Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 855/2024-T
Data da decisão: 2025-03-12   Outros 
Valor do pedido: € 53.704,72
Tema: Contribuição sobre o Serviço Rodoviário (CSR). Direito da União Europeia. Competência dos tribunais arbitrais. Ineptidão da petição. Legitimidade. Ónus da Prova.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 A árbitra Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral, constituído em 17.09.2024, decide o seguinte:

 

1. Relatório


A...LDA, sociedade comercial com sede em ... – Rua..., ..., ...-... ..., com o NIPC ... (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, abreviadamente designado por “RJAT”) e nos artigos 1.º, alínea b) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de pronúncia arbitral  pedindo declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023... apresentado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira – Alfândega de Braga e anulação dos atos de liquidação de IEC, na parte relativa a CSR, relativos aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022.

A Requerente pede ainda reembolso das quantias indevidamente pagas a título de CSR, no valor global de € 53.704,72, com juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado a 08.07.2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10.07.2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitra do Tribunal Arbitral singular a signatária desta decisão, que comunicou a sua aceitação no prazo legal.

Em 08.08.2024, as partes foram notificadas dessa designação e não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 17.09.2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) apresentou resposta, em que suscitou exceções e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre as exceções suscitadas, tendo respondido às exceções por requerimento de 17.12.2024.

Tendo em conta que foi dada a oportunidade de contraditório à Requerente, consideradas as posições das partes indicadas nos articulados e a prova produzida, o Tribunal dispensou a apresentação de alegações finais ao abrigo do artigo 16 a) c) e e) do RJAT. 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

             

2. Matéria de facto

2.1. Factos Provados

 

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto visa social visa “Comércio, importação e exportação de produtos e equipamentos para pastelaria, panificação e outras estruturas hoteleiras.”;
  2. Nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022 adquiriu 479.874,08 litros de gasóleo e 5.042,52 litros de gasolina à empresa B..., S.A. ... (faturas juntas como documentos n.ºs 4 a 7 do PPA, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Em 22.12.2023, a Requerente apresentou ao Diretor da Alfândega de Braga pedido de revisão dos atos tributários de liquidação que englobam o ISP relativos aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, na parte respeitante à liquidação em CSR (aos montantes liquidados a título de CSR) (documento n.º 1 PPA);
  4. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 08.07. 2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto:

 

2.2.1. Não se provou a repercussão e pagamento de CSR no valor de € 53.704,72, nas vendas de combustível à Requerente efetuadas pela fornecedora B..., S.A.

 

2.2.2 O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

Atento o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, e, por conseguinte, é ao contribuinte que pretende obter a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSR e dos correspondentes atos de repercussão na sua esfera jurídica, que cabe realizar a prova da repercussão integral e do efetivo pagamento do imposto.

Para fazer a prova do imposto repercutido e do seu pagamento, a Requerente juntou ao pedido arbitral, como documentos n.ºs 4 a 7 do PPA, listagens e cópia das faturas de aquisição de combustível à B..., S.A. referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022.

No entanto, as faturas não evidenciam o montante do imposto (ISP/CSR) que foi repercutido no preço de venda, contendo apenas a menção do tipo de combustível e das quantidades adquiridas, o valor da aquisição, a taxa de IVA aplicável e o valor de IVA pago, nada permitindo concluir se houve lugar ao pagamento do imposto por repercussão e qual tenha sido o montante apurado a esse título.

Com efeito, as faturas não permitem, por si só e de forma isolada, concluir ou inferir (aí atuando por presunção) que o valor invocado pela Requerente lhe foi repercutido a título de CSR (o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto desta ação arbitral).  

No entender deste Tribunal, não basta a prova da aquisição de combustível para demonstrar ou fazer inferir a repercussão integral de CSR, tanto para mais quando, conforme decorre da consulta da base de jurisprudência arbitral, que é pública, existem fornecedores de combustível que estão a solicitar reembolsos de CSR, em processos nos quais um dos fundamentos do direito ao reembolso aos fornecedores é precisamente a ausência de demonstração de repercussão da CSR nos clientes, pelo que existe o risco de duplo reembolso de imposto quando não se realize a prova do montante de imposto efetivamente repercutido e pago.  Neste sentido as faturas não permitem, por si só e de forma isolada, concluir ou inferir a repercussão de CSR, sem elementos adicionais, designadamente declarações do fornecedor de combustíveis a atestar o montante do imposto/CSR que repercutiram nos valores faturados à Requerente nas faturas e períodos em causa, e, aquando da existência de fornecedores intermediários, declarações do mesmo teor pelos sujeitos passivos de ISP, fornecedores “iniciais”, a atestar a repercussão “em cadeia”.

Assim, na medida em que o ónus da prova de fatos constitutivos de direito, nos termos do artigo 74.º da LGT, recai sobre quem os invoque, não tendo a Requerente logrado fazer prova da repercussão que alega, não se dá como provada a repercussão de CSR na Requerente no valor de € 53.704,72, nos períodos em causa.

 

3. Exceções invocadas

 

3. Exceções invocadas

 

3.1. Questões de incompetência em razão da matéria

 

Na sua Resposta, a Requerida suscita a incompetência material do Tribunal Arbitral com base em três fundamentos: por falta de vinculação da AT, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, por falta de competência do Tribunal Arbitral para fiscalizar a legalidade de normas em abstrato e por falta de competência a apreciar a legalidade de atos de repercussão da CSR.

 

3.1.1. Questão da incompetência por falta de vinculação

Na sua Resposta, a Requerida começa por suscitar a exceção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria, estribando-se no entendimento de que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

A Requerente entende que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a presente ação, porquanto está em causa uma pretensão relativa a impostos.

Ora nesta parte este Tribunal considera que a CSR não se traduz numa verdadeira contribuição financeira, sendo outrossim um imposto, não sendo determinante para tal qualificação o nomen iuris de batismo do legislador.

Acompanha-se, aqui, a posição deixada, entre outros, nos Processos n.ºs 294/2023-T e 410/2023-T, transcrevendo-se a fundamentação vertida neste último aresto onde se deixou consignado:

“(...)

Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com excepção das seguintes: 

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; 

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; 

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; 

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).

A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral, mas, tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:

“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.

Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.

 Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.

Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

Analisando a contribuição em apreço (Contribuição de Serviço Rodoviário - CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).

A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).

Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

O produto da CSR constitui receita própria da actualmente denominada IP (artigo 6.º).

A actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)).

Por outro lado, naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.

Como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva.

A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), agora denomina IP, sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º).

No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).

Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à IP é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários.

Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.

Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

(…)

A este acervo de argumentos acresce ainda um outro.

Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das caraterísticas objetivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional (cf. Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, processo C-189/15, acórdão de 18 de janeiro de 2017, §29; e Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, acórdão de 12 de dezembro de 2016, §107, entre outros).

É certo que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto. Parece-nos, todavia, que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho do Tribunal de Justiça de 07 de fevereiro de 2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21, – o Tribunal de Justiça, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil” (par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado).

Dito de outro modo, para o Tribunal de Justiça, o tributo instituído pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suscetível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118. Foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei n.º 55/2017, de 31 de agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1, n.º 2 da Diretiva 2008/118. 

Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira (inconstitucional, desde já se avança), nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva. Isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.

Destarte, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8, n.º 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.

(...)”.

 

Reiterando-se aqui tal fundamentação, considera-se improceder a alegada exceção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

 

3.1.2. Questão da incompetência para fiscalizar a legalidade de normas em abstrato

             

Alega a Requerida, em suma, que a Requerente suscita junto desta instância arbitral a questão da legalidade do regime da CSR, no seu todo, mas que esta instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, pelo que não tem competência arbitral para fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação.

A Requerida parte aqui de um pressuposto errado, que é o de que esteja em causa uma fiscalização da legalidade de normas em abstrato.

Com efeito, é manifesto que a Requerente impugna os atos de liquidação de CSR que alega serem repercutidos sobre si nas faturas referentes ao combustível adquirido, invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.

Assim, não está em causa a fiscalização abstrata da legalidade das normas que criaram e regularam a CSR, mas sim a fiscalização da legalidade concreta de atos que as aplicaram, o que se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definida no artigo 2.º do RJAT.

De resto, mesmo que estivesse em causa inconstitucionalidade das normas que criarem a CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso que o artigo 204.° da Constituição impõe a todos os tribunais, ao estabelecer que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

Neste caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).

A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), que pode resultar de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

Assim, não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos atos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida.

Improcede, consequentemente, a exceção invocada.

 

3.1.3. Questão da incompetência o Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de atos de repercussão de CSR subsequentes a atos de liquidação

 

Em matéria de exceção, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o Tribunal Arbitral não pode pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.

Analisado o pedido da Requerente, este Tribunal verifica que a Requerente pede, em primeira linha, a anulação das liquidações de CSR, sendo a anulação dos atos de repercussão uma consequência indireta e mediata da anulação dos atos de liquidação.

Por isso, este Tribunal Arbitral entende que o pedido efetuado visa matéria da sua competência, ou seja, a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de CSR.

Improcede, assim esta exceção.

 

3.2. Questão da ilegitimidade da Requerente

 

              A Requerida coloca esta questão considerando que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.

No seu entendimento, em suma,

– no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto; e

 –  não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis.

 

3.2.1. Legitimidade decorrente da qualidade de repercutido

Este tribunal entende que a legitimidade dos repercutidos é reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.  Ou seja, ainda que se entendesse que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.

Paralelamente, importa reconhecer que a legitimidade (legitimatio ad causam) deve ser configurada como um pressuposto processual e não como condição de procedência do mérito da ação. O que vale por dizer que a determinação da legitimidade não envolve um juízo de procedência ou de improcedência da pretensão formulada, mas “apenas” uma análise da “fisionomia da relação material litigiosa (apenas a fisionomia, não o seu mérito ou a sua real ou efetiva existência), tal como ela é configurada ou desenhada unilateralmente, na petição inicial, pelo autor” – Miguel Mesquita, p. 303, daí que se subscreva, com o Autor, a posição centenária de Barbosa de Magalhães, segundo a qual “é à relação jurídica, que o autor apresenta – e não à que virá a ser constatada pela sentença – que deve atender-se para a determinação da legitimidade das partes; não sendo assim, essa determinação só poderia fazer-se depois do julgamento do mérito do pedido”.

 

3.2.2. Legitimidade reconhecida pelo TJUE

 

O direito de reembolso do repercutido do imposto liquidado com violação do Direito da União Europeia, é também assegurado, na interpretação que dele fez o TJUE no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:

«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».

«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido».

43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».

 

Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efetivamente os suportou, pelo que no caso de tributos suscetíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.

É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os atos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afetado na sua esfera jurídica pelo ato lesivo e o sujeito passivo só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

 

3.2.3. Conclusão sobre a questão da legitimidade

 

Assim, é o repercutido quem tem legitimidade para impugnar os atos que afetaram a sua esfera jurídica, no exercício do direito de impugnação de todos os atos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

Por isso, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso. De qualquer modo, é manifesto que não há qualquer fundamento legal nem lógico para os direitos económicos e processuais do repercutido, que pagou o tributo indevido, serem prejudicados pelo facto de poder também ser efetuado indevido reembolso do tributo às entidades que o repercutiram.

Essa legitimidade é assegurada pelos artigos 65.º e 95.º da LGT, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for obrigado tributário e a quem for titular de um interesse legalmente protegido, e ainda pelo artigo 132.º do CPPT que reconhece tal legitimidade aos substituídos.

Por fim, resta referir que as menções anteriores não são postas em causa pela consideração de que o CIEC estabelece um regime especial de revisão, à luz do qual a Requerente não teria legitimidade para despoletar. De facto, tal argumentação parte do princípio de que, entre outras, a disposição do artigo 15.º do CIEC é aplicável à CSR, mas tal pressuposto jurídico não se verifica, dado que o tributo é objeto de uma regulamentação própria, constante de um diploma autónomo, e a remissão para o CIEC (a par da LGT e do CPPT) refere-se apenas “à sua liquidação, cobrança e pagamento”, não já ao “reembolso” ou sequer às garantias aplicáveis. É certo que o Capítulo II do CIEC abarca as regras de “liquidação, pagamento e reembolso do imposto”. Porém, não existe nenhuma remissão em bloco para o regime legal previsto nesse capítulo; como também não existe qualquer remissão para o regime de reembolso constante dos artigos 15.º a 20.º dos CIEC, sendo que o próprio CIEC na epígrafe do capítulo e no regime distingue tais matérias.

Pelo exposto, improcede a exceção da ilegitimidade substantiva e processual.

 

3.3.  Questão da ineptidão da petição inicial

 

No essencial, quanto a esta exceção, a AT defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e que não lhe é possível identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, desde logo, o estabelecimento de qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula:

– anulação dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente;

– restituição do montante indevidamente suportado, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.

No pressuposto, invocado pela Requerente, de as empresas fornecedoras terem apresentado declarações de introdução no consumo de combustíveis e feito o pagamento das respetivas liquidações e terem repercutido o valor da CSR seriam apuráveis os montantes cuja anulação a Requerente pretende, subjacentes às faturas.

Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3.4. Questão da caducidade do direito de ação tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de constituição do tribunal arbitral

 

3.4.1. Tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral

 

O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 22.12.2023 e não foi proferida decisão sobre ele até 08.07.2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral.

O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se em 22.04.2024, quatro meses após a entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma.

Tendo-se formado o indeferimento tácito em 22.04.2024, o prazo de 90 dias para apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral terminaria em 21.07.2024, sendo ainda aplicável a suspensão das férias judiciais.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 08.07.2024, pelo que a apresentação foi efetuada dentro do prazo de 90 dias previso no RJAT.

Assim, desta perspetiva, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

3.4.2. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

O prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta ativa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efetuada. ( [1] )

No caso em apreço, é manifesto que os erros de que enfermam os atos de liquidação de CSR impugnados, derivados de ilegalidade das normas aplicada, não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação, sendo imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que os emitiu.

Sendo de 4 anos, a contar da liquidação, o prazo de revisão oficiosa, por erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, e tendo sido apresentado o pedido de revisão em 22.12.2023 (para faturas mais antigas datadas de 31.12.2019), é tempestivo o pedido (tanto para mais se contarmos com a suspensão dos prazos introduzida pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março que alargou o prazo de quatro anos de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa  por 162 dias (87+75)).

Nestes termos, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito europeu por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços, tem cabimento no disposto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, aplicando-se o prazo de quatro anos aí previsto e não o prazo de reclamação graciosa, de 120 dias (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 0678/16) nem o prazo de 3 anos previsto no artigo 15.º do CIEC, invocados pela AT.

Improcede assim a invocada caducidade do direito de ação.

 

4. Mérito da causa

 

Como resulta da matéria de facto assente, não se provou a repercussão e pagamento da CSR alegada, no valor de € 53.704,72, nas vendas de combustível efetuadas pela fornecedora B... S.A.

É que no entender deste Tribunal não basta a prova da aquisição de combustível para demonstrar ou fazer inferir a repercussão integral de CSR, tanto para mais quando os sujeitos passivos de imposto como a fornecedora B... S.A. podem, como é conhecimento público por consulta à base de jurisprudência pública das decisões nacionais sobre esta matéria da CSR,  solicitar reembolso sobre a mesma CSR na qualidade de sujeitos passivos, com base no argumento da ausência de repercussão, pelo que existe o risco de duplo reembolso de imposto quando não se realize a prova do montante de imposto efetivamente repercutido e pago.

Assim, improcede necessariamente o pedido de pronúncia arbitral, pois todos os direitos substantivos da Requerente, tanto os de anulação como os de reembolso e juros indemnizatórios, dependiam do pagamento da CSR, como repercutida, ficar assente.

Consequentemente, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC) o conhecimento das restantes questões colocadas.

 

5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 53.704,72, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

 Lisboa, 12-03-2025

 

 

                                                   

  (Catarina Belim

Árbitra Singular)

 

 

 

 

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos: de 12-12-2001, processo n.º 026.233; de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG.