Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1086/2024-T
Data da decisão: 2025-03-06  IRS  
Valor do pedido: € 43.021,34
Tema: IRS – pedido de inscrição como Residentes não Habitual-efeitos da sua apresentação posterior a 31 de março do ano seguinte àquele em que o sujeito passivo de IRS se tiver tornado residente em Portugal, nos termos do n.º 10 do art. 16.º, na redação que vigirou até à Lei n.º 83/2023, de 29/12.
Versão em PDF

SUMÁRIO

 

1-A inscrição como Residente Não Habitual (RNH) , uma vez solicitada  nos termos no nº 10 do art. 16º do CIRS, até 31 de março do ano seguinte àquele em que o contribuinte se tiver tornado residente em território português , tem  efeitos declarativos do direito do contribuinte ser tributado como tal durante 10 anos a partir do ano a que a inscrição respeita.

2-É através dessa inscrição   que a AT  tem a possibilidade de previamente verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição do estatuto  de RNH.

3- A  recusa efetiva ou presumida  dessa inscrição  pode ser fundamento da  ação administrativa regulada no Código de Processo nos Tribunais Administrativos .mas  não de pedido de pronúncia arbitral deduzido nos termos do RJAT, que apenas pode ter por fundamento a ilegalidade da liquidação.

4- Nos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento , a impugnação do ato que recaia  sobre o pedido do contribuinte    é autónoma da  impugnação do ato de liquidação, não podendo a legalidade do indeferimento ser discutida  em processo  arbitral visando a anulação dessa liquidação.

5- A inscrição como RNH fora do prazo referido no nº 10 desse art. 16º não tem eficácia retroativa, mas constitutiva, não podendo a dupla tributação jurídica internacional  anterior ao pedido  ser totalmente eliminada pelo método da isenção a que se refere o nº 2 do art. 81º do CIRS, mas apenas parcialmente atenuada , nos termos do nº 1 dessa norma.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I-RELATÓRIO

1.Identificação das partes.

1.1Requerentes

A...,  nº de identificação fiscal..., de  nacionalidade espanhola,  Requerente A, e B...,  nº de identificação fiscal..., de nacionalidade belga, Requerente ambos residentes na Rua ..., n.º ... –..., ...-... Lisboa.

1.2. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2- Tramitação do processo.

2.1-O pedido de pronúncia arbitral (PPA) deu entrada a 3/10/2024, tendo sido nessa data encaminhado automaticamente para a Requerida.

2.2. A 9/10/2024, a Requerida seria notificada do pedido.

2.3. A  30/10/2024,despacho do Diretor de  Serviços de Consultadoria Jurídica e do Contencioso da AT , notificado às partes a 15/4/ seguinte, designaria representantes processuais da Requerida os juristas ... e ... .

2.4  A 22/11/2024, o presidente do CAAD designaria árbitro singular o jurista António Lima Guerreiro , que aceitou o encargo.

2.5 A 10/12/2024, despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.

2.6. A 12/12/2024, o presidente do Tribunal Arbitral, nos termos do art. 17º  do RJAT, notificaria a diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para , no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, se entender necessário, requerer prova adicional e , dentro desse prazo, juntar o Processo Administrativo(PA).

2.7 A 27/1/2025, a Requerida apresentou Resposta e juntou o PA.

2.8 A 19/2/2025, o Tribunal Arbitral, por estarem em causa questões exclusivamente de direito, dispensou a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, sem prejuízo do pagamento da taxa de arbitragem remanescente e do prazo previsto para a decisão.

2.9. A 5/3/2025, a Requerente comprovaria o pagamento da taxa de justiça subsequente.

2. 10 Na mesma data, a Requerente pronunciar-se-ia sobre as exceções ao conhecimento da causa invocadas na Resposta da Requerida, apresentada a 27/1/2025

 

3  Pressupostos relativos ao tribunal e às Partes.

3.1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

3.3. Nos  termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do art. 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1, do art. 102.º, do CPPT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário, que ocorreu a 31/8/2024.O  PPA deu entrada a 3/10/2024, pelo que deve ser considerado tempestivo.

4- Objeto

O presente pedido de pronúncia arbitral visa a  declaração de ilegalidade   da liquidação de IRS nº... do ano de 2023, no valor total de € 43.021,34, com a consequente anulação da liquidação e restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respetivo pagamento até integral reembolso.

 

 

5- Posição dos Requerentes

 

De acordo com o n.º 8 do art.  16.º, do CIRS, em vigor à data dos factos, anteriores à revogação dessa norma pela Lei nº 82/2023, de 31/12,  consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

 

Conforme expresso inequivocamente  nessa norma, os requisitos para beneficiar do regime do residente não habitual são apenas  os seguintes:  a)O contribuinte tornar-se  residente fiscal em Portugal; b) Não ter sido  qualificado como residente fiscal em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores.

 

A partir do exercício  de 2021, o  Requerente A  passou a reúnir  todas as condições necessárias para ser considerado RNH,  já que,  a 2/11/2021, inscreveu-se como residente em Portugal.

 

No entanto, o Requerente A,  por mero desconhecimento dos dispositivos normativos portugueses,  não procedeu tempestivamente ao pedido de inscrição como    RNH, , por via eletrónica, no Portal das Finanças , o que admite  devia ter feito até 31/3/2023 inclusive, do ano seguinte àquele a que respeitaram os rendimentos obtidos , nos termos do referido  n.º 10 do art. 16.º do CIRS. Também o  não pôde fazer posteriormente, uma vez  o Portal das Finanças também o impedir. Não puderam, assim, os Requerentes juntar à  declaração periódica de 2021 o Anexo L, condição para o primeiro Requerente beneficiar do estatuto de RNH.

 

No entanto, independentemente da responsabilidade contra-ordenacional que os Requerentes admitem possa ter ocorrido, o Requerente A preencheu  os requisitos materiais necessários para ser  considerado RNH em território português, desde a data em que se registou como residente fiscal em Portugal (i.e., desde 2021), ainda que a inscrição como   RNH  tenha sido posterior a 31/3/2022 (nesse sentido, por exemplo, as  Decisões Arbitrais proferidas, entre outros, nos procs. nº s 67/2023, -76/2023-T, 550/2022-T, 581/22T, 648/2023- T ,  777/2020-T e 894/2023-T, com a ,  consequente aplicação do n.º 4 do artigo 81.º do CIRS,   que dispõe que , aos RNHs que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da Categoria A, aplica-se o método da isenção, na condição desses rendimentos “serem efetivamente tributados” no Estado da fonte, em conformidade com convenção para eliminação da dupla tributação internacional.

.

Nessa medida, a  inscrição como residente não habitual não era condição para que o  primeiro Requerente fosse tributado como tal, pelo que a liquidação impugnada carece de ilegalidade e deve ser parcialmente anulada.

 

Na impossibilidade de apresentação do pedido de inscrição como RNH para o ano de 2021 através do Portal das Finanças, o Requerente A apresentou em papel  pedido de inscrição como RNH , junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, a 30/1/2023

 

 No dia 8 /4/ 2024, o.Requerente A foi notificado do despacho de indeferimento do pedido de inscrição como RNH-

 

 Por não se conformar com o despacho de indeferimento do pedido de inscrição como RNH por si formulado . o  Requerente A apresentou ação administrativa junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que corre termos na Unidade Orgânica 1 deste tribunal, sob o n.º de processo 1058/24.2BELRS. 

 

Os Requerentes apresentaram, no prazo legal, a Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2023, na qual incluiram  no Anexo J, rendimentos do trabalho dependente do  Requerente A com origem no estrangeiro  no montante total de € 3 196.314,00, assim como de imposto retido no estrangeiro sobre esses rendimentos no montante de € 17.686,00. 

 

A Declaração Modelo 3 submetida não incluiu o Anexo L relativo aos RNH, na medida em que o sistema não permitiu a respetiva inclusão, não obstante o   Requerente A reunir os requisitos legais para beneficiar deste regime

 

Na sequência da apresentação da sobredita declaração de rendimentos, foram os Requerentes notificados da demonstração de liquidação de IRS n.º 2024..., da qual resultou o valor de imposto a pagar de € 43.021,34, com a data-limite de pagamento de 31/8/2024 , tendo o pagamento ocorrido a 8/8.

 

No sentido da sua posição invocam a Decisão Arbitral n.º 894/2024-T, proferida em  PPA deduzido pelos ora Requerentes contra a liquidação de IRS do ano de 2022, com fundamentos idênticos aos que justificam o presente pedido, dada a identidade das questões de fato suscitadas,      de acordo com a qual  “    I - A inscrição , no Portal das Finanças, dos “residentes não habituais”, tem natureza declarativa, pelo que não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado como tal. (nº 10 do artigo 16º do CIRS).  II-  O direito a ser tributado como “residente não habitual”, em cada ano, resulta automaticamente e “ope legis” do sujeito passivo ser residente em território português e desde que não tenha sido residente em Portugal nos 5 anos anteriores. (nº 8 do artigo 16º do CIRS).” 

 

No mesmo sentido do efeito meramente declarativo e não constitutivo de direitos da inscrição como RNH, ainda que apresentada para além do prazo do nº 10 do art. 16º

6- Posição da Requerida

Não obstante os Requerentes solicitarem a anulação da liquidação de IRS do ano de 2021, a pretensão   do Requerente A é o reconhecimento do   estatuto de  RNH no período de tributação de 2021, do qual este supostamente  deveria ter beneficiado .

 

A pretensão dos Requerentes  não comporta a apreciação da legalidade de qualquer ato concreto de liquidação de imposto, , cingindo-se à apreciação da questão de, em 2023, o  Requerente A  poder, ou não beneficiar do estatuto de  RNH.

 

Nessa medida, o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos RNH inerente a pretensão dos Requerentes.

 

 O pedido dos Requerentes que define o   objeto  da ação não é a declaração da ilegalidade da liquidação a que se refere  a alínea  a) do nº 1 do art. 97º do CPPT, , mas a  condenação da AT a inscrever o primeiro Requerente como RNH a partir de 1/1/2021, que esta , eventualmente sem fundamento bastante, teria recusado não obstante o Primeiro Requerente  se ter tornado residente ser  território português nessa data,   pretensão que se situa no âmbito da ação administrativa a que se referem a alínea  p) do nº1 e o nº 2 daquele art. 97º, tramitada nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e não   no âmbito da impugnação regulada  no RJAT.

 

A legalidade do conhecimento dessa recusa não cabe nas  competências dos  tribunais arbitrais enunciadas no nº 1 do art. 2º do RJAT, que se cingem ao conhecimento da legalidade dos atos de liquidação, não abrangendo as ações meramente condenatórias, mas nas competências  dos tribunais estaduais.

 

A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto no nº 2 do art. 88º e na alínea a) do nº 3 do artº  89 º do CPTA, aplicáveis ex vi da alínea c) do  nº 1 do art. 29º   do  RJAT.

 

Por outro lado, a pretensa natureza meramente  interlocutória do procedimento de reconhecimento do estatuto de RNH  teria sido desconstruída no Acórdão do Tribunal Constitucional(TC) nº 718/2017,  que se pronunciou no sentido do  carácter constitutivo de direitos da inscrição no respetivo registo. Dessa prévia inscrição dependeria  necessariamente o acesso ao estatuto de RNH.o que não violaria o direito constitucional de acesso  à justiça.

 

Tendo os Requerentes omitido esse dever de inscrição, não podem atacar  a liquidação com fundamento em esta ter  violado  o estatuto de RNH , do qual aqueles  não foram nem são  titulares.

 

A interpretação dos Requerentes viola também a necessária coerência do sistema fiscal

 

Como a possibilidade de beneficiar do regime de RNH depende da inscrição prevista no  nº 10 do art. 16º do CIRS, o legislador limitou-se a prever como condição para o interessado poder beneficiar do “Programa Regressar”: não se ter anteriomente inscrito como RNH.

 

Caso  fosse seguida a interpretação “sui generis” do nº 8 do art. 16º do CIRS da autoria dos Requerentes, um contribuinte que não tivesse  pedido a inscrição como RNH poderia beneficiar primeiramente do “Programa Regressar” e, terminados os 5 anos, do regime de RNH, neste caso  por aplicação automática do n.º 8 do art, 16 do CIRS.

 

Ao  contrário, um contribuinte que tivesse  pedido a inscrição como RNH, não poderia beneficiar do “Programa Regressar” por não cumprir a condição exigida pelo n.º 2 do art 12.º A do CIRS. A duração desse regime especial seria muito inferior.

 

O regime especial a que pretende aceder, por força da interpretação “ sui generis “ que os Requerentes fazem desse nº 8 do art. 16º, teria  a duração muito superior  de 15 anos.

 

É, assim,  inevitável concluir que a correta aplicação do regime de RNH, de forma sistematizada e atendendo aos princípios jurídicos a que se subjaz, é a que exige a inscrição dentro do prazo expressamente determinado na lei.

 

Nesta senda, dispõe a doutrina maioritária, nomeadamente Ricardo da Palma Borges e Pedro Ribeiro de Sousa, no texto “O  regime fiscal dos residentes não habituais” (Estudos em memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. V, Coimbra Editora pág. 728): “O registo no cadastro de contribuintes da DGCI enquanto residente não habitual exigido pelo n.º 7 do art.º 16º do CIRS, constitui um caso em que a lei dispõe sobre o conteúdo de uma relação jurídica – a tributária – sem abstrair dos factos que lhe deram origem. O ato formal do registo assume-se assim, como um facto constitutivo desta relação (…)”

 

Solicita , ainda, a Requerida a suspensão do  presente processo arbitral até à decisão da  ação administrativa junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que corre termos na Unidade Orgânica 1 deste tribunal, sob o n.º de processo 1058/24.2BELRS, dada uma pretensa relação de prejudicialidade das questões discutidas nesse processo com as controvertidas na presente ação.. 

 

7- Fundamentação

 

7.1.Fundamentação de facto

 

7.1.1 Factos Provados

 

7.1.2. De 2016 a 2020 (inclusive), o   Requerente A  residiu civil e fiscalmente na Bélgica, na Rue..., n.º ..., ... Bruxelas, na Bélgica, conforme se afere da certidão de residência fiscal emitida pela Autoridade Fiscal Belga (“Generale Administration of Taxation”),, datada de 26/09/2022 , destinada à administração fiscal portuguesa para efeitos da aplicação da convenção sobre dupla tributação internacional entre Portugal e o Reino da Bélgica, de 16/7/69. 

 

7.1.3 A 1/2/2021, o Requerente A celebrou um contrato de trabalho com a C... AG, com sede em..., ..., na Suiça, para desempenhar as funções de Diretor de Projeto, funções que não constam da lista de profissões de elevado valor acrescentado que constam da Portaria nº 230/2029, de 23/7.

 

7.1.4 A 19/2/2021, obteria junto das autoridades belgas, nos termos do art. 116º do Decreto Real de 8/10/81, um atestado de residência ocasional neste país.

 

7.1.5. A   24/3/ 2021, o  Requerente A obteve a certidão de registo de cidadão da União Europeia, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo da Lei n.º 37/2006, de 9/8, , que atesta a sua residência na Rua..., n.º ... –..., em Lisboa (

 

7.1.6.  A 2/11/2021, o  Requerente A  alterou a sua morada para Portugal, para a Rua..., n.º ... –..., em Lisboa. O atraso  da comunicação da alteração da morada fiscal seria justificado com  constrangimentos decorrentes do encerramento do atendimento presencial nos serviços de finanças resultante da pandemia de Covid 19.

 

7.1.7.  Os   Requerentes não apresentaram, no prazo legal, a Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2023, na qual incluíram  no Anexo J, rendimentos do trabalho dependente do  Requerente A com origem no estrangeiro  no montante total de € 3 196.314,00, assim como de imposto retido no estrangeiro sobre esses rendimentos no montante de € 17.686,00.  Não incluíram nessa Declaração quaisquer outros rendimentos  auferidos em Portugal ou na Suíça para além dos provenientes do contrato de trabalho referido a 7.1.1.

 

7.1.8 A Declaração Modelo 3 submetida não incluiu o Anexo L relativo aos RNH, na medida em que o sistema não permitiu a respetiva inclusão,

 

7.1.9 O Requerente A interpôs ação administrativa junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que corre termos na Unidade Orgânica 1 deste tribunal, sob o n.º de processo 1058/24.2BELRS, visando o reconhecimento do seu estatuto de RNH, não havendo informação sobre o estado dessa ação.

 

7.1.2.  Factos não Provados.

Não se consideram não  provados  quaisquer outros factos relevantes para o conhecimento da causa,.

7. 1.3 -Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e  no nº 1 do  596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex  alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º   do RJAT.

 

O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados , considerando como provados  os factos em que se demonstrou acordo das partes nesse sentido, e também quanto aos não provados .

 

Essa convicção foi extraída do   exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art.  16.º, do RJAT e  nos nºs 4e 5 do 607.ºdo CPC aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º  do RJAT.

 

7.2 Fundamentação de direito

 

Cabe  proceder , em primeiro lugar, à apreciação da exceção suscitada pela Requerida . Esta sustenta que a  pretensão dos Requerentes, porque não comporta a apreciação da legalidade de qualquer  ato concreto de liquidação de imposto,  cingindo-se à apreciação da questão de, em 2023, os Requerentes não poderem  beneficiar do estatuto de  RNH,  mero pressuposto do acesso ao  regime fiscal especial do nº 10 do art. 72º do CIRS, não cabe  no âmbito das competências dos tribunais arbitrais definidas no nº 1 do art. 2º do RJAT. A Requerente  mantém que o ato impugnado é uma liquidação

 

A recusa efetiva ou presumida da atribuição do estatuto  de RNH   seria um ato administrativo distinto da liquidação, ainda que possa influenciar  o conteúdo. desta

 

A condenação da AT à atribuição desse estatuto  não caberia, assim, na competência dos tribunais arbitrais.

 

Anteriormente à Lei  º 82/2023, o estatuto de residente era definido nos seguintes termos  nos nºs 1 a 5 do art. 16º do CIRS:

 

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:



a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;



d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.



2 - Para efeitos do disposto no nº  anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

5 - A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado”

 

Uma coisa, no entanto, é o estatuto de mero  residente, outra o estatuto  de residente não habitual, que é o residente em território português mas que  simultaneamente mantém uma residência habitual no estrangeiro,  não tem a sua residência habitual em nenhum país ou resida em Portugal há menos de 10 anos, desde que, em qualquer dos casos, tenha sido considerado residente fiscal em Portugal em qualquer momento do ano.

 

Aos residentes não habituais aplicavam-se as  seguintes disposições do art. 16º do CIRS em vigor a quando dos factos:


“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido  residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. 

 

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.



12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no nº anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, que volte a ser considerado residente em território português”.



13- Enquadra-se no disposto na alínea d) do n.º 1 o exercício de funções de deputado ao Parlamento Europeu.



14 - Sem prejuízo do disposto no nº  seguinte, um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e



b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.

15 - O disposto no nº anterior não é aplicável caso o sujeito passivo demonstre que os rendimentos a que se refere a alínea b) do mesmo número sejam tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência:



a) Noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade; ou

b) Noutro Estado, não abrangido na alínea anterior, em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60 % daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português.

16 - Um sujeito passivo considera-se, ainda, residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, perdeu aquela mesma qualidade”.

Assim, o estatuto de RNH não era concedido automaticamente mas dependia  de uma declaração de vontade do contribuinte ´, expressa na sua inscrição como tal no Portal das Finanças,  de ser tributado como RNH e da sua confirmação pela administração fiscal.

Com o art. 7º  do  DL n º 41 /2016, de 1/8, essa inscrição passaria a ser sempre efetuada por meios eletrónicos, deixando de ser permitida  em papel.

O  estatuto de RNH seria , posteriormente aos  factos em apreciação, eliminado  pela alínea b) do art. 317º da Lei nº 82/2023, de 29/12, Essa norma  revogaria , em particular e  expressamente, os nºs 8 a 12 do art. 16º do CIRS, ainda aplicáveis, no entanto, aos factos discutidos no presente processo arbitral, nos termos da norma transitória do nº 4 do art. 236º dessa Lei.

 

Seria substituído pelo regime de incentivo fiscal à investigação científica e inovação (IFICI), previsto no art.  58.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aditado pelo art. 263º da referida Lei  nº 81/2023,

 

.A aplicação desse regime , regulada  em termos mais exigentes  do que o  generoso regime anterior, continua a  depender de inscrição , agora nos termos da Portaria nº 352/2024ª-1, de 23/12, Portaria essa que substituiria a Portaria nº 230/2019, ambas  do Ministério das Finanças.

 

De acordo com o regime substituído, o contribuinte que pretendesse aceder ao estatuto de RNH tinha, em primeiro lugar ,de se inscrever como  residente em território português.

 

Até 31 de Março  do ano seguinte aquele em que se tornasse residente em PortugaL, deveria subsequentemente  requerer  por via eletrónica o estatuto de RNH.

 

Essa inscrição tinha efeitos declarativos, reportados à data em que o contribuinte se tornou residente em Portugal.

 

 Caso esse prazo  não fosse cumprido, a inscrição não tinha efeitos declarativos, mas apenas para o futuro.

 

A administração fiscal não pode recusar a inscrição como RNH, ainda quando tiver sido apresentada após 31 de março do ano seguinte àquele em que o sujeito passivo se tornou residente, ainda que isso implique alterações dos seus procedimentos informáticos.

 

No entanto, tal declaração só produz efeitos “ex nunc”,  não retroagindo os seus efeitos ao exercício anterior.

 

 Assim o entenderam  os acórdãos do STA de 29/5/2024, proc. 0842/23.9BES RNH NT e15/1/2025, proc. 01750/22.6 BEPRT. .

 

De acordo com essa jurisprudência ,  o ato de inscrição como   RNH é condição de aplicação do seu regime fiscal , sendo através dessa inscrição   que a AT  tem a possibilidade de previamente verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição do estatuto  de RNH.

 

Assim, ao contrário do que sustentaria o Acórdão do TCA Norte de 7/6/2024, proc. 02281/21.7BEPRT, o nº 10 do art. 16º do CIRS não deve entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa apenas  assegurar sua efetividade e o seu normal funcionamento e cuja inobservância não teria quaisquer consequências para o contribuinte, a não ser eventualmente de índole contra-ordenacional.

 

Pretende, antes, garantir o preenchimento dos pressupostos de acesso ao regime fiscal dos RNHs e reflexamente os princípios da legalidade e igualdade tributária.

 

Assim, , a concessão do estatuto de RNH  não  é  automática nem oficiosa.

 

Depende de  ato administrativo de reconhecimento dos seus pressupostos, como sustentaria  o Acórdão do  TCA  Sul de 6/10/2022, proc. 01321/20.1BEBRG, ato esse tomado no âmbito de procedimento autónomo  da iniciativa do interessado, nos termos do art. 14º do EBF.

 

Para efeitos da emissão desse ato, a AT, nos termos da  Circular  nº 92012, de 13/8, ,  o sujeito passivo deve apresentar no pedido de inscrição uma declaração em como não se verificaram os requisitos necessários para ser considerado residente em território português, em qualquer dos cinco anos anteriores àquele em que pretenda que tenha início a tributação como residente não habitual, nomeadamente por não preencher nenhuma das condições previstas nos nºs 1,2 e 5 do art. 16º do CIRS  ou por força da aplicação de convenção para evitar a dupla tributação.
 

Após o pedido de inscrição como residente não habitual, incumbe à AT proceder ao controlo dos registos do requerente do estatuto de RNH  no seu cadastro, por forma a validar se cumpre ou não com os requisitos legalmente previstos, nomeadamente:
 

i)Se esteve registado enquanto residente em Portugal perante a Autoridade Tributária;
(ii) Se submeteu declarações Modelo 3 de IRS enquanto residente em Portugal;
(iii) Se recebeu rendimentos de trabalho dependente ou rendimentos profissionais ou empresariais pagos por entidades portuguesa e que tenham sido reportados em Declarações Mensais de Remunerações;
(iv) Se beneficiou de alguma isenção de IMI enquanto residente em Portugal.
 

Quando existam fundados indícios de falta de veracidade dos elementos constantes da declaração referida  no ponto anterior ,  podem ainda, diz essa Circular,  ser solicitados ao sujeito passivo elementos adicionais, nomeadamente documento que ateste a residência no estrangeiro emitido por qualquer entidade oficial de outro Estado ou, ainda, outros documentos idóneos que evidenciem a existência de relações pessoais e económicas estreitas com um outro Estado no período relevante.

 

O Fisco procede,  assim, um controlo,  ainda que meramente provisório,  dos pressupostos do regime dos RNHs , podendo solicitar elementos adicionais, comprovativos de que o requerente foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição nos cinco anos anteriores à inscrição ..

 

Cabe-lhe verificar se a atividade desenvolvida pelo contribuinte é, ou  não, se elevado valor acrescentado.

 

A condenação à inscrição como RNH, indevidamente recusada pela AT,  só é possível  em    ação administrativa, fora do âmbito do RJAT.

Nos termos da alínea  p) do nº 1 do art. 97º do CPPT, essa ação abrange a condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como para a impugnação ou condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, bem como a impugnação ou condenação à emissão de normas administrativas em matéria fiscal , a qual , nos termos do nº 2 desse art, ,  é regulada pelas normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (:CPTA)-

O   Requerente A não pede diretamente, no pedido de pronúncia arbitral , a condenação da  AT à inscrição como residente não habitual , mas a anulação parcial de uma liquidação concreta  identificada pelo nº, autoria e data ao seu agregado familiar, que, no entanto, só seria possível se estivesse inscrito como RNH. Ou seja, a pretensão da Requerente de anulação da liquidação depende de uma questão prévia , o reconhecimento do estatuto de RNH , com o consequente acesso ao regime especial dos RNHs.

 

Segundo o acórdão do STA  de 22/3/2018, proc, 01263/16 no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, independentemente do caráter constitutivo ou declarativo deste,  a impugnação do ato que recaiu  sobre o pedido de reconhecimento  é autónoma em relação à impugnação do ato de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação. Tal ato de recusa , porque lesivo ,está abrangido pela 1ª parte do art. 54º do CPPT.

 

Segundo o Acórdão do TC no proc. nº 717/2017 que a Requerida invoca, tal interpretação   não viola o princípio constitucional do acesso à justiça

 

O acesso à justiça  só impõe   a impugnabilidade dos atos interlocutórios,  como, no caso , a recusa do estatuto de RNH, quando estes tiverem tal carácter lesivo.

 

Não está em causa, no entanto, qualquer questão de inconstitucionalidade, único caso em que a invocação  dessa jurisprudência seria pertinente, .mas a interpretação do direito positivo,  o nº 10 do art. 16º do CIRS, de acordo com o qual o acesso ao estatuto de RNH dever ser requerido até 31 de Março do ano seguinte àquele a que os rendimentos respeitam. 

 

Ainda que fosse possível , que não é, ao Tribunal Arbitral o conhecimento da pretensão da Requerente, a resposta seria sempre no sentido da improcedência, já que colide com a necessária prejudicialidade da condição de RNH.

 

Segundo a jurisprudência arbitral citada pelos Requerentes,  o incumprimento dessa obrigação legal do nº 10 do art. 16º do CIRS,  não faz cessar o efeito declarativo da inscrição.

 

A inscrição poderia ser apresentada a todo o tempo sem prejuízo dos seus efeitos declarativos, reportados â data da verificação histórica dos pressupostos do benefício.

 

Os  já referidos acórdãos do STA de 29/5/2024, proc. 0842/23.9BESNT e 15/1/2025, proc. 01750/22.6 BEPRT, de 15/1/2025 pronunciaram-se sobre o assunto em sentido totalmente oposto.

Tais acórdãos solidamente fundamentados  foram subscritos por unanimidade por seis conselheiros diferentes da Secção do Contencioso Tributário do STA, dos 11 que integram normalmente o Pleno da Secção , em recursos para uniformização de jurisprudência. Não é ainda uma jurisprudência consolidada, mas está em vias de estabilização.

 

Segundo a doutrina aí sustentada, . o incumprimento do prazo do nº 10 do art. 16º do CIRS não tem efeitos totalmente preclusivos do direito a inscrição como RNH.

 

Em conformidade, parcialmente em sentido contrário ao sustentado pela AT nesses processos , o STA condenaram esta , em  ação administrativa ,à inscrição como RNH  dos impugnantes que a requereram  extemporaneamente mas que, mesmo assim,  mostraram ter preenchido os requisitos materiais de acesso  ao benefício.

 

Essa condenação não foi, no entanto, de acordo com essa doutrina, integral, ou seja, nos termos requeridos pelos impugnantes.

 

Tal  efeito preclusivo, embora não determine a cessação total do benefício, sendo, por isso, apenas parcial ,abrange os períodos de tributação anteriores ao da inscrição.

 

O efeito declarativo da inscrição como RNH depende , assim,  do cumprimento da obrigação do nº 10 do art. 16º do CIRS  no prazo previsto nessa norma.

 

Ultrapassado esse prazo,  a inscrição passa a ter efeitos constitutivos. 

 

 Tal é a  doutrina assumida pelo TCA Sul desde há muito  em benefícios fiscais estatutários de natureza idêntica(Acórdão do TCA Sul de  13/5/2003, proc. 01091/98, que a recente  jurisprudência do STA se limitaria, neste aspeto , a acolher: dependendo as isenções sujeitas a reconhecimento de iniciativa dos interessados, o contexto histórico a que a decisão, nos seus efeitos, se deve reportar é o do pedido de reconhecimento e  não, como erradamente pretende a jurisprudência arbitral citada, um contexto histórico anterior ao do pedido de  reconhecimento,  à escolha dos  contribuintes.

 

Em conformidade, as partes  desse processo judiciai seriam tributadas em custas, 50 % cada uma.

 

Assim, a apresentação  do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº.10, do preceito tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição e não a total preclusão do direito de acesso a esse regime

 

O efeito retroativo, â data em que  o contribuinte se tornou residente, a que se refere o n´9 do art. 16º, foi, assim legalmente subordinado  ao cumprimento atempado da obrigação prevista no nº 10.  O incumprimento desse verdadeiro ónus  legal  implica que a inscrição passe a ter efeitos constitutivos a partir da inscrição, por oposição a declarativos.

 

Tal nº 9 não pode, assim, ser segregado do contexto da norma-

 

Tal regime seria totalmente reproduzido pela norma transitória do art. . 236º da Lei nº 23/023  que dispõe “4  - Para efeito do disposto nas alíneas c) e d) do número anterior, o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português, nos termos do previsto n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela presente lei, por referência ao ano em que se tornou residente nesse território. 5 - Nos casos em que a inscrição seja efetuada fora do prazo referido no n.º 4, a tributação nos termos salvaguardados no presente artigo produz efeitos a partir do ano em que a inscrição seja efetuada, pelo prazo remanescente, até ao termo do período previsto no n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela presente lei, contado desde o ano em que se tornou residente nesse território”.

 

Diz na informação da 6/11/2023 da Direção de Serviços de Justiça Tributária da Direção de Finanças  do distrito de Lisboa  em que, por remissão,  se baseou o indeferimento da reclamação graciosa: “”V. ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER O ora reclamante pretende ser “ Residente Não Habitual “ no ano de 2021.Contudo, nos termos do n° 10 do art° 16° do CIRS tinha que solicitar a inscrição como Residente Não Habitual por via eletrónica , no Portal das Finanças , posteriormente ao ato de inscrição como residente em território português e até 31 de março inclusive , do ano seguinte aquele em que se tornou residente nesse território. Não o tendo feito, não tem direito ao Estatuto de Residente Não Habitual no ano de 2021”.

 

Como  conclui  o acórdão do STA de 29/5/2024, proc. 0842/32.9\

“ 1 -Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.


III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018”.

A administração fiscal apenas recusou que os Requerentes sejam tributados como residentes não habituais no exercício de 2021, em que os próprios reconhecem não ter cumprido tempestivamente os requisitos formais  de que depende o acesso a esse estatuto.

Tal não impede o interessado  de, nos exercícios seguintes,  beneficiar desse estatuto, desde que mantiver a  residência não  habitual em Portugal, o que é expressamente  salvaguardado na alínea a) do nº 3 do art. 236º da Lei nº 82/2023(Ofício- circulado nº 90068, de 16/12/2024). Tal questão, no entanto, não se coloca no presente processo arbitral, que respeita apenas à legalidade da liquidação de IRS de 2021.

 

Esse carácter declarativo significa apenas que:

 

a)O não registo como RNH  apenas obsta à aplicação do regime fiscal dos RNH se o contribuinte não tiver requerido a inscrição até 15 de Março do ano seguinte àquele em que tornou residente em Portugal;

 

b)O incumprimento desse dever de inscrição até essa data não implica a perda total do benefício,  mas apenas que este não abrange o  ou anteriores ao da inscrição, não obstante o contribuinte  já se tornado residente em Portugal (Decisões Arbitrais nºs 76/2023- T , 648/2023- T  e 574/2023-T).

 

Não quer dizer que a inscrição possa ser apresentada a todo o tempo, 5 ou 10 anos depois, com a consequente impossibilidade de a administração fiscal controlar os seus pressupostos.

 

Como refere a Declaração de Voto no processo arbitral nº  67/2023- T, da autoria do árbitro Tomás Castro Tavares, outra posição implicaria que  o impulso do contribuinte descrito no nº 10 do art. 16. do CIRS tivesse  meramente declarativo, no limite apenas para efeitos estatísticos, independentemente da data de cumprimento da obrigação de inscrição. O facto de tal impulso  ser efetuado fora do prazo legal não poderia nunca prejudicar o seu efeito declarativo, pelo que esse nº 10 do art. 16º seria letra morta.

 

Citando tal Declaração, isso  não quadra com a autonomia dessa declaração face à prévia inscrição como residente.

 

Se a lei fiscal exige duas declarações autónomas (como residente fiscal e como RNH), não pode o intérprete chegar a um resultado que retira qualquer efeito útil a uma delas; para isso, o legislador teria apenas indicado a necessidade de uma só declaração, que conteria a ulterior – sendo automáticos os efeitos.

 

 Assim , caso essa interpretação fosse aceite, ao exigir duas declarações, uma como residente, outra como RNH, o legislador ter -se-ia dedicado a um exercício tão fútil como inútil, o que é absurdo.

 

Ainda  que o incumprimento do  nº 10 do art. 16º do CIRS pudesse ser qualificado como contra-ordenação, dificilmente compatível com o princípio da legalidade, , não estaria nunca garantido que o benefício económico indevidamente obtido não fosse muito superior ao prejuízo causado com a aplicação da medida.

 

Assim, ao contrário do que sustenta parte da jurisprudência arbitral citada pelos Requerentes, que, aliás, ainda não originou  diretamente jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, este Tribunal  Arbitral não é competente para o conhecimento do pedido de pronúncia arbitral.

 

É verdade que os Requerentes interpuseram  ação administrativa junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que corre termos na Unidade Orgânica 1 deste tribunal, sob o n.º de processo 1058/24.2BELRS, visando o reconhecimento do seu estatuto de RNH, não havendo informação sobre o estado dessa ação e que o pedido de inscrição como RNH foi apresentado antes da data de 31 de março de 2023, quando ainda não se iniciara o prazo de entrega da declaração de declaração do IRS de 2023.

 

Face ao que foi referido,  ao contrário que pretende a Requerida o Tribunal Arbitral decide, não suspender a instância, não aguardando, assim,  a decisão da ação administrativa junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que corre termos na Unidade Orgânica 1 deste tribunal, sob o n.º de processo 1058/24.2BELRS , mas decidir o presente processo arbitral no prazo previsto no RJAT

 

Tal  não implica qualquer prejuízo dos direitos dos Requerentes.

 

Com efeito, a eventual procedência da  ação, a ter lugar,   implicaria a nulidade- e não mera anulabilidade, dos atos consequentes, que pode ser sempre conhecida a todo  o   tempo, a pedido destes,  nos termos do nº 2 do art. 102º do CPPT(acórdãos do STA de 7/2/2001, proc. 037243 e 24/2/2010, proc. 022/10).

DECISÃO

 

Termos em que se decide;



a) Não declarar a ilegalidade   da liquidação de IRS nº... do ano de 2023, no valor total de € 43.021,34

 

b)Condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo.

VI. VALOR DO PROCESSO

         

          Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €  € 43.021,34

 

 

VII. CUSTAS

 

          Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.142,00,  a suportar pelos Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 6 de Março de 2025

 

O árbitro singular

 

(António Lima Guerreiro)