Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 52/2024-T
Data da decisão: 2025-03-17  Selo  
Valor do pedido: € 16.813,21
Tema: Imposto de selo – pressupostos da isenção do artigo 7º nº 1 alínea h) – ónus da prova
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

SUMÁRIO

  1. Pressupostos da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS aplicável a contratos centralizados de cash pooling na modalidade de “zero balanced scheme”:
  1. existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria celebrado entre a sociedade centralizadora e a(s) participante(s);
  2. prazo da operação financeira que não deve ultrapassar um ano;
  3. relação societária existente entre as sociedades centralizadora e participante(s);
  4. localização dos intervenientes.
  1. Ónus da prova dos pressupostos da tributação e dos pressupostos da isenção

 

 

I. RELATÓRIO

 

  1.  A… UNIPESSOAL LDA, (doravante abreviadamente designada por Requerente), titular do número único de pessoa coletiva …, com sede em Oeiras, …, Porto Salvo e com o capital social de Euro 20.000,00 (vinte mil euros) apresentou, em 01-03-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
  2. Vem o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) deduzido pela Requerente, contestar os seguintes actos: “actos de autoliquidação de Imposto do Selo ("IS"}, referentes aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2021, e bem assim, dos actos de autoliquidação de IS referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2022, efetuados através das Declarações Mensais do Imposto Selo ("DMIS") n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, nº…., n.º …, n.º …, n.º … e n.º …, respetivamente - no montante global de Euro 16.813,21 (dezasseis mil, oitocentos e treze euros e vinte e um cêntimos)”.
  3. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou relativamente às autoliquidações de IS referidas no ponto anterior, com a restituição da quantia paga.
  4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-01-2024.
  5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
  6. Em 29-02-2024 as partes foram notificadas da designação da árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 19-03-2024.
  8. A Requerida apresentou Resposta e PA em 02-05-2024.
  9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
  10. Por despacho de 13-09-2024 foi dispensada a realização da reunião para efeitos do artigo 18º do RJAT e, com a anuência das partes, da apresentação de alegações orais, tendo sido atribuído prazo para as partes apresentarem alegações escritas.
  11. As partes não apresentaram alegações.
  12. O prazo para a prolação da decisão foi prorrogado por três vezes por razões ligadas à saúde da árbitro.
  13. No presente processo a Requerente pede a anulação das autoliquidações de IS bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa no âmbito da qual se discutia a legalidade das referidas autoliquidações, alegando, em síntese, o seguinte:
    1. O capital social da Requerente é detido em 100% pela B…, Lda., entidade residente em Portugal, questão aliás não colocada em crise.
    2. Integra o Grupo C…, grupo económico internacional.
    3. O grupo C… implementou um acordo de gestão de tesouraria, ao nível das suas subsidiárias destinado a assegurar a gestão centralizada de tesouraria das diferentes entidades do Grupo residentes em diferentes países.
    4. Em tal acordo, a contraparte em causa é a D…, S.A. (“D… França”, anteriormente denominada E…, S.A. à data de celebração do acordo), entidade residente, para efeitos fiscais, em França, e detentora, a título indireto, de cerca de 92% do capital social da B…, Lda., conforme se ilustra no organigrama seguinte,

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerente aderiu ao acordo em causa no dia 1 de Junho de 2021.  
  2. Este acordo foi celebrado originariamente no dia 20 de Outubro de 2008, no âmbito do grupo internacional C….
  3. Nos termos do referido acordo, a Requerente aderiu ao sistema de gestão centralizada de tesouraria implementado pela D… e baseada no princípio de saldo nulo (“Zero Balance Scheme”), no âmbito do qual, sempre que aplicável, o saldo positivo da conta bancária da Requerente deverá ser automaticamente transferido para a conta bancária da D…, numa base diária, reduzindo assim a zero o saldo da conta bancária da primeira.
  4. Nos períodos a que os actos de autoliquidação de Imposto do Selo respeitam, a Requerente encontrou-se numa situação de excesso de fundos/tesouraria, circunstância que determinou, ao abrigo do mencionado acordo de gestão de tesouraria, conforme referido, a transferência dos fundos na sua conta bancária local para a D…, conforme saldos de tesouraria que juntaram.
  5. Nos termos da Reclamação Graciosa apresentada como documento 1, que foi anexo pela Requerente, a mesma salienta que: “…, nos períodos a que os actos de autoliquidação de IS respeitam, a Reclamante se encontrou numa situação de excesso de fundos/tesouraria, circunstância que determinou, ao abrigo do mencionado acordo de gestão de tesouraria, conforme referido, a transferência dos fundos na sua conta bancária local para a D….

Tendo em consideração a legislação em vigor, em sede de IS, as transferências de fundos da Reclamante para a D… foram tratadas enquanto concessões de crédito da primeira entidade à segunda (facto tributário sub judice).

  1. Para o que aqui interessa atente-se ao alegado pela Requerente na Reclamação Graciosa:

Nos termos da alínea b) do artigo 2.º do CIS, o sujeito passivo é a entidade concedente do crédito (Reclamante), devendo proceder à liquidação do imposto e repercuti-lo no titular do interesse económico do facto tributário, isto é, no titular do encargo do imposto, que na concessão de crédito corresponde ao utilizador do crédito (cf. alínea f) do n.º 2 do artigo 3.º do CIS).

Consequentemente, a Reclamante tem vindo a liquidar Imposto de Selo, mensalmente, de acordo com uma taxa de 0,04%1 (cfr. cit. Documento n.º 1), prevista na verba 17.1.4 da Tabela Geral do CIS.

Com efeito, pese embora o encargo do imposto tenha recaído sobre o utilizador do crédito, isto é, a D…, a obrigação de liquidação e entrega do imposto em causa ao Estado Português recai sobre o credor, no caso, a ora Reclamante (A… Portugal).

Este procedimento terá sido adotado pela Reclamante, cautelosamente, até à data do último ato tributário de que aqui vem reclamar (junho de 2022), apesar da isenção específica em sede de Imposto do Selo que, a partir de abril de 2020, veio abranger expressamente a concessão de crédito ao abrigo do contrato de gestão centralizada de tesouraria.

Efetivamente, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2020 (“Lei OE 2020”), em 1 de abril de 2020, foi introduzida, na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, uma “nova” isenção de Imposto do Selo, direcionada aos contratos de gestão centralizada de tesouraria.

De facto, a redação dada pela Lei OE 2020 à alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS passou a abranger “[o]s empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.

Para definir a relação de domínio ou de grupo, foi aditado o n.º 8 do artigo 7.º que determina que “existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto”.

Assim, desde 1 de abril de 2020, passaram a estar isentos de Imposto do Selo os empréstimos e respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo, que se verifica com a existência de uma participação, direta ou indireta, de pelo menos 75% do capital social, que lhe confira a maioria dos direitos de voto – tal como sucede com a operação de financiamento implementada ao nível do Grupo C…, nos moldes acima descritos.

  1. Os fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa invocam apenas a falta de verificação de requisitos para aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS.
  2. A Requerente entende que se aplica à Autoridade Tributária o principio do inquisitório segundo o qual cabe também a Administração Tributária o dever de procurar a verdade material, como aliás expressamente o afirma no art.º 37.º da decisão de indeferimento.
  3. E que tem a AT perfeito conhecimento da existência do contrato de cash-pooling entre o Grupo C… e as suas subsidiárias no processo em tudo análogo que decorreu à B… LDA, NIPC …, que deu igualmente origem ao pedido de constituição de Tribunal arbitral junto do CAAD, com decisão favorável à B…, no âmbito do processo 127-2023-T.
  4. A Requerente volta a juntar ao processo os contratos de cash pooling firmados inicialmente, em 2008, no seio do grupo e em 2021, em que aderiu a Requerente a este contrato, tendo reproduzido o clausulado do acorde de cash pooling de 2008.
  5. A Requerente salienta que está inserida no Grupo C…, o qual é seguido pela Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) da Divisão de Justiça Tributária, com quem mantém um relacionamento constante, pelo que a argumentação de desconhecimento deste contrato central é apenas um expediente dilatório.
  6. Considera que a AT utiliza uma argumentação manifestamente dilatória porque tem perfeito conhecimento dos documentos contabilísticos e fiscais do grupo e da impugnante, sendo o grupo alvo de inspeções constantes desde os anos 90 que ainda não estão resolvidas.
  7. Concluindo assim terem sido juntos aos autos, meios de prova suficientes, capazes de demonstrar que as operações financeiras em causa têm por base excedentes de liquidez do grupo e que não decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, ou sequer que os fluxos financeiros cumpriram os prazos previstos na norma de isenção” (sublinhados nossos).
  8. E tanto basta para que não subsistam os argumentos estribados no indeferimento.
  9. A Requerente termina solicitando;
    1. a anulação das liquidações de Imposto do Selo em crise, supra identificadas; e
    2. o consequente reembolso do Imposto do Selo indevidamente liquidado por referência ao período compreendido entre Junho de 2021 a Junho de 2022, no montante global de Euro 16.813,21 (dezasseis mil, oitocentos e treze euros e vinte e um cêntimos).
    3. Custas de parte.
  10. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:
    1. Em momento algum a Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral.
    2. Para a AT o dissídio sob apreço respeita apenas ao não reconhecimento por parte da AT dos pressupostos cumulativos que conferem direito à isenção estabelecida na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
    3. O despacho de 09.10.2023 da Unidade dos Grandes Contribuintes - Informação n.º …-ISCPS1/2023 determinou o indeferimento do pedido formulado, porquanto se constatou que a prova apresentada juntamente com o pedido era insuficiente para demonstrar a existência do direito invocado.
    4. A falta de junção do contrato de cash pooling e também a ausência de registos e documentos contabilísticos inviabilizou a confirmação de que as operações financeiras em causa tivessem por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora.
    5. Em sede arbitral a Requerente juntou aos autos cópia do “Cash Management Agreement” onde se pode ler no seu “Artigo 1” que esta conta corrente registará todas as transferências efetuadas entre as partes, incluindo pagamentos de dívidas e créditos pendentes, para no “Artigo 3” se esclarecer que é intenção comum das partes que todas as operações sejam realizadas estritamente com base nas condições de mercado em que nenhuma parte seja favorecida ou desfavorecida as partes consultar-se-ão de modo a respeitar o interesse comum e garantir que a remuneração prevista no presente acordo não favorecerá nem desfavorecerá nenhuma das partes envolvidas.
    6. Não obstante, e como decorre do disposto no n. º 1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.
    7. Corolário lógico desta norma é que não basta à Requerente, pura e simplesmente, afirmar o que referiu acerca da natureza das operações consignadas no sobredito contrato de cash pooling.
    8. Incumbe-lhe, nos termos das regras do ónus da prova, demonstrar a existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito à não sujeição a Imposto do Selo.
    9. Demonstração que a AT, neste caso concreto, entende que a Requerente não consegue fazer, porquanto do documento n.º 6, documento esse que apenas juntou em sede arbitral, não se consegue extrair o tipo e natureza das operações, e/ou que respeitem às operações a que se reporta o “Cash Management Agreement”.
    10. Fazendo uma leitura integrada da evolução legislativa do artigo 7º nº 1, alínea h) do Código do IS a AT entende que o benefício da isenção depende do preenchimento e da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

(i) da existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria celebrado entre a sociedade centralizadora e a(s) participante(s) que regule o seu modo e condições de funcionamento.

(ii) do prazo da operação financeira, isto é, o prazo que medeia a transferência dos fundos e o seu reembolso que não deve ultrapassar um ano;

(iii) da relação societária existente entre as sociedades centralizadora e participante(s) no sistema de gestão centralizada de tesouraria;

(iv)  das limitações espaciais impostas pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo

  1. Da análise à documentação apresentada não foi possível concluir com suficiente grau de certeza que os requisitos enunciados na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS se encontram preenchidos, acolhendo-se, assim, na íntegra, as conclusões alcançadas na informação n.º …-ISCPS1/2022.
  2. Face à ausência de registos e documentos contabilísticos não resta outra conclusão que não seja aquela que considere não terem sido juntos aos autos, meios de prova suficientes, capazes de demonstrar que as operações financeiras em causa têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, ou sequer que os fluxos financeiros cumpriram os prazos previstos na norma de isenção.
  3. Conclui, pois, a Requerida no sentido de se dever manter o indeferimento da reclamação graciosa.

 

II – SANEAMENTO

 

  1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. O processo não enferma de nulidades.
  4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

  1. Salienta-se que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
    1. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social principal o fabrico, distribuição, armazenagem, comercialização, importação e exportação de matérias primas, medicamentos, cosméticos e produtos de higiene, produtos orgânicos, à base de plantas, naturais, nutricionais ou produtos dietéticos, suplementos alimentares, ou outros produtos de saúde, dispositivos médicos e serviços associados, assim como, a pesquisa e desenvolvimento de produtos e dispositivos, novos métodos e processos (Reclamação Graciosa e Resposta da AT).
    2. Integra o Grupo C…, que é um grupo económico internacional, sendo a casa-mãe do Grupo a "D…, S.A." (D… França), sociedade residente para efeitos fiscais na França.
    3. Tendo o seu capital social detido da seguinte forma:

"B…, LDA", entidade residente em Portugal, em 100%, entidade esta que por sua vez é detida pela "F… B.V.", entidade residente para efeitos fiscais nos Países Baixos, em aproximadamente 82% da quota e a "E…, ", entidade residente para efeitos fiscais em França, em aproximadamente 18% da quota (Reclamação Graciosa e Resposta da AT).

  1.  O Grupo C… implementou um acordo de gestão de tesouraria, ao nível das suas subsidiárias - sediadas em mais do uma jurisdição -incluindo a ora Requerente, destinado a assegurar a gestão centralizada de tesouraria das diferentes entidades do Grupo residentes em diferentes países (comummente designado por "cash pooling"), conforme Doc.4 junto.
  2. A ora Requerente aderiu a este acordo a 01.06.2021, conforme Doc.5 junto.
  3. Nos termos do referido acordo, a Requerente aderiu ao sistema de gestão centralizada de tesouraria implementado pela D…França e baseada no princípio de saldo nulo (“Zero Balance Scheme”), no âmbito do qual, sempre que aplicável, o saldo positivo da conta bancária da Requerente deverá ser automaticamente transferido para a conta bancária da contraparte numa base diária, reduzindo assim a zero o saldo da conta bancária da primeira.
  4. As transferências de fundos da Requerente para a D… França foram por ela tratadas enquanto concessões de crédito da primeira à segunda, sendo o sujeito passivo, nos termos da alínea b) do artigo 2.º do CIS, a entidade concedente do crédito.
  5. Consequentemente, a Requerente liquidou mensalmente Imposto do Selo, de acordo com a taxa de 0,04%, prevista na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (Doc. 6 com os saldos de tesouraria e documentos de autoliquidação).
  6. Nesse contexto, a Requerente procedeu à autoliquidação de Imposto do Selo,

("IS"}, referentes aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2021, e bem assim, dos actos de autoliquidação de IS referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2022, efetuados através das Declarações Mensais do Imposto Selo ("DMIS") n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n.º …, n…. n.º …, n.º …, n.º … e n.º …, respetivamente - no montante global de Euro 16.813,21 (dezasseis mil, oitocentos e treze euros e vinte e um cêntimos)”.

  1. A Requerente apresentou reclamação graciosa, a 07-03-2023 a qual foi tramitada sob o n.º …. (Doc.1).
  2. Sobre tal reclamação graciosa recaiu despacho de indeferimento (doc.2) que, em suma, consta do seguinte teor:

….Constata-se, porém, que, a prova apresentada juntamente com o pedido, é insuficiente, pois entendemos ser pertinente apreciar os termos em que o contrato de cash pooling foi redigido.  34. Constata-se também a ausência de registos e documentos contabilísticos apresentados juntamente com o pedido, inviabilizando inferirmos que as operações financeiras em causa têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, disponibilizada através da conta da entidade centralizadora, o que inviabilizaria o benefício fiscal. De facto, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 74.º da Lei Geral Tributária, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. 36. A determinação legal do ónus da prova orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual a parte que deve ser afetada pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova interessa à apreciação do decisor que, perante uma situação de inexistência de prova de determinado facto, decidirá, contra quem tem o ónus da prova.  37. Não obstante o princípio do inquisitório, segundo o qual cabe à Administração Tributária o dever de procurar a verdade material, continuam a ser os particulares (quando o ónus da prova lhes é atribuído) com o dever de demonstração de determinados factos.  38. A inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado. Neste sentido decidiu o Ac. STA de 01-06-2011, (Processo nº 0211/11), do qual consta no Sumário “I – Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito (…)” – citado no Sumário do Acórdão do STA, processo nº 060/13, de 03-042013. 39. Não estando preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do benefício fiscal, é forçoso concluir que a Reclamante não pode usufruir do mesmo. 40. Perante o exposto, somos a concluir pela improcedência dos argumentos da Reclamante, mantendo-se por isso válidas na ordem jurídica as liquidações de IS da Verba 17.1.4 da TGIS, no montante de € 16.813,21, uma vez que a Reclamante não preenche os pressupostos da isenção, previstos nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

  • A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da aludida reclamação gracioso, em 31-10-2023 (Doc.3 junto) através do ofício da Unidade de Grandes Contribuintes da Divisão de Justiça Tributária.

 

  1. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

  1. A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.

  

- Matéria de Direito

 

  1. Está em causa, no presente pedido de pronuncia arbitral, a impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta pela Requerente, por forma a contestar a legalidade dos atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo, referentes à verba 17.1.4 da Tabela Geral do IS (TGIS), relativos ao períodos compreendidos entre Junho de 2021 e Junho de 2022, no montante total de € 16.813,21, por considerar que as liquidações sub judice se encontram desconformes com a legislação fiscal em vigor, mormente por se encontrarem cumpridos os pressupostos para a isenção de Imposto do Selo prevista na ai. h) do n' 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que deverão ser anuladas e a Reclamante reembolsada do montante indevidamente suportado.
  2. A Requerente alega que aderiu a um sistema de cash pooling para gestão centralizada da tesouraria no grupo internacional onde se insere, na modalidade de “zero balance scheme”, baseada no princípio de saldo nulo, no âmbito do qual, sempre que aplicável, o saldo positivo da conta bancária da Requerente deverá ser automaticamente transferido para a conta bancária da D… França, numa base diária, reduzindo assim a zero o saldo da conta bancária da primeira.
  3. Sempre que se verifique a transferência de saldos excedentários das contas bancárias das sociedades afiliadas participantes para a conta centralizadora titulada pela D… , esta credita um juro, bem como, em sentido inverso, sempre que se verifica a transferência de saldos da conta centralizadora para as contas bancárias das sociedades afiliadas participantes, para cobertura de saldos deficitários, a D… debita um juro.
  4. Salientando que, nos períodos a que os atos de autoliquidação de IS respeitam, a Requerente encontrava-se numa situação de excesso de fundos/tesouraria, circunstância que determinou, ao abrigo do mencionado acordo de gestão de tesouraria, conforme referido, a transferência de fundos na sua conta bancária local para a D….
  5. Sendo que as sobreditas transferências de fundos da Requerente para a D… França foram tratadas enquanto concessões de crédito da primeira entidade à segunda.
  6. Nos termos da al. b) do artigo 2.º do CIS, o sujeito passivo é a entidade concedente do crédito (Requerente), tendo esta procedido à liquidação de imposto e consequente repercussão no titular do encargo do imposto, que corresponde, na concessão de crédito ao utilizador do crédito
  7. Argumenta ainda que as operações de tesouraria mencionadas traduzem-se em movimentos de cedência e tomada de crédito, representando assim verdadeiras operações financeiras, uma vez que a relação jurídica estabelecida entre as entidades credoras e devedoras do capital e a entidade centralizadora se concretiza através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, qualquer que seja a sua forma ou prazo.
  8. Pelo que, conclui, tendo em conta as recentes alterações legislativas, nomeadamente com a Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2020, e que alterou a redação da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, será de entender que não é devido imposto do selo a partir de Abril de 2020, na medida em que a Requerente passa a estar abrangida pela isenção nela prevista.
  9. A Requerida desvaloriza os argumentos invocados pela Requerente, centrando o litígio numa questão de ónus da prova, alegando que esta não fez prova dos pressupostos da isenção de imposto que se arroga.
  10. Reconhece que as operações de gestão centralizada de tesouraria – vulgo cash pooling - , traduzidas em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras, pois a relação jurídica estabelecida entre as sociedades credoras e devedoras do capital e juros e a sociedade centralizadora concretiza-se através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, quaisquer que sejam a sua forma ou prazo, pelo que encontram-se sujeitas a Imposto do Selo nos termos prescritos no CIS e respetiva Tabela Geral (cf. n.º 1 do artigo 1.º do CIS e verba 17.1.4 da TGIS).
  11. Contudo, para a Requerida, caberia à Requerente, nos termos das regras do ónus da prova, demonstrar a existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito à não sujeição a Imposto do Selo.
  12. Demonstração que, na sua visão, a Requerente não consegue fazer, porquanto do documento n.º 6 (saldos de tesouraria), documento esse que apenas juntou em sede arbitral, não se consegue extrair o tipo e natureza das operações, e/ou que respeitem às operações a que se reporta o “Cash Management Agreement”.
  13. Vem ainda acrescer na sua Resposta que esta isenção fica ainda condicionada à verificação dos pressupostos estatuídos no n.º 2 do mesmo preceito legal, que nas redações vigentes à data dos factos, anteriormente à alteração promovida pela Lei n.º 12/2022, de 27/06 (LOE/2022):

2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações emque o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.”

  1. E no n.º 3 que dispõe que “O disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.”.
  2. Não obstante, a Requerida não desenvolve esta última linha de defesa, pelo que o dissídio sob apreço respeita apenas ao não reconhecimento por parte da AT dos pressupostos cumulativos que conferem direito à isenção estabelecida na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
  3. Vejamos.
  4. O n.º 1 do art.º 1º do CIS dispõe que: “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
  5. Por sua vez, estabelece o artigo 4º do mesmo diploma que “sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1º, ocorridos em território nacional”.
  6. A Verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo determina a seguinte tributação:

17.1 – Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato – sobre o respetivo valor, em função do prazo:

17.1.1 – Crédito de prazo inferior a um ano – por cada mês ou fração ... 0,04%

17.1.2 – Crédito de prazo igual ou superior a um ano ... 0,50%

17.1.3 – Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos ... 0,60%

17.1.4 – Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 ... 0,04%

  1. E, a propósito de empréstimos concedidos no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria, temos presente a seguinte isenção objectiva estatuída no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS, na redacção da Lei 2/2020, de 31 de Março:

h) “Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contracto de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.

  1. Ou seja, com a Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2020, que entrou em vigor em 1 de Abril de 2020), o legislador consagrou no artigo 7.º do CIS uma isenção de Imposto do Selo especificamente dirigida aos empréstimos concedidos por sociedades no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (vulgo cash pooling), a favor de sociedade com a qual se encontrem em relação de domínio ou de grupo.
  2. Acresce que o legislador condicionou o reconhecimento e concessão da predita isenção à observância do disposto no n.º 8 do mesmo artigo, que estabelecia que:

«8 - Sem prejuízo do estabelecido nos nºs. 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.” (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março).

  1. Em sede arbitral a Requerente juntou aos autos cópia do “Cash Management Agreement” onde se pode ler no seu “Artigo 1” que esta conta corrente registará todas as transferências efetuadas entre as partes, incluindo pagamentos de dívidas e créditos pendentes, para no “Artigo 3” se esclarecer que é intenção comum das partes que todas as operações sejam realizadas estritamente com base nas condições de mercado em que nenhuma parte seja favorecida ou desfavorecida as partes consultar-se-ão de modo a respeitar o interesse comum e garantir que a remuneração prevista no presente acordo não favorecerá nem desfavorecerá nenhuma das partes envolvidas.
  2. O “Artigo 4” prevê o sistema de fluxos financeiros a implementar, um sistema de centralização de numerário baseado no princípio do saldo zero, ou sistema similar, sempre que tal seja possível do ponto de vista jurídico e fiscal, recorrendo a um sistema comum a todas as subsidiárias participantes, onde o saldo da conta bancária da(s) subsidiária(s) será automaticamente transferido para a conta bancária da sociedade centralizadora, diariamente, para zerar a conta bancária da controlada. todas as transações resultantes desta centralização de caixa serão registradas internamente na conta corrente.
  3. Do teor do mesmo, é ainda possível extrair que a sociedade centralizadora fica autorizada a gerir os recursos da(s) subsidiária(s), debitando ou creditando a conta corrente em conexão e com base nos valores devidos no âmbito do sistema de compensação estabelecidos no Acordo ou em resultado de outras transações celebradas entre a(s) subsidiária(s) e a centralizadora.
  4. Além disso, a subsidiária autoriza e confere todos os poderes à sociedade centralizadora para pagar e receber dinheiro em nome daquela, devendo tais operações ficarem refletidas na conta corrente, prevendo-se, ainda, nos termos previstos no “Artigo 2”, que a posição líquida final, após a compensação de contas a pagar e a receber, será debitada ou creditada pela sociedade centralizadora de ou para a conta corrente da subsidiária de acordo com este Acordo e outro qualquer acordo de compensação aplicável de tempos em tempos entre ambas.
  5. A Requerida alega ter analisado a documentação, tendo decidido que não é possível concluir com suficiente grau de certeza que os requisitos enunciados na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS se encontram preenchidos, porquanto não ficou demonstrado que as operações financeiras em causa têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições financeiras, ou sequer que os fluxos financeiros cumpriram os prazos previstos na norma de isenção.
  6. É incontroverso que, no caso em apreço, estamos perante a concessão de crédito por parte de uma entidade residente em território nacional - a Requerente - a entidades aqui não residentes.
  7. Antes do tribunal avançar para a questão central a ser dirimida há que ter presente o que dispõe o n.º 2 do aludido artigo 7º, na redacção anterior à Lei 12/2022, de 27 de Junho:- “O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional”.
  8. São várias as decisões, quer arbitrais, quer judiciais, que versam sobre as operações aqui em causa, denominadas de “cash pooling”, sobretudo no que tange à aplicação do princípio da territorialidade e a conformidade do aludido n.º 2 do artigo 7º com o direito comunitário, tendo inclusive já o STA uniformizado jurisprudência nesta matéria, no Acórdão do STA no Processo:   02/21.3BALSB de 17 de Outubro 2024.
  9. Todavia, o Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa por parte da Autoridade Tributária invoca apenas a falta prova de verificação de requisitos para aplicação da isenção prevista naquele dispositivo legal.
  10. Pelo que o Tribunal não irá pronunciar-se sobre este requisito da isenção uma vez que o tribunal não pode conhecer da legalidade do acto impugnado a coberto de pressupostos que não estiveram na base da sua prática, sendo que apenas se poderão considerar como pressupostos do acto tributário aqueles que a AT fez constar da declaração fundamentadora (parte integrante do próprio acto e dele coeva) que externou aquando da prática do mesmo que, no caso, é o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cf. Acórdão do STA de 28- 10-2020 – Proc. 02887/13.8BEPRT).
  11. Tratando-se de um Cash Management Agreement e aplicando integradamente o disposto nos citados normativos, para o que aqui neste caso interessa, conclui-se que o benefício da isenção depende do preenchimento e da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

(i) da existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria celebrado entre a sociedade centralizadora e a(s) participante(s) com o clausulado que disciplina as condições contratuais acertadas entre as partes;

(ii) do prazo da operação financeira, isto é, o prazo que medeia a transferência dos fundos e o seu reembolso que não deve ultrapassar um ano;

(iii) da relação societária existente entre as sociedades centralizadora e participante(s) no sistema de gestão centralizada de tesouraria;

  1. Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 74º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
  2. Caberá assim à AT a prova da existência de uma operação de utilização de crédito tributável em sede de Imposto do Selo e à Requerente a prova dos pressupostos da isenção de tal tributação (no caso, do artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do CIS).
  3. Ora, a Requerente provou, mediante o contrato entregue e o conhecimento transmitido acerca da relação societária que tem com a entidade do grupo com a qual mantém os fluxos financeiros subjacentes, os pressupostos da isenção supra mencionados nos pontos (i) e (iii).
  4. Contudo não fica provado que o prazo das operações financeiras em causa, prazo que medeia entre a transferência dos fundos e o seu reembolso, seja inferior a um ano.
  5. Efectivamente, um requisito fundamental à isenção corresponde ao alcance limitado a financiamentos de curto prazo, isto é, cujo prazo de empréstimo não seja superior a um ano.
  6. Há que salientar que, à luz do novo CIS, tributando-se apenas a efetiva utilização do crédito, o prazo da operação financeira é independente do contrato de disponibilização subjacente, pelo que o período temporal que decorreu desde a celebração do contrato ou que esteja estabelecido no mesmo, revela-se irrelevante.
  7. Para efeitos da isenção, deverá sim ser salvaguardado que o fluxo financeiro de reembolso após a utilização do crédito é efetivamente inferior a um ano.
  8. A mera invocação de que as transferências de valores são efectuadas no âmbito de um acordo de cash pooling não constitui prova suficiente de que os créditos concedidos não ultrapassaram o prazo de um ano.
  9. Não resulta dos termos do Contrato que todas as operações no âmbito do mesmo deverão ser sempre objeto de liquidação em prazo inferior a 365 dias de calendário, contados desde a data da respectiva constituição.
  10. A Requerente não demonstrou através de outros meios de prova as datas da concessão e as datas do reembolso dos montantes emprestados que determinaram a autoliquidação do IS que aqui se impugna.
  11. Tal não decorre automaticamente do contrato anexo como Doc. 5 nem dos saldos que originam a liquidação do IS, Doc.6 apresentado pela Requerente mas que, só de per si, não comprova necessariamente o reembolso dos valores mutuados por prazo inferior a um ano.
  12. Conforme se teve já oportunidade de referir, encontrando-nos no âmbito de uma isenção, que decorre do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea h) do Código do Imposto do Selo, cabe à Requerente o ónus da prova dos pressupostos necessários para que possa beneficiar da mesma, nomeadamente, a demonstração de que a concessão de fundos foi reembolsada em prazo inferior a um ano.
  13. Realce-se que não estamos perante liquidações oficiosas ou adicionais – em que o ónus da verificação do facto tributário recairia sobre a AT (cfr. art. 74.º da LGT) –, mas perante impugnação de autoliquidações de IS com base num benefício fiscal.
  14.  Ora, não podemos perder de vista a natureza dos benefícios fiscais que, não obstante serem medidas em matéria tributária, prosseguem fins distintos dos assinalados ao sistema fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da CRP e art. 2.º, n.º 1, do EBF).
  15. Assim, o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre o contribuinte beneficiário (cfr. art. 14.º, n.º 2, do EBF), Acórdão do STA no processo 01071/20.9BELR de 10-05-2023.
  16. Certo é que nem todas as transferências financeiras entre entidades relacionadas ao abrigo de um contrato de cash pooling são reembolsadas em prezo inferior a um ano.
  17. Além disso, o Contrato de Cash Pooling é expresso em assumir que visa permitir uma maior eficiência e redução de custos na atividade das partes e a organização dos fluxos financeiros entre as partes do mesmo, empresas do grupo C…, mas não exige que os reembolsos sejam efectuados com prazo inferior a um ano.
  18. A referida demonstração não foi, igualmente, feita através da prova testemunhal.
  19. Consequentemente, tendo em conta antes o exposto, pretendendo a Requerente valer-se da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h) do Código do Imposto do Selo, cabendo-lhe, portanto, o ónus da prova dos pressupostos do benefício fiscal e, não tendo logrado demonstrar, haverá que concluir pela legalidade da actuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, por não terem sido juntos aos autos meios suficientes de prova “ capazes de demonstrar que as operações financeiras em causa ………. cumpriram os prazos previstos na norma de isenção”.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter as liquidações de imposto do selo impugnadas, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente às mesmas, absolvendo a Requerida.
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 16.813,21 (dezasseis mil, oitocentos e treze euros e vinte e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifiquem-se as partes

 

Lisboa, 17-03-2025

 

 

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)