiriu as ações por doação, em 18-10-2019, e que, por isso, não se encontram abrangidas pela norma do Regime transitório de rendimentos da Categoria G, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, que prevê a exclusão de sujeição de rendimentos da Categoria G de IRS”. 

Assim, alega a AT que os únicos que poderiam beneficiar dessa norma de não sujeição a tributação seriam os Pais da aqui Requerente e não seria possível aos FILHOS ... a obtenção de uma não sujeição a tributação de IRS. 

Sublinha também a Requerida que "(…) mesmo que hipotética e eventualmente, fosse possível nesta sede a aplicação deste Regime transitório aos FILHOS ..., nunca seria possível a obtenção do direito ao reporte de prejuízos durante 5 anos aos resultados líquidos positivos da categoria G se não tivesse existido a transformação societária". 

E termina, afirmando que "Ou seja, e dito de outro modo, tal construção não seria abusiva caso tivesse sido a adquirente a transformar a sociedade por quotas em sociedade anónima, visto que, na qualidade de nova acionista, era quem teria legitimidade para determinar a estratégia empresarial, organização e rumo a adotar pela sociedade, e não os FILHOS ... enquanto detentores da sociedade".   

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

V.1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A sociedade C..., de cariz familiar, foi constituída

em 1971, respetivamente pela Avó, Mãe e Tia da Requerente e, desde 30-10-1987, passou a ter o respetivo capital social integralmente detido por D... e E..., Pais da Requerente A... .

  1. A Requerente A... dedica-se ao exercício de funções enquanto médica, na especialidade de Medicina Geral e Familiar, estando desde o início da carreira integrada no Serviço Nacional de Saúde, em regime de exclusividade.
  2. Pelo que nunca colaborou com a  C... .
  3. No procedimento inspetivo, verificou-se que a totalidade do capital da sociedade por quotas C..., LDA. foi objeto de Contrato Promessa de Compra e Venda (SHARE PURCHASE AGREEMENT junto em anexo n.º 10 no RIT e doravante CPCV) pelos sócios D... E E..., promitentes-vendedores, ao fundo H... (doravante H...), promitente-comprador, datado de 08-08-2019. 
  4. Tendo atuado a filha F... em representação de seus Pais, promitentes vendedores, na celebração do CPCV. 
  5. Neste contrato-promessa foi previsto que seria criada a sociedade G... UNIPESSOAL, LDA, NIF..., (doravante G...) e que atuaria como sociedade-veículo na aquisição da C..., LDA.   
  6. Foi acordado o valor de € 22.000.000, 00 para a alienação da totalidade do capital da sociedade. 
  7. Ficou prevista a hipótese de os promitentes-vendedores transformarem a sociedade por quotas em sociedade anónima.  
  8. Após a celebração do CPCV foi aprovado em Assembleia Geral, de 30-09-2019, um aumento de capital da sociedade em € 3,00 através da emissão de 3 quotas com valor nominal de € 1,00, as quais foram adquiridas pelos filhos F..., I... e J... .
  9. Aumento de capital após o qual se procedeu à aprovação do Relatório Justificativo de Transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima. 
  10. Resultou do referido Relatório que a transformação da sociedade se terá ficado a dever por: “I. “ser entendimento da Gerente Única (que) a dimensão e os objetivos sociais que a Sociedade pretender atingir com o desenvolvimento da sua atividade não se compadecem com a atual forma jurídica de sociedade por quotas, tornando-se condição da sua competitividade e definição estratégica a sua transformação em sociedade anónima (…) Nomeadamente, no curto a médio prazo, este quadro beneficiará a qualidade da administração e fiscalização da Sociedade e possivelmente o recurso a novas formas de financiamento. A transformação permitirá assim dotar a Sociedade de uma estrutura administrativa e financeira mais competitiva e assegurar, por essa mesma via, um crescimento sólido e sustentado nas áreas de negócio compreendidas no seu objeto social”.
  11. Tendo-se de seguida, ainda na mesma Assembleia Geral, procedido à aprovação da transformação da C... em sociedade anónima.  
  12. Assembleia Geral onde se reforçou que “de transformação da Sociedade em sociedade anónima, referindo que o enquadramento legal e o modo de funcionamento deste tipo societário são, neste momento, os mais adequados à dimensão dos atuais negócios sociais, como vem devidamente justificado no Relatório”.  
  13. Em 18-10-2019, foi doada a totalidade do capital da sociedade C..., pelos PAIS..., aos seus cinco filhos,  F...,  J..., A... (Requerente), K... e I... . 
  14. Resultou do Acordo de Doação que os FILHOS ... assumiram os direitos e obrigações dos vendedores originários, com exceção da cláusula 10.4 do CPCV (opção de compra de um terreno). 
  15. Nesse mesmo dia ocorreu a cessão de posição contratual de promitentes-vendedores aos cinco FILHOS ... .  
  16. Através da doação descrita, a ora Requerente adquiriu gratuitamente 9.690.694 ações, correspondentes a €96.906,94 do capital da sociedade e a uma participação no mesmo de 16,19%, participação inferior à dos irmãos (sublinhado nosso). 
  17. Em 24-10-2019, celebrou-se o contrato de compra e venda (COMPLETION AND TRANSFER DEED, doravante CCV) da totalidade do capital da sociedade C..., S.A., entre os cinco FILHOS ... e a entidade compradora G..., LDA.. 
  18. A G... foi constituída com a finalidade da aquisição definitiva do capital da sociedade transformada e era, desde a sua constituição, em 20-09-2019, participada a 100% do seu capital pelo fundo H... SL.  
  19. Todos os pagamentos foram efetuados à ordem de F..., já que foram emitidos, em 24-10-2019, 3 cheques à sua ordem e por terem existido, em 22-10-2019, e em 21-01-2021, duas transferências bancárias para contas bancárias por si tituladas. 
  20. De igual modo atuou F..., em representação própria e dos seus quatro irmãos, aquando da celebração do contrato de compra e venda da totalidade do capital da sociedade de que se tornaram sócios, à G... . F... era quem, desde 30-09-1991, assumia, conjuntamente com D..., as funções de gerência da sociedade vendida.
  21. Tendo-se tornado Gerente Única da C..., LDA., desde 20-06-2000.
  22. E que foi nomeada Presidente do Conselho de Administração da C... aquando da sua transformação em sociedade anónima. 
  23. Após a alienação da C... à G...,  F..., manteve-se na administração da sociedade, passando a vogal, tendo os restantes membros do conselho de administração da sociedade – D... e E...- sido substituídos por L... (presidente) e M... (vogal). 
  24. Todos os irmãos ..., alienantes no CCV, declararam menos-valias com a celebração da operação descrita, visto que as participações sociais da C... foram alienadas pelo valor total de €22.000.000, 00 (valor de realização), sendo que, para efeitos de determinação do seu valor de aquisição, haviam sido avaliadas em €33.316.273, 00. 
  25. Tendo o valor de aquisição das participações sociais detidas pela Requerente sido determinado nos termos do artigo 45.º n.º 1 do CIRS, em conjunto com o disposto no artigo 15.º n.º 3 do CIS, utilizou-se o valor resultante da avaliação das ações também para efeitos de determinação do valor de aquisição em sede de IRS. 
  26. Desta forma, com a alienação da participação social em virtude da celebração do CCV acima referido, a ora Requerente obteve uma menos-valia declarada no montante de €1.804.505,62.
  27. Tendo em conta que foi exercida a opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria G, aquela menos-valia tornou-se dedutível aos rendimentos líquidos positivos da mesma categoria nos 5 exercícios seguintes [artigo 55.º, n.º 1, al. d) CIRS]. 
  28. A menos-valia foi declarada com a submissão de uma Declaração Modelo 3 de substituição, onde foi declarado um valor de realização de €3.561.800,00 e um valor de aquisição de €5.366.305,62. 
  29. A referida transação das participações sociais foi comunicada à AT com a entrega das declarações Modelo 4 (prevista no art.º 138.º do Código do IRS) pela vendedora (Requerente) e pelo comprador. 
  30. A AT, munida da Ordem de Serviço interna n.º OI2022..., emitida para análise do período de tributação de 2019 da Requerente, em sede de IRS, imputou à mesma uma mais-valia mobiliária de €2.010.247,05, enquadrada em sede de Categoria G e da qual resultaram as liquidações ora impugnadas.   
  31.          Resultaram estas correções em sede de IRS, no valor de 562.869,17€, acrescidos de juros, por ter sido aplicada a Cláusula Geral Anti-Abuso prevista no artigo 38.º n.º 2 da LGT e em que se desconsiderou para efeitos fiscais, no âmbito deste procedimento, a operação de transformação da sociedade por quotas C... em sociedade anónima. 
  32. Por Despacho da Ex.ma Senhora Diretora Geral da AT, de 08-03-2023, foi autorizada a aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso, para efeitos do disposto no artigo 63.º n.º 7 do CPPT. 
  33. Em consequência, foram emitidas as referidas demonstrações de liquidação de IRS nestes autos impugnadas. 
  34. Inconformada, em 20-02-2024, a Requerente deduziu a Reclamação Graciosa instaurada com o n.º ...2024... . 
  35. Na sequência da formação de presunção de indeferimento tácito da Reclamação vem, neste seguimento, a Requerente promover o presente PPA.  

 

V. 2. Factos não provados:

Não resultou provado que o motivo da transformação da forma societária foi o único, ou o principal motivo, para evitar a tributação em sede de mais-valias.

Com relevo para a decisão da causa, não existem mais factos que não tenham ficado provados.

 

V. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

VI. DO DIREITO

VI.1. A questão a decidir:

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão a apreciar consiste em saber se, a transformação da forma societária da sociedade  C..., visou evitar a tributação de mais-valias realizadas pela Requerente na subsequente transmissão da respetiva participação social ou se, pelo contrário, não foi esse o único ou o principal motivo para a referida transformação.

Cumpre apreciar e decidir.

Comecemos por recordar alguns dos factos dados acima como provados:

A sociedade C..., de cariz familiar, foi constituída em 1971, respetivamente pela Avó, Mãe, e Tia da Requerente e, desde 30-10-1987, passou a ter o respetivo capital social integralmente detido por D... e E..., Pais da Requerente A... .

A Requerente A... dedica-se ao exercício de funções enquanto médica, na especialidade de Medicina Geral e Familiar, estando desde o início da carreira integrada no Serviço Nacional de saúde, em regime de exclusividade.

Pelo que nunca colaborou com a  C... .

Em 18-10-2019, através da doação acima descrita, a ora Requerente adquiriu gratuitamente 9.690.694 ações, correspondentes a €96.906,94 do capital da sociedade e a uma participação no mesmo de 16,19%, participação inferior à dos irmãos (sublinhado nosso), o que é revelador do plausível distanciamento e/ou alheamento da Requerente relativamente ao que vinha sendo decidido e promovido no seio da gestão da sociedade.

De uma forma breve, a Cláusula Geral Anti-Abuso (“CGAA”), prevista no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), tem como objetivo primordial o combate à elisão fiscal, ou seja, visa penalizar contribuintes que recorram a esquemas artificiais, por forma a obter uma vantagem fiscal, situação em que, apesar da sua aparência legal, não são respeitados os propósitos das normas fiscais envolvidas.

Entende este Tribunal Arbitral que não cabe à AT apreciar decisões sobre a gestão da sociedade, como a transformação da sua estrutura jurídica de sociedade limitada (Lda.) para sociedade anónima (doravante S.A.), durante o exercício de 2019, pelas seguintes ordens de motivos:

Em primeiro lugar, porque a estrutura jurídica mais comum e adequada a uma empresa da dimensão da C...  é, atualmente, a de uma sociedade anónima, e o facto de, anteriormente, a sociedade não ter funcionado nestes moldes não pode ser motivo para uma cristalização dessa condição para momentos futuros.

Em segundo lugar, porque a sociedade anónima consubstancia não só a forma societária mais adequada como, por norma, é a estrutura jurídica solicitada aquando da venda de sociedades a Fundos de Private Equity (como foi o caso), permitindo assim o desenvolvimento da sociedade através da existência de uma gestão profissional (ao invés da gestão familiar, tal como ocorria até então).

De resto, se o contrato-promessa contemplava a alteração da forma societária, será que se pode imputar tal à parte vendedora? É que se alvitram diversos motivos para que esta interessasse tanto (ou mais) à parte compradora.

Adicionalmente, importa ter em conta que é prática comum no mercado que para a obtenção de financiamento (motivo económico para a realização deste tipo de operações), sejam prestadas garantias e, por norma, é exigido o penhor financeiro (o que implica a conversão da sociedade em S.A.) o que, por si só, justifica a necessidade de alterar a estrutura jurídica/forma societária (sem que daqui resulte qualquer artificialidade na operação em causa).

Por fim, e caso tivesse sido feita a alienação (das quotas ou ações) da sociedade pelos Pais da Requerente não haveria lugar a tributação em sede de IRS (pelo facto das participações terem sido adquiridas anteriormente a 1 de janeiro de 1989) e, subsequentemente, poderiam os Pais da Requerente doar-lhe parte do produto da venda sem que este montante fosse sujeito ao pagamento de Imposto do Selo.

Deste modo, e existindo um meio alternativo (ao que se veio a materializar e, bem assim, ao indicado pela AT) de realizar a operação, considerando até que tal opção se afigurava menos complexa, mas que ainda assim resultaria na exclusão de tributação do rendimento em causa, temos de admitir como lógica a possibilidade de a operação ter sido realizada nos termos em que ocorreu, por forma a viabilizar o financiamento bancário (o que justifica plenamente o motivo económico, no entendimento deste Tribunal Arbitral Tribunal).
Revelam-se ainda destituídas de fundamento as afirmações da AT como, por exemplo, “(…) ao carácter alegadamente abusivo da operação, no facto de o curto espaço temporal verificado entre o momento da doação e da venda da C...  significar que a Requerente A... não assumiu, de facto, a qualidade de acionista da sociedade” ou “(…) a Requerente A... se limitou a receber as ações da sociedade, não praticando qualquer ato relevante na qualidade de acionista até ao momento em que as vendeu (…)”, uma vez que o Artigo 271.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais refere que numa “sociedade anónima (…) cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das acções que subscreveu”, não existindo qualquer menção à necessidade de prossecução de quaisquer obrigações por parte do acionista (que não seja a mera posse das ações).

Pelos argumentos expostos, não é possível (pelo menos de modo cabal) concluir que o motivo da transformação da forma societária foi o único, ou o principal motivo, para evitar a tributação em sede de mais-valias.

Não ocorrendo a verificação cumulativa dos elementos – meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório – constantes do  n.º 2 do artigo 38.º da LGT, não é possível (pelo menos de modo cabal) concluir, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que o motivo da transformação da forma societária foi o único, ou o principal motivo, para evitar a tributação em sede de mais-valias.

Não se encontrando preenchidas, in casu, as condições cumulativas necessárias para o preenchimento da tipicidade da Cláusula Geral Anti-Abuso (“CGAA”), procede nesta parte o peticionado pela Requerente.

Quanto à liquidação de juros compensatórios, ao abrigo do artigo 38.º, n.º 6 da LGT, nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 8 da LGT, é de referir que os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

Assim, sendo anulada a liquidação do imposto, nos termos descritos, cai a liquidação dos juros compensatórios, perdendo autonomia a discussão em torno dos argumentos da Requerente quanto ao caráter punitivo dos juros compensatórios previstos no citado artigo 38.º, n.º 6 da LGT, cujo conhecimento fica prejudicado.

Nestes termos, considera-se procedente o PPA, com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento de reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes, e anulação dos atos tributários impugnados.

 

VII. PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Analisa-se de seguida o pedido formulado pelo Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, no âmbito mais alargado do PPA, onde peticiona o seguinte:

A declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento de reclamação graciosa apresentada pela Requerente, e dos atos tributários consubstanciados na liquidação de IRS n.º 2023..., na demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ..., e na demonstração de liquidação de juros compensatórios – taxa majorada n.º 2023... – devidamente refletidos na demonstração de acerto de contas compensação n.º 2023..., relativas ao ano de 2019.

É ainda peticionada a condenação da AT, ora Requerida, na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios e de mora (sublinhado nosso), sendo igualmente declarado ilegal e reembolsado o montante de juros liquidado ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 38.º da LGT.

E acrescenta a Requerente “Ainda, considera que se encontra verificada a imputação do erro aos serviços, na medida em que a AT praticou os atos tributários por sua iniciativa em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, diga-se, sem fundamento legal. Em face do exposto, entende a Requerente que estão verificados todos os requisitos legais do direito a juros indemnizatórios, previsto no n.º 1 do artigo 43.°- da LGT, solicitando, portanto, que as autoridades fiscais competentes procedam ao pagamento dos mesmos, ressarcindo-a por esta via dos danos/prejuízos causados na sua esfera. Nessa medida, são devidos juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento da prestação tributária indevida até ao seu integral reembolso. Devendo a AT proceder à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 100.° da LGT. Acresce que, em aplicação conjugada do disposto no n.º 5 do artigo 43.° e no n.º 2 do artigo 102.º, ambos da LGT, são ainda devidos juros de mora a partir do termo do prazo para execução voluntária da decisão judicial até à data da emissão da nota de crédito, em cumulação com os juros indemnizatórios.”

Vejamos.

De acordo com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Ora “nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Considerou este Tribunal Arbitral, conforme acima vimos, procedente o PPA tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento de reclamação graciosa apresentada pela Requerente, e dos atos tributários impugnados.

Consequentemente, conclui-se que os atos tributários impugnados enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, e bem assim ao processo arbitral por via do disposto no artigo 29.º do RJAT.

Existe, por conseguinte, erro imputável aos serviços quando é indeferida, ainda que tacitamente, reclamação graciosa dos atos tributários acima identificados.

Entende-se, consequentemente, que são devidos juros indemnizatórios a contar da data em que a AT, tendo possibilidade de reverter as ilegalidades descritas, decide confirmá-las e mantê-las na ordem jurídica, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT. Assim, a contagem dos juros deve ser feita a partir da data efetiva do indeferimento da reclamação graciosa ou da data da formação de indeferimento tácito, consoante o que ocorrer primeiro.

In casu, ocorreu primeiro este último, pelo que os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data do indeferimento tácito da reclamação graciosa, decorridos 4 meses a partir da data do pedido, em 20-02-2024. O termo inicial da contagem de juros indemnizatórios será, assim, 20-06-2024.

Em conclusão, a procedência do PPA, tem como consequência a devolução do imposto retido acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, e demais consequências legais daí decorrentes.

Quanto aos juros de mora igualmente peticionados no PPA, o artigo 102.º da LGT, epigrafado “execução de sentença”, estabelece no n.º 2 que, no “caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea.”

Diferentemente dos juros indemnizatórios, os juros de mora são devidos a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial.

De harmonia com o n.º 5, do artigo 43.º da LGT (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) “no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea

de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído pela decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outra entidade públicas.”

O seu pagamento depende, todavia, de pedido seu, a efectuar na referida petição dirigida ao

Tribunal.” (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro de escrita, pág. 887).

Por conseguinte, o direito aos juros de mora depende de ter já decorrido o prazo de execução

espontânea da sentença sem que ela seja cumprida, o que não ocorreu.

Com efeito, o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários

conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de

8 dias após o trânsito em julgado da decisão, de acordo com o disposto no artigo 146.º, n.º 2, do CPPT.

Pelo que, nesta fase, não poderá proceder o pedido dos Requerentes atinente ao pagamento de juros de mora, sem prejuízo dos eventuais direitos poderem ser reconhecidos em sede de execução de julgado, que é o meio processual adequado para o efeito.

 

VIII. DECISÃO

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral coletivo:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral;
  2. Declarar a ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa apresentada, com a sua consequente anulação;
  3. Declarar a ilegalidade dos atos tributários impugnados, com a sua consequente anulação;
  4. Condenar a AT a restituir ao Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do título VII desta Decisão;
  5. Condenar a Requerida nas custas judiciais.

 

IX. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 850 593,00 (oitocentos e cinquenta mil quinhentos e noventa e três euros), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;

 

 

 

X. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 12.240,00 (doze mil duzentos e quarenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

 

Lisboa, 07 de março de 2025

 

Os Árbitros

 

 

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(Victor Calvete  – Presidente)

 

 

 

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(Alexandra Iglésias – Adjunta e Relatora)

 

 

 

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(Nuno Filipe Raposo Jacinto  – Adjunto)

 

 

 

Texto elaborado em computador. A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] O depoimento de parte não é suscetível de ser requerido pela própria parte  (Ac. RP de 10-09-2007: CJ, 2007 4.º 234).